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Quando o céu desmoronar
Quando o céu desmoronar
Quando o céu desmoronar
E-book367 páginas5 horas

Quando o céu desmoronar

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Sobre este e-book

Para muitos, em um 1944 devastado pela guerra, o amor floresce no salão de dança, e o aviador Arty Clarke não é exceção. Ele é um pensador e um sonhador; mas não é a bela e talentosa dançarina em seus braços, sua melhor amiga Jean, que inspira seus sonhos. Quando seu olhar encontra o do sargento Jim Johnson, Arty ousa imaginar uma dança diferente.

O amor deles é proibido, tanto pelas Forças Armadas quanto pela lei, mas com a astúcia e o apoio de Jean, Arty e Jim tentam diminuir a distância entre os dois e encontrar o amor verdadeiro, apesar do perigo e de um desastre capaz de destruir os sonhos de Arty para sempre.

O casal irá resistir, não importa quantos céus tenham caído?

IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de jun. de 2023
ISBN9781667457901
Quando o céu desmoronar

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    Pré-visualização do livro

    Quando o céu desmoronar - Debbie McGowan

    Parte Um: 1944

    Capítulo Um:

    Janeiro de 1944

    Embora o inverno das últimas semanas tivesse sido mais ameno do que o normal, ainda houveram pouquíssimas vezes em que a temperatura excedeu os dez graus e centímetros de neve compacta tornaram as caminhadas perigosas. Mesmo assim, os moradores de Buckinghamshire não se abalaram pelo tempo frio e o Palais Dance Hall ficou lotado como sempre com homens com trajes militares. Muitas mulheres também estavam uniformizadas, criando a imagem de um oceano opaco azul, verde e marrom sobre o qual flutuavam os tons vibrantes de verde claro, rosa e turquesa das poucas moças com idade suficiente para dançar, mas jovens demais para se alistarem no exército.

    Em um canto do salão, o cabo Robert Thomas Clarke, Arty para os conhecidos, e os seus companheiros militares da RAF (Força Aérea Real) assistiam casais rodopiantes entrando no ritmo suave da valsa tocada pela banda de três membros no palco. Uma jovem ousada vestida em um tom carmesim claro e com lábios pintados da mesma cor, dançava por perto, dando um vislumbre de suas meias; alguns assoviavam, demonstrando apreço, mas a atenção de Arty estava em outro lugar.

    — O subtenente parece que tem dois pés esquerdos — disse o piloto, Charlie Tomkins, para o grupo e todos riram concordando. Arty saiu de seu torpor e se virou para olhar o subtenente e a parceira de dança, ambos tão rígidos que era impressionante serem capazes de se mover. A maioria dos casais dançando não eram elegantes, embora tivessem grande senso de ritmo e movimentos livres.

    O subtenente e a garota sumiram de vista e os homens voltaram às suas conversas, exceto Arty, que examinava a pista de dança, procurando o aviador americano que estivera observando durante a maior parte da noite. O americano tinha ombros largos, era bonito, vestia um traje de sarja marrom justo, tinha cabelos loiros espessos e as feições angulares suavizaram quando deu um sorriso malicioso para a jovem que conduzia na valsa. Ele se movia com tanta elegância que Arty poderia assisti-lo dançar para sempre. Mas infelizmente, agora, ele não estava à vista, então Arty se contentou em observar os outros dançarinos. Achou uma experiência emocionante, quase tão maravilhosa quando ele próprio estava dançando.

    — Vai se juntar a diversão esta noite, Art? — perguntou Charlie.

    — Talvez — Arty manteve o foco nos dançarinos. — Se tiver alguém para dançar comigo.

    Charlie respondeu a declaração de Arty com um aceno de cabeça. Ele examinou os assentos, onde mulheres sem dançar estavam sentadas, acompanhadas pelas amigas, esperando pela oferta de alguém. Algumas não esperavam e dançavam juntas, revezando a liderança, mas normalmente algum homem se aproximava de uma mulher com um convite educado: posso ter a honra desta dança?, e com o braço estendido, ela educadamente aceitava e permitia ser conduzida na próxima dança.

