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Teiko Shimura E As Bruxas De Bettersea
Teiko Shimura E As Bruxas De Bettersea
Teiko Shimura E As Bruxas De Bettersea
E-book541 páginas7 horas

Teiko Shimura E As Bruxas De Bettersea

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Sobre este e-book

Londres. 1895. O aparecimento de corpos envolvidos em rituais macabros e o roubo misterioso em museus de objetos ligados à magia obrigam a Scotland Yard a recorrer às habilidades mentais do detetive japonês Teiko Shimura, em visita oficial a Londres. Nesta quarta aventura do genial detetive japonês na Londres Vitoriana, eventos misteriosos rompem com a lógica científica da investigação criminal comum e colocam os Quatro Audazes e a superheroína Vespa Vermelha em guerra direta contra o sobrenatural, enfrentando o poder maléfico da feitiçaria e caminhando sobre o fio tênue que separa o real da experiência mais fantástica.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de set. de 2018
Teiko Shimura E As Bruxas De Bettersea

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    Teiko Shimura E As Bruxas De Bettersea - H. H. M. Mcross

    H. H. M. McRoss

    TEIKO SHIMURA E AS BRUXAS DE BATTERSEA

    1ª edição

    Rio de Janeiro

    Carlos Roberto Teixeira Alves

    2018

    copyright: Carlos Roberto Teixeira Alves - 2018

    Fictional work. All rights reserved. The total and/or partial reproduction, storage or transmission of this book is prohibited, by any means, without prior written authorization.

    h.h.m.mcross@gmail.com

    twitter @h_mcross

    instagram @hhmmcross

    ISBN (printed edition):  978-85-4550-293-7

    Dedico este livro à minha esposa querida, Gicelia,

    e aos meus filhos muito amados: Bernardo, Arthur e Helena.

    Que estas histórias encantem a vocês, meus amados,

    tanto quanto foi encantador para mim escrevê-las…

    C.R.T.A

    1. BAKER STREET, LONDRES, 1895

    De dentro do táxi, parado na ponta da rua pela Montagu Place, Lestrade observava o número 221B da Baker Street, no distrito de Marylebone, Westminster. Caia uma chuva fina. Demorou tanto fixando a casa, pensando se o que viera fazer era de fato o melhor, que não percebeu o cocheiro falando.

    – Senhor! Senhor! – insistiu o homem

    Lestrade colocou a cabeça para fora.

    – Quatro xelins, senhor – disse o cocheiro, encolhendo-se da chuva.

    Lestrade pagou, desceu e foi até o número 221B. Mas antes de levantar a mão para bater a aldrava, a porta se abriu.

    – Entre, Sr. Lestrade, saia da chuva – falou um senhor magrelo e alto, com roupa enxadrezada esquisita e olhar vivo. – Temi que se demorasse mais, pois Dinkley não é o mais esperto cocheiro que se pode tomar em Kensington e ele ainda teve de parar para pegar o pacote de sebo na Great Cumberland Lace. Eu posso depois lhe dar uma lista de bons cocheiros, que não desviariam o caminho. Tomei a liberdade de pedir a senhora Perskin que preparasse uma pequena refeição, apenas molho, pão e carne, já que não almoçou. Assim que ela for embora, poderemos conversar sobre como ajudarei o senhor a descobrir a identidade da Vespa Vermelha. Ah! A propósito, Dinkley é um homem honesto, ele devolverá o relógio que o senhor esqueceu no coche. Entre, por favor... – O homem magrelo entrou ligeiro, deixando a porta aberta.

    Lestrade apalpou o bolso: o relógio não estava! Ficou muito contrariado e desarmado. Aquele homem sempre fazia aquilo, exibir sua sagacidade.

    – Maldição, Holmes... – praguejou Lestrade. E entrou na casa.

    O Sr. Watson, perpétuo colega de aventuras de Sherlock Holmes, estava sentado em uma cadeira, com olhar estupefato. Sustinha o jornal aberto e, paralisado, olhava fixamente para Lestrade. Sra. Perskin colocava as travessas na mesa e já se retirava, recolhendo um xelim como pagamento. Holmes mantinha-se de canto. O olhar fixo de Watson incomodou Lestrade.

    – Boa tarde, Dr. Watson!

    – Oh, perdão, Inspetor Lestrade! Boa tarde… Mas é que... – silenciou.

    – É o quê? Ainda se admira dos truques de Holmes?

    – Não é isso, Inspetor Lestrade... é... É isso mesmo! Holmes, como pode, graças aos céus, dizer tudo isso do Sr. Lestrade?

    Holmes olhou seu amigo. – Elementar, meu caro Watson. Nada devo aos céus, mas à pura lógica. Quer saber como fiz, Inspetor Lestrade?

    Lestrade não fazia semblante de impressionado ou curioso. O serviço na Scotland Yard o tinha galvanizado contra truques. Precisava ser prático, não tinha mais o tempo que tinha antigamente, quando ficava impressionado com a mente de Holmes. – Não, Holmes. Não me interessa como você soube que eu viria, ou como soube tudo, o nome do cocheiro e o sebo, e até que perdi meu relógio! Poupe-me disso tudo.

    – Pois eu não quero ser poupado! – falou Watson.

