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O Caído
O Caído
O Caído
E-book481 páginas7 horas

O Caído

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Sobre este e-book

Em um futuro não distante, a Terra está super povoada e à beira da exaustão de recursos. Colônias pelo Sistema Solar não se revelaram sustentáveis. À beira do colapso, a Humanidade continua, desesperadamente, a enviar ao espaço astronaves de exploração, em busca de um lar habitável. Mas a tecnologia de voo a velocidades super-luz é ainda recente e mal compreendida. Uma das naves de exploração, a Batedora-5, após meses do início de sua missão, sofre um grave acidente. O único sobrevivente, em péssimo estado, consegue tomar uma das cápsulas de fuga, e seu computador detecta um planeta, ainda desconhecido, e dirige a nave para lá a toda a velocidade, a fim de salvar seu passageiro. A queda da nave é percebida pelos habitantes nativos do planeta, primitivos povos, ainda nos primórdios da civilização. Gravemente ferido, sozinho, sem poder contatar a Terra, em meio a povos em estado de guerra e confundido com um ser mítico, o homem terá que contar com toda a sua astúcia e inteligência na luta pela sobrevivência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de ago. de 2023
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    O Caído - Adriano Vieira De Carvalho

    O CAÍDO

    Adriano Vieira de Carvalho

    2023

    Nem tudo é aquilo que parece ser. A vida, a existência em si, constitui-se num interminável fluir que muda de direção incessantemente...

    CAPÍTULO 1

    Nem mesmo os mais sofisticados instrumentos de observação astronômica já inventados pelo Homem poderiam perceber algo de diferente naquele quadrante do espaço. Afinal, a centenas e centenas de anos-luz da Terra, a Batedora-5 era menos que um grão de poeira nas dimensões cósmicas. Mesmo assim, aquele pequeno invólucro de metal, distorcido e enegrecido pelos tremendos choques com os campos de forças externos e internos, que eram ao mesmo tempo seus meios de propulsão e sobrevivência, levava a esperança da Humanidade. Em seu interior, sete tripulantes seguiam adiante com a pesada tarefa que lhes fora incumbida.

    Osc Shavan, momentaneamente sem ter nada de objetivo para fazer, fitava, desapaixonadamente, os monitores à sua frente, observando mais um dos planetas recentemente esquadrinhados pela equipe da nave.

    - Mais um tiro na água! - foi o desabafo que se ouviu de seus lábios.

    O homem jovem, de uma pele imaculadamente negra, que estava ao seu lado, pareceu ressentir-se imediatamente da observação.

    - Se eu fosse você, tomaria mais cuidado com esse tipo de observação. A Comandante Lia está bastante mal humorada, e proibiu qualquer comentário que estimule o desânimo entre a tripulação. E você, meu caro Osc, não é a pessoa com a qual ela mais simpatize.

    E, então, piscou o olho direito para Osc.

    - Nem precisa me dizer isso, Mandeb. Quando meu nome foi anunciado ela fez de tudo para impedir minha vinda. Mas...isso até que é compreensível. Você é o piloto e co-navegador, todos aqui tem alguma função específica, foram treinados na Academia Mundial para essas viagens, são todos mais ou menos como... irmãos de armas. Eu...sou um estranho entre vocês. Tudo o que faço é ficar de um lado para o outro, fazendo algo que me mandam a fim de liberá-los para tarefas mais complicadas...

    - Não é verdade, Osc. Você faz isso, mas na realidade está como observador da tripulação.

    - Da nave, Mandeb, da nave, já disse um milhão de vezes!

    - E uma nave não é nada sem sua tripulação! Nós é que damos alma e vida a ela, portanto, nós também estamos sendo observados.

    Osc deu de ombros e virou as costas ao piloto, aborrecido e cansado daquela conversa, aliás, a mesma que se repetia de tempos em tempos, cada vez com uma freqüência e um ressentimento maiores, desde que haviam partido da Terra, já há onze meses no tempo padrão. Mais uma vez, ele imergiu em seus pensamentos. A missão estava lhe fazendo mal. Não era um desbravador, um espírito aventureiro, nem ao menos um técnico altamente treinado para aquela missão. Era apenas um homem de quase 40 anos (muito jovem ainda, pelos padrões do século XXIII), mas prematuramente aborrecido e enfastiado da vida. Um burocrata, é o que fora até a construção da Batedora-5. Trabalhara desde que saíra da universidade para a empresa líder do consórcio vencedor da licitação para a construção da série de naves Batedora, participara da administração de compras de materiais, contratação de fornecedores e mão-de-obra especializada e de toda a parafernália burocrática envolvida no projeto. Mas fizera-o porque tinha que fazer, porque era seu trabalho, porque assim devia ser e, ademais, após a morte acidental de seus pais num vôo de turismo a Marte, havia ficado sozinho no mundo, sem irmãos ou parentes próximos ou nenhum outro tipo de relacionamento mais forte. Quando surgiu a chance de algo diferente, agarrou-a meio que sem saber a razão, talvez porque fosse diferente de tudo o que já havia feito, ou talvez desse um sentido à sua vida, ou um fim mais honroso, como lhe disse um amigo às vésperas da viagem, ou talvez porque simplesmente fosse um bom meio de fugir daquele mundo que começava a estagnar à sua volta, ou apenas fosse tudo fruto de um impulso momentâneo (e impensado, como admitia já interiormente).  E agora, nada disso tinha mais importância. Lá estava ele, mais longe de seu planeta natal do que qualquer homem vivo. Mas algo estava certo nessa estória toda, o piloto tinha razão, ele, Osc, era um espião.