    — Não deve demorar — disse Charlie.

    Antes de Arty conseguir responder, Charlie começou a andar pela pista de dança em direção a uma mulher magra com uniforme da WAAF (Força Aérea Auxiliar Feminina): uma sargento. Arty observou a interação dos dois, com Charlie exibindo seu sorriso cativante que raramente falhava no cortejo das mulheres de seu interesse. Ele apontou para Arty; a sargento da WAAF olhou e as bochechas de Arty ficaram vermelhas. Ele adorava dançar e era muito talentoso, mas era muito tímido para fazer o convite. Seus amigos, principalmente Charlie, sempre faziam questão de encontrar uma jovem graciosa para ser seu par durante a dança. Quando estivesse na pista, esqueceria todos os olhos lhe encarando e da guerra, também ficaria indiferente com a proximidade da mulher em seus braços.

    Após alguns minutos de conversa com a sargento da WAAF, Charlie acenou para Arty se aproximar; que rapidamente ajeitou o uniforme e partiu, tentando dar passos firmes.

    — Essa é a sargento Jean McDowell — Charlie apresentou. Arty sorriu para a moça e ela piscou para ele com os grandes olhos castanhos, a boca pequena tingida de rosa formando um pequeno sorriso. Charlie levantou as mãos, um floreio para sinalizar que estava entregando a jovem e indo embora, deixando os dois sozinhos para se conhecerem melhor.

    — Me chamo Arty. Pode me dar a honra dessa dança?

    Jean concordou com a cabeça e, com uma assertividade que combinava com as três listras em seu braço e em desacordo com seu comportamento aparentemente manso, pegou a mão de Arty e o levou até a pista de dança. Encontraram um espaço no meio do salão e entraram no ritmo da música. Em um instante, todo o medo de Arty desapareceu; seu braço direito encontrou coragem para pegar a cintura de Jean e, segurando a mão direita dela com sua mão esquerda, os dois seguiram em frente, juntando-se à multidão na valsa ondulante e esvoaçante.

    A princípio, deram passos pequenos e hesitantes, esperando por um lugar melhor; logo outras pessoas começaram a prestar atenção nos dois e saíram do caminho. Arty ficou mais ousado e começou a girar Jean, cuja saia deveria ter restringido movimentos tão graciosos, mas não teve problemas em seguir o compasso. Dançaram como se dançassem juntos há muitos anos, acompanhando os passos um do outro, antecipando as próximas ações e sem perder o ritmo. Logo, o salão foi esvaziado, abrindo espaço para Arty e Jean fazerem o que quisessem. Giraram e rodopiaram, intercalaram movimentos hesitantes e ousados; tinham uma elegância extraordinária. O talento de Jean era natural como o de Arty, suas curvas suaves eram um complemento perfeito para o físico forte e flexível dele.

    A valsa chegou ao fim e muitos dos que estavam ao redor dos dois aplaudiram. Arty sorriu e, ao olhar para Jean, encontrou-a sorrindo também. Após uma contagem até quatro, uma dança rápida começou e Arty viu, por cima do ombro de Jean, o aviador americano, de pé com outros dois, a cabeça inclinada para o lado para ouvir melhor o colega. Arty e Jean continuaram dançando, agora sendo acompanhados pelos outros dançarinos. A cada giro em que Arty se via olhando naquela direção, vislumbrava o americano, sem saber se os segundos fugazes em que seus olhares se encontravam antes de outros dançarinos bloquearem sua visão eram fruto de sua imaginação.

    Continuando com o quickstep, o líder da banda fez uma contagem mais rápida até chegar no quatro e logo os três americanos foram cercados por moças clamando para serem suas parceiras na dança jitterbug. Arty e Jean ficaram no mesmo lugar, aumentando o ritmo. Arty se virou e empurrou Jean para longe dele, segurando a mão dela com força enquanto ela girava e saltava para trás. Os dois deslizaram e depois deram pequenos passos chassés e giros, sem prestar muita atenção nos outros dançarinos. Exceto por um certo aviador americano, ninguém mais conseguia acompanhá-los, mas no final do jive, como a maioria, precisaram recuperar o fôlego. A música parou e Jean olhou para Arty, os lábios formando um largo sorriso enquanto respirava ofegante contra o queixo e o pescoço dele.