    – Depois, Watson! Sirva-se, Inspetor-chefe Lestrade.

    – Não tenho fome...

    – Eu não teria, também, se fosse destratado pelos jornais como sendo chefe da mais incapaz polícia da Inglaterra. Agora, pode me dar o artefato?

    Lestrade, rosto duro, passou a Holmes os óculos que foram retirados no rescaldo do incêndio de South Quay, havia duas semanas, quando as investigações do detetive japonês Teiko Shimura levaram à prisão do enlouquecido cientista Dr. Moreau. Holmes, superexcitado, correu para sua escrivaninha e passou a vasculhar o aparato, girando-o na mão.

    – Quer saber como vi que trazia para mim este artefato em especial?

    – Não! – Lestrade foi tácito.

    Holmes colocou os óculos sob uma lupa. – Interessante... Interessante... Magnífico... Vejamos, Inspetor Lestrade. Posso, sim, descobrir quem a Vespa Vermelha é. Na verdade, estou já perto de descobrir.

    – Como sabe que quero isso?

    – Basta ler os jornais! A pressão sobre a Yard por causa da Vespa Vermelha chega a ser covarde. Além de que a investigação dos detetives Johnson e Douglas é uma piada.

    – O relatório é interno. Como soube?

    – Inspetor Lestrade! A última coisa que a Yard pode ser é uma instituição ‘interna’. Olhe, acompanhe-me – apontou a lupa para os óculos semidestruídos pelo calor. – Primeiro, o diâmetro abarcado pelas alças dos óculos e a tira de couro que deve rodear a nuca e mantê-los fixos. É pequeno para a cabeça de um homem adulto, mas coincide com o diâmetro encefálico de uma cabeça de mulher. Já o mecanismo que muda as lentes é de relógio, as peças foram montadas manualmente, feitas por encomenda, coisa muito cara. Não há marcas de fabricante. Não há as marcas usuais que os relojoeiros fazem para indicar quantas vezes a peça retornou para conserto. Então é uma peça descartável. Cara e descartável? Só uma pessoa rica pode sustentar tal desperdício. Você não pode encomendar óculos desses de um dia para o outro. Um lote foi feito, vários foram feitos de uma vez.

    – Tudo isso posso observar, Holmes. Julga-me um tolo?

    – Longe de mim, Inspetor Lestrade! Mas, que seja! Vamos ao que te incomoda: diga-me o que vê e eu te direi o que não vê!

    Lestrade fitou Holmes. O que incomodava Lestrade? Era o fato de que havia quatro meses surgira em Londres um Vigilante, alguém vestido de ‘capa e espada’, em uniforme vermelho e preto, e que enfrentava criminosos. Era uma mulher, por absurdo que parecesse, e que a imprensa apelidara de ‘Vespa Vermelha’. Surgia na noite e atacava os mais impossíveis bandidos. Prender gangues de traficantes de álcool e ópio era coisas pequenas para ela. Ela lutou contra o Gigante que pôs abaixo o luxuoso Hotel Savoy, lutou contra o assustador Fantasma e sua força sobrenatural em Tower Bridge e por último enfrentou o monstro-lobo Jack, criação do abominável Dr. Moreau, em batalhas épicas na Igreja de São Felipe, em Richmond Terrace – exatamente ao lado da New Scotland Yard – e finalmente em South Quay, onde ela perdera aqueles óculos, quase consumido pelo incêndio. Contavam lendas da Vespa: que tinha poderes mágicos, que podia lutar contra mil homens, que voava, que um golpe de sua mão podia deter um trem. Punguistas e vagabundos que testemunharam a ação dela a descreviam como um ser fantástico que ora brilhava como o sol, ora era escura como a noite; uns diziam não ser humano, outros diziam ser uma mulher lindíssima; uns explicavam que ela usava de dispositivos mecânicos para derrotá-los, outros que ela falava palavras mágicas e coisas se moviam. Ela era descrita saltando os telhados de Londres. Havia jornais que diziam que ela fazia o serviço da polícia, outros que ela era uma ameaça aos cidadãos de bem, todos criticando igualmente a Scotland Yard pela cabal incompetência em deter a Vespa Vermelha.

    Pior: o que o incomodava mesmo era que havia gente dentro da polícia investigando para descobrir quem era a Vespa, mas secretamente, no sentido de ocultar a investigação dele, de Lestrade, Inspetor-chefe da Scotland Yard. Justamente ele que tinha de aguentar toda a pressão que o Diretor-geral Sir Coolidge fazia para que se retirasse a Vespa Vermelha das ruas. E quem investigava secretamente dele? Os geniais detetives japoneses em visita à Scotland Yard, Teiko Shimura e Wasaru Watanabe. Por que investigavam secretamente? Ninguém sabia e isso o deixava nervoso. Então ele próprio, Lestrade, decidiu investigar secretamente também. Porém o serviço burocrático da Scotland Yard – até a folha de pagamento dos inspetores era problema dele – tirava seu tempo e o tempo urgia. Não teve saída, senão vir até Sherlock Holmes. Mas era verdadeiramente estressante ter de aguentar a cara de deboche e petulância de Holmes, cuja genialidade era inegável!

