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Princesas mortas não se apaixonam: Um romance
Princesas mortas não se apaixonam: Um romance
Princesas mortas não se apaixonam: Um romance
E-book556 páginas8 horas

Princesas mortas não se apaixonam: Um romance

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Sobre este e-book

O novo livro da autora Raíssa Selvaticci – conhecida como Garota Best-Seller nas redes sociais! –, um conto de fadas sinistro sobre o que acontece quando você se apaixona pela herdeira do trono do Reino Unido.
Nascida na família real britânica, Amélia Mountbatten Wales jamais seria uma adolescente comum. Foi por isso que criou Holy, um disfarce perfeito para explorar Londres sem o peso dos deveres reais. A farsa e a realidade vividas pela princesa pareciam incapazes de colidir até conhecer, sob o disfarce de Holy, Roma Borges, brasileira recém-chegada à Inglaterra e filha do detetive-chefe da Scotland Yard.
Amaldiçoada com a estranha habilidade de enxergar fantasmas, ficar longe de confusão é tarefa difícil para Roma, sobretudo agora, quando os espíritos locais não estão dispostos a deixá-la se esquecer da garota assassinada nos arredores do Palácio de Buckingham pouco antes de sua chegada. Atraída pelos mistérios que cercam o caso, ela percebe que a chave para desvendar o assassinato é Amélia, sua arrogante colega de classe.
Mas, à medida que se aproxima da princesa, Roma pode descobrir que só existe uma coisa maior que a fortuna da realeza: seus segredos – e Holy é o pior de todos eles. Resta saber quantas mentiras o "felizes para sempre" pode suportar.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de mai. de 2023
ISBN9788542222364
Princesas mortas não se apaixonam: Um romance

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Avaliações de Princesas mortas não se apaixonam

Nota: 4.90625 de 5 estrelas
5/5

32 avaliações6 avaliações

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  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5
    Procurei pela definição de perfeição no dicionário e apareceu uma foto desse livro. eu descobri quem tinha cometido o crime tão rápido, mas o plow twist contando o lado dele me pegou, enfim a história é muito boa e cativante, os personagens são maravilhosos.

    1 pessoa achou esta opinião útil

  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5
    Que livro maravilhoso amei muito , a forma como a Raissa escreve e todas as referências incríveis,devorei o livro só sosseguei quando terminei , favoritado !!
  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5
    perfeito obrigado por tudo Raissa, estou acabado como sempre após ler um livro seu ????
    Roma eu te amo vc é literalmente EU as a girl
    Amélia se vc quiser o mundo eu te dou (lá ele) juro faria loucuras pra te proteger (acontece q é uma das mil coisas q tenho em comum com a Roma)
    tô feliz demais dps desse livro.
  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5
    que história incrível, sério mesmo! me prendeu do início ao fim.

    1 pessoa achou esta opinião útil

  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5
    Defeitos ? Desconheço, o livro é perfeito. Autora você é fod@ virei cadelinha 100%

    1 pessoa achou esta opinião útil

  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5
    Mano e um livro apaixonante,um pouco macabro mas os personagens são maravilhosos.
    E uma leitura muito gostosa ler e bastante profunda.

    1 pessoa achou esta opinião útil

Pré-visualização do livro

Princesas mortas não se apaixonam - Raíssa Selvaticci

CAPÍTULO 1

A SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ADVERTE: ÀS VEZES O MELHOR É FINGIR QUE CERTAS COISAS NUNCA ACONTECERAM.

Roma

— Pai — Roma murmurou —, você precisa de um marido de aluguel.

Declan Wallen abriu um sorriso constrangido enquanto jogava uma almofada amarela em cima do buraco evidente do sofá da sala. As paredes pintadas de cor creme tinham rachaduras leves e, na opinião leiga de Roma, era questão de tempo até que uma infiltração aparecesse. O apartamento do pai era tão pessoal quanto a sala de uma escola: não fosse pelas garrafas de uísque no armário da cozinha, ela nem diria que alguém estava morando ali.

O visual desleixado do apartamento não condizia com o salário de chefe da polícia metropolitana de Londres, mas Declan era um detetive típico: bebida em excesso, uma ex-namorada morta no currículo e sérias dificuldades em demonstrar sentimentos. Deixava seu apartamento como deixava seu coração: empoeirado e sem perspectiva de visitas.

— Podemos comprar um papel de parede para o seu quarto — sugeriu, enquanto puxava uma das malas de Roma para dentro. O chaveirinho no formato do Cristo Redentor que enfeitava o puxador do zíper balançou, fazendo com que a garota duvidasse da sua escolha por quase um minuto inteiro.

— Não precisa — murmurou em resposta, um tanto receosa, colocando os fios de cabelo platinado atrás da orelha. — Na verdade, acho que não mencionei todos os meus planos quando conversamos pelo telefone. — E não era culpa dela, porque Declan tinha desligado o telefone depois de concordar com sua ida para Londres e dizer que precisava escalar policiais para um caso de roubo na Baker Street. — Me inscrevi em uma bolsa para Charterhouse.

— Charterhouse… — Declan repetiu, o tom de voz um tanto confuso. Ele apoiou as malas de Roma nos ombros e levou-as para dentro, deixando a garota em dúvida quanto a segui-lo ou não. — O colégio só para garotas?