    A chegada abrupta da Comandante Lia à sala de comando tirou Osc de seus pensamentos. A mulher era alta e inspirava respeito simplesmente pela forma como olhava diretamente nos olhos de seus subordinados e inspecionava os instrumentos do painel de comando, obtendo rapidamente um resumo do estado geral da nave. Seus olhos detiveram-se mais demoradamente sobre os indicadores do setor de análise de dados exploratórios. Instantes depois, apertou alguns comandos e chamou o astrobiofísico Jansen:

    - Jan, estou vendo que ainda está recolhendo dados das sondas enviadas.

    - Sim Comandante, as sondas 3 e 7 ainda estão ativas e enviando dados.

    - Algo de diferente?

    - Infelizmente não, só o de sempre. Muito enxofre, metano e compostos carbônicos. O mesmo de todos os gigantes gasosos.

    Essas últimas palavras foram ditas como em tom de desculpas. A Comandante baixou a cabeça como se um peso enorme lhe caísse às costas. Os pensamentos correram céleres em sua mente e sentiu-se fracassada. Onze meses, meu Deus, onze meses. E nem um sinal positivo, todos inabitáveis... A experiente oficial voltou à realidade, percebendo-se fitada por todos à sua volta, o piloto Mandeb, o navegador Suran, a médica Lana e, obviamente, o espião Osc. Num instante passou a emitir suas instruções:

    - Ok, Jan, acelere o fim da coleta de dados, são provavelmente inúteis para o que desejamos.

    - Sim, Comandante. Creio que posso romper contato em mais dez minutos.

    - Faça isto, Jan – e voltando-se para o navegador - Suran, já tem o plano de vôo para sair do sistema?

    - Ainda não, Comandante; estou tendo problemas para computar as órbitas daqueles dois cinturões de asteróides nos limites, eles apresentam uma instabilidade que está dificultando a análise dos computadores.

    - Acelere os cálculos, quero sair daqui o quanto antes. Já tem as coordenadas do próximo sistema?

    - O Dr. Jansen tem dúvidas. Parece que há três sistemas com probabilidade positiva e ainda não decidiu qual o mais provável. Temos também um buraco-negro na linha de atenção dos monitores...

    - Buraco-negro?! Não havia nada assim quando emergimos no quadrante!

    - Ele não aparecia nos monitores, Comandante, surgiu há pouco e ainda não havia tido tempo de comunicá-la. Está no limite dos monitores de longo alcance, mas seu poder de distorção é muito grande e disparou o alerta amarelo do sistema de entrada no hiper-espaço.

    - Há algum impedimento de entrada hiper-espacial?

    - A perturbação existe, mas os dados indicam haver larga margem de segurança para navegarmos.

    - Melhor assim, mas por via das dúvidas, não quero correr o risco de perder nenhum corredor de saída. Acelere os preparativos para sairmos.

    - Sim, Comandante.

    Em seguida, sentando-se em seu posto de comando, passou os olhos sobre as telas de dados e ligou para o Engenheiro da nave:

    - Chefe Ahman? Vamos sair dentro em pouco do sistema, inicie os preparativos.

    - Lia, compreendido. Ehhhh..., Comandante, poderia vir até a sala da Engenharia?

    - Algum problema? É urgente?

    - Não, tudo bem, mas gostaria que viesse aqui.

    A experiência de anos de treinamento e de viagens pelo sistema solar disparou um sinal na mente da Comandante. Ela sabia que um oficial-engenheiro não tiraria a Comandante da ponte sem um bom motivo.

    - Estou indo imediatamente, Ahman – e voltando-se rapidamente para aqueles que ela sabia estarem fitando-a pelas costas, pode constatar os rostos apreensivos de todos.  Decidiu rapidamente:

    - Que há? Todos aos seus postos, preparar para partir! – e saiu rapidamente pelo corredor estreito que atravessava todo o longo casco da Batedora-5.

    O grupo movia-se lenta e pesadamente por entre a escuridão daquela noite. Um humano acharia a noite extremamente clara, mas pelos padrões de Damar, com suas duas luas entrando simultaneamente em nova, aquilo era não apenas desagradável, mas também assustador, indício de mal algúrio.

    Tuk ergueu a cabeça e fitou o céu, como alguém que buscasse refúgio, mas seus olhos, adaptados à intensa iluminação do dia, viram apenas um negror desconcertante. Deixou vazar seus pensamentos quase como um murmúrio:

    - Os Deuses estão ausentes e os demônios soltos, isso não é tempo de viajar...