    — Preciso de ar fresco — disse ela. Ele apontou com a cabeça na direção da sacada e Jean assentiu. Alguns dos outros dançarinos expressaram desapontamento com a partida dos dois, que pararam para se curvar e fazer uma reverência tímida antes de correrem de mãos dadas, subirem as escadas, atravessarem a sacada e saírem para o terraço escuro, até o outro lado, onde havia menos pessoas. Pararam e se apoiaram na grade de ferro, alegres e ofegantes, apreciando o ar na pele fria.

    — Você é uma dançarina excelente — Arty elogiou Jean com sinceridade.

    — Obrigada pelo elogio. Você também. — Era a primeira vez que Arty tinha uma conversa completa com Jean e ela falava muito bem, soava quase aristocrática. — Quem te ensinou, Arty?

    — A dançar? Minha tia, a irmã da minha mãe.

    — Você frequentou uma escola de dança, correto?

    — Não. E você?

    — Sim. — Jean passou os dedos pelo corrimão. — Dança, boas maneiras e elocução. Eu odiava quando era criança, mas agora acho bem útil. Quando a guerra acabar, vou abrir uma escola de dança. Estou procurando um parceiro para participar de competições e conseguir uma boa reputação. — Ela riu enquanto ponderava um pensamento antes de continuar. — Acho que não era isso que minha mãe tinha em mente. Ela quer que a única filha se case com alguém da alta sociedade, mas eu não tenho interesse em encontrar um marido. — Ela se virou na direção de Arty, embora estivesse muito escuro para conseguirem ver as feições um do outro. — Você já pensou em dançar em competições?

    Teria sido menos surpreendente se ela tivesse perguntado a Arty se ele estava em busca de uma esposa; parecia uma pergunta mais pertinente. Como alguém poderia se permitir algo tão frívolo como a dança em uma época de guerra?

    — Nunca pensei nisso — respondeu ele e era verdade, embora tivesse considerado a outra opção por muito tempo e percebido, com certo receio, que também deveria se casar em algum momento.

    — Você aceitaria? — perguntou Jean. — Dançar comigo?

    Arty coçou a orelha, atrasando a resposta. — Depois da guerra?

    — Não. Vou ser transferida de Gaskell para Minton. Vou cuidar do escritório de pagamentos das duas bases.

    Jean fez uma pausa, pensativa, mas Arty não entendia o motivo. Agora ele conseguia vê-la de perfil contra a claridade do céu noturno, a respiração dela criando uma nuvem momentânea. Ela estremeceu e em sua mente ele pensou na sugestão de voltarem para dentro, mas não foi isso que disse.

    — Se você encontrasse um marido, imagino que ele não gostaria de te ver dançando com outro homem.

    — Você está certo, claro — Jean concordou — e se você está tentando me dispensar com gentileza…

    — Bem, você é muito bonita, Jean. Só não acho que a guerra seja um bom motivo para casar rápido.

    Jean riu, mas não era uma risada zombeteira. — Arty, não estou flertando. Você está certo. Devemos esperar pela pessoa certa, mas se essa pessoa nunca aparecer, e daí? Estou feliz do jeito que estou. Não estou procurando um marido, apenas um homem que saiba dançar. Então, o que acha?

    Arty demorou mais alguns segundos e então assentiu. — Sim. Eu adoraria.

    Capítulo Dois:

    Fevereiro de 1944

    Com todas as mesas e cadeiras empilhadas contra as paredes, o refeitório da RAF em Minton tinha um espaço muito adequado para a prática. O capitão do quartel havia aprovado; assim como todos os outros, ele também estava fascinado com a perspectiva de ter dançarinos aclamados nacionalmente em seu grupo de conhecidos, então agora as escalas de Arty e Jean incluíam um tempo oficial para a dança porque era bom para a moral do pessoal.

