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Histórias de fantasmas
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Histórias de fantasmas
E-book299 páginas4 horas

Histórias de fantasmas

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Sobre este e-book

Todos nós sentimos medo, faz parte da condição humana. Tememos na mesma medida em que amamos, ou até mais. Mas, diferente do amor, o medo nos paralisa, nos tira a voz, nos faz correr. Mesmo assim, todos nós conhecemos histórias que nos arrepiam, histórias que nos tiram o sono e nos fazem deixar a luz acesa. Histórias passadas de boca a ouvido, olho no olho, que contam fatos que aconteceram com o amigo do seu amigo, com o seu pai, sua avó ou sua irmã.

Histórias de lugares assombrados, espíritos esquecidos nessa terra por estarem presos aos locais onde viveram, ou, quem sabe até, em busca de vingança. Não são poucos os relatos das almas de suicidas que ainda são encontrados nos lugares onde tiveram os seus últimos suspiros.

Pior do que essas histórias que ouvimos são as histórias que nós mesmos vivemos. Se você pensar bem, lembrará de alguma. Às vezes não precisa nem pensar muito, basta se lembrar daquela janela que bateu sem vento, do prato que se quebrou "sozinho", ou daquele parente que apareceu para você poucos segundos após morrer no hospital. Não se engane, os relatos são reais.

A antologia Histórias de Fantasmas explora esses relatos, do retorno de pessoas queridas, ou nem tão queridas assim, bem como de locais que você não iria nem se te pagassem uma fortuna, e dos espíritos que os habitam.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de ago. de 2021
ISBN9786589837107
Histórias de fantasmas

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    Histórias de fantasmas - Humberto Barino

    Apresentação

    Todos nós sentimos medo, faz parte da condição humana. Tememos na mesma medida em que amamos, ou até mais. Mas, diferente do amor, o medo nos paralisa, nos tira a voz, nos faz correr. Mesmo assim, todos nós conhecemos histórias que nos arrepiam, histórias que nos tiram o sono e nos fazem deixar a luz acesa. Histórias passadas de boca a ouvido, olho no olho, que contam fatos que aconteceram com o amigo do seu amigo, com o seu pai, sua avó ou sua irmã.

    Histórias de lugares assombrados, espíritos esquecidos nessa terra por estarem presos aos locais onde viveram, ou, quem sabe até, em busca de vingança. Não são poucos os relatos das almas de suicidas que ainda são encontrados nos lugares onde tiveram os seus últimos suspiros.

    Pior do que essas histórias que ouvimos são as histórias que nós mesmos vivemos. Se você pensar bem, lembrará de alguma. Às vezes não precisa nem pensar muito, basta se lembrar daquela janela que bateu sem vento, do prato que se quebrou sozinho, ou daquele parente que apareceu para você poucos segundos após morrer no hospital. Não se engane, os relatos são reais.

    A antologia Histórias de Fantasmas explora esses relatos, do retorno de pessoas queridas, ou nem tão queridas assim, bem como de locais que você não iria nem se te pagassem uma fortuna, e dos espíritos que os habitam.

    A alfaiata

    Humberto Barino

    Os meus pensamentos são a minha perdição – Denis Diderot.

    Não consigo me recordar, embora isso me doa admitir, como conheci Isadora, ou ao menos como foi o nosso primeiro encontro. Até mesmo não consigo me lembrar de fatos tão pequenos e irrisórios assim, seja por minha já avançada idade, ou por causa da sua estonteante beleza angelical. O que são todos os outros momentos da vida perto daquele em que, finalmente, se vê a bela face da criação? O fato, e esse é inegável mesmo para a minha falha memória, é que a conheci em um dos verões carnavalescos da minha juventude, onde viajara para as praias do Espírito Santo.

    Minha suave e doce Isadora me obrigava a voltar, ano após ano, para o pecado das praias capixabas. Durante essa breve temporada eu tinha uma vida invejada por muitos e admirada pelo próprio diabo. Pela manhã nos divertíamos entre as ondas verdes do mar, ouvíamos gaivotas cantarem, tomávamos sorvete e encerrávamos o dia assistindo a descida do astro-rei e ao espetáculo dos pássaros que retornavam para o mangue em busca de abrigo para passar a noite. Tal como os pássaros, Isadora também ia para cara logo depois, e eu fazia questão de levá-la, de mãos dadas e tudo, apenas para ganhar um beijo dos seus lábios, escondidos, na porta da sua casa.

