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Como Ser Perfeito
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E-book402 páginas5 horas

Como Ser Perfeito

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Sobre este e-book

Do criador de The Good Place e cocriador de Parks and Recreation, um guia ético hilariante e provocador, baseado em 2400 anos de pensamentos profundos.

As pessoas tendem a pensar nelas próprias como «boas», mas não é fácil determinar o que é bom ou mau — sobretudo num mundo que impõe escolhas complicadas, que nos prepara armadilhas e nos dá péssimos conselhos. Felizmente, há milénios que filósofos muito inteli- gentes debatem este dilema, definindo orientações para os restantes mortais.


Com espirituosidade e aprofundado conhecimento, Como Ser Perfeito explica conceitos como deontologia, utilitarismo, existencialismo, ubuntu e muitos mais, a fim de impressionarmos quem quer que seja em festas; e também para nos tornarmos melhores pessoas.

Schur começa com questões éticas à partida acessíveis, como por exemplo: «Será que devo dar um murro na cara a um amigo sem motivo para isso?» (Não.) Depois, avança destemidamente até áreas mais complexas: Poderei apreciar arte se esta tiver sido criada por más pessoas? Quanto devo doar para caridade? Por que razão me devo preocupar com ser boa pessoa se não há grandes consequências quando se é má pessoa?

Quem terminar de ler este livro, saberá exatamente como proceder em todas as circunstâncias imagináveis. Será perfeito, e todos os seus amigos terão inveja. Bem, nem por isso. Mas ganhará uma sabedoria inspiradora, refrescante e divertida sobre temas complicados.

IdiomaPortuguês
EditoraCultura
Data de lançamento17 de jun. de 2023
ISBN9789898860446
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    Como Ser Perfeito - Michael Schur

    Introdução

    Hoje, decidiu ser uma pessoa boa.

    Na verdade, não sabe porquê. Simplesmente, acordou de manhã cheio de energia, vigor e otimismo, apesar de um mundo que, tantas vezes, parece decidido a desapontá-lo, e saltou da cama determinado a ser um pouquinho melhor hoje do que foi ontem.

    Não deve ser assim tão difícil, certo? Só precisa de fazer algumas pequenas alterações na forma como vive. Sai de casa, vê um copo de plástico na rua, apanha-o e deita-o no lixo. Isso sabe-lhe bem! Ontem talvez tivesse ignorado esse lixo e continuado a andar, mas não hoje, querido! Hoje você é melhor! No supermercado, gasta um pouco mais de dinheiro a comprar ovos de galinhas criadas ao ar livre e leite proveniente de vacas tratadas humanamente. Sorri ao pensar nessas vacas a mastigarem, felizes, erva biológica, em vez de estarem encafuadas numa fábrica pecuária horrível. Lembrando-se de um artigo que leu sobre o impacto da indústria da carne nas alterações climáticas, até abdica da carne de hambúrguer a favor das alternativas vegetarianas. Agora, as vacas estão ainda mais felizes! Porque não estão mortas!

    Está a fazer um excelente trabalho hoje! O seu Novo Eu está a arrasar!

    Dá uma corrida rápida à volta do bairro (pela saúde!), ajuda uma senhora idosa a atravessar a estrada (pela bondade!), assiste a um documentário (pelo conhecimento!), vê as notícias (pela cidadania!) e vai dormir. Que dia formidável!

    Mas depois fica deitado na cama a fitar o teto. Algo o incomoda. Quanta «bondade» conseguiu realmente alcançar? Sente que fez coisas boas, mas também sentiu que podia levar um chapéu com padrão de zebra à festa do escritório, no ano passado, e todos sabemos como isso terminou.

    Então, agora imagine que pode chamar algum tipo de Contabilista de Bondade Universal para lhe fornecer um relatório matemático omnisciente sobre o seu desempenho. Depois da contabilista processar os cálculos do seu dia de boas ações e de o recibo sair da Calculadora de Bondade Definitiva, ela transmite-lhe más notícias.