    O capitão concordou que Arty e Jenny dançariam nas noites de quinta no Palais e aos sábados na base, viajando até Londres para participarem de demonstrações e competições quando fossem convocados. Eram talentosos na maior partes das danças, mas a especialidade da dupla era a valsa e os dois estavam rapidamente se tornando os favoritos da RAF.

    Em uma tarde chuvosa no final de fevereiro, após terem aperfeiçoado alguns passos, Jean parou de dançar, bem no meio do salão vazio, encarou Arty nos olhos e disse — aqueles americanos no Palais eram do grupo avançado.

    Arty fingiu ignorância. — Americanos?

    — Ah, pare com isso, Arty. Acha mesmo que pode me enganar?

    — T-te enganar? Não entendi.

    Jean deu um sorriso gentil e pegou a mão dele. — Venha e sente-se — ela pediu, embora não parecesse que ele podia dizer não. Ela o conduziu pelo salão e sentou-se em uma mesa, dando tapinhas em um lugar ao lado dela. Arty obedeceu com relutância e sentou com uma postura tensa, olhando fixamente para a frente. Sons de panelas batendo e ordens gritadas vinham da cozinha. Eles não seriam ouvidos, mas mesmo assim, Arty desconfiava da verdade por trás do comentário de Jean e queria muito que ela não falasse nada.

    — Amanhã os americanos vão assumir o controle de Gaskell — disse ela.

    — Como você sabe?

    — As integrantes do WAAF já foram transferidas para Minton. Eles estavam se mudando para nossos aposentos quando eu estava de serviço hoje de manhã. E a NAAFI (Associação da Marinha, Exército e Aeronáutica) receberam ordens para sábado à noite. Vamos organizar um baile de boas-vindas.

    — Oh. — De repente Arty ficou nervoso e não era por saber que ele e Jean seriam a atração principal da noite de sábado.

    — Achei melhor te avisar — explicou Jean.

    — Temos praticado muito. Não vamos passar vergonha.

    Ela pegou a mão dele novamente e a segurou entre as dela. — Claro que não, mas não estou falando disso. Eu queria te avisar porque… bem, eu vi, Arty. A maneira como você olhou para o sargento americano.

    — Eu… quem?

    — O homem grande com os olhos azuis, queixo quadrado, movimentos rápidos…

    Arty se virou, esperando que essa ação impedisse Jean de continuar falando, com certeza seu rosto estava muito vermelho, quase pegando fogo. Ele não era bom em blefar quando lidava com apostas insignificantes, era pior ainda quando sua liberdade estava em risco.

    — Oh, Arty. — Jean riu baixinho e apertou a mão dele. — Vai ser nosso segredo, prometo. Gosto muito de você. Juro por Deus que você pode ir em frente… bom, com certeza você viu a mesma coisa que eu e você merece amor e felicidade como qualquer outro homem.

    Ele considerou negar tudo, dizer a Jean que ela havia entendido tudo errado. Ele estava apenas admirando a dança do homem e ela havia se enganado. Se usasse essa mentira com Jean, ela aceitaria e nunca mais falaria nesse assunto. Porém, quanto mais demorava, sua necessidade de contar a verdade aumentava. Os dois se conheciam há apenas algumas semanas, mas já eram bons amigos. Ela confiava nele e ele confiava nela, mas essa… repugnância dele; nunca falou sobre isso com ninguém além de sua irmã, temendo por sua vida caso fosse descoberto.

    — Arty? Você está bem?

    — Sim — disse ele, a voz rouca e tensa. Ele pigarreou e tentou novamente. — Sim. Estou bem. — Reunindo toda sua coragem, Arty virou-se para encará-la e baixou o volume da voz para quase um sussurro. — Nunca fiz nada, Jean, juro. Até agora nunca tinha conhecido alguém com quem gostaria de fazer alguma coisa. Como falaria com ele? No melhor cenário, eu seria preso, se cometesse um erro.