    Mas existem coisas que não se faz a uma mulher, que não se faz a ser humano algum. Também existem coisas que eu gostaria de arrancar dela, mesmo se fosse à força, e se não fosse o longo espaço de tempo entre a estação que nos víamos, possivelmente eu não seria capaz de me controlar.

    Após deixá-la na segurança de sua casa, longe de mim, deleitava-me nas barraquinhas de bebidas e no som alto do funk, que se estendia ao longo de toda orla, apenas para me deitar nos braços de uma amante e ver o sol nascer. As noites eram sempre as mesmas, mas as amantes não. Se Deus chorava, o Diabo aplaudia toda a cerveja e depravação. No fundo eu não me importava se lágrimas caíam ou não, ou mesmo se recebia aplausos. Tudo que eu precisava era aplacar o desejo do meu corpo. Mas lábio algum era tão suave quanto os lábios doces da minha amada Isadora. Pele nenhuma era tão macia. Cabelo algum era tão perfumado.

    Noite após noite eu me entregava à carne, mas sempre desejando o coração. Maldita Isadora! Suas feições indígenas e traços da colonização eram, para mim, mais belas do que as de qualquer outra devassa que encontrasse após o escurecer. Isadora representava a canção que os anjos cantavam enquanto davam glórias à criação. Não foi de sobressalto que eventualmente a propus em casamento no último dia de verão, com a promessa de que na próxima estação seria o nosso casório, que podia procurar igreja e tudo. Eu dissera a ela. Mas de sua boca nunca saiu a palavra sim. Isadora não podia falar devido a uma doença sofrida em tenra infância.

    Seu vestido ela mesma costurou, embora jovem. Isadora era a mais talentosa alfaiata da região. Recusava-se vigorosamente a ser chamada de costureira, queria possuir o mesmo status que os alfaiates reais possuíam e, portanto, deveria ser chamada pelo mesmo nome também.

    A tudo eu achava lindo. Como era bela a minha doce Isadora. Eu a admirava por inteira. As linhas delicadas do seu nariz, a suavidade luxuosa da sua pele, a curvatura dos seus lábios, as covinhas que se exibiam em seu sorriso… e mesmo após tal escrutínio, só podia compará-la à Afrodite e tinha certeza de que esse era o único motivo para que Isadora não fosse capaz de falar, porque, se cantasse, seria como um rouxinol em plena época de reprodução, e tenho certeza que a inveja da deusa recairia sobre ela.

    Após o casamento, Isadora se mudou comigo para São Paulo, em meio a loucura da capital, e em pouco tempo sua fama como alfaiata espalhou-se por toda a região. Homens de negócios, mulheres de magnatas, donos de impérios e o próprio governador vinham ser seus clientes. E em meio a isso tudo eu fiquei de lado e voltei a minha vida de depravação.

    Maldita Isadora, que a mim nunca olhava, não com o mesmo brilho nos olhos que tinha quando estava costurando. Costureira de merda, pensava sempre. Mas a verdade era que queria aqueles olhos só para mim. Seus olhos verdes, perfeitamente simétricos a toda a face, brilhavam na frente da sua máquina de costura, como uma estrela em meio a toda imensidão. Olhos nefandos, presentes do próprio demônio em si, adquiridos em uma encruzilhada. Tenho certeza que sim, mas, ainda assim, indiferente da origem daqueles olhos, eu os queria para mim. Queria tanto, que um dia lhes arranquei de suas órbitas celestiais.

    Pobre Isadora, nunca mais foi a mesma sem os seus olhos e nunca mais pôde costurar. Agora eu tinha a sua atenção só para mim. Pelo menos até a próxima estação, quando tive de preparar o seu velório e encomendar um caixão.

    Mas eu amava tanto Isadora e sentia tanta a falta do calor do seu peito em meio à fria noite de inverno da cidade da garoa, que nem mesmo tinha forças para as prostitutas da minha noitada. Minha virilidade se fora. Eu estava fraco, febril.

    Não tive outra escolha a não ser recorrer aos métodos pagãos e os seus demônios para trazer novamente a minha amada para perto de mim.

