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Teiko Shimura E A Maldição Da Família Thorne
Teiko Shimura E A Maldição Da Família Thorne
Teiko Shimura E A Maldição Da Família Thorne
E-book534 páginas7 horas

Teiko Shimura E A Maldição Da Família Thorne

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Sobre este e-book

Londres. 1895. Na noite vitoriana da capital do mundo, o patriarca da poderosa Família Thorne é raptado e aparece decapitado, com uma lanterna folclórica de halloween no lugar da cabeça. Imediatamente a superstição faz lembrar a maldição que cerca a família, que diz que a cada cinco gerações, cinco Thorne serão decapitados por um fantasma sem cabeça. Convocados para entender as circunstãncias do crime fantástico, Teiko Shimura e Wasaru Watanabe, detetives visitantes da Polícia de Tóquio, se deparam com pistas, códigos e sinais misteriosos que os levam a suspeitar que mais que uma lenda, o que corre é um plano sórdido de vingança. Os Quatro Audazes - Shimura, Wasaru, Miss Caledwin e Lady Neverness - colocarão sua mente e inteligência fabulosas para resolver o mistério da Maldição da Família Thorne, enquanto a Vespa Vermelha luta para sobreviver a um exército que a irá caçá-la como o Inimigo Público N° 1 de Londres .
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de dez. de 2018
Teiko Shimura E A Maldição Da Família Thorne

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    Teiko Shimura E A Maldição Da Família Thorne - H. H. M. Mcross

    H. H. M. McRoss

    TEIKO SHIMURA E A MALDIÇÃO DA FAMÍLIA THORNE

    1ª edição

    Rio de Janeiro

    Carlos Roberto Teixeira Alves

    2019

    copyright: Carlos Roberto Teixeira Alves - 2019

    Fictional work. All rights reserved. The total and/or partial reproduction, storage or transmission of this book is prohibited, by any means, without prior written authorization.

    h.h.m.mcross@gmail.com

    twitter @h_mcross

    instagram @hhmmcross

    ISBN (printed edition):  978-85-4550-297-5

    Dedico este livro à minha esposa querida, Gicelia,

    e aos meus filhos muito amados: Bernardo, Arthur e Helena.

    Que estas histórias encantem a vocês, meus amados,

    tanto quanto foi encantador para mim escrevê-las…

    C.R.T.A

    1. LONDON DOCKS, CHINATOWN, 1895

    Ela estava parada no centro do salão, cuja decoração era de ornamentos orientais, com exagero do vermelho, do dourado e de dragões chineses. Estava imóvel, sua capa a cobria inteira, como se ela fosse um monólito, o rosto na penumbra. O silêncio era completo, mas tinha ela os ouvidos atentos para os sons. Havia um círculo de homens, pelo menos vinte, nus da cintura para cima, todos chineses. Eles cercavam-na, caminhando devagar à volta dela, em guarda. Alguns deles portavam bastões, todos eram claramente lutadores.

    A mulher imóvel era a Vespa Vermelha.

    Todos estacaram. O silêncio era completo, a tensão imensa. Eles iriam atacá-la, mas de onde viria o ataque primeiro? Pelas costas? Pelos francos? Alguns saltariam sobre ela, com malabarismos circenses da luta marcial chinesa?

    Dava para ouvir a chuva fina bater no telhado lá fora.

    – DOUZHENG! – ‘Lutem!’, gritou uma voz em chinês.

    Os homens avançaram contra a Vespa. Ela abaixou-se, o manto a envolveu e em um segundo ela saltou. Girou o corpo no ar, pés e mãos. Foi acertando os oponentes no peito, face, ombro, braços, pernas. Quem se aproximava dela levava golpes de cotovelo, joelho, chutes. Ela se esquivava como se fosse de pano, sem ossos. Um, dois, três, quatro, cinco esquivas. Os golpes dos chineses giravam no ar. Ela viu os bastões e puxou o dela de sob a capa, o bastão retrátil que dobrava de tamanho por ação de mola. Ela girou e enfrentou os bastões. Tirou um, quebrou outro, enfrentou outros dois ao mesmo tempo. Os chineses golpeavam com força para arrancar o bastão dela, mas ela parecia ter força descomunal. Girando o bastão com velocidade, foi acertando pés e joelhos dos adversários e abrindo o círculo, girando e pulando, obrigando os homens a recuarem. Alguns tombaram. Até que eles estavam bem mais afastados dela que no início da luta.

    A Vespa parou de mover-se e ficou no meio do círculo, em guarda, grande como um gigante, bastão em riste.

    – Venham! – ela disse.

    Os chineses avançaram todos um passo, mas estacaram, detidos pela ordem:

    – TINGZH! – ‘Parem’, a voz chinesa gritou de novo. Os lutadores pararam e fizeram o cumprimento kin-lai do Kung-fu.

    Um senhor chinês de longa trança entrou no salão. Ele usava roupas simples de algodão, mas tinha ar solene. Em chinês foi mandando os outros chineses para o fundo do salão e se aproximou da Vespa Vermelha. Ela recolheu o bastão; o chinês parecia pequeno perto dela e aquele chinês ainda era mais alto que Shimura. O velho chinês ficou olhando-a muito tempo.