    — Se quer saber minha opinião, eu não acho que haja algo de errado em você seguir seu coração. É besteira não fazer nada. Por que não? Transformarem um homem em criminoso por amar outro homem, bem, isso sim deveria ser crime, Arty, e eu diria o mesmo para qualquer um que discordasse de mim. Entendo que é necessário ser discreto. Porém, não acho que você tenha cometido um erro. Ele também estava te olhando. Eu vi.

    — Não sei… — Arty suspirou e esfregou a testa.

    — Eu sei. Arty, ele gosta de você. Tenho certeza.

    — E se outras pessoas perceberem? — O medo fez a garganta de Arty fechar novamente e o nó em seu estômago ficou mais doloroso. — Se você viu…

    — Estávamos dançando juntos. Sua bochecha estava encostada na minha. — Jean arqueou uma sobrancelha e deu um sorriso malicioso. — Sua bochecha ficava muito quente sempre que ele estava à vista.

    — E você tem certeza que ninguém mais percebeu?

    — Certeza absoluta.

    — Se descobrirem…

    — Vamos tomar cuidado — disse Jean com firmeza. Ela deu a ele um tempo para organizar os pensamentos antes de envolve-lo em um abraço aconchegante e apertado. — Sabe, Arty, nossa parceria na dança pode ser o disfarce perfeito.

    — Mas ainda há o pequeno problema do que vai acontecer quando você conhecer alguém com quem quiser se casar.

    — Se isso acontecer, então vou mantê-lo em segredo, assim como você e Jimmy.

    — Jimmy?

    — Oh, eu não te contei? Sargento-técnico Jimmy Johnson, Aeronáutica dos Estados Unidos da América, vinte e sete anos. — Ela soltou Arty e lhe deu um beijo maternal na cabeça. — Agarre essa chance — sussurrou. — Você merece ser feliz.

    Capítulo Três:

    Março de 1944

    O chão do refeitório foi polido até ficar brilhante como um espelho, embora tenha ficado um pouco escorregadio para o uso cotidiano, ficou perfeito para uma noite de dança. A banda estava no palco afinando os instrumentos e a maioria do pessoal da base Minton já estava no local; faltava apenas os trabalhadores de plantão, revezando o serviço para aproveitarem um pouco da festa. Agora era um excelente momento para aumentar a moral; naquela manhã, Charlie havia dito a Arty que os aviadores americanos se preocupavam muito com o ânimo do pessoal. Haviam conhecido formalmente seus colegas em Gaskell no dia anterior e eram camaradas agradáveis, mas pareciam um pouco preguiçosos com as mangas arregaçadas e bonés na parte de trás de cabeça. Enquanto faziam um exercício meio desleixado que Arty ainda não tinha visto, ele estava atento passando os olhos em cada homem vestindo traje de sargento. Nenhum era o sargento-técnico Jimmy Johnson e provavelmente não iria encontrá-lo ali.

    Várias moças da WAAF entraram no refeitório, sorridentes e usando vestidos espetaculares; Jean se destacava do resto com seu longo vestido com uma bainha de penas que se levantava delicadamente e balançava de um lado para o outro, revelando delicados sapatos brancos e dando um vislumbre de suas pernas lisas e bem torneadas cobertas por meias de náilon iluminadas pela luz fraca. Os americanos trouxeram vários butins, incluindo meias, e Jean havia confidenciado sua satisfação; afinal não precisava mais se ocupar com a costura e se preocupar se as peças estavam retas ou com a possibilidade de a chuva estragá-las.

    — Vocês vão superar todo mundo hoje à noite — disse Charlie, observando Jean e as integrantes da WAAF atravessando a pista de dança; algumas pararam para conversar com os aviadores, outras foram em busca de uma bebida.

    — Você também arrasa no foxtrot, Charlie — disse Arty.

    — Mas não chego aos seus pés, né?

    — Não tenho certeza disso.

    — Você seria capaz de dançar uma valsa na Frente Ocidental e voltar para casa intacto — brincou Charlie, como sempre, tentando amenizar os momentos ruins do esquadrão.