    Procurei até encontrar os seus olhos que, com carinho e formol, eu guardara, e os coloquei no meio de um círculo mágico traçado em nossa sala. Velas estavam acesas nos quatro pontos cardeais e no interior do círculo, ao lado dos olhos, uma mesa e uma cadeira confortavelmente postas para que eu pudesse evocar de volta o meu amor.

    A evocação sempre era bem-sucedida, mas nunca alcançava o meu fim. Por três dias e três noites eu ouvi vozes e não podia ser ela. Por três dias e três noites, ouvi passos e batidas de portas, mas também não podia ser ela. Isadora era tão silenciosa e delicada quanto um gato ao caminhar. Até que no começo do quarto dia as velas se apagaram, e na escuridão das últimas horas, antes do alvorecer, tudo que vi foram os seus olhos brilhantes a espreitar-me de fora do círculo.

    — Venha, minha amada. — Eu dizia a ela. — Quero ficar para sempre ao seu lado — humilhava-me perante ela. — A morte não foi capaz de separar o nosso amor.

    A constatação de que o amor é eterno e que para sempre Isadora me acompanhou, é que eu nunca cheguei a ver a aurora dourada e o céu róseo do alvorecer. O sangue escorria de minhas órbitas oculares e daquele dia em diante, tudo que vejo são os olhos verdes e brilhantes, presentes do diabo para a minha amada, e agora todo focado em mim.

    A antiga casa 105

    Izabela Garcia

    Era uma casa antiga e, por isso, aconteciam coisas de casa antiga. Piso de madeira rangendo, mofo subindo pelas paredes, como uma doença terminal que se alastrava pelo corpo, janelas velhas que se abriam sozinhas, e todo tipo de situações que poderiam dar margem a uma imaginação mais fértil para criar coisas.

    Mas eu não era uma dessas pessoas.

    A casa tinha um valor sentimental para mim, agora que era minha.

    Meus avós a compraram depois de passar uma vida trabalhando, mas, infelizmente, acabou ficando abandonada quando eles morreram. Minha mãe não teve outra escolha a não ser colocá-la para alugar. Não foi difícil achar alguém e a minha mãe e o inquilino fizeram um acordo: ela não aumentaria o preço do aluguel enquanto ele fizesse reparos na casa. Foi cômodo para os dois.

    Minha mãe visitava a casa no começo para ver se o acordo estava sendo mantido e, realmente, o homem fizera alguns reparos. Paredes foram pintadas, fios de eletricidade ajeitados… ele e sua família pareciam felizes estando ali.

    Anos se passaram sem que minha mãe passasse por problemas em relação a isso. Até o dia que pediu a casa de volta. Eu me casaria e ela queria que eu morasse na casa com o meu marido. O homem queria se mudar para outro lugar também, de forma que, mais uma vez, pareciam estar de acordo.

    Só que ele demorou para sair. Sempre pedindo uns dias a mais. A casa que moraria estava em reforma, faltava uma caminhonete para levar as suas coisas, seu filho estava doente… no final, ele entregou a casa sem antes minha mãe olhar para o estado em que ele a deixara.

    Tomamos um baque ao pôr os pés de novo nela. A impressão que tivemos é que ele levara tudo que fosse possível, até mesmo os protetores de tomada que ele arrumara.

    Tivemos que engolir a nossa raiva e seguir com os planos futuros: reformar a casa e passar a chamá-la de lar.

    Só que as coisas pareciam mais difíceis. Quem nunca passou um estresse com uma reforma, não é mesmo? O pedreiro escolhido por ela parecia empenhado em fazer uma cagada a cada dia que aparecia, fazendo com que os nervos, meus e do meu marido, atingissem níveis alarmantes.

    O antigo morador criara um banheiro no sótão do segundo andar e deixara um espaço vazio, onde existiu uma caixa d’água em algum momento. O pedreiro tinha medo de derrubar a parede e ampliar o banheiro, mas, mesmo assim, insistimos. Ele sempre postergava essa parte da obra.

    Um dia a vizinha me parou para conversar, ela era amiga da minha vó e estava feliz com a minha presença ali.

    — Antes de vocês virem, essa casa tinha começado a parecer uma prisão — comentou ela de repente.

    — Como assim? — perguntei, confusa.