    Shimura aproximou-se. – Honorável Yu Xuanji, pode falar com ela. Se for treiná-la…

    Wasaru estava também ali, mas preferiu ficar de lado, afastado, discreto junto de uma coluna. Não se sentia à vontade com chineses como seu sensei, Shimura. Sendo japoneses, Shimura e Wasaru teriam um milhão de razões para evitar chineses, mas Shimura era mais velho, de outro tempo, e no começo das universidades japonesas em modelo ocidental, muitos chineses foram estudar entre japoneses. Lá aprenderam muitas das teses politicas ocidentais sobre as instituições republicanas e foi o que formou muitos estudantes chineses que depois fomentariam revoluções populares a partir das universidades chinesas, todas revoltas de cunho trabalhista e segundo a perspectiva operária. Na época, Shimura, candidato a cargos dentro da polícia, agia como informante: fazia longos relatórios sobre a atividade estudantil dentro da universidade e fornecia à polícia. Era um delator, mas sua preocupação era a atividade policial, não a política. Aquele Yu Xuanji fora amigo muito próximo do japonês na Universidade de Tóquio: cantaram juntos, riram juntos, beberam muito juntos até muitas madrugadas. O chinês sempre soube que o japonês fazia relatórios para a polícia e sempre insistia que Shimura devia deixar de lado essa atividade espiã e pensar no futuro político do Japão. Mas Shimura não pensava em política, só em atividade policial. A amizade perdurou depois da faculdade, quando Shimura foi estudar em Nanquim. Então Yu Xuanji era forte ativista político socialista, mas teve decepções e abandonou a atividade militante partidária para se refugiar nos mosteiros no sul da China, onde se tornou mestre da luta marcial. Shimura viveu com ele todo um ano no mosteiro, mais tarde, vendo como o amigo se tornara um exímio e respeitável mestre religioso. Foi Shimura que o incentivou a ir embora para a Inglaterra, quando percebeu que o governo chinês iria atrás de todo velho ativista político contrário ao regime e se havia um lugar onde a crueldade era absolutamente mortal era em uma prisão chinesa. O amigo aceitou o conselho e com um grupo seleto de discípulos veio para Londres onde já vivia havia dez anos.

    A China e o Japão estavam com relações políticas tensas, por causa da Guerra da Manchúria, onde tropas japoneses ocupavam vastas extensões no Norte da China. Mas nem esse evento belicoso atrapalhava a velha amizade daqueles velhos japonês e chinês.

    Yu Xuanji balançou a cabeça. – então, vou falar… Teiko disse que você é uma lady.

    – Sou.

    – Qual seu nome?

    Ela hesitou. Shimura acenou positivamente com a cabeça. Sabia que os nomes dos nobres e suas relações dentro da família real inglesa eram ignoradas pelos imigrantes.

    – Lady Vanessa Neverness de Guildamore… – ela respondeu.

    – Bom, sim… Teiko! – passou para o chinês: – Você quer mesmo que ela seja treinada?

    – Yu! – Shimura falava chinês muito bem: – Ela vigia as ruas contra o mal. Fez o voto de defender o inocente.

    – Teiko, Teiko… Você também fez esse voto e saiu por ai com sua espada… quase deu errado…

    – Mas é diferente, Yu. O espírito dela é feito de ferro. Se nós marcarmos o espírito dela com a justiça tenho certeza que nunca mais ele mudará.

    – Será? – Voltou-se para Lady Neverness e passou ao inglês. – É uma grande lutadora, milady. Será que poderá se tornar uma grande guerreira?

    – Esforçar-me-ei, mestre Xuanji – ela disse.

    Em chinês, voltou-se para Shimura. – Ela está adiantada na arte marcial, talvez seja teimosa e não aprenda.

    – Ela será humilde aluna – falou Shimura, na mesma língua.

    – Não sei, não sei… Há muito poder dentro dela, dá para ver emanar para fora tanta força. É muito perigoso ensinar tanto a alguém tão poderoso, Teiko… Da última vez… Você viu: morte, destruição, tragédias...

    – É uma mulher – falou Shimura, em chinês. – A alma dela é mais fácil de enternecer e inclinar-se à bondade.

    – Mas por ser mulher, também à alma dela é mais fácil confundir a justiça com a vingança…

    – Não será assim – Shimura falou em inglês. Não podia deixar sua minarai na ignorância. – Ela será responsável aluna, eu mesmo vou lembrá-la disso todos os dias.

    – Milady. Sabe o que o seu mestre me pediu?

    – Que me ensine uma luta nova.

    – Não… Resposta errada. Pediu que lhe ensine a não lutar. Estranho, não é? Sim, muito estranho… Vou treinar, sim. Deverá vir aqui, milady, sempre, muitos dias toda semana. Será aqui seu aprendizado. Vou ensinar as técnicas de combate e não enfrentará os alunos iniciantes com os quais lutou hoje como teste de admissão. Vou ensiná-la e no fim saberá enfrentar duzentos homens, duzentos bons lutadores… Então você será uma arma de combate tão poderosa que não servirá para nada.