    Aquele copo de plástico que apanhou? Vai eventualmente desaguar no oceano, juntando-se à ilha de lixo do tamanho do Texas que está a ameaçar a vida marinha no Pacífico. (Leu sobre isso quando espreitou as notícias antes de se ir deitar, mas não pensou que você tivesse algo que ver com o assunto.)

    Os hambúrgueres vegetarianos foram enviados para o supermercado perto de si de algum local muito distante, causando uma enorme pegada de carbono, e as vacas que imaginou estão, na verdade, enclausuradas numa fábrica pecuária, porque as definições legais de «biológico» e «alimentadas a erva» são embaraçosamente vagas, graças a legislação dúbia escrita por lobistas do negócio agropecuário. As vacas não estão felizes. Estão tristes. São vacas tristes.

    Pior: os ténis que usou na corrida foram produzidos numa fábrica onde os trabalhadores recebem quatro centavos à hora. O documentarista que realizou o filme que viu é um tipo depravado que gosta de cheirar o cabelo de desconhecidos no metro (bom trabalho a meter-lhe dez dólares no bolso) e o serviço de streaming no qual assistiu ao documentário faz parte de um conglomerado multinacional que também produz drones assassinos para a força aérea da Coreia do Norte. Ah, e já agora, aquela senhora idosa que ajudou coleciona recordações nazis. «Mas ela parecia tão doce», diz você. Népias! Nazi secreta. Na verdade, ela ia a caminho de comprar ainda mais coisas nazis. Foi isso que a ajudou a fazer quando atravessou a estrada com ela.

    Bem, fantástico. Agora sente-se miserável. Tentou ser bom, à sua maneira, e o mundo deu-lhe uma valente bofetada. Também sente raiva. Tinha boas intenções e até se esforçou. Isso não deveria contar para alguma coisa?! E sente-se desencorajado. Não se pode dar ao luxo de fazer muito mais do que fez, porque não é um bilionário que pode fundar uma organização de caridade gigante e, tendo em conta tudo o resto que temos de gerir nas nossas vidas diárias, quem tem o tempo, dinheiro e energia para pensar sobre ética?

    Em resumo: ser bom é impossível, tentar foi em vão e devíamos todos comer hambúrgueres de queijo cheios de hormonas, atirar o lixo diretamente para o Oceano Pacífico e desistir.

    Isto foi uma experiência divertida. E agora?

    A maioria das pessoas pensa que é «boa» e gostaria de ser percecionada como «boa». Consequentemente, muitas, tendo a oportunidade, prefeririam fazer uma coisa «boa», em vez de uma «má». Mas nem sempre é fácil determinar o que é bom ou mau neste mundo confuso, distorcido e repleto de escolhas difíceis, ciladas, armadilhas e maus conselhos de amigos supostamente confiáveis, como a estúpida da Wendy que disse que o chapéu era «feio-giro» e o convenceu a comprá-lo. E ainda que consiga navegar o campo minado da vida moderna e ser bem-sucedido a ser bom, você é apenas uma pessoa! Existem oito mil milhões de pessoas neste planeta e muitas delas não parecem importar-se, de todo, em ser boas. Há políticos corruptos, presidentes de empresas coniventes, pessoas que não apanham o cocó do cão quando o cão faz cocó no passeio e ditadores maléficos, e a estúpida da Wendy (qual é a dela? Será que se diverte a fazer os outros sentirem-se miseráveis?), então torna-se difícil não questionar se uma pessoa que seja «boa» importa realmente. Ou, para usar os termos que usei quando comecei a ler filosofia moral e a pensar sobre esta confusão gigante, torcida e emaranhada:

    Que raio é suposto eu fazer?

    Esta pergunta (como podemos viver uma vida mais ética?) atormentou pessoas durante milhares de anos¹, mas nunca foi tão difícil responder como agora, graças aos pequenos e grandes desafios que inundam o nosso dia a dia e ameaçam avassalar-nos com decisões impossíveis e resultados complicados, que dão origem a consequências involuntárias. Adicionalmente, aproximarmo-nos sequer de sermos uma «pessoa ética» exige pensamento, introspeção e muito trabalho, todos os dias; temos de pensar sobre como podemos ser bons não uma vez por mês, mas literalmente o tempo todo. Para que seja menos avassalador, este livro procura reduzir esta confusão pantanosa a quatro simples questões que podemos colocar-nos sempre que nos encontrarmos em algum dilema ético, grande ou pequeno:

    O que estamos a fazer?