— Começaram a aceitar garotos no ano passado — disse, sem saber se essa era uma informação positiva ou negativa na visão do pai —, eles têm um programa de esportes interessante. — Roma deu pequenas voltas pela sala e precisou pensar antes de continuar a conversa, o inglês enferrujado de anos sem praticar. — E alojamentos, o que significa que não vou tirar a sua privacidade. — Ela temeu estar sendo fria demais, então completou: — Mas eu posso vir para casa nos fins de semana.

Batendo as mãos uma na outra, o homem voltou para a sala.

— Charterhouse — ele repetiu, outra vez. Roma teve a impressão de que estava tentando ganhar tempo enquanto decidia se soltava ou não determinadas informações. O pensamento de um detetive é sempre assim: calculado. — Conheço uma garota de lá.

Roma fez uma careta.

— Você não está transando com colegiais, está? — Ela deu uma risadinha nervosa, porque sabia que era uma hipótese possível. Seu pai não era feio, tinha o corpo atlético e olhos claros. Ele só precisava de uma garota boba e com daddy issues o bastante para aceitar as inconveniências de namorar um homem da lei.

— Que horror, Rome— comentou, divertindo-se, cruzando os braços e apoiando o ombro no batente da porta. Roma sentiu algum conforto ao ouvir o apelido, lembranças da infância em Ilha Grande voltando à mente. Seus pais até tentaram ser um casal normal, mas não deu muito certo. Ela era fruto de um caso de uma noite só, a viagem de formatura da mãe culminando em um presentinho nove meses depois. Apesar disso, Declan se esforçava para visitá-la ao menos três vezes por semestre, número que foi diminuindo à medida que ela crescia e o trabalho na polícia aumentava. — É serviço de proteção — segredou. — Os membros da família real estão em polvorosa desde que aconteceu um assassinato nos arredores de Buckingham.

— Aconteceu um assassinato nos…

— Sim — Declan a cortou. — Mas nós não vamos ter essa conversa. — Ele apontou para a estante de madeira empenada da sala. — Está vendo os DVDs? — Uma caixa de CSI: Miami era o que mais chamava a atenção. — É o mais perto que você vai chegar de um crime enquanto estiver aqui em Londres.

Roma revirou os grandes olhos de cor violeta. Por pura provocação, queria dizer ao pai que estavam em 2023 e boa parte das pessoas que usavam DVDs já tinha batido as botas, mas decidiu que seria atrito demais para as suas primeiras horas em terra britânica.

Desde pequena, ela dizia que seguiria os passos de Declan e se tornaria detetive da Scotland Yard. Era o único emprego mórbido o bastante para que o seu dom esquisito deixasse de ser um estorvo, mas seus pais não estavam de acordo com isso. Esse era um dos motivos para ter escolhido terminar o ensino médio em Charterhouse. Eles valorizavam os esportes e ela esperava se encontrar correndo atrás de bolas em vez de mortos.

Ela estava com uma resposta na ponta da língua quando o celular de Declan tocou, um arrepio descendo pela nuca da garota diante do som estridente. Ele recusou a chamada pressionando o botão de desbloquear duas vezes seguidas.

— Parece que o plantão de hoje vai ser cheio — disse ele, balançando o telefone, como se Roma não tivesse visto a ligação. — A casa é sua, Rome. Tem uns bares legais aqui na rua. Caso você queira jantar, fazer amigos ou sei lá.

Roma assentiu.

— Obrigada — disse. — Bom trabalho. Tente não morrer no processo. Declan deu um sorriso antes de pegar sua carteira na mesa da sala e sair, as tábuas do piso rangendo com o seu peso. Essa era uma piada que Roma fazia sempre que o pai estava indo embora do Brasil, de volta para Londres.

Aconteça o que acontecer, não morra no processo.

O apartamento pareceu mais frio com a saída de Declan. Roma caminhou até as janelas e puxou as persianas para cima, o pôr do sol alaranjado invadindo o espaço e deixando a sala com um pouco mais de vida. O apartamento do pai era no oitavo andar e tinha uma vista bonita da cidade: de onde estava, ela conseguia enxergar parte da London Eye e uma faixa de água do rio Tâmisa. Um cheiro reconfortante de waffle e mel estava impregnado no ar, mas Roma não sabia de onde vinha.

Ela fechou os olhos, sentindo os últimos minutos de sol quente no rosto. Pela primeira vez em dias, se permitiu sentir um pouco de empolgação. Estava do outro lado do mundo, longe dos que a conheciam desde sempre. Poderia ser qualquer pessoa, fazer qualquer coisa. Todos os seus problemas estavam trancados dentro da mala, dentro do iPhone que Roma não pretendia ligar tão cedo.

Um cheiro desagradável de enxofre interrompeu sua paz, a mucosa das narinas ardendo diante do fedor repentino. Ela já sabia o que estava por vir, mas seu coração disparou quando abriu os olhos.

Encontrou o rosto deformado de uma garotinha de cabeça para baixo na janela. O cheiro de waffle se perdeu de vez, o fedor peçonhento se intensificando ao redor do corpo de Roma, como se fossem mãos tentando alcançá-la.

Roma levou uma das mãos até o peito e mostrou o dedo médio para a menina, que abriu um sorriso travesso, exibindo os dentes sujos de sangue.

Seu nome era Pietra.