    A criatura ao seu lado captou a mensagem e respondeu prontamente no mesmo tom murmurante:

    - Com o corpo do Mestre morto, e levando o Pequeno Mestre conosco, não temos opção. Se pararmos para os rituais e descansar, os tulags podem nos alcançar e então...não sei o que seria de nós...

    - Eu sei, Mavu, mas me sinto todo arrepiado por ter que enfrentar essa viagem numa noite dessas, parece que a qualquer momento os demônios vão cair sobre nós!

    A conversa foi subitamente interrompida pelo aparte de um terceiro ser, aparentando muito maior idade que os outros dois:

    - Chega desse tipo de conversa! Se os outros os ouvirem, a situação ficará pior do que já está! O grupo está desanimado o suficiente e não precisamos de mais idéias erradas nessas cabeças. Cuidem de suas funções ou avisarei ao chefe Krot sobre vocês.

    Ao ouvirem essas palavras, os dois damarianos empertigaram-se imediatamente e apertaram o passo.

    - Assim é melhor, precisamos fazer todo o necessário para chegar à nossa terra e avisar à Mestra sobre o ocorrido. Mavu, vá à frente e veja se há notícias dos batedores, e você, meu jovem  Tuk, vá verificar a retaguarda.

    Os dois assentiram com um sinal de cabeça e partiram em silêncio para seus afazeres. O velho os fitou por instantes e depois deixou os largos, porém cansados, ombros caírem e buscou forças em um longo suspiro. Eles tinham razão, foi o que pensou. Ninguém em sã consciência faria uma viagem daquelas sem realizar os rituais de proteção, principalmente na Grande-Noite, mas o duro golpe sofrido obrigou-os a tal. Fora difícil convencer a todos a seguir naquelas condições, o pânico se abatera sobre os mags com a notícia da emboscada e morte do Mestre e de quase toda a sua escolta. Aquele não era um grupo de guerra, não contava com armas e guerreiros suficientes para enfrentar aquela situação, e a emboscada dera os resultados que queriam os tulags, ou seja, quebrar a liderança entre os mags para invadir suas terras. Sem o Mestre, e com o Pequeno Mestre ainda muito jovem e correndo perigo de vida, o grupo deveria retornar o mais breve possível para avisar à Mestra e ao Conselho sobre o ocorrido. Vantu suspirou novamente. Era muito velho, vira muitas coisas ao longo de sua vida, acompanhara a trajetória de dois Mestres, e sabia que seu povo não estava pronto para o que viria. Eram camponeses, comerciantes, tinham uma terra rica e próspera e isso os tornara indolentes quanto aos povos vizinhos. Seu povo não tinha fome, nem grandes necessidades que não pudessem ser supridas por si próprios, e o isolamento natural fornecido pelos rios e cordilheiras, deu-lhes uma falsa impressão de segurança que agora poderia significar seu fim. Nunca tiveram que lutar por terras, sempre negociaram e venderam seu excedente para os vizinhos e com isso prosperaram, mas também criaram a cobiça entre alguns, como Vantu bem podia ver agora. Se os tulags fizeram aquilo, é porque desejavam tomar as terras e dominar os mags, como já haviam feito com outros povos, segundo ouvira dizer. Seu povo dormira demais e agora seria acordado em meio a um pesadelo. Ao pensar nisso, as lágrimas teriam brotado de seus olhos, mas Vantu não podia chorar, assim como nenhum dos de sua raça, mas suas orelhas pequenas e pontudas penderam, e teve que conter em sua garganta um som semelhante a um ganido, a sua forma de chorar.

    Alguém acercou-se por detrás e abraçou o velho mag carinhosamente.

    - Até você, meu pai, está assim...? Se um sacerdote de Daá cai, o que não se dará com os outros?

    Vantu procurou limpar a garganta para falar e afagou o rosto da jovem fêmea.

    - Minha filha, é verdade que sacerdotes como eu e você parecem exemplos para o nosso povo, mas, entre nós, podemos revelar nossos sentimentos, e não vejo nada de bom no horizonte. Você sabe, minha Matra, quantos rituais tivemos que abandonar para poder fugir, quão difícil foi para o chefe Krot colocar as pessoas em marcha depois daquele pânico todo. O que acha que ocorrerá quando chegarmos e todos souberem o que houve?

    A fêmea baixou a cabeça e murmurou:

    - Suas palavras são sábias, como sempre, meu pai, mas me enchem de receio. Como poderemos resolver isso?

    - Ainda não sei, Matra; sou apenas alguém que já viveu muito, mas nada do que vi me preparou para o que prevejo agora. Devemos orar aos Deuses pedindo sua ajuda, eles darão a resposta, se formos dignos.

    - E se não formos pai?

    - Você sabe a resposta, sacerdotisa Matra.

    - Sim, na realidade eu sei...

    Ambos pararam a caminhada e permaneceram abraçados, em silêncio, por alguns instantes.