    Silêncio. – Desculpe-me, mestre… não entendi.

    – Ninguém com tanto poder, e sabendo tê-lo, usa-o de verdade. Você ou se tornará mestre ou se tornará bandido…

    – Ela se tornará mestre – cortou Shimura.

    – É o que vamos ver… – Ele passou de novo ao chinês: – Teiko, meu velho e teimoso amigo, se durante o treino eu vir a sombra correr nos olhos dela, vou parar o treinamento. Não vou ajudar você a formar um demônio.

    – Confie em mim, Yu – disse Shimura em chinês. – Ela é o herói que me foi prometido ver… Eu sinto isso no fundo de meu coração, neh?

    – Tudo bem, tudo bem...

    2. FANTASMAS

    O coche particular de Alan Brunt Thorne entrou na Lincoln’s Inn Fields vindo da pequena Newman’s Row, porque Alan Thorne acabara de participar da reunião na Loja Maçônica do Inn e estava retornando para sua mansão, em Camden, próximo a Regents Park. Ele era o filho mais novo de Vincent Brunt Thorne, o rico empresário do setor elétrico. Dificilmente se encontrava alguma coisa elétrica na Inglaterra que não tivesse o selo Brunt Thorne Inc. Quase tudo o que usava eletricidade em Londres, dos postes de iluminação pública até os trens elétricos do metrô, tinha algum dispositivo confeccionado no poderoso conjunto de oito quarteirões das Indústrias Thorne, na própria Camden Town.

    Era tarde da noite, a rua estava vazia e seu coche era o único. Ele estava sozinho. Percebeu que o veículo ia mais devagar e que o cocheiro apupava para os cavalos, suspendendo o passo. Ele pôs a cabeça pela janela para entender o que acontecia. O fog não deixava ver nada.

    – O que está havendo, Pleston?

    – Desculpe-me, milorde. Há alguém parado no meio da rua.

    Alan Thorne forçou a vista. Parecia haver mesmo uma forma escura no fog, mas ele não soube divisar ao certo.

    – Pleston! Vamos logo! Toque os cavalos.

    Silêncio.

    – Pleston! Pleston!

    Então alguém, lá de cima da boleia, dobrou-se olhando para ele. Era horrível, feições escuras e deformadas, olhos grandes, redondos e negros com uma esfera vermelha no centro, um ser todo escuro, meio translúcido ao mesmo tempo de aparência sólida. O ser horrendo dobrou-se como se fosse um tipo de emanação plástica e fitou o rapaz.

    – Fique quieto, milorde!

    Alan Thorne recuou horrorizado para dentro do coche. Os cavalos foram tocados com violência, o coche começou a pular e correr e entrou nos canteiros de Lincoln’s Inn, passando por cima de arbustos e bancos, pulando cercas e arrebentando-se contra traves. Uma das rodas rompeu-se, o coche tombou, o garfo dos cavalos quebrou e os animais fugiram presos na parelha ainda, arrastando só tirantes.

    Thorne, tonto, em pânico, desesperado, saiu pela lateral do coche virado. Imediatamente algo o arrancou violentamente e o arremessou para o jardim. Ele caiu rolando. Procurou olhar em volta e proteger-se, ver o que o atacava. Viu um ser magro e alto, que chegou galopando e girando no ar uma foice gigantesca, como a figuração da morte. Era escuro, como se fosse uma fumaça. Não tinha rosto, parecia não ter a cabeça, que ora era tênue ora desaparecia em reflexos estranhos. O cavaleiro girou a foice contra Alan Thorne que se jogou no gramado. O cavaleiro passou direito, estacou o cavalo que empinou. Depois trotou até Thorne.

    – Ah! Ah! Meu Deus! Deixe-me! O que você é?! – gritava Thorne.

    O fantasma desceu a foice contra ele, acertando o chão a seu lado, uma , duas, três vezes. Girou a foice e de propósito passou a lâmina a uma fração de polegada do pescoço dele.

    Alan Thorne estava absolutamente apavorado. Duas massas escuras, com aparência que só de longe lembravam a figura humana, esguios fantasmas, avançaram sobre ele e o ergueram do chão. O cavaleiro da foice aproximou-se dele. Não tinha rosto, sua cabeça era uma espécie de eflúvio transparente, que refletia de modo baço a luz da rua. Essa coisa murmurou em tom bastante audível para Alan Thorne.

    – Espere pelos agourentos pássaros! Vim cobrar os Thorne da Maldição.

    Os seres que o ladeavam arremessaram-no por cima dos canteiros, ele estatelou-se no passeio junto do coreto. Tossindo, tropeçando e desequilibrando-se, escutou o tropel de cavalos e por um triz não foi atropelado por eles, nos quais os espectros fugiam.

    3. O CORPO

    Lestrade chegou logo porque o corpo fora achado no Píer de Westminster. Estavam recolhendo-o para a margem quando ele chegou.

    – Vamos, vamos – gritavam os policiais do bote para os que estavam no píer. Com ganchos em longas varas puxavam e empurravam o corpo. Içaram-no para o molhe.