Não era seu nome de verdade, mas o que Roma havia escolhido. Ela costumava nomear aqueles que apareciam com mais frequência, embora não soubesse nada sobre eles. Às vezes, cheiravam muito mal. Outras vezes pareciam pessoas de verdade e, não raramente, apareciam na forma hollywoodiana de fantasma: um espectro.

Depois de muitas reuniões espirituais, encontros com médiuns renomados, banhos de água-benta e até uma sessão de exorcismo, Roma aceitara a presença deles como aceitava que nunca teria mais que um metro e sessenta e dois de altura.

Ela fechou as janelas com um pouco mais de agressividade que o necessário. Depois que estavam fechadas, temeu que despencassem e ficou alguns minutos em silêncio, observando a madeira tremer suavemente. Quando teve certeza de que não cairiam, abriu um meio sorriso.

O que não tem remédio remediado está.

CAPÍTULO 2

COMO JÁ DISSE TAYLOR SWIFT: I KNEW YOU WERE TROUBLE WHEN YOU WALKED IN (E ME APROXIMEI DO MESMO JEITO PORQUE ME FALTA SENSO DE AUTOPRESERVAÇÃO).

Amélia

Com as pontas dos dedos, Holy puxou a azeitona para fora do seu copo de vodca, levando-a até os lábios pintados num tom exagerado de vermelho. Deu uma mordida na polpa verde e, sem terminar, mirou o caroço na lixeira mais próxima de onde estava sentada. Errou por muito e pensou que seria divertido se, por acaso, alguém tropeçasse nos restos da sua azeitona e caísse.

— Acho que as pessoas não se divertem mais como antigamente. — Holy fez um bico para Benjamin, que acabava de virar um gole de cerveja preta. Como de costume, o conde de Cambridge não se parecia com o conde de Cambridge naquela noite, os olhos azuis que chamavam tanta atenção escondidos atrás de óculos quadrados.

— É terça-feira — disse ele, a convicção invejável —, eu te falei que ninguém sai de casa às terças-feiras.

Ela soltou um suspiro frustrado antes de passar os olhos pelos clientes do bar, homens de meia-idade em sua maioria. Aos fins de semana, o espaço costumava ser ponto de encontro dos jovens de Londres, e aparentemente isso não se estendia aos dias úteis. A maioria ali tinha o rosto cansado e pouca vontade de festejar.

Holy apoiou as mãos no balcão do bar, jogando o banco onde estava sentada um pouco para trás. Uma gota de suor desceu por seu pescoço. A peruca escura com a qual escondia os fios ruivos deixava sua cabeça ardendo de calor.

— Pessoas que estão prestes a se casar saem às terças-feiras — protestou. — Você vai ver. É questão de tempo até que anunciem.

Benjamin moveu a cabeça, em negativa.

— Você ainda não tirou isso da cabeça.

— Não tirei nem vou tirar — disse ela, soltando o ar pelo nariz. — É óbvio, Ben, ligue os pontos. Addie Jones foi assassinada há duas semanas, nos arredores do palácio. O povo vai questionar. Se nem a família real está segura, quem está?

— E quem disse que a família real não está segura?

— Os policiais que estão nos seguindo para cima e para baixo, talvez? Minhas aulas começam na segunda e ninguém me autorizou a ficar sem um segurança.

— São protocolos oficiais.

— Protocolos — Holy virou o copo de vodca contra os lábios — que não eram seguidos há anos. Tem alguma coisa estranha acontecendo, e a rainha…

Benjamin abriu um sorrisinho irônico.

— Você quis dizer a sua avó.

Holy bufou, irritada com a interrupção.

— A rainha sempre usa o truque do casamento arranjado quando precisa tirar o foco de algum escândalo. Pão e circo. A população adora, se derrete. Enquanto nós colocamos sorrisos falsos no rosto e assistimos à nossa vida ser arrastada para o buraco.

— O que eu posso dizer? — Benjamin bebeu o último gole da cerveja. — Você sempre teve uma veia dramática, princesa Amélia — ele pronunciou cada letra do seu verdadeiro nome devagar, forçando um sotaque que não lhe pertencia. — Seria interessante relaxar e entender que só dessa vez as coisas não vão ser sobre você. Vamos.

Holy bufou antes de terminar sua dose de vodca, batendo o copo contra a superfície do balcão para demonstrar seu descontentamento. Atraiu a atenção de uma das garçonetes, mas a mulher não disse nada.

— Para onde?

— Para o lugar de sempre. — Benjamin se levantou do banco, deixando três notas de cinquenta libras na bancada. — Isso deve pagar — disse, e piscou para a garçonete, ciente de que aquele valor era muito mais do que tinham consumido na noite.

Holy mordeu o lábio. Seguiu o conde para fora do bar e esfregou os próprios braços, arrependendo-se amargamente de não ter saído com um casaco mais quente.

Benjamin e Holy tinham um segredo: um flat de poucos metros quadrados na Cleveland Street, onde guardavam todas as coisas que não podiam manter no palácio. A lista era longa, desde bebidas, drogas, roupas consideradas impróprias para os membros da realeza até casos amorosos. Era um lugar seguro onde podiam ser mais do que seus títulos de nobreza. Onde a princesa Amélia podia ser só Holy.