    Porque o estamos a fazer?

    Podemos fazer algo melhor?

    Porque é melhor?

    A busca de respostas a estas quatro questões é, muito resumidamente, a filosofia moral e ética.² E enquanto o Departamento de Contabilidade de Bondade Universal tinha, sobretudo, más notícias para nos dar, aqui vão algumas boas: os filósofos têm vindo a pensar nestas questões há muito tempo. Eles têm respostas para nós ou, pelo menos, têm ideias que poderão ajudar-nos a formular as nossas próprias respostas. E se conseguirmos ultrapassar o facto de que muitos desses filósofos escreveram prosa enervantemente densa que provoca uma cefaleia de tensão imediata, talvez possamos equipar-nos com as suas teorias, fazer uso delas quando temos de tomar decisões e sermos um pouco melhores hoje do que fomos ontem.

    Interessei-me por filosofia moral quando comecei a criar uma série de televisão chamada The Good Place. Se a viu, vai reconhecer muitas das ideias neste livro, porque foram exploradas na série. Se não a viu, a) como se atreve a insultar-me dessa forma?, b) estou a brincar, e c) não se preocupe! Porque o objetivo deste projeto é levá-lo na viagem que eu próprio percorri, de um tipo que não sabia quase nada sobre este assunto a alguém que consegue escrever um livro sobre o mesmo. (Ou, pelo menos, convenceu a Simon & Schuster* de que conseguiria fazê-lo.) Apaixonei-me pela ética por uma simples razão: praticamente tudo o que fazemos tem alguma componente ética envolvida, quer nos apercebamos disso ou não. Isso significa que devemos, a nós próprios, o esforço de aprender o que raio é a ética e como funciona, para que não arruinemos sempre tudo. Partilhamos este planeta com outras pessoas. As nossas ações afetam-nas. Se nos importamos minimamente com elas, temos de descobrir como tomar as melhores decisões que nos são possíveis.

    Outra coisa que adoro sobre ética é isto: é grátis!³ Não precisa de tirar uma licença para ser ético ou pagar uma taxa anual para tomar boas decisões. Pense no mundo como se fosse um museu e as regras éticas uma trabalhadora voluntária do museu, permanecendo silenciosa, num casaco verde desportivo, com as mãos entrelaçadas atrás das costas. Todos circulamos no museu a observar a arte (nesta metáfora: situações morais confusas), alguma dela compreendemos e outra definitivamente não, porque é retorcida, abstrata e confusa. E quando vemos algo que não sabemos interpretar, podemos simplesmente perguntar à senhora simpática do casaco verde desportivo para o que estamos a olhar e o que significa e ela dir-nos-á, de graça! Quer dizer, podíamos apenas acenar pensativamente e fingir que compreendemos a arte, uma tradição imemorial, tanto nos museus de arte, como na vida, mas existirão mais coisas confusas na próxima sala, por isso mais vale pedir ajuda para deslindarmos o sentido daquilo para que estamos a olhar neste momento.

    Antes de começarmos, tenho mais boas notícias. O simples ato de nos envolvermos nestas ideias e colocarmos estas questões significa que já demos um passo crucial: decidimos simplesmente importar-nos sobre se o que fazemos é bom ou mau. O que significa: decidimos tentar ser melhores.

