Laila
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Laila - Hermes Petrini
I - O JARDIM: PERMANENTES, PROVISÓRIOS E AQUELES QUE VOLTARÃO UM DIA
O
galo ainda cantava naquela madrugada fria quando um sopro ululante assobiou entre os prédios mais próximos. Laila acordou, como de costume. Seu rosto moreno, umedecido pela água fria da caneca, ainda despertava. Os cabelos amarrados e as roupas trocadas rapidamente revelavam uma estranha sensação. Agora não usava mais aquele tipo de gargantilha...
. Não mais. Ao nascer do sol, já preparava o café das crianças, da sua e dos outros. Hoje teriam o que comer! Acolhedora, quando podia envolvia os pequeninos vizinhos em suas refeições e brincadeiras. Imaginava como conseguiria água e gás, já que o vazamento de ontem tinha acabado com o resto que sobrara no botijão. A água potável, naquele recipiente, era insuficiente com tanto calor.
O vizinho da direita, mesmo tendo sido solicitado para trocar o gás, prometera pela terceira vez que iria resolver a situação. Procrastinava. Não o fez. Ele sempre foi um faz-tudo, mas nesses novos tempos, desanimado, apesar do intenso movimento, andava a tartarugar. O momento e a situação em que viviam contaminava até o ânimo das pessoas. E o dele não era diferente. Mas a água precisaria ter sua talha enchida novamente. E a necessidade de fogo daquele dia, foi resolvida com lenha mesmo. Já a água… Laila conseguiu de uma fonte mais próxima do seu casebre improvisado. Desta vez precisaria caminhar apenas duzentos metros até a fonte. Antes, a distância era maior. Mas nem sempre foi assim.
No início, foi abrigada por uma pessoa querida, conhecida de alguns parentes, que acabou por se tornar sua melhor amiga, além de fonte de inspiração, parceria e sabedoria. Mama Ibu. Foi ela quem a acolheu quando chegou a Maktub. Quem a recepcionou efusivamente no aeroporto. Quem escutou com ternura toda a sua história e com quem estabeleceria parcerias nos projetos futuros e na transformação do jardim, aquele lugar onde descansavam os seres…
Mama Ibu era uma figura ímpar, de rosto sereno, olhos suavemente orientais, cabelos compridos e grisalhos, com pele fina e sensível, além de ser dona de um sorriso acolhedor e de um abraço ímpar! Medicinal! Quantas e quantas vezes Laila encontrou afago em seus ombros e, sem dizer uma palavra, seus braços a fizeram se sentir em casa. Abraço como aquele, Laila só havia recebido de sua mãe há muitos anos: envolvente e consolador! Durante meses, Laila e seu bebê moraram com ela e puderam desfrutar desses abraços curativos. Agora já tinham um lugar no jardim. E aquela manhã prometia.
A brisa deixava uma suave fragrância no ar. Havia um perfume das folhagens próximas que lembrava a gardênia. Mas não era. O desfrutar do aroma dessa árvore que crescia naturalmente no jardim era um dos poucos prazeres ainda permitidos aos provisórios e àqueles que voltarão um dia. O paradoxo era brotar vida na casa dos permanentes, aos quais era possível desfrutar dessa regalia, pois respiravam por outros canais. Suas flores amarelas eram uma prova da existência da ternura. Puro desfrute! Prazer como parte da fruição de um saber sensível, diga-se de passagem. Amarelo. Além do que, o amarelo é a cor do sol, cor da eternidade, cor da terra fértil.
Em suas diversas experiências de vida e amizade com pessoas de diferentes culturas religiosas, Laila conheceu alguns rituais, preces, canções, além das propriedades da cromoterapia, a partir de culturas milenares.
Ela aprendeu por exemplo que, na antiga China, a fim de se estimular a fertilidade do casal e sua consequente harmonia, equilíbrio entre yin e yang, era tradição que os travesseiros, as cobertas e as vestes nupciais fossem de seda amarela. Por outro lado, da mesma forma que o milho após amadurecer seca, o amarelo prenuncia a aproximação da morte.
Laila descobriu que as flores perfumadas dessa árvore, eram constantemente utilizadas em cerimônias do Hinduísmo Balinês e que representavam a adesão ao desejo de boas vibrações, energias e bênçãos. E que brotavam naturalmente no reino dos moradores perenes do jardim, os chamados permanentes. Intensa e forte essa constatação: vida que brota em forma de flores, onde reside a morte, pensou. Paradoxo. Vida que se renova.
Permanentes, provisórios e aqueles que voltarão um dia chegavam de forma intensa, mas não tanto como nos últimos dois anos.
Sem acesso à mídia crítica, já havia um bom tempo, Laila procurava entender o porquê da presença de um número maior de pessoas, nas três categorias. Exceto os provisórios, que, vez ou outra, acolhiam um parente perdido, um tio que havia desaparecido ou as novas crias, que brotavam como brotam plumérias em seu jardim, os permanentes e aqueles que voltarão um dia passaram a visitar o local com mais frequência, diária e agora - a novidade - presença noturna, devido a uma nova