Cleveland Street havia sido uma escolha dela. Em 1889, a rua ficou conhecida pelo escândalo da Cleveland Street, quando um bordel exclusivo para homossexuais foi exposto pela polícia. Depois de descobrir que um antepassado da família real era frequentador do bordel, Holy decidiu que deveriam revogar o escândalo para si.

Ela gostaria de ter comprado o flat sozinha, mas, sendo maior de idade, Benjamin tinha mais facilidades burocráticas que ela. Com um temperamento esquentado, os dois viviam trocando farpas na maior parte do tempo, mas em geral até que se davam bem. Eram como irmãos: se amavam e estavam sempre implicando um com o outro. A amizade deixava os dias no palácio um pouco mais suportáveis. Desde que a rainha não descobrisse que a princesa estava festejando nos bares de Londres em vez de estudar ciências políticas nas horas vagas, não haveria problemas.

Benjamin ergueu o chaveiro do carro, apontando com a cabeça para o estacionamento a poucos metros.

— Vou esperar aqui — Holy sibilou, batendo as botas contra o chão num tique nervoso impaciente —, meus pés estão doendo.

Ben revirou os olhos antes de seguir o caminho. Esta era uma coisa de que ela gostava na sua relação com Benjamin: sempre aceitavam as mentiras um do outro, das mais simples às mais escabrosas. Podiam rir ou debochar, mas nunca questionavam. Tinha algo de agradável na liberdade de poder mentir e nunca ser pego, não porque as mentiras fossem boas, mas porque os ouvintes se conheciam o bastante para não se importarem. Não era indiferença. Era confiança: eles se conheciam tão bem que um sabia quando o outro estava mentindo, sabia os motivos de estar mentindo e não questionava, porque sabia que o outro teria dito a verdade se quisesse.

Isso servia tanto para as mentiras simples quanto para as complexas.

Holy observou o conde se afastar enquanto tateava os bolsos da calça em busca do celular, mas uma movimentação do outro lado da rua chamou sua atenção antes que pegasse o aparelho. O bar onde estava com Benjamin ficava em frente ao Green Park, ou, como os turistas gostavam de dizer, o parque mais romântico de Londres. A maioria das pessoas não sabia que, muitos anos antes, os leprosos do hospital St. James eram enterrados naquele terreno.

Holy deixou uma risada baixa escapar, um arrepio percorrendo seu corpo quando as grades douradas do Green Park fizeram barulho. Ela se lembrou do motivo de estar olhando para o outro lado: a garota loira de cabelo curto que insistia em puxar as grades de ferro da entrada apesar de estarem, obviamente, fechadas.

Estava presa. Do lado de dentro, bem no horário em que as raposas estavam prestes a dominar o parque.

Holy cruzou os braços e pensou se deveria ajudá-la ou não. Ela usava um moletom com palavras em uma língua que Holy não conhecia, o que era incomum para o seu nível avançado em idiomas. Inglês era sua língua materna, mas ela também sabia francês, italiano e latim, além de arranhar um pouco no espanhol.

Espanhol. A frase no moletom se parecia com espanhol, Holy percebeu. Julgando pelas bochechas rosadas, a garota não tinha chegado a Londres havia muito tempo. Os dias de chuva frequentes faziam com que todas as pessoas brancas adquirissem um tom de pele azedo, como se fosse uma doença. Era um costume de Holy passar camadas e mais camadas de blush para disfarçar sua palidez.

A ruiva decidiu que ajudaria.

Ela olhou para trás, procurando por algum sinal dos cachos escuros de Benjamin. O estacionamento ficava no fim da rua e o rapaz tinha passos lentos, o que lhe dava uma vantagem de mais ou menos dez minutos. Holy mordiscou a ponta do lábio inferior e atravessou a rua, satisfeita em poder observar a garota mais de perto.

Seus dedos ainda investiam contra as grades do Green Park, uma insistência esperançosa que fazia parecer que a carne tinha alguma chance contra o ferro. As dobras entre um dedo e outro começavam a ficar vermelhas; em pouco tempo ela se machucaria.

— O Green Park fecha às dez nas terças-feiras — Holy sibilou, forçando o sotaque norte-americano que sempre usava quando estava protegida por sua fiel peruca. A garota deu um pulo em resposta, os olhos disparando de susto.

Holy quase se sentiu ofendida.

Seus dedos abandonaram as grades. Ela coçou a nuca, confusa.

— Desde quando vocês falam? — Seu inglês era claro, mas arrastado.

Holy não entendeu. Procurou por Benjamin mais uma vez, mas estava sozinha.

— Desde os dois anos de idade, eu acho.

A loira moveu a cabeça em negativa.

— Falam comigo, eu quis dizer.

— Ah — Holy ainda estava confusa —, você é uma daquelas pessoas excluídas socialmente? Sem amigos?

Ela revirou os olhos nas órbitas, um suspiro irônico escapando dos lábios, a sobrancelha loira e perfeitamente arqueada marcada por um piercing. Foi quando Holy notou que seus olhos eram donos de um bonito tom de roxo. Não azul. Não verde. Roxo, como as violetas, os arabescos das louças finas que tinha herdado da mãe e as fotos de galáxia que compartilhava no Tumblr quando tinha treze anos.

E, na verdade, a garota era bonita demais para ser excluída socialmente.

A conversa entre as duas morreu. A loira não parecia satisfeita com o último comentário de Holy e ela logo se deu conta de que precisaria fazer algo a respeito, porque flertar com aquela garota era a única coisa que podia salvar sua noite catastrófica de terça-feira.