    — O homem que morou aí todos esses anos vivia como um fantasma, entrava e saía sem falar com ninguém, deixava as janelas fechadas durante o dia e abertas apenas algumas horas à noite. Saía sozinho com o filho, mas sua esposa só saía acompanhada dele. Uma vez a vi no portão, tentei puxar uma conversa, mas logo ele apareceu a chamando para dentro.

    Meu coração se acelerou de raiva, imaginando que pudesse ser um caso de relacionamento abusivo. E bem na casa dos meus avós!

    — Seu avô também não ficou muito feliz a respeito.

    — Imagino que sim — comentei como se estivesse sabendo o que pensava, só me dando conta do que ela realmente falara depois. — Espera! O que você disse?

    A mulher deu uma leve risada, sinal de que estava acostumada com reações desse tipo.

    — Seu avô aparecia aqui às vezes. Quando notou que eu o encarava, sorria e dizia: "vim ver a casa, não gostei de vê-la fechada’’.

    Não era porque eu não me assustava com a casa, que eu não acreditava no que dizia. Afinal de contas, fui criada no espiritismo e, por conta disso, eu sabia que os tais "fantasmas’’ não agiam como víamos nos filmes.

    Isso não quer dizer que fiquei tranquila com o comentário da mulher, mas sim apreensiva e talvez até um pouco enciumada por não ser capaz de ver o meu avô.

    Aquilo ainda ficava na minha cabeça, imaginando o que faria caso ele realmente aparecesse para mim. Será que eu sentiria medo? Alegria? Tristeza?

    Quando contei sobre a conversa para o meu marido, especificadamente sobre o comportamento estranho do vizinho, começamos a fazer piadas sobre.

    — Talvez ele tenha matado a esposa e escondido o corpo onde era a caixa d’água.

    E ficamos sem realmente descobrir se era esse o caso, pois o pedreiro avisara que ao tentar quebrar esse espaço, estava ameaçando quebrar a estrutura do teto e poderia ser perigoso.

    A obra foi declarada finalizada sem estarmos realmente felizes com o resultado dela, mas bastava por hora, era o suficiente para criar laços ali.

    Depois disso, tudo na casa passou a ser culpa do fantasma do suposto corpo. Porta batia do nada? O fantasma. Barulho de passos no andar de cima? O fantasma. Cachorro latindo para o nada? O fantasma. Somente quando o cachorro começava a cavar uma parte específica do chão é que mudávamos a brincadeira e dizíamos que era ali onde o corpo devia ter sido enterrado.

    Tempos se passaram, dinheiros foram juntados e conseguimos contratar uma equipe para finalizar a reforma da casa do jeito que queríamos. Analisaram a estrutura do teto e avaliaram que seria possível, sim, derrubar a parede e arrumar o banheiro. De forma que ficamos um pouco decepcionados quando os empreiteiros não encontraram nada além de escombros de obras passadas, provavelmente de quando o último morador quebrou a velha caixa d’água.

    Infelizmente, isso foi como abrir a caixa de pandora. Pesadelos horrorosos invadiram as minhas noites. Mulheres diferentes morriam na minha casa e eram enterradas em alguma parte dela todos os dias. Será que eram uma mensagem?

    Talvez fosse o meu momento de ver fantasmas, afinal de contas.

    No primeiro sonho, uma mulher morena fora decepada e colocada na estrutura usada para criar o balcão da cozinha. Foi o que pedi para derrubarem depois, sem também encontrar vestígio de corpo ali. O segundo sonho foi com uma loira tendo o corpo escondido na parede. Pedi para abrirem um buraco em todas.

    Meu marido pedia para eu parar com aquela loucura, enquanto eu fazia mais um pedido estranho ao som dos latidos desesperados do nosso cachorro. Eu precisava continuar!

    As noites passaram a ter menos horas dormidas ao passo que possíveis esconderijos apareciam. Embaixo da escada, por baixo do piso no quintal, na caixa de gordura desativada…

    A casa estava parcialmente destruída enquanto eu vasculhava o chão quebrado do quintal, mais uma vez, altas horas da noite, ao mesmo tempo que o meu cachorro e meu marido ainda dormiam tranquilamente. Ele só estava assim porque não imaginava que eu descobrira a mala pronta embaixo da cama. Ele só dormia tranquilo porque achava que eu o deixaria partir tão facilmente.