    Holmes o olhava ansioso. Lestrade tomou os óculos. – Essa costura do couro... Não foi feita em máquina doméstica. Foi feita pelo processo de selamento a quente da costura, que se usa para fazer a roupa de escafandrista. Na Europa só há duas firmas com essa tecnologia...

    – Exato! Grande Inspetor Lestrade! Uma inglesa e outra francesa. E se o senhor está aqui diante de mim é porque a firma inglesa já foi descartada! O que nos deixa a firma francesa... Agora o que o senhor não viu, Inspetor Lestrade e que é o mais absolutamente elementar neste objeto – pegou os óculos de volta. – São óculos! Foram feitos para se ver, e precisam preservar as distâncias focais entre os centros das lentes para que a visão não fique turva. A armação respeitou medidas optométricas das distâncias focais dos olhos da pessoa que a usava. Isso não se faz sem o aparelho adequado, na verdade, em um Optômetro de Beterling.

    – O que é isso?

    – Um aparelho para se prescrever lentes adequadas a cada par de olhos. Trata-se de um aparelho de fabricação americana, muito caro, muito mesmo. Daí, ou você procura na Inglaterra um médico muito rico dono de um aparelho desses, que preparou as lentes em segredo para uma mulher misteriosa ou procura a mulher, muito rica, que importou o equipamento para ela mesma fazer. Este último, acho mais provável.

    – Por quê?

    Sherlock jogou os óculos de volta para Lestrade. – Nossa Vespa Vermelha precisa calibrar seus próprios equipamentos para permanecer secreta.

    – Acredita que ela tenha habilidades mecânicas?

    – É óbvio, pelos dispositivos que manipula. Mas... o que quer de mim?

    Lestrade fitou-o. – Já sabe, Holmes, não faça seu jogo medonho...

    – Ótimo. Aceito o serviço. Espero ser bem remunerado, obviamente.

    – Mas não será. Não receberá um único níquel.

    – Ora, então recuso o trabalho!

    – Também sei jogar. Irá fazer o serviço, mesmo sem pagamento.

    – Como pode ter essa certeza?

    – A corrida começou, Holmes. Quem será o melhor detetive?

    Sherlock Holmes riu. – Sabe que você já foi um oponente digno quando era inspetor nas ruas, Lestrade, mas agora está atolado em papéis. Sempre pude e sempre posso te vencer numa corrida.

    – Quem disse que sou eu o oponente?

    – Seria quem então? Os detetives japoneses Shimura e Watanabe? Eles foram muito espertos ajudando a Yard com monstros e fantasmas, mas não são capazes de uma investigação realmente científica.

    – Quem disse que são eles? Eles não são seu problema, eles mal conhecem Londres, chegaram há quatro meses apenas. Você tem outro oponente, um perigoso adversário mais à sua altura, com uma mente, talvez, mais aguda que a sua, Holmes, capaz de resolver o caso na sua frente, se já não está bem mais adiante de você...

    O sorriso de Holmes sumiu, o deboche desapareceu. Ele franziu o cenho, preocupado. – Dr. Jonh Longford...

    Lestrade sorriu de canto de boca. – Tenho uma boa tarde, Holmes.

    – Espere! – Holmes ergueu-se sério. – Eu aceito o serviço. Sem pagamento. Vou descobrir quem é a mulher.

    – Antes de Longford, Holmes? Tenho minhas dúvidas. A única vantagem em você descobrir quem é a Vespa é que você vai se exibir contando para mim, enquanto Longford se contentará em guardar para si.

    – Conseguirei antes dele!

    – Antes, depois, não me importa… Vamos, Holmes! Seja humilde uma vez na vida! Trata-se de superar John Longford! E a falta de deboche no seu rosto mostra que sabe que isso não é possível...

    Lestrade caminhou até a porta. – Passar bem, senhores.

    2. HAYS DOCKS, SOUTHWARK

    Como um espectro despejado pela noite para surpreender os que agem na escuridão, a Vespa Vermelha caiu com estrondo no passadiço do brigue Tartaglia, de sessenta toneladas, fundeado nas docas em Hays, na margem sul do Tâmisa, muito perto dos armazéns da alfândega. No registro do porto o navio embarcava algodão, brim e móveis de toucador. Segundo a polícia talvez não: eram armas roubadas do arsenal em Birmigham para contrabando, mas não havia certeza. Três marinheiros bêbados presos em uma briga abriram a boca sobre um navio com o contrabando de armas, mas disseram não saber qual.

    Ela conseguira chegar até o navio quando Teiko Shimura, o detetive japonês que com seu colega, Wasaru Watanabe, fazia uma visita técnica oficial de cooperação com a polícia londrina, pediu que ela conseguisse a informação ‘interrogando adequadamente’ os marinheiros. Ele sabia quem era a Vespa Vermelha. Era ninguém menos que a adorável Duquesa de Orkney, Lady Vanessa Neverness, na mansão de cujo tio, Lord Ellesworth, eles se hospedavam e onde eles a treinaram em artes marciais, luta com o bastão e a katana, desde que descobriram sua identidade, quando enfrentaram o terrível gigante Mr. Hyde.

