Realidade quilombola
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Realidade quilombola - Heloisa Helena Ribeiro de Castro
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - SEÇÃO GESTÃO
À Heloisa, mãe, e também aos irmãos de alma
que fui colhendo pelo caminho.
AGRADECIMENTOS
Este livro é fruto de experiências, compartilhamento de vidas, histórias e sensações. Seria, portanto, muito difícil nominar cada uma das pessoas que foram imprescindíveis neste trabalho, mas quero agradecer principalmente ao Sr. Aurino, grande sanfoneiro; Sr. Felipe, retrato do Remanso, que com muito carinho nos recebeu; Tia Judite, que nos contou, com toda a tranquilidade do mundo, o segredo das ervas; Churi, com seu sorriso largo, que teve paciência e dedicação; Natalino, que nos transportou de cima para baixo durante todo o período; D. Eulina, que com ternura de mãe nos alimentou e mimou; Claudio, amigo querido, cuja companhia e cumplicidade foram tão necessárias; Tiãozinho, nosso contato em Lençóis, que foi de uma dedicação absurda para que conseguíssemos atingir os objetivos; Su Stathopoulos, fotojornalista experiente, que com seu olhar, e a sensibilidade dedicada a cada foto, engrandeceu sobremaneira este trabalho; Odair, pelas discussões enriquecedoras nos caminhos da identidade, em meio a galinhadas
e outros quitutes, para matar a saudade do Brasil quando estávamos em Barcelona; Ernani, pelo auxílio de última hora; Teca, madrinha querida, meio irmã, meio mãe, sempre cúmplice, que me conhece pelo olhar e que está por perto quando eu mais necessito; Yá, pelo apoio e amor incondicional; um agradecimento especialíssimo à Carla Reis Longhi, que entendeu meu encantamento pelo tema e que várias vezes me trouxe de volta ao eixo, mostrando o que era possível e o que deveria ser deixado para depois. À Malena Segura Contrera, amiga querida, parceira de sonhos e de realizações, que me ensinou e me ensina tanto, obrigada, sempre!
Sumário
O que dizem as árvores
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
O COMPARTILHAMENTO ESTRUTURANDO A VIDA, AS LEMBRANÇAS E A COMUNIDADE
CAPÍTULO 2
AS TRAMAS ENTRE GLOBAL E LOCAL – Espaços de SociabilidadE
CAPÍTULO 3
AS TRAMAS DO GLOBAL SOBRE O LOCAL TECENDO O ESPETÁCULO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ESPETACULARIZAÇÃO OU DIVULGAÇÃO DE UM CONHECIMENTO QUE PODE SER PERDIDO?
REFERÊNCIAS
ANEXO
O que dizem as árvores
Falar de uma comunidade quilombóloga é falar de resistência, da força que aquilo que possui raízes tem para sobreviver, para atravessar os tempos e se manter em pé. Mas também é falar sobre a condição de refugiados que constroem um lugar no mundo por meio das armas dos despoderosos: o afeto, as memórias geradoras da identidade, as narrativas de resiliência, o trabalho conjunto e o cuidado com o chão que abriga o que se constrói como uma comunidade capaz de manter os fios entrelaçados, formando um tecido que envolve e protege a vida das pessoas que ali vivem, dando a essas vidas um sentido, um propósito.
Saber de onde se partiu é uma excelente maneira de descobrir aonde se quer chegar. Não há trajeto sem um ponto de partida, não há sentido sem vínculos de pertença, ainda que flexíveis, ainda que elásticos. E é por isso que a autora se debruça, interessada pelas histórias da fundação da comunidade quilombóloga Remanso, localizada na Chapada Diamantina, na Bahia, a fim de encontrar a alma da comunidade, seu sentido, suas origens e sua história.
Debruçando-se sobre as narrativas e documentos que a comunidade dispõe sobre si mesma, Heloisa oferece o ouvido e olhar atentos e interessados para, como um médico, ouvir a história de um paciente e descobrir quando começa sua dor, a origem do mal que lhe aflige.
E eis que esse mal aparece por meio da eletrificação da comunidade, das antenas dos satélites que a ela se seguem, dos aparelhos de tv e, especialmente, dos computadores e da internet que falam com o espírito do tempo das novas gerações que não mais têm tempo de ouvir as histórias da comunidade, de acolher as histórias dos anciãos, de revivificar a gênese da alma do lugar.
A autora vai traçando a história de Remanso, e ao decorrer da leitura, vamos vendo que Remanso não é apenas lá, que Remanso é também todo o qualquer lugar que foi atravessado pelo século XX e pela Cultura de Massas, pelo projeto desenvolvimentista do progresso industrial, pelas ilusões de que é longe que mora a felicidade, e que é preciso ir para o virtual para encontrá-la. Esse foi o espírito do tempo do século XX – a fuga da humanidade, que se lançou ao nada em busca dos deuses que foram expulsos da Terra (e das terras).
As narrativas dos anciãos de Remanso ferem-nos de mansinho porque nelas reconhecemos nossa própria voz – não mais de refugiados –, mas de exilados de um mundo no qual tínhamos um lugar, de um mundo que era feito de caos e ordem, como sempre, mas onde tínhamos um papel, no qual sabíamos o que fazer para construir nosso microcosmo temporário.
As tecnologias eletrônicas do século XX, que se tornam o imperativo propositor de um tipo de vida específica desse começo do século XXI, chegaram a Remanso sem que o passado tivesse ferramentas para lidar com isso, sem que fosse possível diagnosticar o que acontecia enquanto acontecia. A história do século XX foi a história de um mundo que só se dá conta do que aconteceu muito depois de tudo estar consumado. E os poucos videntes que puderam ver tudo em tempo real eram acusados de reacionários, de apocalípticos, reduzidos a discursos, descartados como velhos, vindos de um mundo velho que não se queria mais.
A mitologia grega ensinou-nos que negar as origens, desconhecê-las, é a desgraça de todo herói; assim foi com Édipo, assim foi com Páris e com muitos outros. Não aprendemos nada. Continuamos apagando as marcas dos caminhos por onde viemos, dando aos pássaros o miolo de pão que marcava o caminho. E assim também com Remanso, como com praticamente todo o mundo.
O texto que Heloisa nos propõe não tem o poder de defender a tradição de Remanso, não caberia a ele esse papel, não se trata de salvar a comunidade, sua terra, sua gente; mas oferece voz às histórias que começam a ser caladas, oferece ouvidos aos que não mais são