    Era de um homem de meia idade, baixo e gordo, bigode e cavanhaque, em terno marrom. Seu corpo estava rasgado ao meio, com um corte largo e fundo, que atravessou pela frente abrindo totalmente o abdômen. Os intestinos estavam espalhados e a visão era horrível.

    – Cubram esse pobre-diabo!– ordenou Lestrade.

    Um lençol apareceu. O cheiro nauseabundo subiu. Lestrade tirou de um lenço, cobriu o rosto. Alguns policiais de espírito mais duro já vasculhavam o cadáver, mesmo sob o pano.

    – Sem documentos, senhor – um disse,

    – Senhor! Veja! – O policial erguia um tipo de chaveiro com peças triangulares de bronze dependuradas em uma argola de prata, com bolinhas douradas de diferentes tamanhos na ponta das peças.

    – Traga aqui – ordenou Lestrade. Pegou o objeto, reconheceu imediatamente. – É um Toque para ouro, coisa de ourives. – Enfiou a peça no bolso. – Collins!

    – Aqui, senhor – apareceu o sargento Collins. – Às ordens!

    – Não deixem mexer mais em nada, chame os peritos. Depois encaminhe o corpo para o Dr. Longford, no Royal London Hospital.

    – Sim, senhor.

    – E mande um policial ir buscar os detetives Shimura e Watanabe na mansão Ellesworth. E Miss Caledwin.

    – Sim, senhor. Imediatamente, senhor.

    O sargento Collins saiu correndo.

    4. QUARTEL

    As portas velhas abriram-se com dificuldade, portas imensas, que se abriam de par em par e davam para um hall que um dia devia ter sido lindo e para uma escadaria de mármore que já teve momentos de glória. Agora tudo era morada de pombos, cães, gatos e ratos. A poeira de uma década enchia o ar e dava natureza rígida para a luz escapada de buracos e frestas. Um comandante no vistoso uniforme do exército colonial começou a gritar:

    – Homens, não viemos aqui admirar a arquitetura! Postos! Postos! Sargentos, segundo os pelotões!

    – Sim, senhor!

    – Os bombeiros chegarão com água! Esta será nossa casa pelas próximas semanas e hoje quero comer em uma mesa limpa e dormir em uma cama cheirosa! Por Deus, vou tirar meus sapatos em uma hora e se minhas meias se sujarem todos dormem sem rancho hoje!

    – Sim, senhor! Sim, senhor! Vamos! Turmas! Vamos!

    Equipamentos, lonas, mochilas, ferramentas, armas e soldados. Meio milhar de soldados mais ou menos. Todos em uniformes do Exército Colonial Britânico, homens com caras feias, pele tostada de sol, que foram trazidos às pressas, uma metade do Canadá, onde davam cabo de revoltas de índios, os últimos índios que atravessaram a fronteira, vindos dos Estados Unidos, e a outra metade da África do Sul, ex-combatentes da Guerra Zulu e que ora enfrentavam revoltas coloniais no Quênia. Como formigas, espalharam-se pela antiga mansão decrépita. Seguiram-se os três comandantes que no melhor estilo colonial britânico, apontavam a esquerda e à direita com os curtos chicotes de adestramento de cavalgadura. Abriram passagem para o verdadeiro chefe da expedição, Conde de Dorsell, William Lancaster, acompanhado do civil, amigo dele, Jobe Shangane, o poderoso africano de compleição titânica, dentro de seu longo casaco de couro raspado de bisão canadense e segurando um poderoso rifle irlandês Nitro Express de caçar elefantes. De canto, logo na entrada, ficaram Lady Neverness e Miss Caledwin. Lady Neverness olhava meio desconfiada para todo aquele movimento. William Lancaster veio para junto dela.

    – Não fique assustada. São bons rapazes – falou ele.

    Ela já tinha apontado, quando viu horrorizada aqueles homens abandonarem as carroças, que eles não tinham as caras de bons homens a serviço da Rainha. William Lancaster explicara que muitos soldados coloniais eram degredados que tentavam retornar à vida reconhecidamente cidadã por meio do serviço militar a serviço de Sua Majestade. Mas ele garantiu que escolhera os melhores, servira com eles em unidades de patrulha para conhecê-los e buscara separar os mais empenhados em servir a Inglaterra e deixara os pulhas para trás. Quando ela apontou que os soldados não pareciam ter vivido entre civilizados em algum momento, Lancaster explicou que muitos deles haviam nascido e crescido nas colônias.

    – E sabe, senhor? Nunca me explicou essa ‘operação’ de que a municipalidade lhe incumbiu a chefia e para a qual precisa desses senhores soldados coloniais, para executá-la com excelência.

    – São coisas do governo. Não posso falar, foi um acordo.

    – Saberei se eu quiser. Meu tio tem contatos íntimos dentro do governo.

    – Pode ser… mas duvido que seu tio seja impertinente assim.

    – Oh! Julga que sou impertinente? É essa sua opinião a meu respeito?

    – Sua Graça é maravilhosa em sua impertinência!