Com cuidado, Holy puxou um dos grampos que mantinham sua peruca no lugar. A educação de um futuro monarca é rígida, e desde pequena Holy havia aprendido dezenas de truques para burlar o castigo de ficar trancada no quarto. Aquele era um deles. Clássico, mas funcional.

— Como foi que você ficou presa aí dentro? — perguntou, abaixando-se para ver melhor a fechadura das grades. Agora, por mais que tentasse disfarçar, seu sotaque britânico parecia ainda mais forte se comparado ao da outra, que se esforçava para falar como as atrizes das séries norte-americanas.

— Eu estava correndo. Uma tentativa terrível de me exercitar — murmurou, um tanto mal-humorada. — O Google diz que fecha à meia-noite.

— Todo dia — Holy fez que sim —, menos às terças-feiras.

Ela soltou um muxoxo, pouco interessada. Holy deu de ombros, erguendo o grampo em direção à fechadura.

— Você não vai conseguir — disse. — Mortos não podem abrir… — Ela mordeu o lábio, então se corrigiu: — arrombar portas.

Holy franziu a sobrancelha. Sentia que a maquiagem da testa começava a ficar oleosa, culpa da quantidade anormal de base que usava para esconder as sardas sempre que saía à noite. Não era fácil disfarçar a aparência da princesa Amélia para se tornar só Holy.

— Você usou algum tipo de droga pesada ou esse é só o seu jeito de dizer que não me acha atraente? — Ela pressionou o grampo dentro da grade, empurrando os cilindros da fechadura para o lado oposto. Pequenos cliques foram ouvidos à medida que os cilindros destravavam. — Espero que seja a primeira opção. — Os lábios da garota se abriram no formato de um pequeno O mudo. Ela estava surpresa que Holy tivesse conseguido abrir as grades, ainda que não fosse uma habilidade tão impressionante assim. — Meu nome é Holy, a propósito.

Os olhos roxos analisaram Holy mais uma vez. Ainda desconfiados, mas com um pouco mais de interesse.

— Roma.

— Roma — Holy repetiu —, minha cidade favorita.

Os lábios de Roma se ergueram em um sorriso de lado.

— Já ouvi isso várias vezes — disse, então deu um passo à frente, saindo do parque.

Holy empurrou a grade para trás e voltou a usar o grampo para trancá-la. O que pouca gente sabia era que os grampos abriam e fechavam fechaduras, não as arrombavam.

— Péssimo jeito de flertar com uma garota que tem nome de cidade.

— Péssimo, mas funcional — Holy deu de ombros. — Acabei de te salvar de passar uma noite inteira presa no parque. E você sabe o que dizem sobre Londres…

Roma arqueou uma única sobrancelha, de novo.

— O que dizem?

— É a cidade dos assassinatos — disse. — A mãe de Jack, o Estripador. Eu ficaria em pânico aí dentro. — Holy apontou para o Green Park com a cabeça, o movimento preguiçoso. — Pega leve comigo. Ajudei você.

Roma riu.

— Holy — a voz de Benjamin interrompeu a conversa antes que Roma tivesse a oportunidade de responder. Estava com o carro parado do outro lado da rua, em frente ao bar —, estamos atrasados.

Holy fez que sim. Era sempre estranho vê-lo chamando-a pelo nome falso.

Benjamin achava arriscado que interagissem demais com as pessoas. Com a plebe, como ele gostava de dizer. Tinham um acordo: só se envolviam com quem parecesse desapegado o suficiente para ir embora sem se despedir depois de uma noite de sexo.

Roma não parecia ser essa pessoa.

Por algum motivo, Holy decidiu que valia a pena arriscar. — Eu venho aqui todo sábado — disse, apontando para o letreiro em tons neon do bar. — Se minha cantada tiver dado certo… me encontra.

Holy não queria uma resposta imediata. Com um sorriso esperto no rosto, se afastou antes que Roma tivesse a oportunidade de responder. Atravessou a rua e abriu a porta do passageiro, acenando para a loira antes de entrar no carro de Benjamin.

— Certo, o que foi isso? — O conde fez uma careta, olhando-a de cima abaixo. Holy deu de ombros.

— O quê? — disse, puxando o cinto de segurança. — Não achou meu novo investimento interessante?

Benjamin virou a cabeça na direção de Roma. Os vidros escuros do carro não permitiam que ela visse o movimento.

— Interessante — ele repetiu as palavras da amiga ao mesmo tempo que sua voz evocava desânimo —, mas não vale a confusão.

— Quem disse que eu vou arranjar confusão? — Holy abriu um sorriso. — Eu sei cuidar dos meus investimentos, Ben. — Ela ergueu o corpo para a frente, dando um soquinho no volante. — Vamos. A noite é uma criança e eu sinto que ainda não me diverti o suficiente para voltar para casa.

Os grandes olhos de Benjamin mergulharam em preocupação antes que ele ajeitasse a armação falsa dos óculos no rosto, pronto para acelerar e desaparecer noite adentro.

CAPÍTULO 3

EU TENHO UMA VIDA SECRETA, MAS ELA – TAMBÉM – É MUITO CHATA.