    Minhas mãos doíam, arranhadas depois de revirar pisos quebrados e terra, mas esqueci totalmente a dor ao notar uma figura a minha frente, fazendo com que eu tombasse para trás, sujando-me ainda mais na loucura que criara.

    Dava para ver a casa em ruínas através do corpo magro da mulher de cabelos pretos, que me encarava. Depois de ver tantas mulheres em sonhos, era de se esperar que eu pudesse me familiarizar com esta, mas não, ela era uma total desconhecida.

    — Eu não fui enterrada aqui — Ela disse. Eu não encontrei minha voz para respondê-la —, mas outras foram. Os ossos viraram o pó que se juntou a fundação dessa casa — meu coração acelerava, enquanto a minha mente procurava sentido em suas palavras. — Seus avós foram os únicos a aguentar esta casa, porque os seus espíritos eram fortes. As outras mulheres faziam a cabeça dos moradores. Quem veio antes, queria aumentar a casa usando a própria esposa e/ou filha, e quem veio depois ficou com tanto medo de continuar o trabalho que prendia a esposa dentro do quarto. Agora elas estão fazendo o mesmo com você.

    Finalmente minha voz saiu, junto com o último resquício de pensamento lógico que me mantinha de pé.

    — O que eu faço para isso parar?

    — Destrua essa casa por inteiro, faça com que descubram o que aconteceu aqui ou apenas fuja para nunca mais voltar. Você precisa ter cuidado para não se tornar mais uma vítima da antiga casa 105.

    A árvore da Rua Morta

    H. F. Norbert

    A decadente Capão das Cruzes começou a cair no esquecimento quando as antigas ferrovias foram substituídas por modernas autoestradas construídas longe do município. Agora a cidadezinha ainda era lembrada somente pelas histórias que contavam por lá: histórias de fantasmas.

    A vida monótona dos habitantes só mudou quando um acontecimento inexplicável agitou a cidade numa noite de lua cheia. Já era madrugada quando, numa área desolada e alagadiça, um táxi andava em zigue-zague por uma estrada muito íngreme, coberta por poças d’água e de um capinzal espesso que crescia ao redor. O motorista era um taxista clássico e não havia lugar onde não tivesse se metido em confusão. O chamavam de Papa Bento, apelido que ganhou somente por ter o nome igual ao do Sumo Pontífice, e não por possuir as mesmas virtudes morais do Santo Papa. Pelo contrário, era um degenerado convicto. Moreno e alto, vivia a vida se divertindo com as meretrizes nos cabarés das redondezas e pagava pensão para vários filhos que teve com elas, mas nunca reclamava do pouco dinheiro que sobrava, pois sentia prazer em conviver naquele mundo misturado aos bêbados e boêmios, a única coisa pulsante naquela cidade decrépita. Era famoso pela sorte que tinha nos jogos de azar que sempre o ajudavam a financiar as farras que fazia.

    Estar meio perdido num lugar ermo era como jogar pôquer. Precisava apenas esperar a sorte virar a favor dele, porém, a situação se complicou. Numa manobra para desviar de um buraco, ao fazer uma curva, os faróis do carro iluminaram uma mulher de vestido branco e longos cabelos pretos caminhando à beira do matagal, que, sem se virar, fez sinal para o carro parar.

    Foi um grande susto. Não que Bento acreditasse em espíritos errantes, mas pensou que poderia ser uma mulher colocada ali para ele parar e ser assaltado, ou quem sabe, ela fora abandonada numa briga de namorados. Então freou o carro e começou a dar marcha ré. Não era homem de deixar uma dama correr perigo. Ficou surpreso quando alcançou o ponto onde passara pela mulher, porque ela não estava mais no mesmo lugar.

    — Droga! — Bento disse em voz alta, concluindo que se enganara na posição que imaginou ter visto a aparição. Também podia ter sido só uma ilusão causada pelas sombras da lua quando era encoberta por nuvens escuras, mas logo se lembrou que sombras não fazem gestos com a mão e, para desfazer a dúvida, ele fez outra manobra em círculo direcionando as luzes para o lado oposto da estrada, e lá estava ela acenando outra vez, chamando-o.

    Bom condutor que era, endireitou o carro

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