Gênesis
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Gênesis - Robério Diógenes
À Minha mãe e minha irmã que sempre estiveram ao meu lado.
Sumário
Prologo
Outono
Inverno
Verão
Primavera
Prologo
E quando finalmente acordamos e vemos a luz do sol que traz um novo dia, esquecemos as trevas da noite e de tudo que nos assustou quando tudo era escuridão. E escondidos nas sombras ficam nossos medos e o que não queremos ver no espelho. Como Narciso nos debruçamos esperando ver nada mais que nosso próprio reflexo. Então em algum momento o dia reivindica seu lugar e lança a luz sobre tudo que era sombras e sobre todas as coisas que nos assustaram quando tudo era escuridão.
Outono
Adam olhou para o relógio com um pouco de apreensão, já passava das vinte duas horas e chovia forte e a todo momento raios clareavam o céu escuro. O tempo estava frio e úmido e tudo era quieto com exceção do som da chuva caindo incessantemente e de trovões ao longe. A chuva caia em Cascavel, cidadezinha a 60Km de Fortaleza, desde de cinco da tarde, aquele tinha sido um dia peculiar. Não houve pôr-do-sol. Não que ninguém notasse, como quase nunca notamos as grandes maravilhas desse mundo que ironicamente estão sempre diante de nós. Depois de mais de cinco horas de chuva, hora com mais intensidade, hora com menos intensidade, as ruas estavam desertas, já passava das vinte duas horas e em Cascavel, não é costume encontrar pessoas andando na rua nesse horário, mesmo em dias comuns. Pessoas, animais, plantas, tudo estava quieto, em silêncio enquanto lá fora a chuva continuava a cair. O cheiro de terra molhada e som característico da chuva caindo no telhado e o silencio daquela noite podia conectar todos, pessoas, plantas e animais. Mesmo que nós, não compreendamos mais, porque estamos desconectados da criação, mas podemos sentir de alguma forma, como uma presença que não podemos identificar, mas sabemos que está lá. E mesmo que cada um esteja perdido em sua própria existência, podemos experimentar momentaneamente essa conexão mesmo sem entender.
Olhou para Erick dormindo e sorriu sozinho. Havia uma forte conexão entre eles. Ele sempre brincava com seu filho, mesmo antes de nascer e Erick respondia mexendo dentro da barriga de Aiyra. Agora ele o via dormindo, não era mais um feto dentro da barriga da mãe, mas uma criança de dez anos. Se não fosse a discrepância entre a idade deles, poderiam passar por irmãos tamanho a proximidade e intimidade. Realmente não havia a formalidade de pai e filho, mas um diálogo perfeito que só os diferenciava pela idade.Aiyra cursava o sexto semestre em direito a noite na universidade de Fortaleza e todos os dias tinha que ir e vir junto com outros estudantes que também estudavam em Fortaleza. Saia de casa as cinco da tarde porque até a universidade o ônibus levava quase duas horas. Saia da universidade as dez da noite, corria para pegar o ônibus de volta para Cascavel e chegava por volta de meia noite. Mas a parada onde o ônibus a deixava ficava longe de sua casa e todos os dias era Adam que ia esperar Aiyra para que ela não voltasse sozinha andando. E naquela noite chuvosa de janeiro ele não poderia deixar ela voltar sozinha da parada do ônibus até em casa. Precisava deixar Erick dormindo em casa sozinho por um tempo. Tempo de esperar sua esposa e voltarem juntos para casa. Ele sorriu ao ver seu filho dormindo tranquilamente, grato por ele ser saudável e não ter preocupações com a vida. Afinal era só uma criança de dez anos. Sentia um pouco de receio de sair por um instante, mas sabia que ele estaria seguro e que seria por pouco tempo.
Adam chegou na parada uns cinco minutos antes do ônibus. Não saiu do carro porque continuava chovendo. Ficou esperando-a chegar, olhando os relâmpagos que cruzavam o céu e a água que caia sobre o para-brisas do carro. Enquanto esperava ouvia "have you ever seen the rain". A chuva e a música remetiam seus pensamentos e memoria a seis anos no passado. Em um dia chuvoso como aquele em que estavam em Guaramiranga, uma pequena cidade com pouco mais de cinco mil habitantes e a 105 Km de Fortaleza. Fica localizada na região serrana do estado a 865 metros de altura, que faz que sua temperatura seja mais baixa que o resto do calórico estado cearense. Por estar em meio a vegetação exuberante da serra e por haver um festival anual de jazz e blues, atraiu a simpatia de muitas pessoas de fora e virou uma cidade turística.