Roma

Roma encarou o chip em seus dedos, a gavetinha do celular aberta e jogada em cima da mesa onde tomava um suco de maçã antes da sua primeira aula em Charterhouse. Ao lado do copo, jazia o chip antigo do telefone, sua vida no Brasil representada por um pequeno retângulo metálico. Se ela fosse um pouco mais madura, colocaria o chip de volta e responderia todas as mensagens entulhadas no fundo do seu WhatsApp, das mais tranquilas às mais ofensivas. No entanto, ela nunca fora boa em enfrentar os próprios problemas, e, agora que estava do outro lado do mundo, era muito mais confortável fingir que eles não existiam.

Quer dizer, tinha um ano letivo inteiro pela frente. Quando voltasse para o Brasil, se é que voltaria, as pessoas nem se lembrariam das fofocas a seu respeito. O ensino médio teria finalmente chegado ao fim. Ela completaria dezoito anos e o drama do amor adolescente não teria mais espaço algum em sua vida.

Roma não podia dizer o mesmo de outros dramas.

Ela fez uma careta de nojo quando dedos cadavéricos surgiram no extremo da mesa, tateando – ou tentando tatear – seu copo. Pela superfície transparente onde apoiava seus pertences, Roma conseguia ver o morto. Não tinha olhos. Um líquido negro e esquisito escorria pelas órbitas, molhando suas bochechas sem carne e seu pescoço. De repente, o clima agradável da manhã londrina tinha dado espaço a um frio cortante que só Roma era capaz de sentir.

Chamaria aquele de Gosmento.

Ela colocou seu novo chip no telefone, jogou o antigo no lixo e se levantou, deixando o espectro de lado. Roma sabia pouco (ou nada) sobre o funcionamento do mundo dos mortos; nunca fora do seu interesse aprender sobre eles. Aos dez anos, pensava que era questão de tempo até que cansassem de assombrá-la. Aos treze, tinha tentado remédios psiquiátricos, mas eles continuavam aparecendo. Agora, aos dezessete, via a presença dos espíritos como uma unha encravada: desconfortável, às vezes paralisante, mas sem muito o que fazer a respeito.

Roma deu um meio sorriso irônico ao perceber que tinha confundido a garota do parque com um deles na noite anterior. Holy. Não era culpa dela. Os mortos tinham jeitos diferentes de aparecer. Alguns nem sabiam que estavam mortos.

Roma ligou o celular. Foi um alívio ver seu WhatsApp vazio, nenhuma con-versa aberta ou nova mensagem. Os britânicos não tinham a mesma familiaridade com o aplicativo que os brasileiros, o que significava que ela teria que se acostumar com o iMessage e as ligações. Não era uma reclamação. A vida das pessoas no Brasil parecia girar em torno daquilo que recebiam em grupos do WhatsApp.

Ela deixou a lanchonete para trás, caminhando pelo jardim do campus com o celular na mão e ideias pipocando na mente. Charterhouse era um dos lugares mais bonitos das proximidades de Londres, com um imenso espaço verde e construções que estavam de pé havia mais de setecentos anos. Tinha cinco prédios e todos eles se pareciam com castelos, com direito a fachadas de pedra, quadros de seus primeiros moradores – freiras em sua maioria – e telhados pontudos. O lugar respirava história, mas os alunos que cruzavam o espaço pareciam trazer consigo a dose exata de atualidade.

Roma mordeu o lábio antes de entrar no primeiro prédio. Tinha recebido um e-mail institucional dizendo que sua primeira aula do ano era literatura inglesa na sala 111, com um professor chamado George Brown, mas o senhor George Brown teria que esperar até que ela fizesse o que estava planejando desde o dia anterior: procurar por Holy nas redes sociais.

Subiu as escadas em direção ao primeiro andar e, na segurança do corredor relativamente vazio, digitou o nome de quatro letras no Instagram. Ela não queria parecer uma stalker esquisita, mas a garota passara a madrugada em seus pensamentos e nada mais justo que usar a internet a seu favor antes de decidir se iria ou não encontrá-la no fim de semana. Ela parecia a personificação da palavra encrenca, exatamente o oposto do que Roma precisava, mas esta gostava de pensar que um beijo ou dois não matariam ninguém.

Ela ergueu uma sobrancelha loira quando o mecanismo de busca não exibiu nada além de uma marca de roupas chamada Holy Mary. Tentou no TikTok e encontrou uma página de cosplays. Sua última tentativa foi o Twitter, mas ela bloqueou o celular quando na tela surgiu um vídeo pornô.

Roma fez uma careta. Talvez estivesse enganada, mas, julgando pela aparência, Holy não devia ter mais do que vinte anos. Consternada, ela abriu uma página de pesquisa no Google e digitou Adolescentes britânicos são tão viciados em redes sociais quanto os brasileiros? em busca de uma justificativa que não fizesse parecer que aquela garota era uma criminosa procurada.

Não pôde ver a resposta. Foi atingida por outra aluna antes disso, uma bagunça de papéis e cadernos voando pelos ares. Uma voz grossa reverberou pelo corredor no instante em que Roma apoiou uma das mãos no bebedouro, evitando o tombo ridículo que poderia se tornar o mico do ano.

— Alteza, você está bem? — Os olhos de Roma encontraram um homem parecido com Declan em porte físico. Quase dois metros de altura, braços fortes e um distintivo da Scotland Yard no peito. — Quem é você? — Ele se virou para ela como um cão bravo, o tom de voz grosseiro.