    Lady Neverness balançou a cabeça, negando, ares de ofendida. Pelo olhar divertido de Miss Caledwin, Lancaster percebeu que era só teatro. – O senhor é muito bobo, sabia?

    – Há outros adjetivos que me cabem mais que só ‘bobo’ o tempo todo…

    Lady Neverness continuava séria, balançando a cabeça. – Por favor, senhor… Olhe. Nos próximos dias chegarão os materiais para reforma. O senhor me garantiu que esses senhores saberão tornar esta casa uma joia.

    – Será feito. Muitos deles eram trabalhadores da construção antes de servirem bravamente o exército colonial.

    – Claro… Antes de serem presos e condenados… inclusive o senhor, decerto… Bom! Quero dizer que a Fundação Neverness pagará pelo serviço.

    – Eles já recebem o soldo do exército. O trabalho é para mantê-los ocupados e impor disciplina.

    – Não. Eu insisto. Existem recursos captados para isso e quero tornar público que gastei os recursos segundo o que eu disse que faria. O que seus bons homens farão com o dinheiro a mais não será problema meu.

    – Ótimo. Hoje, no chá em sua casa, conversaremos os detalhes.

    Lady Neverness olhou-o de esguelho. – Não me lembro de tê-lo convidado para o chá. Convidei, Caly?

    – Convide-o, milady. Sei que a visita de milorde agradar-vos-á.

    – Agradar-me-ia? Pois sim!… Não. Não tenho tempo. Estarei ocupada. O senhor deve… receber um convite de meu tio, que zela por mim. Ouviu? Porque eu não sou desamparada de que me guardem, senhor. Sabia? Deve pedir a meu tio e não convidar a si próprio, o que é muito deselegante.

    Lord Ellesworth estava ali perto, admirado de ver o exército colonial da Rainha e muito contente do acantonamento ser possível graças aos esforços de sua família. William Lancaster avançou na direção dele. – Milorde! Eu seria bem-vindo para o chá em sua residência hoje?

    Lord Ellesworth abriu um sorriso de satisfação. – Mas é claro, meu rapaz! Com grande alegria, não precisa de minha permissão, basta aparecer!

    – Tio! – exclamou Lady Neverness, cenho franzido.

    – O que foi, meu anjo? O que eu disse de errado?

    Ela ergueu os olhos, contrariada. Lancaster sorria, inclinando-se e indo-se. – Seu bobo… –  murmurou, no fundo feliz de poder revê-lo mais à tarde.

    5. FACA DE SAPATEIRO

    Longford fora readmitido na função de legista no espaço da Yard, no Royal London Hospital, em Whitechapel, onde ficava a medicina forense da polícia. Mesma sala de autópsias, mesmo estagiário.

    – Be-be-bem vi-vindo, Dr. Longford. – gaguejara o rapaz muito magro, muito alto e muito ruivo que ainda, teimosamente, ficava o tempo todo arrumando os óculos que insistiam em escorregar pelo nariz. Longford fitara-o em silêncio, mas sem ira. Era bom que ‘o garoto’ estivesse ali. Obrigaria ele a ser discreto nas alfinetadas que desse em Shimura quanto à Vespa Vermelha, quando o japonês viesse bisbilhotar seu trabalho. Lembrara-se que nunca se importara com o nome do rapaz… Pensara que poderia mudar um pouco as coisas começando sendo menos duro com ‘o garoto’.

    – Qual seu nome, garoto?

    – Stevenson, doutor. John Stevenson…

    – John? Hum…

    Não fora além disso. Mandara o rapaz arrumar a sala já arrumada e ficara recolhido em reflexões. Vieram seus outros colegas cumprimentá-lo. Eles disseram que tiveram medo de ficar sem o mal humor do legista e não terem mais de quem falar mal. Longford não rira, mas ninguém esperava que ele fosse aberto a brincadeiras. Também não se ofendera. Gesto raro, ergueu a mão e cumprimentou os antigos colegas. Estes disseram que eles redigiram uma carta solicitando a Sir Coolidge que voltasse atrás em sua decisão. Muitos doutores de outras alas do hospital assinaram a carta também. Mais do que Longford esperaria.

    – Todos sabem da qualidade de seu trabalho, John... – falaram.

    Longford deixou-os pensar que foi a carta deles que convenceu Coolidge. Agradeceu de modo simples e quase silencioso. Todos sabiam que aquilo era muito para ele e saíram satisfeitos, desejando um bom trabalho. Todos sabiam também que agora ele trabalhava direto para Lestrade e que os corpos que autopsiaria seriam das investigações do gabinete especial, uma tal Pasta de Crimes Especiais, com agentes escolhidos a dedo pelo próprio Inspetor-chefe.

    Isso fora há dois dias. Ficar sem ocupação o deixou entediado. Não sabendo como seria sua escala de serviço, solicitou à chefia forense que lhe mandasse um corpo.

    – Não posso, Dr. Longford. Deve aguardar que o Sr. Lestrade autorize.