Era por volta de quatro da tarde quando Adam e Aiyra fizeram o check-in na pousada paraíso, a 4 Km do centro de Guaramiranga. Tinham planejado por meses esses cinco dias de descanso. Precisavam de um tempo para eles dois. Precisavam fugir da rotina do dia a dia e do stress do trabalho e da vida corrida. Ficariam cinco dias sozinhos, aquela pousada tinha sido indicada por Ishá, irmã de Aiyra, que passara sua lua de mel um ano antes ali. Era um lugar calmo, reservado e longe de tudo. Pareciam que estavam fora do Ceará, já que o clima serrano da cidade era completamente diferente do resto do estado. Em média oito graus mais frio naquela região, mas naquele sábado devia estar fazendo 22 graus ou menos. Era um dia chuvoso, nuvens carregadas cobriam todo céu o que fazia parecer seis ou sete da noite. Tinham dirigido por quase duas horas e a maior parte do caminho com chuva e pouca visibilidade. Conversaram animadamente durante todo o caminho. Planejaram sair cedo no dia seguinte para uma trilha até as cachoeiras e tomarem banhos nas águas limpas e geladas.
- Podemos sair cedo e visitar o mosteiro dos capuchinhos e de lá almoçamos em Baturité. Que acha amor? – Perguntou ela enquanto ele ouvia música e olhava com atenção a estrada. Baturité estava à 8 Km de Guaramiranga.
- Sim. Amanhã será nosso dia. Precisamos acordar cedo. Quero visitar as cachoeiras também. – Disse ele.
- Nossa amor; estou louca para tomar banho nas cachoeiras amanhã... – Falou ela percebendo que Adam estava atento a estrada.
Já próximos a Guaramiranga, no trecho final do trajeto Aiyra colocou "Have you ever seen the rain?" para ouvirem, olhavam a estrada, enquanto Adam estava atento com a falta de visibilidade causada pelo clima úmido e chuvoso, ela parecia mais distante, seus pensamentos estavam em algum lugar do passado ou do futuro. Era difícil dizer, mas seus olhos estavam perdidos no horizonte e seus pensamentos longe daquele momento. O som tocava o trecho da música;
"I wanna know
Have you ever seen the rain?
I wanna know
Have you ever seen the rain
Comin' down on a sunny day?"
Entraram no chalé molhados pela chuva. Deixaram o carro estacionado de frente porque não havia garagem. Dentro do chalé havia uma cama de casal, uma TV antiga ligada a uma parabólica, um banheiro espaçoso e uma janela que dava vista para a vegetação que se estendia até onde a vista podia alcançar. O único quarto ficava ao lado da cozinha pequena. Que tinha uma geladeira e um fogão um pouco antigo.
- Como é lindo! – falou ela enquanto abria a janela do quarto. La fora a chuva continuava a cair e o céu fechado com pesadas nuvens escuras. Com a pouca visibilidade era possível ver um espeço de alguns metros até a cerca de arame e estacas de concreto que marcava o fim da pousada. Depois só mata, arvores e vegetação. Mas naquele momento, era escuro e frio. Aiyra tremia de frio e foi a primeira tirar a roupa molhada, deitou-se sob os lençóis a cama para aquecer-se enquanto Adam retirava a mala do carro. Embora estivesse também molhado, não sentia o frio como ela sentia. Para ele era especialmente prazeroso a sensação da chuva e do frio daquele lugar. O som da chuva e o cheiro de terra molhada misturado ao do mato. Embora cansado da viagem, sua alma estava radiante como de uma criança e seus olhos brilhavam. Entrou no quarto e fechou a porta. Depois de colocar a mala sobre a mesa, tirou a roupa e a estendeu no banheiro para secar. Era um lugar lindo e calmo, não havia necessidade de fechar a janela. Era maravilhoso olhar a chuva caído por ela.
- Vem logo para cá me aquecer amor. – Falou Aiyra com um a certa impaciência em sua voz. Ele deitou-se ao lado de sua esposa para aquecer-se junto a ela. Tudo era perfeito, a calmaria, o som da chuva, o cheiro de terra molhada misturado ao mato, os lençóis macios e quentinhos que os enrolavam.
- Estou feliz por estarmos aqui. – Diese ela olhando para ele. - Também me sinto feliz, respondeu