    Os marinheiros dormiram um dia na cadeia, presos por baderna, e foram soltos à noite. Quando retornavam atravessando vielas para o cais, eles foram atacados. A Vespa caiu de cima e em um segundo nocauteou os três. Eles acordaram quando a Vespa jogou água na cara deles. Estavam içados sobre o beco, amarrados por mãos e pés, a partir da beirada do telhado. Começaram a esbravejar. A Vespa pediu silêncio:

    – Senhores! Sejamos práticos. Não quero acordar no dressing gong!

    Um deles a xingou muito grosseiramente. Ela puxou da katana e cortou a corda. O brutamonte estatelou-se sobre o entulho de caixotes, vinte pés abaixo, ficando desacordado. Os outros arregalaram os olhos.

    – Eu sou uma dama – falou a Vespa. – Não posso ser tratada desse modo. Vocês vão me dizer essas palavras feias também?

    Os marujos negaram em silêncio. Então ela começou a interrogar. Apontou a katana para um dos dois que sobraram e perguntou do navio. O marinheiro amarrado negou saber, ela cortou a corda e ele foi fazer companhia ao colega no chão. Ela encostou a katana na corda daquele que sobrara. O marinheiro ficou desesperado:

    – É o Tartaglia! É o Tartaglia! Aqui no Hays! No Hays!

    A Vespa abandonou o marinheiro amarrado lá no alto e caiu sobre o Tartaglia, pulando desde o cabrestante do navio fracamente iluminado e com uma ronda distraída de quatro marujos caindo de sono, armados de espingardas ruins. Eles quase vomitaram o próprio estômago de susto.

    Da figura da Vespa caída do céu, esferas rolaram de sob sua roupa, enquanto ela saltava como um gato para o alto dos escalares e se cobria com sua capa. As esferas explodiram e farpas de aço voaram para todo lado, penetrando a carne dos marujos, que gritaram. A Vespa aproveitou-se, pulou no meio deles, puxou de um bastão e girando como um pião, surrou os homens, deixando-os desacordados. Ela correu para a escada por onde mais dois subiam: chutou o primeiro e saltou sobre o que vinha atrás. Um terceiro apareceu do nada, ela esquivou-se, desceu-lhe uma chave de braço, torceu-o no ar e jogou-o para fora do navio.

    Ligeira, correu para a porta da ponte. Fechou a porta de ferro, encostou o punho fechado na fechadura e uma faísca azul poderosa soldou a tranca, impossibilitando a porta de abrir. Os que estavam lá dentro começaram a esmurrar para sair. Ela correu para a tampa de carga e a levantou. Jogou lá dentro suas esferas de luz para iluminar e o que viu a desconcertou. Não eram armas. Eram crianças. Dezenas delas, olhando assustadas para cima.

    – Meu Deus! – ela recuou.

    Apareceram outros marujos. Ela lutou com eles ali em cima. Eram meia dúzia. Com o bastão, saltando e golpeando ela derrubou todos, quando terminou de quebrar o queixo do último com o cabo da katana (o homem rolou pelo chão, gemendo terrivelmente), ela ouviu um click, som de rifle sendo engatilhado. Olhou para trás e viu um homem imundo, usando só uma camisa comprida de sarja, barbudo e bêbado.

    – Ninguém entra no meu navio sem minha permissão!

    A Vespa ficou imóvel. Então apareceram duas crianças pela porta. Era duas meninas pequenas, iguaizinhas, gêmeas, cabelos muito vermelhos, que estavam enroladas num lençol. A Vespa indignou-se quando as viu.

    – Você deitou com essas crianças, seu animal? – Ela abaixou-se e jogou-se de lado. O capitão bêbado errou o tiro. A Vespa girou as pernas no ar e acertou-lhe um chute pelo queixo que o fez rolar. Ele apoiou-se em caixas, puxou de um punhal em riste, avançou desequilibrado. A Vespa, não pensou, dominada pela raiva: puxou a katana e decepou – realmente decepou – o braço do capitão na altura do ombro. O homem rugiu de dor, esguichando sangue. A Vespa pegou-o pelo pescoço, zunindo ao acionar seus dispositivos elétricos. – Monstro!

    Desceu sobre o capitão imundo um murro elétrico, um daqueles que destruíra o monstro-lobo Jack um mês atrás. Um brilho azul: o velho foi arremessado pelo ar, caindo para fora, arrebentando-se nas pedras do cais.

    A Vespa voltou-se. As menininhas estavam apavoradas, encostadas na parede. Ela levantou seus óculos que lhe davam aparência estranha e chegou perto delas. Mostrou o lindo rosto sob a máscara da Vespa. As meninas não a reconheceram, obviamente, não sabiam que era a Duquesa. – Vai ficar tudo bem, ouviram, meus anjos?

    Apitos da polícia. A Vespa abandonou o barco. Em um minuto tudo estava tomado de policiais e com eles Lestrade, Shimura e Wasaru Watanabe.