    Então foi beber no pub dizendo ao ‘John’ que fosse chamá-lo se ele tivesse escala antes de vencer o turno. No terceiro dia, fazendo o mesmo, o ‘John’ foi buscá-lo no Good Samaritan. Tinha de autopsiar o corpo recolhido no rio.

    Lestrade, Shimura e Wasaru apareceram no fim da autópsia, quando os instrumentos estavam sendo limpos. Agora que ele era membro da Pasta para Crimes Especiais, viu que teria de se acostumar com a intromissão de ‘pessoas estranhas’ em sua sala de autópsia. Invariavelmente um lençol cobria o corpo. Os detetives cumprimentaram Longford que respondeu com um resmungo.

    – O ‘John’ vai falar… – disse Longford.

    – Sim? – falou Lestrade.

    Longford apontou o rapaz. – ‘John’. O ‘John’. Esse é o nome dele, Sr. Stevenson…

    – Ora! As coisas parecem já ir bem aqui – falou Lestrade.

    Longford, contrariado, balbuciou maldições. – O ‘John’ está se preparando para ser legista. Então é ele que vai falar… – e balbuciou algo.

    – O quê, doutor, desculpe? – perguntou Lestrade que não ouvira direito.

    – Eu disse que assim ele aprende logo e vai embora logo, senhor.

    – Claro…

    O rapaz levantou o lençol. Estava nervoso. – Erh… Erh… Desculpe-me… Erh… Desculpe-me… Se… Se… Erh… O corpo… Esse corpo… Se… Pode ver… Erh… O lençol caiu… Deixe eu puxar… Aqui…  e… o corpo… sim…. não… foi… foi por aqui… Olhe… Olhe… Aqui… não, aqui… é… erh… erh...

    Longford perdeu a paciência e avançou. – Vá lá para o canto, vá!

    O rapaz saiu correndo e escondeu-se atrás de uma vassoura. Longford fitou os detetives.

    – Este homem foi morto com um golpe só, instrumento cortante, muito afiado, que atingiu-o da esquerda para a direita em corte descendente, o que faz do assassino alguém destro. A lâmina era pontiaguda, existe limite de corte. Não há serrilhamento, o golpe foi um só. Não há tecido no corte, a roupa foi cortada com precisão industrial por lâmina afiadíssima, atravessou quatro camadas de pano, inclusive o casaco superior. Só não foi dividido ao meio porque não se rompeu a coluna, a ponta da lâmina passando em arco pela frente.

    – Em arco? – falou Shimura.

    – Sim. A ponta entra profundamente pela esquerda e o corte sai de viés, menos profundo pela direita. Esse tipo de corte não é produzido por um punhal ou espada. É corte que faz uma cimitarra turca, de lâmina recurvada. O corpo girou para a direita durante o golpe, o homem estava de pé, e isso fez o corte ser menos profundo na direita do corpo. No entanto, uma cimitarra não poderia fazer um corte desses, o pano desviaria a lâmina, o turco teria de forçar o corte, rasgaria o pano e fragmentos entrariam na carne e desfiariam o pano pela frente. As roupas desse homem estão ali. A lâmina, neste caso, terminou seu curso cortando o pano como se fosse manteiga.

    – Conhece uma lâmina que faz isso, Longford? – perguntou Lestrade.

    – Conheço… Já vi ferimentos assim, não tão grandes, em sapateiros bêbados que brigam. Uma faca em arbelo, como a faca de sapateiro, faz esse corte. Mas uma faca de sapateiro é pequena, cabo curto, exigiria muita força e muito tempo para romper tanta roupa e o corte seria serrilhando em uma extensão tão grande.

    – Então?

    – Então o assassino usou uma faca de sapateiro bem grande, neh? – falou Shimura. – Ou algo que servisse assim.

    – Uma faca de sapateiro gigante, como um pêndulo cortante das torturas medievais… – falou Lestrade.

    – Tal instrumento seria pesado e desajeitado – falou Longford. – Este corte foi preciso. Não há marcas de que este homem tenha sido imobilizado, ele simplesmente sofreu esse corte, estava de pé diante do assassino, o corte feriu as carnes dos braços na mesma linha do arco em que desceu a arma do crime. Ele não estava com os braços erguidos para se proteger, foi pego de surpresa. Um pêndulo cortante tem pontas nos dois lados e, claramente, a lâmina que fez isso entrou no corpo pela metade do fio, cortando enquanto corria da esquerda para a direita da vítima, a ponta da lâmina, a única ponta, voltada para a esquerda do corpo.

    – O assassino é destro, neh? – falou Shimura. – Uma lâmina com o cabo em eixo, como é usual em uma faca ou espada comum, faria o assassino usar, neste caso, a mão ao contrário, o que seria um movimento torto e incapaz de um corte tão bem-feito.

    – Por isso uma faca de sapateiro seria melhor candidata – falou Longford. – O cabo é perpendicular à lâmina.

    – Nas foices também, neh? – falou Wasaru.

    Lestrade o olhou. – O corte de uma foice é para dentro e não para fora.