    Arty negou com a cabeça e riu. — Posso dar conta da valsa. Mas não me garanto no jive.

    Charlie balançou a mão, demonstrando desdém. — Oh, os americanos sabem muito bem se exibir, mas você e Jean… — Ele sorriu e seus olhos brilharam.

    Arty deu um cutucão no amigo. — Ela é uma dançarina extraordinária — ele concordou.

    — E você e ela?

    — Somos apenas amigos.

    Charlie assentiu, pensativo. Era óbvio que ele estava querendo a aprovação de Arty, embora Arty relutasse em concedê-la. Quem era ele para permitir ou negar esse tipo de coisa? Jean tinha sido bastante clara; ela não tinha interesse em namoro ou casamento. Charlie, com vinte e seis anos, era o filho do meio entre três, o mais novo morto na Bélgica, o mais velho ainda lutando por lá, daí seu humor loquaz, suavizando a realidade. Sem dúvida, Charlie sentiu profundamente a perda e estava sob a pressão de dar continuidade ao nome Tomkins, mas havia outras mulheres na base e na cidade. Com certeza algumas estariam muito dispostas a cortejar Charlie, certo? Arty repreendeu a si mesmo; que concepção ridícula; Charlie podia escolher de quem gostar enquanto Arty havia se esforçado e falhado em fazer o mesmo.

    — O que acha, Art? Eu tenho chance?

    — Acho que está melhor do que a maioria. Se você quer dançar com ela hoje à noite…

    Charlie riu. — O capitão Taylor arrancaria minhas tripas. Deixa para outro dia. — Ele deu um tapinha no ombro de Arty e saiu em direção ao bar. — Ela é toda sua hoje à noite, meu amigo.

    Charlie saiu de perto de Arty e abriu caminho entre os grupos pequenos em pé e entretidos com conversas casuais, era notável a distância entre os britânicos e os americanos, mas isso mudaria quando reconhecessem que não eram tão diferentes uns dos outros e seu inimigo era o mesmo. Os americanos pareciam impetuosos, orgulhosos com suas vitórias, em contraste com a discrição dos britânicos. Havia muita arrogância, porém, estavam em um país estranho; seus modos eram imaturos em comparação com a rica história do Império Britânico ao qual haviam pertencido.

    Arty nascera um ano depois do fim da Primeira Guerra Mundial, nove meses após o retorno de seu pai. Era um acontecimento comum e ele era uma das muitas crianças nascidas nessa época, tendo o conhecimento sobre guerras resumido a uma aventura sem risco de morte com o objetivo de desonrar sua majestade. Os pais e os tios não falavam sobre suas mazelas nem sobre as vidas perdidas; até uma nova guerra começar e Arty se perguntar se um acordo pacífico poderia ter sido estabelecido caso aqueles que voltaram para casa tivessem dito alguma coisa. A guerra não era gloriosa; a guerra não nobre. Qual era a vitória quando muitos perdiam suas vidas? Nada disso impediu que a história se repetisse.

    Esses pensamentos, assim como outros, Arty mantinha para si mesmo. Não seria uma boa ideia compartilhar com ninguém o quanto discordava da guerra, mesmo assim, cumpriria seus deveres militares e faria um bom trabalho. Quantos aos seus outros pensamentos; poderiam ser muito perigosos e Jean ter lhe lido como se fosse um livro aberto, como aquele livro amado por sua irmã Sissy, era tremendamente preocupante. Sendo cerca de dez anos mais velha, Sissy esteve a serviço de um cavalheiro rico em Londres durante mais tempo que Arty se lembrava e ela partiu durante o período de evacuação para Kent com seu empregador, mas foi demitida logo depois quando ele foi forçado a retornar à Itália, a terra natal dele. A pobre Sissy voltou para casa perturbada, pois amava o trabalho, sobretudo a coleção de artes e literatura do cavalheiro. A alegação do homem de ter sido amigo do autor D. H. Lawrence era bem fundamentada por sua biblioteca, onde ostentava um conjunto completo das obras de Lawrence, incluindo uma certa publicação considerada obscena demais para consumo do público geral.