    3. REPROVAÇÃO

    Fazer todo o relatório minucioso de depoimentos, interrogatórios e coleta de indícios para registro do crime, tomou toda a manhã dos detetives japoneses, que estavam auxiliando a Scotland Yard justamente para aprender a técnica ocidental e levar para Tóquio. A polícia descobriu que o Tartaglia não só carregava armas desmontadas roubadas de galpões no Quarter Gun de Birmigham, para serem contrabandeadas para o Marrocos (onde os tuaregues as comprariam) como também levava crianças, umas vinte crianças, meninos e meninas, de até dez anos, para trabalho escravo, para vender como mercadoria, ao longo da costa, antes de entrar no oceano. Nunca durante as investigações, desde quando um punguista pego em uma batida em Birmigham revelou que as armas seriam embarcadas em um navio em Londres, a polícia sequer cogitou que o navio também levaria crianças para serem vendidas para exploração de trabalho e de sexo.

    Obviamente, a polícia não pode fazer nada pelas crianças. Encaminhadas a orfanatos já superlotados do Estado, nenhum esforço para achar seus pais ou encaixá-las em lares foi feito. Quando muitas delas simplesmente saíram pela porta da frente e desapareceram nas ruas, ninguém se importou. Eram já crianças de rua, abandonadas, já vendidas e exploradas pelos próprios pais e parentes, já escravas dentro de casa, dentro de oficinas, obrigadas a trabalhar por até dezesseis horas ou obrigadas a se prostituir. Elas eram os ‘Filhos de Londres’, frutos da miséria da cidade, que enriquecia uns poucos e afundava a maioria na miséria. Todos sabiam disso, a ideia era que não se podia fazer nada a respeito e se vivia tranquilo quanto a isso.

    No fim, depois que encontraram os marujos surrados, acharam o capitão do navio com o braço decepado e em estado de coma, jogado entre entulhos no cais. Foi levado para o Royal London Hospital, onde ficava a medicina forense da polícia.

    Shimura não gostou de ver aquilo. Ele era o chefe dos Quatro Audazes – constituídos por ele, Wasaru, Miss Caledwin e a Vespa Vermelha. Não fora o fundador do grupo, quem fundara e entregara a chefia a ele fora a própria Lady Neverness. Com as técnicas de luta e com os aparatos tecnológicos que ela carregava em seu Traje de Batalha, a Vespa Vermelha era, até agora, invencível.

    Mas isso não dava a ela o direito de fazer justiça com as próprias mãos.

    De volta à Mansão Ellesworth no meio da tarde, Shimura foi procurar Lady Neverness, que estava na sala dos quadros, sentada no divã, junto do balcão aberto para a sacada do jardim da estufa, sozinha, lendo um livro, linda em um vestido casual. Vendo-a assim, deixando-se banhar de um fraco sol da tarde londrino que se derramava na sala, ninguém diria que ela era uma heroína capaz de surrar a bandidagem de Londres (seu tio, Lord Ellesworth, que criou a jovem duquesa escocesa orfã, não sabia). Vendo Shimura, ela depôs o livro.

    – Boa tarde, Sr. Shimura.

    Ele sentou-se ali ao lado. – Milady… Tenho algo grave a dizer.

    Ela inclinou a cabeça, apertando os lábios. – Sei o que vai falar…

    – Milady. A senhora decepou o braço de um homem…

    Ela balançou a cabeça, muda, contrariada. – Sr. Shimura! Sabe o que ele estava fazendo?

    – Não importa, milady.

    – Não importa? Não importa?! Sabe? Eram crianças. Aquele porco estava se deitando com duas meninas, duas crianças!

    – Milady…

    – Acha que fiz muito? Eu fiz pouco!

    Kiotsuke! – Shimura irritou-se. – Não! O que está dizendo, milady?! Não foi para isso que preparamos a Vespa.

    Ela baixou os olhos. Mas Shimura viu que no rosto dela não havia arrependimento. – Estou certa. Não importa o que diga.

    Shimura ergueu-se. – Bom! Então meu treinamento acaba aqui.

    – Não quis dizer isso...

    – Mas disse! Não precisa de conselhos. Então não precisa de equipe, neh? Vós prendeis, julgais e punis. Ótimo. É bom estar diante de um deus...

    – Pare, sensei…

    – Não precisa mais de um sensei, milady. Não foi o que disse?

    – Não disse isso, não disse. Mas… Aquele homem, aquele animal…

    – Aquele homem recebeu no peito o golpe que usaste para destruir o lobo-gigante. Poderia tê-lo matado. Talvez ele morra até o fim da tarde…

    Ela olhou-o assustado. – Sensei… Não quis isso. Fui tomada pelo ódio.

    Shimura voltou-se. – Não pode haver ódio na Vespa, milady. Senão não pode haver Vespa. Sois poderosa demais para ter ódio.

    – O que devo ter então?

    – Firmeza no abismo, milady. Quando está diante do abismo escuro do ódio, que tudo destrói, deve se manter firme, na ponta dos pés se preciso for, mas firme. Se não puder fazer isso, milady, se não puder vigiar a si própria, não poderá vigiar Londres. Mas… ainda vejo em seu rosto que não concorda comigo. Estou vendo que acredita em sua própria justiça.

    Ela baixou a cabeça. – Sabe, Sr. Shimura, que a polícia não faria nada, como acho que nada fez, e que aquelas crianças foram, de novo, largadas na rua para serem embarcados no próximo navio maldito. Pelo menos um capitão demoníaco eu tirei do mundo.