    Por si só, isto já é um grande passo. Uma vista de olhos rápida em redor desvendará um número enorme de pessoas que decidiram claramente não querer importar-se em ser éticas, como tal não estão propriamente a tentar. Parte de mim não os culpa totalmente, porque tentar ser um agente moral decente no universo, uma forma pomposa de dizer «tentar fazer a coisa certa», significa que estamos condenados ao fracasso. Ainda que dêmos o nosso melhor para sermos boas pessoas, vamos fazer asneira. Constantemente. Vamos tomar uma decisão que achamos ser acertada e boa, apenas para descobrir que foi errada e má. Faremos algo que pensamos que não afetará ninguém, apenas para descobrir que afetou e muito e, meu, estamos em apuros. Vamos ferir os sentimentos dos nossos amigos, fazer mal ao ambiente, apoiar empresas maléficas, ajudar acidentalmente uma idosa nazi a atravessar a rua. Vamos falhar e depois falhar outra vez, e outra vez, e outra vez. Neste teste, que temos de fazer diariamente, quer queiramos, quer não, o fracasso está garantido. Na verdade, até obter algo como um Satisfaz Mais, com alguma frequência, parece estar fora de alcance. Tudo isto pode fazer com que importarmo-nos com o que fazemos (ou, na gíria moderna, ligar a mínima) pareça inútil.

    Mas esse fracasso significa mais e tem mais valor potencial se, de facto, nos importarmos. Porque, se nos importamos em fazer o que está certo, também vamos querer descobrir porque falhámos, o que aumentará a possibilidade de sermos bem-sucedidos no futuro.

    O fracasso dói e é embaraçoso, mas é também a nossa forma de aprender. Chama-se «tentativa e erro», não «uma tentativa perfeita, dominamos isto e fim de história». Além do mais, vá lá, não existe qualquer alternativa a importarmo-nos com as nossas vidas éticas.

    É suposto ignorarmos todas as questões sobre o nosso comportamento?

    Não nos darmos ao trabalho, moralmente falando? Não acredito que isso seja a decisão certa. Se nos importamos com alguma coisa nesta vida, devemos importar-nos se o que fazemos é bom ou mau. (Mais adiante, vamos conhecer um grupo de rapazes franceses muito sombrios, que acreditavam que Deus não existe e que somos apenas pequenas partículas de nada a flutuar numa grande e estúpida rocha no espaço e nem eles queriam que atirássemos a toalha da ética ao chão.) Este livro é um relato da minha própria viagem através da filosofia moral, mas é também sobre aprender a aceitar o fracasso ou, na verdade, abraçá-lo como um subproduto necessário e benéfico dos nossos esforços em tentar, aprender e melhorar.

    Assim, vamos fazer perguntas sobre como agir em certas situações e tentar dar respostas recorrendo a algumas ideias com 2400 anos de idade e outras que foram propostas, basicamente, ontem. Vamos começar de forma leve, para apresentar essas ideias, o que dizem, o que exigem de nós, como alegam tornar-nos melhores pessoas se as seguirmos. Depois, vamos aumentar a dificuldade, aplicando o que aprendemos a assuntos mais desafiantes e complexos e apresentaremos novas ideias no decorrer do caminho. No final deste livro, saberemos exatamente como agir em qualquer situação concebível, produzindo uma quantidade máxima verificável de bem moral. Seremos perfeitos. As pessoas olharão para nós com reverência e admiração. Todos os nossos amigos vão sentir-se super invejosos.

    Estou a brincar, vamos continuar a fracassar o tempo todo. Mas, repito, não faz mal! Assim sendo, vamos começar a falhar. Ou nas palavras de Samuel Beckett:

    «Tente outra vez. Falhe outra vez. Falhe melhor.»

    Notas:

    ¹ Bem, vamos ser honestos: atormentou algumas pessoas. Por cada cidadão consciencioso, há todo um grupo de batoteiros e mentirosos e maníacos do tipo O Lobo de Wall Street, que veem as regras éticas como obstáculos incómodos a alcançarem aquilo que querem.

    ² À semelhança de muitas pessoas, uso os temos «moral» e «ética» alternadamente, contra a objeção de filósofos rígidos e linguistas cromos. Se gosta de labirintos semânticos, pode espreitar vários dicionários e descobrir as diferenças… e depois junte-se a mim enquanto ignoramos despreocupadamente essas diferenças, porque a vida é curta demais.

    ³ Menos, suponho, o custo deste livro, se escolher comprá-lo. Adicionalmente, devo acrescentar que, na verdade, agir eticamente requer, muitas vezes, que gastemos dinheiro ou tempo. Só pretendo sugerir que as ideias ou conceitos estão acessíveis gratuitamente.