    Shimura franziu o cenho. – Mas é uma lâmina tão curva quanto o arbelo da faca de sapateiro. O movimento em arco do corte, descrito pelo Dr. Longford é um movimento de segar. Sr. Lestrade, basta afiar o lado de fora da foice. Muito bem, Wasaru, muito bem…

    Wasaru empertigou-se orgulhoso. Lestrade olhava cético. – pode ser… Mas quem afiaria uma foice ao contrário?

    Longford, mãos enterradas em seu jaleco, olhar sinistro de quem parece um corcunda de contos, disse como quem fala de dentro de uma cova: – Alguém com um projeto...

    Palavras terríveis. O ‘John’ cobriu o corpo de novo entendendo o olhar de Longford.

    6. TOQUE DE OURIVES

    Quando saíram da sala de autópsias, Miss Caledwin estava sentada em um banco no fim do corredor, bem longe. Ela havia sido trazida de propósito. Quando um policial viera convocar os detetives japoneses, dissera que Lestrade queria também ver Miss Caledwin. Na oportunidade, Miss Caledwin, em uniforme da casa, olhou para Lady Neverness que antes de achar estranho, ficou muito orgulhosa.

    – Vejo que não poderá mais ficar só dentro de um uniforme de aia, Caly.

    – Imagine, senhora! É óbvio que a Yard se engana…

    No entanto, não se recusou ir, principalmente porque Lady Neverness fez constar que achava muito bom que ela fosse considerada com respeito por gente tão gabaritada. Trocou-se e acompanhou os japoneses.

    No Royal London Hospital, disseram que aguardasse no corredor, perto da porta. Ela não precisava ver corpos retalhados. Quanto foram procurá-la, ela havia se afastado mais ainda.

    – Esse odor incomodou-me, senhores.

    – É o formol, neh? – falou Wasaru.

    – Um dos muitos odores fortes do mundo policial, Miss Caledwin – falou Shimura.

    Lestrade tirou do bolso o Toque de Ourives. – Já viu um destes, Miss Caledwin?

    Ela tomou na mão enluvada. – Nunca, senhor. Não imagino o que seja.

    – É um Toque de Ourives. Para testar as peças e saber o padrão do ouro.

    De fato, ela pode ver as marcas que ia desde 10k até 24k em hastes pontiagudas de latão com uma bolinha dourada na ponta. Além dessas marcas haviam outras letras abreviadas de modo estranho:

    JnO Xph

    Shimura adiantou-se. – Vê como as pontas de dezoito e vinte e quatro quilates estão gastas? O ourives só lidava com material de qualidade.

    – Decerto, pessoas donas de peças caras pediam a ele que testasse o ouro de suas jóias – falou Lestrade.

    – Esse senhor dono deste Toque foi roubado em sua oficina?

    – Acreditamos que não, Miss Caledwin – falou Shimura. – Foi encontrado com um único bolso virado do avesso na roupa, o bolso onde devia haver algo que o identificasse, talvez sua carteira. Encontrado o objeto que poderia identificá-lo mais facilmente, o assassino não vasculhou os outros bolsos e por isso não descobriu o Toque. Ele foi golpeado de surpresa, pela frente. Seu corpo foi jogado no Tâmisa.

    – Meu Deus!

    – Miss Caledwin, diga-me que gostaria de tentar identificar esse homem a partir deste objeto – falou Lestrade.

    – E como eu poderia? Nada entendo de ourivesaria…

    – Não precisa entender, neh?– falou Shimura. – Como não entende de chaves, nem de papel, nem de tinta, nem de flores, nem de crianças abandonadas, e ainda assim soube sair do labirinto, surpreendendo-nos a todos.

    – Não seria mais fácil publicar a foto do pobre senhor e esperar a família vir reclamar o corpo?

    – Podemos, sim – falou Lestrade. – Mas entre um desenhista forense fazer a imagem mais agradável do rosto do homem e não a que está decomposta devido ao tempo da morte e ação da água, e a publicação e distribuição, e espalhar cartazes nos hospitais e delegacias e asilos, e alguém aparecer vamos consumir umas três semanas. Em vista de crimes passados e das conclusões que tiramos junto com Longford, acreditamos que essa coisa vai continuar.

    – Mas… nada posso fazer, senhores. O que posso fazer?

    Os japoneses olharam Lestrade. Este falou: – Sabe, Miss Caledwin, sabendo do que fez, tenho medo de dar uma sugestão e só atrapalhar…

    O coche da mansão estava à disposição dela. Antes que embarcasse, Lestrade saiu à calçada, chamando-a de lado.

    – Por favor, Miss Caledwin…

    – Sim, Sr. Lestrade.

    – Não sei como dizer isso… mas… eu disse na New Scotland Yard que a senhorita tem livre acesso a meu gabinete.

    – Obrigada, Sr. Lestrade. Não sei em que isso seria bom, mas sou grata.

    – A senhorita não entendeu… seu serviço será remunerado… pela Yard.

    – Oh! Não é necessário. Minha senhora já me paga um digno vencimento, senhor, suficiente para mim e até envio parte a meus pais na Escócia.

    – Sim, mas… Como vou dizer? Eu… tenho a liberdade de contratar seus serviços para a Yard.