    Ela falou com voz triste, mas isso não amenizou o espírito de Shimura. Com o rosto cravado pela decepção, Shimura disse. – Não te abandonarei, milady, mesmo que queira nos abandonar… – curvou-se e saiu.

    Lady Neverness tirou uma mecha de cabelos que lhe caiu sobre os olhos. Ficou pensativa, mas não compadecida. Tinha o rosto grave demais.

    4. FEITIÇO E ROUBO

    O segurança do museu foi achado encolhido no fundo de um nicho minúsculo, completamente em pânico, balbuciando palavras sem sentido.  Lestrade estava curvado na entrada do buraco sem entender.

    – Homem, venha para fora.

    – Não! Não! A bruxa. A bruxa. A bruxa. A bruxa…

    Lestrade irritou-se: – Collins, arranque esse homem de lá de dentro. – Lestrade afastou-se enquanto o Sargento Collins mandou policiais arrancarem o homem de lá à força. Seguiram-se gritos e uma luta para arrastar o pobre vigia, que se agarrava ao chão com as unhas, desesperado.

    Shimura e Wasaru estavam ali perto. No espaço superior do South Kensigton Museum, junto da cúpula central, debruçados na balaustrada, os japoneses viam os grandes espaços do museu abaixo. Naquele piso elevado onde estavam, no entanto, tudo fora isolado. Havia manchas negras no piso de mármore, sinais de destruição, peças tombadas.

    Era de manhã. Segundo o depoimento de dois outros vigias, durante a noite o museu fora invadido e deu-se uma luta naquele lugar. Segundo a narrativa fantástica, uma bruxa vestida em roupa âmbar aparecera andando, recitara encantamentos e seres como sombras saíram do chão, olhos vermelhos, sem rosto. Avançaram contra os vigias e começaram a bater neles. Os seres não tinham boca, mas chiavam lamentos e seus olhos pareciam fogo. As coisas negras subiram pelas paredes e jogaram contra os vigias os próprios objetos da exposição. De repente a bruxa teria falado mais encantamentos e tudo se cobrira de fumaça negra. A bruxa e os seres sumiram. Tudo ocorrera de madrugada, pouco antes do amanhecer. Os vigias, exceto aquele tomado de pânico, chamaram a polícia. Apenas uma das peças em exposição fora roubada: um espelho de corpo inteiro de pesada moldura de madeira de lei. Enquanto Wasaru estava ajoelhado, raspando o fumo negro que marcava o piso, alguém falou de repente: – Óleo vegetal, Sr. Watanabe!

    Todos voltaram-se. Wasaru ergueu-se. Um inglês alto, magrelo, chapéu e capa enxadrezada esquisita sobre o ombro, estava de pé junto deles. Atrás um senhor mais baixo, bigodudo, ostentando sobrepeso e óculos de aros redondos. Lestrade sacudiu a cabeça contrariado.

    – Bom dia, Inspetor Lestrade! Deixe que eu mesmo me apresento. Holmes, senhores. Sou Sherlock Holmes e este é meu bom amigo, Dr. Watson.

    Watson adiantou-se todo sorriso. Os japoneses fizeram uma vênia informal e depois estenderam a mão, no cumprimento à moda ocidental.

    – É muito agradável conhecer os célebres detetives japoneses Sr. Shimura e Sr. Watanabe. Temos muito em comum! Somos todos detetives e Dr. Watson é médico, como seu assistente, Sr. Watanabe, um médico também.

    – Sim! Mas Wasaru é legista, neh? Pesquisou sobre nós, Sr. Holmes?

    – Os jornais têm dignificado os senhores com grande veemência.

    – Retorne, Holmes – reclamou Lestrade. – Está em área isolada.

    – Apenas vim visitar o museu e fiquei curioso vendo a polícia…

    – Não me venha com essa! O quê quer aqui?

    – Ajudar! Os senhores dizem o que veem e eu digo o que não veem.

    Shimura meneou a cabeça, decidiu jogar: – Sim. Vejamos. Tudo isso foi para roubar um espelho, neh? Sombras negras brotaram do chão e lutaram contra os vigias, retiraram o espelho e sumiram dentro de uma fumaça, com o auxílio de uma Bruxa Âmbar que conjurou os fenômenos. Podemos conjecturar que foi um engodo, esconderam-se no prédio e produziram truques. Saíram por algum acesso para fora, levando o espelho.

    – Boa conjectura. Também penso o mesmo. Mas algo de muito óbvio, senhores, lhes escapou: o próprio espelho. Ele estava exatamente sobre esses suportes de madeira que, como podem ver, continuam de pé. Se o espelho fosse levantado por baixo e carregado, eles teriam de ter sido removidos, para dar espaço às mãos e estariam agora tombados. Mas estão de pé, porque o espelho foi retirado sendo agarrado por cima. Como o espelho é de corpo inteiro e estava sobre estes suportes a um pé de altura, ele não poderia ter sido erguido agarrando-o por cima por pessoas no chão. Então…

    – Ele foi içado! – falou Shimura.