    O Amante de Lady Chatterley; o patrão de Sissy recusava-se a deixá-lo sair de casa, mas, sendo o tipo de homem que era, um artista intelectual, concordou que Arty visitasse Sissy, e Arty fez isso muitas vezes. Aquelas noites, amontoados na cadeira de leitura grande e desconfortável, com brasas brilhando na lareira enquanto se debruçavam à luz de velas sobre as páginas com as palavras de Lawrence… eram lembranças maravilhosas; Arty se apegava a elas com força, embora não fosse a repetição das aventuras da Lady Chatterley que o acompanhasse e sim as de Aaron Sisson.

    Com o farol da bicicleta aceso, Robert parou ao lado de Aaron.

    — Devo iluminar a estrada… você está fora do caminho — disse ele. — Você está na propriedade de Shottle House.

    — Posso encontrar meu caminho sozinho — disse Aaron. — Obrigado.

    De repente Jim se levantou e foi examinar o estranho, colocando o rosto perto do de Aaron.

    — Muito bem — respondeu ele. — Você não parece um mau sujeito… vamos tomar um goró! Qual é o seu veneno?

    — Meu… whiskey — disse Aaron.

    — Entre e tome uma dose. Somos os únicos sóbrios por daqui… o que foi? — exclamou Jim.

    Aaron ficou imóvel, paralisado. Jim pegou- o carinhosamente pelo braço…

    — Você leu isso, Sissy? — Arty sussurrou. — Um homem pegando carinhosamente o braço de outro homem.

    — Sim. Por isso queria que você lesse o trabalho do sr. Lawrence.

    — Como assim?

    — Eu estava pensando, Arty. A maioria dos rapazes da sua idade está interessada em apenas uma coisa.

    — Uma coisa?

    — Sim, irmão. Moças.

    Arty olhou para baixo e curvou os ombros. — Então minha preocupação não é errada. Tem algo muito errado comigo.

    Sissy colocou o livro em seu colo e puxou Arty para mais perto. — Não. Não tem nada de errado com você, querido irmão. Venha, leia mais um pouco comigo.

    Na manhã seguinte, quando Jim acordou, Aaron tinha ido embora. No chão, havia dois pacotes de velas e enfeites natalinos, caídos dos bolsos do estranho. Ele havia saído pela porta da sala de estar, como havia entrado. A criada disse que, enquanto limpava a lareira da sala de jantar, ouviu alguém entrar na sala de estar; uma copeira vira alguém sair do quarto de Jim. Mas ambas pensaram ser Jim, pois ele era um sujeito instável.

    Havia uma fina camada de neve, era uma adorável manhã de Natal.

    — Boa noite, cabo.

    A voz era um estrondo lento e profundo e surpreendeu Arty, que estava distraído com suas memórias. Sua respiração ficou presa na garganta enquanto lutava para responder. — Boa noite para você também, sargento… Johnson, certo?

    — Isso mesmo. — O homem estendeu a mão para cumprimentar Arty. — Sargento-técnico Jim Johnson ao seu dispor.

    Arty também se apresentou — cabo Robert Clarke. — A palma da mão tocando a sua era grande, áspera e fria.

    — Robert, Bobby ou Bob?

    — Na verdade, nenhuma das opções. Costumam me chamar de Arty, por causa das iniciais do meu nome. Meu nome do meio é Thomas.

    — Arty — o aviador americano repetiu com um largo sorriso exibindo dentes retos e brancos que fizeram Arty esconder os seus por trás dos lábios cerrados. — Belo nome, Arty. Gostei. Costumam me chamar de Jimmy, mas prefiro Jim. Você vai nos entreter novamente essa noite?

    — Entreter? — As palavras fugiram de Arty junto com a habilidade de respirar.

    — Você e a sargento McDowell.

    — Oh, sim. A valsa. — Ele devia parecer um idiota.

    — Estou ansioso para assistir — disse Jim. O sorriso permaneceu no mesmo

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