    Miss Caledwin ficou pensativa. – Eu sou a aia de minha senhora, Lady Neverness. Ela nada faz sem mim, senhor, não posso trabalhar na Yard. Eu… não tenho estudos. Sou uma moça do campo a serviço de minha Lady.

    Lestrade balançou a cabeça. – É porque Lady Neverness nada faz sem sua ajuda que é tão importante para a Yard, Miss Caledwin.

    – Como?

    – Deixe… Aos poucos lhe direi o que pretendo com tudo isso. Obrigado... por ajudar a Yard.

    Lestrade retornou para dentro do prédio. Miss Caledwin permaneceu um pouco ali, confusa com a conversa.

    7. NOAH FARMWOLL

    Ela de fato não sabia o que fazer quanto a descobrir o nome de alguém que não vira e que possuía um instrumento que ela desconhecia o uso. Pediu ao cocheiro que a levasse até Clifton Street, em Holywell, onde ficava a oficina de restauro de Sr. Edgard, que cuidava de toda prataria da Mansão Ellesworth. Ele foi atencioso, parou seu serviço e ajudou no que pode.

    – Estas letras, Miss Caledwin, foram feitas com punções de tipos, são abreviações de nomes. Este – apontou o ‘JnO ’ – é ‘John’ e este – indicou o ‘Xph’ – é ‘Christopher’, John Cristopher, o dono do Toque, talvez. Mas não ajuda muito. Deve haver dezenas de John Christopher ourives.

    – Se eu quisesse achar um deles, onde eu iria?

    Goldsmith Street, na City, foi a resposta atenciosa. Recomendou um certo Sr. Morgson, ourives antigo e muito amigo dele. Escreveu um bilhete que Miss Caledwin apresentou quando lá chegou. Por causa desse bilhete (e da meiguice apaixonante de Miss Caledwin) esse Sr. Morgson foi para o meio das muitas bancadas dos muitos aprendizes que tinha e chamou pelos sócios; com eles se debruçou sobre o Toque. Um deles se preocupou com a argola de prata que segurava os testes. Mostrou aos outros a marca gravada na parte interna da argola. Era um leão de pé nas patas traseiras com o algarismo romano ‘I’ aos pés, tudo dentro de um escudo.

    – Olhem. Prata novecentos e vinte e cinco. Este selo é da Holanda, do Departamento Nacional de Pesos e Medidas da Holanda.

    Explicaram a Miss Caledwin que havia uns quarenta anos que os governos da Inglaterra e do Continente haviam determinado órgãos oficiais de pesos e medidas para garantir a qualidade do ouro e da prata, por meio de selos autorizados. Aquele Toque havia sido fabricado na Holanda. Com certeza alguém o havia trazido de lá.

    – Um ourives imigrante.

    Miss Caledwin argumentou que o nome abreviado era inglês. Os ourives coçaram a cabeça, confusos. Um deles teve a inspiração:

    – A loja do judeu Caplan. Ele tem uns parentes no continente que mandam peças para ele aqui, usadas, para vender. É o único lugar onde você compra boas ferramentas de segunda mão vindas do Continente.

    Ela agradeceu e procurou a loja daquele certo Caplan. Era um velhinho muito sorridente e educado, que usava kipa. Reconheceu a peça imediatamente; sim, viera do continente, mas não podia dizer que fora ele quem vendeu.

    – Mas tenho um cliente de nome John Christopher.

    Era um ourives a seis quarteirões dali. Era um homem muito magro e de rosto cheio de marcas de varíola, cheirando fortemente a sebo ordinário. Miss Caledwin mostrou o Toque e ele reconheceu sua marca.

    – Sim, era meu. Eu perdi para um conhecido meu, Sr. Farmwoll, ourives de fim de semana, em um jogo de cartas. Ele trabalha como chefe em alguma coisa dentro daquela firma de coisas elétricas… a Brunt Thorne. O Sr. Farmwoll está bem?

    Miss Caledwin nada disse, apenas agradeceu muito e seguiu para a New Scotland Yard, como mandou Lestrade. Lá os detetives japoneses e Lestrade a aguardavam.

    – Miss Caledwin! – exclamou Lestrade.

    – Sr. Lestrade… Fiz o que me pediu…

    – E então?

    – O pobre senhor é… era Noah Sally Farmwoll, funcionário na Brunt Thorne Inc., Sr. Lestrade. Deve avisar à pobre família.

    Lestrade ficou mudo um tempo. – Nós… avisaremos, Miss Caledwin. Muito obrigado. Logo os detetives japoneses a acompanharão.

    Miss Caledwin deixou a sala. Lestrade voltou-se, impressionado. – Incrível, senhores. A Yard com toda sua burocracia levaria, pelo menos, seis dias para fazer o que ela fez em três horas! Como faz ela isso?

    – Nem ela sabe ao certo, Sr. Lestrade, neh? – falou Shimura. – É um dom, um tipo de inteligência que opera lá dentro da mente dela, soprando sugestões e perguntas, conectando ideias, de um modo racional, mas invisível. Não pretendo ser um visionário, mas em nossa

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