    * Nota da tradutora (N. T.): editora do livro nos EUA.

    Algumas questões que os leitores possam ter, antes de começarmos

    Preciso de saber alguma coisa sobre filosofia moral antes de ler este livro?

    Não. A minha intenção foi escrever um livro que qualquer pessoa pudesse compreender, independentemente da sua familiaridade com o tema. Pretende ser uma introdução a estas ideias para pessoas relativamente leigas, como eu era quando comecei a ler sobre o assunto.

    Então, não é um filósofo? Ou um professor? Ou mesmo um estudante graduado?

    Não. Sou apenas… um tipo. Mas essa é a ideia! Qualquer pessoa que tenha este livro nas mãos é «apenas um tipo», ou «uma senhora», ou «alguém preocupado com como se comportar», ou «uma pessoa a quem um amigo ofereceu este livro sobre como ser uma pessoa melhor e só agora se está a aperceber de que talvez tenha sido alguma espécie de dica disfarçada».¹

    Se quisesse aprender sobre filosofia moral, porque leria o seu livro em vez de uma análise feita por alguma pessoa inteligente, do tipo académico?

    Primeiro que tudo, isso é rude. Mas mais importante: passo muito tempo a estudar estas coisas e a discuti-las com algumas pessoas muito espertas e divertidas, na tentativa de apresentá-las de forma a não provocar uma cefaleia de tensão a ninguém. O meu objetivo não é revolucionar o campo da filosofia moral. É simplesmente transmitir os seus aspetos mais essenciais, para que todos possamos aplicá-la nas nossas vidas.

    Ok, é apenas um tipo. Então, quem é você para me julgar?!

    Certo, pensei que me pudesse fazer esta pergunta. Então, escute: este livro não pretende, de forma alguma, fazê-lo sentir-se mal a respeito de nenhuma parvoíce que tenha feito na vida. Certamente, não pretende sugerir que eu não fiz uma quantidade enorme de parvoíces na minha vida, porque definitivamente fiz e continuo a fazer. Ninguém é perfeito (como veremos no capítulo cinco, a «perfeição moral» é, em simultâneo, impossível de alcançar e uma má ideia de tentar sequer). Repito, o objetivo é abraçar os nossos fracassos inevitáveis e encontrar uma forma de fazermos uso deles — aprender a beneficiar deles, em vez de apenas agonizarmos na nossa própria culpa, condenados a cometer os mesmos erros repetidamente.

    Sou uma pessoa inteligente, do tipo académico, e estou furiosa. Só discute o trabalho de alguns dos grandes filósofos! Como pode ignorar a obra de tantos pensadores importantes?!

    A filosofia moral existe há milhares de anos e cada nova teoria relaciona-se, de alguma forma, com as precedentes. Por vezes, estará a percorrer uma obra filosófica densa e deparar-se-á com uma divagação de 60 páginas, na qual o autor discute outras obras filosóficas densas e se não tiver ainda, de alguma forma, integrado aquela obra, ficará irremediavelmente perdido, começará a revirar os olhos e acabará por pousar o livro e assistir ao The Bachelor

    Se eu tivesse tentado cobrir todo o campo da filosofia moral, não teria feito nada além de ler livros durante 60 anos e depois morrido, e eu tenho filhos e uma mulher e gosto de ver basquetebol e cenas. Já para não falar que alguma da filosofia que tentei ler era simplesmente incompreensível para mim. A determinada altura, fiquei muito entusiasmado com a metafísica, que data dos gregos antigos e envolve questões sobre a própria natureza da existência. Parece divertido! Abri um livro chamado Introdução à Metafísica, do filósofo alemão Martin Heidegger e a primeira frase, com notas de rodapé do tradutor, parecia-se mais ou menos com isto:

    Porque¹ existem² lá³ coisas⁴?

    1. «Porque» provavelmente nem é a questão certa; é preferível perguntar «como» ou «com que finalidade».