    Era um tempo difícil. A humanidade havia se expandido além das piores previsões. Dezesseis bilhões de almas! Essa era a estimativa geral da população mundial. O planeta não podia suportar tal carga sobre si e permanecer saudável. O Homem havia tentado de tudo para reverter o impacto destrutivo de sua presença, principalmente após os cataclismos climáticos da primeira metade do século XXII, e fora até certo ponto bem sucedido. A emissão de poluentes, após quase dois séculos de luta incessante, era mínima, e a engenharia genética havia conseguido repor muitos animais e vegetais extintos na natureza. Porém a própria Natureza parecia decidida a se vingar do Homem, após tanto tempo de descaso. Por mais que a tecnologia avançasse, não poderia reequilibrar o sistema, tão sutil, que havia sido responsável pelo surgimento da vida na Terra. Os Homens haviam decretado a morte do planeta! Não seria algo imediato, mas para os próximos dois ou três séculos. Gerações anteriores não teriam dado ouvidos aos alertas, mas as lições dos séculos XXI e XXII haviam sido aprendidas da maneira mais amarga, e a humanidade encarava de frente a possibilidade de extinção num período bastante curto. Colônias foram criadas no espaço e em planetas próximos, porém, por maior que fosse o esforço, não conseguiam tornar-se auto-suficientes, exigindo de tempos em tempos auxílios da Terra, na forma de elementos naturais que não podiam ser obtidos em seus lares de exílio. A bomba multiplicadora populacional havia explodido e ninguém conseguia contê-la, por bem ou por mal. A solução estava além do Sol, em outros sistemas estelares onde fosse possível encontrar uma nova Terra e colonizá-la. Mas parecia que tal saída estaria para sempre inalcançável devido às enormes distâncias envolvidas e pela brutal e cruel limitação imposta pela velocidade da luz às viagens interplanetárias. As estrelas mais próximas estavam a anos-luz da Terra, o que implicava que uma nave, viajando à velocidade da luz, levaria anos para ir e outros tantos para voltar de sua missão. E ninguém ainda sabia onde e se haveria em algum canto do universo outro lugar como a Terra. As poucas sondas enviadas forneceram dados negativos e o desespero começou a tomar corpo entre a população. As pessoas buscavam cada vez mais um lugar nas colônias exteriores, acreditando que essa seria uma solução, até que esses lugares passaram a recusar novos moradores. Cientistas de todas as áreas uniram-se pela busca de meios que permitissem ao menos dar uma sobrevida ao planeta, assim como encontrar, de alguma forma, um novo lar. O esforço foi gigantesco, e a economia mundial ameaçou entrar em colapso. Em meio a essas turbulências, alguns grupos de pesquisa marginais, trabalhando com conceitos beirando a loucura e os antigos livros de ficção-científica, apresentaram ao Governo Mundial algumas propostas totalmente fora dos padrões usuais. Mas o clima de desespero e urgência falou mais alto, e esses pesquisadores encontraram alguns ouvidos dispostos a lhes dar atenção. Foram pedidas provas, recursos foram concedidos e esses cientistas-loucos provaram haver a possibilidade de enganar a velocidade da luz, ultrapassando-a de certa forma, torcendo o espaço-tempo e reduzindo, por assim dizer, as distâncias cósmicas.

    Mesmo os descrentes foram obrigados a admitir que aqueles homens haviam descoberto algo que poderia salvar a Humanidade da ameaça de extinção, e a construção da primeira nave trans-luz foi aprovada, reunindo em si o máximo da tecnologia desenvolvida até então.

    Assim foi iniciada a construção da série de naves que foi batizada como Batedora, aquelas que deveriam explorar o cosmos em busca de um novo lar para a Humanidade.

    Mas as coisas não saíram exatamente como o planejado...