— Fui eu que esbarrei nela, Peter. — Foi quando Roma notou a garota que tinha causado o acidente, ajoelhada no chão enquanto juntava seus cadernos. — Está tudo certo, sim? Obrigada por ser tão prestativo.

Roma se abaixou para pegar seu celular, mas ela foi mais ágil. Seus dedos se encostaram no processo, causando um instante de constrangimento.

— Não encoste na princesa — Peter rosnou.

A garota deu uma risada tímida enquanto se levantava, entregando o celular nas mãos de Roma.

— Erro meu, de novo — disse, colocando uma das mechas do cabelo ruivo e cacheado atrás da orelha, seus olhos azuis finalmente encontrando os de Roma. Ela franziu o cenho e aparentou alguns segundos de confusão antes de concluir. — Bom, eu já estou atrasada. Tenha um bom dia.

A ruiva deu um sorrisinho simpático ao sair, os olhos de boneca piscando. Seus cílios eram enormes e pareciam estar em completa harmonia com o restante do rosto, bochechas rosadas e boca pequena.

— Alteza, você está bem? — O comentário cheio de escárnio puxou Roma de volta para a realidade. A responsável por ele era uma garota baixinha, de longos dreads escuros e pele negra. — Erro meu, de novo — repetiu ela, revirando os olhos. — Você deve ser nova por aqui, mas é melhor se acostumar. Esse tipo de cena acontece com frequência quando se trata da princesa Amélia.

— É surpreendente que ela ainda queira estudar conosco, meros plebeus — ironizou o garoto ao lado dela. Eles faziam um contraste estranho, talvez pela diferença exagerada de altura. Não pareciam proporcionais. — Jay — ele apontou para si mesmo, o cabelo negro escorrido quase chegando à altura dos ombros; era dono de olhos verdes bonitos, que chamariam a atenção de Roma se ela gostasse de garotos — e Chinara — disse, meneando a cabeça para indicar a garota.

Roma quase revirou os olhos. Sabia que o rapaz estava sendo gentil, mas ela odiava toda a burocracia dos primeiros dias de aula. Precisar se apresentar, dizer três coisas de que gosta e três de que não gosta. Um verdadeiro filme de terror em looping, da primeira aula do dia até a última.

— Roma — respondeu, por fim, porque nada no mundo a salvaria das formalidades de ser a garota nova. — Então ela é tipo uma princesa de verdade?

Foi Jay quem assentiu em resposta.

— Com direito a coroa, seguranças reais, propriedades enormes, muito dinheiro…

Roma soltou o ar pela boca, incrédula.

— Pensei que esse fosse o tipo de coisa que só vemos nos filmes — disse. — Quer dizer, eu sempre soube da existência da família real britânica, só não esperava encontrar uma princesa na minha escola. Pensei que esse tipo de gente ficasse enclausurado em casa estudando com professores particulares.

— Ah, eles ficam. — Chinara riu, alisando um dos dreads com os dedos. — É estratégia política. Dizem que um dos príncipes da família surtou e agora ela é a sucessora ao trono. Basicamente, está tentando conhecer pessoas fora dos muros do castelo. Tem um milhão de pormenores dentro disso, mas eu não sou muito boa em história.

— De qualquer forma — Jay prosseguiu —, a rainha não vai morrer tão cedo. Acredito totalmente naquela teoria que diz que ela é uma reptiliana disfarçada. Você já deve ter ouvido falar.

— É claro — Roma respondeu, convencida. — Como brasileira, posso dizer que nós praticamente inventamos as teorias da conspiração. Avril Lavigne morta e substituída, esse tipo de coisa.

— Brasileira… — Chinara repetiu. — Seu inglês é bom. Tirando a gafe de não conhecer o rosto da princesa, você quase me convenceu de que era britânica.

Roma deu um meio sorriso. Não sabia se a garota estava sendo sincera ou educada. Estudava inglês desde pequena, mas, na falta de pessoas com quem praticar, não julgava sua pronúncia como grande coisa. Os rápidos telefonemas com Declan contavam como prática?

— Crianças. — Roma se virou na direção da voz rouca que interrompeu a conversa. Vestindo uma camisa social marrom, o homem de olhos castanhos e pele bronzeada carregava um diário de classe nas mãos como se fosse seu bem mais precioso. — Espero que tenham aproveitado as férias. Prontos para a primeira aula?

George Brown? — pensou Roma. — Senhor George Brown?

Chinara acenou na direção do homem.

— Você parece ter aproveitado bastante. Está mais radiante do que nunca, senhor Brown.

George sorriu para ela.

— É muita bondade sua, Chinara, mas saiba que isso não vai te dar pontos extras no fim do ano.

— Que pena — ela ironizou —, era meu plano desde o início.

George riu. Seus olhos passaram por Jay, então pararam em Roma.

— É sempre bom ver gente nova por aqui — comentou, virando-se para entrar na sala.

— Eu sei — Jay murmurou, quando o professor já estava longe. — Ele parece ter saído de uma série adolescente, daquelas que te fazem achar que seria ótimo ter um romance secreto com um professor.

Roma deu de ombros, seguindo os dois em direção à sala.