    2. Estamos obviamente a fazer assunções a priori de que existem, de facto, coisas.

    3. Heidegger usa a palavra alemã IchschätzedieMühedies- -nachzuschlagen, que não tem tradução direta, por isso escolhi a palavra crua «lá», que é uma deturpação trágica e dolorosa da intenção de Heidegger.

    4. «Coisas» pode ser mais bem pensado como «lugares de existência», ou talvez o neologismo «essêntes», significando «coisas que têm essência» ou talvez uma nova palavra que acabei de inventar, designada «blerfe», que não tem qualquer significado, mas é, de alguma forma, na sua ausência de significado absurdo, a palavra mais acertada para delinear a diferença entre nada e alguma coisa.

    Isto é um ligeiro exagero, mas apenas ligeiro. Desisti, talvez, após mais quatro frases. Mais tarde, descobri que Heidegger era basicamente um fascista, então sinto que tomei a decisão certa.

    Mas há outra razão para ter incluído o que incluí e ignorado o que ignorei: as obras discutidas neste livro são simplesmente aquelas de que gostei e com as quais tive uma ligação. São as que fizeram sentido para mim de uma forma semelhante a uma-lâmpada-que-se-acende-em-cima-da-minha-cabeça-como-numa-banda-desenhada.

    Este simples sentimento de ligação importa em algo como a filosofia, que é uma floresta tropical densa e diversa de ideias. Nenhum explorador pode mapear toda a selva, por isso acaba por gravitar na direção de determinados pensadores e distancia-se de outros, com base em nada mais complicado do que a forma como eles ressoam consigo.

    O meu entendimento da ética (e, portanto, o cerne deste livro) encontra-se organizado, de forma geral, em torno de um grupo de teorias: ética das virtudes, deontologia e utilitarismo, atualmente consideradas as «Três Principais» na filosofia moral ocidental. Esse foco marginaliza alguns dos mais famosos pensadores da história, como Lao-tzu, David Hume e John Locke, cujas obras se sobrepõem com alguma destas Três Principais teorias, mas talvez não de forma integral. Adicionalmente, como eu queria tornar The Good Place secular, desviei-me de pensadores religiosos como São Tomás de Aquino e Søren Kierkegaard. Se as ideias neste livro despertarem o seu interesse e se pegar numa bússola e se dirigir para a selva por si mesmo, é provável que alguns dos tipos que ignorei se tornem os seus favoritos. E, nessa altura, pode escrever o seu próprio livro e falar sobre a razão pela qual as suas pessoas são melhores do que as minhas!

    Sou outra pessoa muito inteligente, do tipo académico, e devo dizer que interpretou completamente mal [algo]. Como pode ter lido, de forma tão flagrantemente errada [essa coisa]?

    Em 1746, um grupo de vendedores de livros britânico pediu ao Dr. Samuel Johnson que escrevesse um dicionário definitivo da língua inglesa. Ao longo dos oito anos seguintes, ele fez apenas isso: escreveu um dicionário inteiro. Usando apenas o seu próprio cérebro.³ Depois de terminar, uma mulher abordou-o, aborrecida, e perguntou-lhe como era possível que ele tivesse definido uma «quartela» como «o joelho de um cavalo» quando é, na verdade, parte do pé. Johnson respondeu:

    — Ignorância, minha senhora. Pura ignorância!

    Assim sendo, se encontrar alguma coisa errada, essa é a razão: pura ignorância!

    Não seria mais inteligente ter alguém a ajudá-lo com isto? Um filósofo, sabe, verdadeiro?

    Ah, mas eu tive — o Professor Todd May, um profissional académico de longa data e autor de vários livros excelentes sobre filosofia moral. Conhecemo-nos quando lhe pedi que ajudasse a equipa de escritores do The Good Place a descobrir que raio estavam todos os filósofos a dizer e, nessa altura, ele concordou em colaborar comigo neste livro, para me respaldar, por assim dizer, e ajudar-me a não arruinar a sabedoria académica a ponto de ser processado pelos tetra-tetra-tetra-tetra-tetra-tetra-tetra-tetra-tetra-tetranetos de Jeremy Bentham. Na verdade, agora que penso nisso, se houver algum problema com a filosofia neste livro, não é devido à minha ignorância. É culpa de Todd. Culpe-o a ele.⁴