    A Comandante Lia andava, com rapidez e desenvoltura, pelo estreito corredor que levava diretamente à sala de controle da Engenharia. Sua grande estatura não era problema devido aos anos passados em exaustivos treinamentos e expedições dentro do Sistema Solar. Mas seu semblante denotava cansaço e stress. Os problemas começavam a acumular-se, os planetas localizados eram todos inabitáveis pelos padrões humanos, o moral da tripulação, que nunca fora muito bom, começava a despencar e a nave não inspirava confiança a ninguém. E, agora, o Engenheiro queria falar a sós com a Comandante, algo incomum e que a tripulação, com os nervos à flor da pele, já havia percebido. Em meio a esses pensamentos, ela irrompeu diretamente em uma grande sala circular com paredes repletas de monitores e instrumentos de controle. Ao centro, uma maquete em holografia pairava no ar expondo a visão completa e detalhada da Batedora-5. Lia parou por um momento, e ficou a admirar a nave. Era realmente uma linda astronave, a mais linda que já vira em sua vida. Esguia, elegante, e ao mesmo tempo ágil e poderosa. Qualquer um que a olhasse sentiria respeito e reverenciaria aqueles homens que a projetaram. A primeira nave capaz de romper o limite da velocidade da luz! Na realidade não era bem a primeira, já que era a quinta da sua série. Bem, nem isso, já que a primeira tivera que retornar ao estaleiro após poucas semanas de vôo e de lá nunca mais saiu. Riscos potenciais à tripulação, foi o que disseram (mas pelos corredores circulava o boato de que a cada vez que a nave saltava pelo hiper-espaço o casco ameaçava romper-se). A segunda nave foi batizada, passou por todos os testes, circulou pelas estrelas próximas ao Sistema-Solar e quando estava em rota de aproximação, nos limites externos da órbita de Netuno, explodiu subitamente, dizimando toda a tripulação. O brilho foi tão intenso que pode ser visto da Terra com pequenas lunetas. Vieram então as Batedoras-3 e 4. Voaram bem por meses e começaram a tarefa de explorar o espaço em sistemas estelares mais próximos da Terra. De tempos em tempos, ouvia-se rumores de que as naves já deveriam ter voltado, e realmente , treze meses após a partida, a Batedora-3 retornou, trazendo em seu interior uma tripulação esgotada pelos inúmeros problemas apresentados pela nave durante a jornada. A nave 4 jamais retornou...E, então, após cinco anos de alterações, reparos e aperfeiçoamentos, a Batedora-3 partiu novamente em uma nova missão acompanhada por sua irmã-gêmea, a Batedora-5. As duas voaram juntas por vários sistemas estelares até separarem-se em direções opostas, como previam as ordens, e nunca mais travaram contato...

    Lia foi arrancada de suas memórias pela voz áspera e gutural do Engenheiro Ahman, um gigante de pele bronzeada e portando uma farta, e nada em moda, barba. No tempo das Cruzadas, pensou Lia, um mouro destes trucidaria muitos cristãos.

    - Veio rápido mesmo, Lia (quando sozinhos, costumava haver uma natural falta de formalidade entre ambos).

    - Não é natural o Engenheiro querer falar a sós com a Comandante, e fora do posto de comando, principalmente quando a tripulação é de apenas sete pessoas que se conhecem tão intimamente - dito isto, fixou os grandes olhos negros no gigante à sua frente e, pela primeira vez, percebeu um ligeiro mal-estar no homem.

    - Desculpe, não queria criar problemas...mas não poderia falar na frente dos outros...seria pior...você mesma me ordenou para proceder assim, caso houvesse necessidade.

    Então, o rosto do homem rosto assumiu uma expressão tensa.

    - Quer dizer que temos realmente problemas, se estou entendendo bem...

    - Sim, e dos grandes.

    - Diga então. Se eu ficar aqui muito tempo, os outros poderão começar a pensar o pior.

    - Por enquanto, não é grave, podemos manobrar bastante bem, mas o motor 2 está com problemas.

    - Como assim?

    - Ele parece normal, sendo abastecido de energia pelo reator que é comum aos dois motores, mas, de tempos em tempos, ocorre um atraso de fase na freqüência de operação dos dois motores que é preocupante. O número 2 sempre atrasa as pulsações.

    - Mas não percebemos nada na ponte...desde quando vem ocorrendo o problema?

    - Na realidade, eu estava meio desconfiado desde que entramos neste sistema. Você não percebeu nada porque seus monitores na ponte de comando são réplicas menos sensíveis dos que eu tenho aqui comigo.

    - Mesmo assim, as manobras foram efetuadas sem problema algum por todos os planetas deste sistema! Não entendo!

    - Veja uma coisa, a flutuação, por enquanto, tem sido muito pequena e eu tenho conseguido corrigir daqui mesmo, mas elas estão se tornando cada vez mais freqüentes. E não se esqueça de que, dentro do sistema, o motor desenvolve apenas uma fração de sua verdadeira potência. Meu receio é quanto ao momento de elevar a potência para cem por cento, sem isso é impossível entrar no hiper-espaço.

    - Entendo, Ahmad. Mas o que está provocando isso?

    - Aí é que está o problema, eu não sei.

    - Como assim, não sabe!? Você conhece esta nave melhor que eu, acompanhou a construção, foi designado para a tripulação antes de todos nós!

    - É verdade Lia, tudo isso é verdade, e por isso é ainda mais difícil para mim essa situação. Já fiz e refiz todos os testes padrões, executei todas as rotinas de auto-diagnóstico, permutei os sistemas de tripla redundância, fiz tudo o que os manuais previam e ainda inventei mais alguns testes. Tudo normal, mas o problema continua a se repetir.

    - Já pensou que seus monitores podem estar apresentando falsas leituras?

    - Sim, e já fiz duas trocas de sistema de monitoramento. Tudo ok, o problema existe.

    Um pesado silêncio abateu-se entre ambos enquanto olhavam-se fixamente, partilhando os mesmos pensamentos e, principalmente, os mesmos receios.

    - Você sabe, Lia, tão bem quanto eu, ou qualquer um nesta nave, as Batedoras tem uma tecnologia muito mal compreendida, são protótipos, não estavam prontas para operar, é isso.