    – Elementar, Sr. Shimura. – Holmes apontou para a cúpula. Todos foram para a beirada do balcão e olharam para a parte interna da cúpula do museu. Lá no alto apenas um dos oito basculantes de vitral estava aberto. – Talvez deva visitar o telhado do museu, Inspetor Lestrade

    Lestrade fitou Holmes. – Muito esperto, Holmes. Mas você sabe muito bem que o Diretor-geral Coolidge proibiu que tenha acesso a qualquer investigação da Yard, justamente por causa dos jornais…

    – Só estou visitando o museu, Inspetor. Faz cinco meses que não interfiro em nenhuma investigação da Yard. Em minha ausência foram a duras penas que a Yard resolveu seus casos! Exceto aqueles onde estes distintos senhores japoneses auxiliaram. Não é? Sr. Shimura? Sr. Watanabe?

    Shimura olhava em volta, desde a cúpula para o chão abaixo de onde estavam, passando a mão pela balaustrada. Longa pausa. Shimura disse:

    – Eu e Wasaru estamos só aprendendo, neh? Tóquio precisa de uma polícia que consiga ficar mais que cinco meses sem recorrer à investigação particular, por mais útil, louvável e bem-vinda que ela seja.

    Holmes olhava o japonês fixamente. Nem ouviu o comentário. Só tentou entender o olhar do japonês. – Viu algo, Sr. Shimura?

    – Pensei que talvez fosse bruxa e feitiçaria de verdade, neh?

    – Ora! Não precisava vir do Japão para buscar bruxas em Londres.

    – Tem razão. Então podemos descartar as bruxas japonesas...

    – Ora! Bruxas! O interessante aqui, Sr. Shimura, é como o âmbar se inclina para o vermelho, sabe? Interessante mesmo...

    Shimura olhou de esguelho. Lestrade fitou Holmes, muito contrariado.

    5. O RITUAL

    O homem estava banhado em um suor frio, absolutamente paralisado. De pé, no nicho da parede, duro, estatelado, sua respiração era entrecortada e soprava a saliva espumante pelos lábios apertados. O rosto era uma máscara de horror. Ele não podia se mexer, mesmo estando com pés e mãos livres. Um homem em andrajos aproximou-se do nicho onde ele estava com uma caixa de argamassa. Havia uma pilha de tijolos ali ao lado. Ele não fez nada – não pode fazer, paralisado – quando viu que o homem enfileirava tijolos, unidos pela argamassa, na entrada do nicho onde estava. As fileiras de tijolos subiam rapidamente: ele estava sendo emparedado no nicho, emparedado vivo.

    Uma parede em frente estava sendo quebrada por um outro homem, também em andrajos. Logo um braço tombou pela abertura. O homem alargou o buraco e um morto, de aparência murcha, seca, mas de feições claramente reconhecíveis, pele enegrecida, tombou como uma múmia para a frente, olhos abertos, boca escancarada, rígido. O que era aquilo? O homem que estava sendo emparedado entendeu que aquele infeliz outrora fora emparedado vivo, como estava ele sendo, e agora estava sendo retirado, cadáver então. Entendeu que o mesmo se daria com ele. Começou a gemer alto, um gemido que saia guturalmente, já que os lábios não abriam. O terror o consumia por inteiro.

    O corpo seco tirado da parede foi deitado sobre uma mesa larga, que estava rodeado por cinco mulheres encapuzadas, largas faixas espartilhando o manto delas. Elas se balançavam para frente e para trás, braços erguidos, de pé, à volta da mesa, cantando um cântico estranho. Não dava para ver o rosto delas. Havia velas gigantes, largas como colunas de pedestal e altas como pessoas, acesas, derramando uma luz cor de laranja sobre a cena macabra. A mesa estava recoberta por uma toalha cheia de símbolos. O centro da toalha era um pentagrama. Um lustre de velas descia do teto. Sombras se projetavam horrendas pelas paredes.

    As mulheres eram bruxas. Aumentaram o ritmo de seu canto e de repente o cadáver sobre a mesa começou a tremer. Para horror daquele que ainda estava vivo, o cadáver ergueu-se, sentando-se na mesa. Então todas as bruxas tiraram de um punhal e ao mesmo tempo enterraram no cadáver redivivo que começou a tremer de volta.

    Esta foi a última visão do homem emparedado, pois um último tijolo foi colocado frente seus olhos, mergulhando-o nas trevas, fechando-o no nicho, sepultado vivo de pé dentro da parede. Ainda escutou gritos terríveis de dor, antes de ser esquecido ali dentro para morrer também.

    6. ESPELHO MÁGICO

    Na mansão Ellesworth, na biblioteca, Shimura e Wasaru folheavam grandes volumes. Finalmente acharam o que queriam.

    – Aqui, Wasaru! – Mostrou ao colega um grande livro de fotografias de peças de museu, escrito em alemão. Era a foto (preto e branco, obviamente) de um grande espelho com metade da altura de uma pessoa, com moldura  e detalhes ovais no alto onde figuras e frases estavam pintadas. – Foi este o espelho roubado. Ele é uma peça da coleção do Museu Spessart de Lohr am Main, na Alemanha, e foi emprestado, junto com outras peças, ao South Kensignton Museum, de onde foi roubado.

    – O que esse espelho tem de especial?