    Notas:

    ¹ Outros tipos «não interessados em ética» que possam, em teoria, ter este livro nas mãos, neste momento: um tipo que precisa de algo pesado para esborrachar um inseto; um miúdo da década de ⁵⁰ que o está a usar para esconder a banda desenhada durante a aula; uma mulher que o recebeu no Pai Natal secreto do escritório e precisa de folhear as primeiras páginas para tentar convencer o seu colega Terrence de que ele fez uma boa escolha e que ela definitivamente não teria preferido receber bebidas alcoólicas, como todos os outros; um cão que, de alguma forma, enfiou este livro na boca e agora toda a gente em redor diz «ah ah, vejam isto, o Buster está a tentar ler!»

    ² Hipoteticamente. Quer dizer, eu nunca fiz isso. Mas, hipoteticamente, é algo que alguém faria.

    ³ E diversos assistentes, que o ajudaram a recolher e organizar todas as entradas, mas o ponto mantém-se. Johnson recebeu o equivalente a cerca de ²⁵⁰ mil dólares em dinheiro atual, durante oito anos de trabalho. Detesto ser «Hollywood» a respeito disso, mas esse tipo precisava de um agente melhor.

    ⁴ Nota de Todd: é justo.

    Parte um

    na qual aprendemos várias teorias sobre

    como ser boa pessoa das três principais escolas da filosofia moral ocidental que emergiram nos últimos 2400 anos, mais um conjunto

    de outras coisas fixes, tudo, tipo,

    em oitenta páginas

    capítulo um

    Devo dar um murro na cara

    do meu amigo sem motivo?

    Não. Não deve. Era essa a sua resposta? Boa. Até agora, está a ir muito bem.

    Se eu inquirisse mil pessoas e lhes perguntasse se acham bem esmurrar os seus amigos na cara sem qualquer motivo, aposto que todos diriam que não.¹ Esta pessoa é sua amiga. Esta pessoa não fez nada de errado. Não devemos, por isso, dar um murro na cara do nosso amigo. Mas a coisa estranha a respeito de perguntarmos a razão por que não devemos fazê-lo, independentemente do quão óbvio nos pareça, é podermos tropeçar na tentativa de formular uma resposta.

    — Porque, você sabe, é… mau.

    O mero ato de balbuciar essa explicação simplista é estranhamente encorajador: significa que estamos conscientes de que existe uma componente ética nesta ação e que determinámos que é, você sabe… «má». Mas para nos tornarmos melhores pessoas, precisamos de uma resposta mais sólida para a razão pela qual não o devemos fazer, para além de «porque é mau». Compreender uma teoria ética concreta que explique porque é mau pode ajudar-nos a decidir sobre como agir numa situação menos moralmente óbvia do que «devo dar um murro na cara do meu amigo sem motivo?», algo que se refere apenas a todas as outras situações.

    Um sítio óbvio para começar pode ser dizer, bem, uma pessoa boa geralmente não faz coisas dessas e uma pessoa faz e nós queremos ser pessoas boas. O passo seguinte seria definir melhor o que é, realmente, uma «pessoa boa» e isso é mais complicado do que possa parecer. A ideia inicial por detrás de The Good Place era a de que uma mulher «má», que tinha vivido uma vida egoísta e um tanto indiferente, é admitida num paraíso após a morte, devido a um erro administrativo e dá por si premiada com uma eternidade idílica, ao lado das melhores pessoas que alguma viveram — pessoas que dedicaram o seu tempo a remover minas terrestres e a erradicar a pobreza, enquanto ela passou a vida a atirar lixo para o chão, a mentir a toda a gente e a vender medicamentos falsificados a idosos amedrontados, sem quaisquer remorsos. Assustada com a possibilidade de ser descoberta, decide tornar-se uma «boa» pessoa para merecer o seu lugar. Pensei que esta ideia fosse divertida, mas também descobri rapidamente que não fazia ideia do que, na verdade, significava ser «bom» ou «mau». Conseguia descrever ações como «boas» ou «más»…

    partilhar bom

    matar mau

    ajudar amigos bom

    dar murros na cara de amigos sem motivo mau

    …mas o que estava por detrás desses comportamentos? Que teoria abrangente e unificadora explica «boas» ou «más» pessoas? Perdi-me a tentar descobri-la, que foi o que me levou à filosofia moral, que depois me levou a produzir a série, o que eventualmente me levou a escrever um livro, no qual passo 27 páginas a tentar explicar porque não é fixe esmurrar aleatoriamente o seu amigo.