    - Nem uma palavra a ninguém sobre o que falamos aqui! Somos apenas sete e o fantasma do desespero é a última coisa de que precisamos agora!

    - Tudo bem, sabia que seria assim. Mas a verdade acabará sendo descoberta. Que pretende fazer agora?

    - Você disse que à baixa potência os riscos são contornáveis, então prepare tudo e vamos sair do sistema. Há um buraco-negro no limite de longo alcance, parece que está atraindo o sistema e não quero que aquele monstro perturbe o espaço quando arremetermos. Quero manter a maior distância possível para garantir a possibilidade de entrada no hiper-espaço assim que pudermos.

    - Buraco-negro, hein...se for tão grande quando seu rosto dá a entender, ele bem que poderia distorcer as coordenadas e perdermos o rumo.

    - Ou ficarmos presos aqui, sem um corredor de lançamento e com motores incapazes de nos afastarem do buraco-negro.

    - Hum hum... é, vamos ter trabalho, vou começar já os preparativos.

    - À propósito Ahmad, quanto de potência segura pode me garantir para a saída?

    - Não garanto nada, mas vinte por cento é uma boa aposta.

    A mulher balançou a cabeça, contrariada:

    - Meu Deus...

    E partiu célere pelo longo e estreito corredor.

    O bosque, à frente, parecia terrivelmente escuro e assustador aos olhos damarianos, habituados à intensa iluminação proporcionada pelo seu jovem sol, a estrela Ram, ou Deus Ram. Ao se aproximarem das escuras árvores, se é que aqueles enormes arbustos retorcidos poderiam ser chamados de árvores, os tulags estacaram, receosos.

    - Por que pararam? Adiante! - gritou aquele que parecia ser o líder.

    Nenhum movimento se fez, apenas um baixo murmúrio vindo  de muitas dezenas  de bocas. Aquele que estava mais próximo sussurrou ao ouvido do líder:

    - Os guerreiros temem penetrar na floresta durante a Grande-Noite, Mestre Jankar. A maldição dos descrentes pode se abater sobre nós, meu Mestre.

    - Estamos próximos dos mags, podemos alcançá-los dentro em pouco! Ponha-os para andar Tuluk!

    - Senhor, seria perigoso obrigar as tropas a ir contra a religião, não temos nenhum sacerdote aqui para cumprir os rituais, eles temem os demônios da Grande-Noite...

    - Temem mais que a mim?- bradou o damariano, erguendo seus punhos e expondo as pequenas garras em suas mãos de quatro dedos.

    - Meu Mestre, de que adianta prosseguir com tropas assustadas? Podemos contornar a floresta e alcançar os mags pela tarde de amanhã, durante o dia, com os guerreiros firmes sob seu comando. Auxiliados pela noite muitos mags poderiam escapar, de dia, todos serão pegos.

    Jankar baixou a cabeça e rosnou ameaçadoramente por entre seus pequenos caninos, o cabelo em sua nuca se eriçou, assemelhando-se a uma crina. Na pressa por alcançar o grupo dos mags, acabara por deixar para trás os sacerdotes e seus assistentes, muito lentos e frágeis para acompanhar a marcha forçada da perseguição. Toda a tropa seguia a pé já por dois dias para buscar a vitória total sobre os mags, depois que os soldados encarregados da emboscada deixaram escapar o restante da guarda pessoal do Mestre mag com o corpo deste. Esses soldados não voltariam a lutar nunca mais, após terem suas gargantas cortadas pelo próprio Jankar, como castigo. Vencido pela realidade, o guerreiro emitiu sua ordem:

    - Contornar a floresta, rápido, quem cair, morre!

    Na ponte de comando da Batedora, todos entreolhavam-se de forma interrogativa, e o silêncio era quebrado apenas pelo som monótono dos instrumentos, efetuando suas varreduras sobre o espaço à volta da nave. Inesperadamente, o astrobiofísico Jansen surgiu do corredor, vindo de sua sala de controle das sondas exploratórias, e sentou-se pesadamente em seu posto de observação.

    - Pronto, terminei toda a coleta de dados e já descartei as sondas. Uma pena mesmo, creio que essas suportariam pelo menos mais uma exploração, talvez duas! Mas como a Comandante quer partir logo, não tive outra opção.

    O silêncio que se fez a seguir desconcertou o velho e louro nórdico. Ele perpassou os olhos pelas faces de todos, e pode constatar a expressão de preocupação em todos.

    - Que houve? Porque estão todos assim? Tem relação com nossa partida tão inesperada?

    O piloto Mandeb remexeu-se em seu assento e buscou uma resposta tranqüilizadora.

    - Nada não, Jansen, sabe como é, estamos todos estressados e desapontados pelos maus resultados obtidos após tantos meses de buscas estéreis, é só.

    A médica Lana suspirou de forma deliberadamente ruidosa e se interpôs:

    - Não é bom para o relacionamento em ambientes tão fechados ficarmos com meias-verdades, Mandeb - e fitando o corpulento cientista continuou - Ahmad chamou Lia para uma conversa a sós, na Engenharia...logo quando ela ordenou o início dos preparativos para a partida. E tem mais, captamos um buraco-negro nas imediações do sistema.