    – É o espelho mágico de um conto de fadas europeu, o espelho verdadeiro de Branca de Neve e da Rainha Má. O conto foi baseado em uma história real. A ‘Branca de Neve’ existiu e era uma alemã, se chamava Maria Sophia Margaretha Catherina von und zu Erthal, de Lohr am Main. Sua mãe morreu quando ela, a ‘Branca de Neve’, tinha treze anos e o pai viúvo, Philipp Christoph von und zu Erthal, se casou logo em seguida com Claudia Elisabeth von Reichenstein, que é a Rainha Má da história. Como presente de casamento deu a sua segunda esposa este espelho, coisa caríssima na época, feito pelos melhores artesão da Alemanha, da firma Kurmainzische Spiegelmanufaktur. Segundo a lenda o espelho 'só falava a verdade'.

    – Oh! O espelho falava?

    – Uma metáfora, Wasaru. Significa que ele refletia exatamente a imagem real, tão perfeito era… No alto do espelho há uma referência em latim… consegue ler?

    – ‘Amour Prope’…

    – Amor-próprio. O espelho é para os que amam absolutamente a própria imagem e mais nada… A madrasta dessa Maria Sophia era muito vaidosa e mais protetora de seus filhos legítimos do que da enteada. A fama é de que tratava mal a jovem e daí a lenda de ‘Branca de Neve’.

    Wasaru olhou desconfiado para seu mestre. – Sensei… Não está acreditando mesmo que o espelho foi roubado porque é mágico, está?

    – E se foi isso? O que mais há nesse espelho, senão a lenda à volta dele?

    – É muito… fantástico, neh? Gomen nasai, sensei...

    – Hum… Mente aberta, Wasaru! Para ser um detetive útil para a polícia, deve ter a inteligência de nunca excluir sem provas uma conjectura possível. É melhor excluir do que nunca propôr, neh?

    – Mas o senhor… ficou intrigado com algo mais. Algo que não quis dizer frente aquele cavalheiro… o detetive.

    – O Sr. Sherlock Holmes. Hai-hai… Já ouviu falar dele na Yard, Wasaru... Mente agudíssima, inteligência insuperável e pedantismo insuportável. Os outros inspetores o detestam. Fez a leitura corporal dele, Wasaru?

    – Sim, sensei.

    – Então me conte, vamos ver se acertou…

    – Ele é ansioso. Está sempre a ponto de dizer algo. Ele conta os objetos em seu raio de visão. Notei que olhou para cada janela da cúpula… – Shimura balançava a cabeça, aprovando. – É perfeccionista, sempre olha onde pisa, sempre verifica quem está em volta, nunca olha ninguém nos olhos enquanto conversa, pois também está fazendo leitura corporal do interlecutor. Mas não conseguiu ler facilmente seu rosto oriental, sensei.

    Hai-hai! Isso mesmo, isso! Muito bom, Wasaru. Meu rosto o distraiu. E ele ‘perdeu’ aquilo que observei e por isso me questionou. Continue.

    – Quando ele chegou, tinha uma segurança jocosa na fala, e manteve-se ansioso para nos surpreender com uma descoberta que apenas ele tinha. Como quando nos fez ver que o espelho foi içado. Depois, quando o senhor percebeu algo e falou, a jocosidade dele sumiu. Ele ficou sério.

    – Sim. Porque ele não queria ser surpreendido e soube que algo lhe escapou. Isso significa que gosta de competir, provocar e ganhar. O que mais?

    – Ele fez alusão ao vermelho, mas falou olhando para o Inspetor-chefe. O que significa que o Sr.Lestrade entendeu, neh? Que o Sr. Lestrade sabe que o ‘vermelho’ fez referência à Vespa.

    – Então, Wasaru, ele não estava ali por causa do espelho, mas por causa da Vespa e Lestrade sabe disso. O que é estranho, pois não havia sinal da Vespa, e isso me faz concluir que Holmes acredita que estamos próximos dela. Ignorou a gravidade do roubo...

    – Este caso do espelho te interessa, sensei?

    – Em vista do inusitado do roubo, sim.

    – Acredita mesmo em bruxas?

    – Hum… Já vi bruxas, Wasaru. Nunca viu?

    – Desculpe-me, sensei… Não creio nessas coisas.

    – Mas crê no Xintó.

    Wasaru recuou grave. – Xintó não é feitiçaria.

    – Mas é uma crença, como o budismo que sigo. Nunca viu uma feiticeira Onmyoudou? Eu vi. Na verdade eram três moças, três bruxas Onmyoudou. Em Kagoshima. Elas sequestraram crianças, mataram uma. Elas invocavam vários Shikigami para protegê-las. Uma dessas jovens bruxas era fraca e inexperiente. Ela invocou um Shiki usando um amuleto de metal com a inscrição mágica em papel de arroz. O Shiki saiu de controle, tomou consciência e a matou. Era um Shiki de fogo. Destruiu a bruxa no fogo… Nós eramos quatro jovens samurais. Lutamos a noite toda contra os outros Shikis. Um de nós morreu. Hishita-san. Um homem muito bom, grande amigo…

    Silêncio.

    – As bruxas caminham no mundo, Wasaru, e querem uma única coisa.

    Silêncio. Wasaru não suportou. – O quê, sensei?

    Beleza eterna.

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