    Os filósofos descrevem «bom e mau» de formas muito diversas e vamos mencionar muitas delas neste livro. Algumas abordam, de facto, os conceitos de bom e mau através de ações: defendem que as boas ações obedecem a determinados princípios que podemos descobrir e depois seguir. Outras dizem que uma boa ação é tudo aquilo que cria o maior prazer e a menor dor. Uma filósofa chega mesmo a sugerir que a bondade vem de sermos, o mais possível, egoístas e preocuparmo-nos apenas connosco próprios. (A sério. Ela diz isso.) Mas a primeira teoria de que vamos falar, a mais antiga das Três Principais, chamada «ética das virtudes», tenta responder à questão que inicialmente me causou perplexidade: o que faz uma pessoa ser boa ou má? Os eticistas da virtude definem as pessoas boas como aquelas que têm certas qualidades ou «virtudes» que cultivaram e aprimoraram ao longo do tempo, a modos que não têm apenas essas qualidades, como as têm na medida certa. Parece acessível, certo?

    No entanto… somos imediatamente confrontados com centenas de outras questões: quais qualidades? Como as obtemos? Como sabemos que as obtivemos? Isto acontece imenso na filosofia: no segundo em que faz uma pergunta, tem de contextualizar e colocar cinquenta outras questões, apenas para saber que está a fazer a pergunta certa e que compreende a razão por que a está a fazer e depois tem de fazer perguntas dentro dessas perguntas e continua a contextualizar e a aumentar a abrangência e a tornar-se mais e mais fundacional na sua pesquisa, até finalmente um alemão fascista tentar descobrir porque existem sequer «coisas».

    Podemos também questionar se há uma maneira única de definir uma pessoa «boa»; afinal, o autor Philip Pullman escreveu uma vez que «as pessoas são demasiado complicadas para terem rótulos simples». Somos todos produtos altamente individualizados, tanto por natureza, como por educação — turbilhões complexos de traços próprios de personalidade, coisas aprendidas com professores, pais e amigos, lições de vida obtidas de Shakespeare² e/ou dos filmes Velocidade Furiosa.³ É possível descrever um conjunto de qualidades que todos temos de ter, na medida certa, que farão de nós «bons»? Para responder a isso, precisamos de desaprender tudo o que aprendemos: temos de reiniciar, desmontarmo-nos e depois reconstruirmo-nos de volta com uma compreensão mais sólida do que raio estamos a fazer e porquê. E para nos ajudar nisso, voltamo-nos para Aristóteles.

    «Um Rio de Ouro A Fluir»

    Aristóteles viveu de 384 a 322 a.C. e escreveu as coisas mais importantes sobre as coisas mais importantes. Se quer sentir-se mal consigo e as suas míseras conquistas, espreite a página de Wikipédia dele. Estima-se que menos de um terço do que escreveu tenha sobrevivido, mas cobre os seguintes temas: ética, política, biologia, física, matemática, zoologia, meteorologia, a alma, memória, sono e sonhos, oratória, lógica, metafísica, política, música, teatro, psicologia, culinária, economia, badminton, linguística, política e estética. A lista é tão longa que incluí «política» três vezes sem você sequer reparar, e também nem pestanejou quando afirmei que ele escreveu sobre «badminton», que definitivamente não existia no século iv a.C. (Também acho que nunca escreveu sobre culinária, mas, se me dissesse que Aristóteles um dia produziu um rolo de papiro de quatro mil palavras sobre como fazer o parmesão de frango perfeito, eu não pestanejava sequer.) A sua influência ao longo da história do pensamento

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