— Dependendo da orientação sexual de quem fala, sim, mas ele é casado. — Chinara a encarou. — Dedo anelar esquerdo — disse Roma, enrolando uma mecha de cabelo loiro nos dedos enquanto os dois a acompanhavam até a porta da sala. — Tem uma marquinha de sol no formato de uma aliança. Eu diria que ele sai de casa usando o anel, mas tira antes de chegar à escola. — Franziu o lábio. — Não que ele traia a esposa, mas a ideia de ser solteiro deixa o personagem professor do ensino médio gostoso muito mais atraente, de qualquer forma.

Jay fez uma careta.

— Você é uma espiã ou coisa assim?

— Minha mãe é psicóloga — disse —, meu pai é policial. Acho que eu reparo nos outros mais do que a maioria das pessoas.

Quando Chinara e Jay riram, Roma ficou agradecida por não tratarem sua observação com estranheza. Ela não era uma garota normal, mas doze meses não pareciam tanto tempo. Podia fingir. Ter o ano de formatura dos sonhos, evitando qualquer bizarrice que cruzasse seu caminho.

Assim que entrou na classe, ela escolheu se sentar em uma das carteiras dos fundos. Cada uma das mesas de tablado branco ostentava um notebook, os dizeres Bem-vindos a Charterhouse brilhando na tela. Chinara optou pela primeira fila e Jay acompanhou Roma nas últimas cadeiras, sentando-se à mesa à frente da sua.

— Crianças — George começou, e Roma teve a impressão de que enjoaria dessa palavra até os exames finais —, a diretoria de Charterhouse me encarregou de montar as duplas de trabalho que vão durar até o fim do ano. Eu poderia deixar vocês escolherem, mas decidi que não vou ser o professor bonzinho desta vez — zombou, arrancando suspiros descontentes. — Quero que escolham um destes clássicos da literatura inglesa — ele se virou para o quadro, usando o canetão vermelho para rabiscar uma lista — e escrevam o título junto do nome de vocês em um pedacinho de papel. Vocês vão passar muito tempo juntos ao longo do ano, e vai ser mais agradável ficar ao lado de pessoas com quem temos coisas em comum. — Ele desenhou estrelinhas ao lado de cada título. — Se não tiverem lido nenhum desses, aconselho que saiam da minha aula.

Ao som de risadas gerais, Roma cerrou os olhos para ler melhor suas opções: Romeu e Julieta, Drácula, Mrs. Dalloway, Assassinato no Expresso do Oriente e O Senhor das Moscas.

Ela se lembrava de ter lido Drácula aos treze anos, na mesma época em que, como toda adolescente, estava obcecada pela série Crepúsculo e tudo o que envolvia demônios atraentes que chupavam sangue. Também tinha lido O Senhor das Moscas, mas lembrava pouco ou nada da história.

Nunca tinha lido Romeu e Julieta, mas conhecia a história. E a achava bonita, na verdade. Gostava de histórias de amor trágicas, com começos terríveis e finais piores ainda.

Sem hesitar, arrancou a última página do caderno e escreveu o título ao lado do seu nome.

— Bom — George passou de carteira em carteira para recolher os papéis. Em alguns momentos, parava para cumprimentar um aluno ou fazer piadinhas internas. Sua camisa parecia dois números abaixo do tamanho ideal, o tecido fino deixando os músculos do braço em evidência. Homens. — Vamos ver o que o destino preparou para vocês. — Ele colocou todas as folhas em cima da própria mesa, viradas para cima. — Temos uma sala bem diversa em termos de gostos literários, eu diria — disse ele, sorrindo. — Chinara Saidi — leu —, O Senhor das Moscas, boa escolha. Vai fazer dupla com… — passou os olhos pelos papéis, lentamente — Harry Smith. — George grampeou os dois papéis.

De onde estava, Roma viu quando Chinara encolheu os ombros, pouco animada.

— Roma… Borges. — Ele teve alguma dificuldade para pronunciar e Roma se sentiu idiota por ter escrito seu sobrenome brasileiro em vez do britânico. Força do hábito. — Romeu e Julieta. Felizmente, nós temos outra grande fã das tragédias por aqui — ele pegou mais um papel —, Amélia Mountbatten Wales. Ou apenas Amélia, porque os membros da realeza não usam seus sobrenomes.

George ergueu uma das mãos na direção da garota e ela aceitou seu cumprimento. Ele abaixou a cabeça alguns centímetros e beijou a mão da princesa, que agradeceu o gesto com um sorriso. Amélia parecia ter acabado de sair de um filme da Disney, e Roma desejou revirar os olhos, porque aquele nível de perfeição era irritante. Até os cachos do cabelo ruivo pareciam milimetricamente calculados, como se ela tivesse passado horas fazendo babyliss em cada fio que saía da sua cabeça, que também tinha o formato ideal: oval, com as maçãs do rosto marcadas e o maxilar delicado.

Roma tinha um problema com garotas bonitas demais. Se era inevitável se apaixonar por elas, era ainda mais inevitável terminar com o coração partido. Ela quase riu, porque a ideia de uma princesa lésbica – bissexual, pansexual ou o que fosse – era o tipo de coisa que deixaria a terra da rainha de cabeça para baixo.

— Assassinato no… — George recomeçou, então fez uma pausa. Ele encarou a sala, uma das sobrancelhas arqueadas e o lábio inferior ligeiramente trêmulo — Assassinato no Palácio de Buckingham, escolha de Addie Jones. — Ele suspirou, levando os

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