    - Como nas imediações?! Impossível!- exclamou o nórdico.

    - Na realidade, não está nas imediações, e nem mesmo próximo - apressou-se em explicar o Navegador Suran - Surgiu à pouco nos monitores de longo alcance, mas é suficientemente grande para disparar o alerta de atenção. A Comandante receia que a perturbação resultante impeça o salto no hiper-espaço, por isso resolveu deixar logo o sistema.

    Jansen refletiu por instantes e concluiu os pensamentos do Navegador:

    - Ela tem razão. Se é grande o suficiente  para disparar o alerta a uma distância destas, então, devemos ficar o mais longe possível para não perdermos os vetores de direção. Mas...porque Ahmad quis falar a sós com Lia? Isso não está me cheirando bem...

    - É o que todos achamos, meu amigo - completou a doutora.

    O silêncio voltou a pesar enquanto a equipe lidava com seus afazeres, todos buscando afastar os pensamentos de pessimismo, todos menos Osc. Ele não tinha afazeres específicos, e esta era uma das ordens básicas que foram passadas à Comandante antes da partida. O Comando havia determinado que ele deveria atuar como observador para verificar o comportamento da nave e da tripulação e, por não ser um técnico, os construtores da Batedora acreditavam que seus relatórios, ao fim da viagem, seriam mais isentos de concepções prévias e preconceitos. Tempo livre era o que não faltava ao homem, o qual apresentava características raciais múltiplas, refletindo toda a ampla miscigenação que havia resultado em sua família, uma mistura de hindus, semitas, europeus e ameríndios. Sua função, naquela nave, era exatamente passar desapercebido, importunar o menos possível as atividades técnicas dos tripulantes de carreira do Comando Espacial, e manter um diário de tudo o que ocorria, tudo o que pudesse, mesmo que vagamente, fornecer indícios quanto ao porquê do fracasso das naves anteriores. Isso, é claro, na otimista hipótese de que pudessem retornar a salvo à Terra. Com isso, ele passou a ser visto pelos demais tripulantes como uma espécie de espião, e todos se ressentiram daquilo que julgaram ser uma falta de confiança dos fabricantes da nave, do Governo Mundial e, principalmente, do Comando Espacial em seus oficiais. O orgulho de corporação, que era partilhado por todos os oficiais, fora maculado, e a série de insucessos ao longo dos já penosos onze meses de missão corroíam, poderosamente, o moral dos tripulantes. Sem dizer que a falta de ânimo e entusiasmo de Osc eram evidentes, desde a partida, e preocuparam terrivelmente a Comandante.

    Osc era um bom observador, sabia fazer-se quase invisível quando o queria, era capaz de passar horas e horas remoendo um pensamento, procurando por um detalhe esquecido, e fazia tudo de forma meio desapaixonada. Esse detalhismo foi importante no início de sua carreira, quando era imprescindível verificar todos os senões dos contratos comerciais que o consórcio que construiu a Batedora assinava. Essa foi uma das principais características que o levou a ser escolhido para a missão (além do fato de que havia poucos voluntários, após tantos fracassos, e de que a falta de familiares próximos e fortes relações afetivas, uma boa formação generalista, e a tendência à introspecção, o tornavam um sujeito que não faria muita falta, caso algo desse errado...). Nesse instante, precisamente, ele estava meditando sobre as razões da conversa particular entre a Comandante e o Engenheiro, algo incomum numa nave tão pequena e onde a intimidade era tão intensamente partilhada devido à carência de espaço físico. Repassou mentalmente seus últimos relatórios, suas anotações arquivadas digitalmente. Já formavam um volume razoável de dados, atualizados várias vezes ao dia e arquivados no único computador independente da nave, desconectado, portanto, do computador central, situado em seu alojamento e munido de uma senha desconhecida até mesmo pela Comandante. Como a comunicação em tempo real era impossível àquelas enormes distâncias estelares, pois qualquer sinal de rádio ou coisa parecida levaria vários séculos para atingir a Terra, os relatórios eram armazenados para serem analisados quando do retorno da Batedora de sua longa missão. Verificou que havia deixado de lado alguns detalhes que valiam a pena ser melhor analisados, e que deveria incluir o quanto a tripulação estava insegura devido às últimas notícias. Mas deveria ter o cuidado de não passar a imagem de que aqueles oficiais, seus colegas, eram inseguros ou fracos. Não! Por diversas vezes vira-os darem prova de coragem e extraordinário poder de auto-controle, quando enfrentavam dificuldades que teriam de resolver sozinhos ou perecer no espaço. Tal ocorrera, por exemplo, quando o Navegador perdeu o curso após uma das primeiras reentradas no espaço normal, devido a uma falha nos sistemas de coordenadas, o qual levou três dias de trabalho árduo para ser corrigido; ou quando um pequeno asteróide foi sugado junto com a nave para dentro da fenda hiper-espacial, numa das entradas no hiper-espaço, ameaçando chocar-se com a Batedora, e esta encontrava-se impossibilitada de elevar a energia dos campos de defesa para não sair do hiper-espaço fora das coordenadas previstas, correndo o risco de perder-se. Não! Aqueles homens e mulheres eram seres corajosos e deviam ser respeitados. Mas a tecnologia que usavam ainda lhes era em grande parte desconhecida, a série de naves tivera que ser lançada ao espaço ainda imatura, e eles sabiam disso. Provavelmente, no futuro, as viagens pelo hiper-espaço seriam feitas de maneira quase corriqueira, mas, naquele momento, eles eram mais ou menos como Colombo navegando pelo Atlântico em frágeis caravelas, guiados apenas por uma bússola e pelas estrelas em busca de um Novo Mundo. E como as primeiras embarcações, a Batedora comportava-se de forma inconstante, surpreendente e preocupante. Ninguém sabia, com certeza, até onde iriam sua resistência e segurança, nem quais os verdadeiros motivos que levaram ao fracasso de suas predecessoras.

