Organizações da sociedade civil, participação democrática e políticas públicas: um estudo sobre a Lei nº 13.019/2014
De Agnes Prates
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Organizações da sociedade civil, participação democrática e políticas públicas - Agnes Prates
1 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
Segundo Bresser Pereira (1999, p. 67) "desde o momento histórico em que surge o Estado moderno, o problema da relação entre o Estado e a sociedade torna-se central. No entanto, muito embora diversos teóricos tenham se debruçado sobre o tema, não foi formado um consenso acerca do conceito de sociedade civil, nem mesmo entre as teorias mais atuais.
Ao passo em que não há consenso teórico a respeito do conceito, tampouco sobre o papel a ser desempenhado pela sociedade civil, parece haver uma certa conformidade acerca do processo de surgimento deste ente, que remonta à origem do próprio estado, conforme passamos a expor a seguir.
1.1 A GÊNESE DO ESTADO
A origem da sociedade civil está intimamente ligada à gênese do estado moderno. A construção histórica, política e social do Estado está vinculada às transformações ocorridas, sobretudo, nos séculos XIV, XV e XVI, quando se desenvolve uma gradativa superação do modo de produção feudal e o surgimento do capitalismo mercantil (BATISTA, 2002).
No momento histórico em que ainda predominavam as formas pré-capitalistas de produção, durante o qual o mercado não havia assumido a posição de mecanismo institucional básico de coordenação econômica e de apropriação do excedente, não existia uma distinção entre as esferas pública e privada, de modo que não havia que se falar em uma afirmação do Estado perante a sociedade, ou, inversamente, desta sobre o Estado (BRESSER-PEREIRA, 1999).
Conforme salienta Bresser-Pereira (1999, p. 101) em uma sociedade primitiva não há sociedade civil nem Estado
. Na antiguidade grega e romana já haviam estruturas estatais, no entanto, ainda não havia ainda uma perceptível distinção entre estado e sociedade. No caso da Grécia, os cidadãos que compunham a pólis grega se confundiam com a própria figura do estado. Por outro lado, o Império Romano possuía uma estrutura de estado mais consolidada, com instituições e leis formalmente constituídas. Entretanto, em razão dos conflitos existentes com os povos germânicos, o Império Romano entrou em declínio e, posteriormente, fragmentou-se, dando origem aos feudos.
Em razão das invasões germânicas, diversos senhores romanos abandonaram as cidades para viver em suas propriedades rurais. Nestas comunidades, pessoas menos ricas buscaram trabalho e a proteção dos grandes senhores romanos, dando origem aos feudos e ao sistema feudal na Idade Média. Nesse período ainda existiam reis, porém estes não cumpriam a função típica de chefes de estado, de modo que em cada propriedade, o senhor feudal apresentava como autoridade máxima.
Observa-se que o período medieval é fortemente caracterizado pela fragmentação da sociedade. Ademais, paralelo ao poder exercido pelos senhores feudais, nesta época a Igreja Católica, enquanto instituição consolidada, ocupava uma posição de influência e prestígio nos feudos. Em verdade, a Igreja figurava como garantidora das estruturas de poder como estavam constituídas à época, vez que disseminava a concepção de que o poder do senhor feudal e do rei adivinham de Deus.
A Era Medieval, a despeito da fragmentação que lhe é característica, apresenta-se enquanto berço da burguesia, classe social surgida na Baixa Idade Média, durante o renascimento comercial e urbano. Conforme assevera Bresser-Pereira (1999), esta classe começa a emergir da estrutura de estado existente à época, quando uma distinção entre sociedade e estado começava a tornar-se possível, constituindo-se como uma manifestação embrionária da sociedade civil.
Posteriormente, houve uma redefinição da organização do Estado que, paulatinamente, começava a delinear-se a partir de um movimento iniciado pela burguesia emergente, que pretendia conter o poder tradicional impondo uma nova ordem política, tendo como clímax as revoluções burguesas (BATISTA, 2002). Neste contexto de transição, a burguesia, fundamentada pelos ideais racionalistas do movimento iluminista, tinha como grande desafio alterar o perfil fortemente teocrático do estado.
Neste contexto é que ocorreu a transição do Estado medieval para o Estado moderno, que passa a ser compreendido como instituição humana e sua legitimidade a ser entendida como oriunda da vontade popular e não mais de uma concessão divina. Segundo Batista (2001, p. 02),
O Estado medieval é propriedade do senhor, é um Estado Patrimonial: é patrimônio do monarca, do marquês, do conde, do barão, etc.. O senhor é dono do território, bem como de tudo o que nele se encontra (homens e bens): pode vendê-lo, dá-lo de presente, cedê-lo em qualquer momento, como se fosse uma área de caça reservada. Ao contrário, o Estado moderno, demarca uma identificação absoluta entre o Estado e o monarca, o qual representa a soberania estatal separando o bem público do bem privado (separação entre o espaço público e o espaço privado).
De acordo com a autora, a ascensão do Estado moderno está intimamente ligada ao surgimento da Sociedade Civil, vez que somente a partir do momento em que há uma distinção entre as esferas pública e privada, entre estado e sociedade, é que se torna possível o desenvolvimento de um ente que difere do Estado ao mesmo tempo em que é expressão deste (BATISTA, 2002).
Neste sentido, Bresser-Pereira (1999, p. 101) aduz que
No período das monarquias absolutas, a sociedade civil enquanto sociedade burguesa já é um fato, mas os filósofos iluministas da época estão ainda preocupados em distinguir a sociedade civil, que inclui o Estado, do estado de natureza, em um reconhecimento implícito de que a sociedade não se diferenciou e logrou autonomia relativa frente ao