    Esses pensamentos pululavam pela mente de Osc, quando a Comandante surgiu novamente na ponte.

    - Problemas, Comandante? - perguntou à Lia.

    Visivelmente contrariada pelo questionamento, respondeu enquanto sentava-se em seu posto:

    - Nada de mais, Osc, apenas mais um daqueles probleminhas de calibração que temos enfrentado desde a partida, e Ahmad queria que desse uma olhada.

    - Mas Comandante, sabe que preciso relatar tudo o que ocorre, até mesmo esses pequenos probleminhas. Talvez eles possam ajudar a responder sobre o que ocorreu com as naves anteriores.

    O termo naves anteriores pareceu atingir a mulher como um raio. Ela parou o que fazia, voltou-se para o observador e encarou-o diretamente.

    - O que está ocorrendo não deve desperdiçar nossa atenção, devemos cuidar de sair do sistema a fim de não perdermos o corredor de lançamento. É só o que precisa saber pelo momento!

    O olhar firme de Lia não deixava dúvidas de que quaisquer comentários deveriam ser deixados para depois. Osc lembrou-se de anotar discretamente o ocorrido em seu módulo portátil de memória, e entreteu-se com os afazeres que lhe haviam sido passados, não deixando de manter-se atento ao que ocorria à sua volta.

    Os demais tripulantes acompanharam, silenciosos, o diálogo e voltaram-se para seus monitores.

    - Jansen, precisamos dos dados do próximo destino para sairmos do sistema. Já os tem? - indagou a Comandante para o cientista.

    - Na verdade, ainda não, Lia. Temos três opções com probabilidades muito próximas e ainda estou rodando os programas para refinar os dados.

    - Deixe isso para depois. Verifique qual o mais próximo e repasse as coordenadas para Suran.

    - Mas Comandante, poderemos acabar indo para o menos provável...

    - Se assim for, poderemos voltar depois. Suran, trace um curso seguro para longe do sistema e daquele buraco-negro, vamos nos assegurar de ter boa margem de segurança para mergulhar no hiper-espaço.

    - Imediatamente, Comandante - respondeu o navegador.

    Voltando-se para o Piloto:

    - Mandeb, cheque todos os sistemas e prepare as manobras.

    - Sim, Senhora.

    Lia refletiu por instantes e contatou a Engenharia:

    - Ahmad?

    - Sim, Lia.

    - Quando estaremos prontos para partir?

    - Creio que em mais trinta ou quarenta minutos as rotinas de diagnose estarão prontas...só um instante, estou obtendo alguns dados agora... sim, sim, agora é certo. Mais quarenta minutos e teremos condições de partir.

    - Ok. Informe eventuais problemas. Desligo.

    Informar eventuais problemas?! Aquelas palavras dispararam um alarme na mente de Osc. Elas nunca haviam sido pronunciadas antes e era parte do procedimento padrão informar ao oficial-comandante sobre qualquer problema. Se Lia havia sentido necessidade de enfatizar aquela ordem ao Engenheiro, então algo não estava nada bem. E era sua função checar isso.

    O grupo dos mags encontrava-se próximo à exaustão. Estavam em fuga, numa marcha acelerada, já havia quase três dias e, praticamente, não haviam parado para descansar.

    Krot parou subitamente, e passou os olhos sobre o grupo que comandava. Restavam-lhe ainda vários guerreiros, armas e suprimentos, transportados no lombo dos vigorosos, porém, demasiadamente lentos, badás. Esse era o problema, a lentidão dos badás e o enorme e facilmente identificável rastro que deixavam. Pensou rapidamente e tomou uma difícil e crucial decisão. O grande damariano retesou seus músculos, os cabelos de sua nuca ficaram levemente eriçados como uma crina, e gritou:

    - Parar! Parar! Mavu, aqui, já!

    E o outro chegou, ofegante.

    - Pronto, Chefe.

    -

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