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Dragonauth: A Profecia
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Dragonauth: A Profecia
E-book695 páginas10 horas

Dragonauth: A Profecia

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Sobre este e-book

Draggars nunca imaginou que o mundo fosse bem maior do que aquele que julgava conhecer. A viagem com os seus melhores amigos, Jack e Nicky, não terminou da melhor maneira e ele viu-se num novo mundo onde as lendas e mitos são reais e onde toda a história do planeta está a coletar pó nas prateleiras na grande biblioteca de Draghanna, a capital da civilização draconiana.
Contudo, o súbito aparecimento de Draggars vai reavivar uma antiga profecia e o ressurgimento do mais poderoso inimigo da história, que procura incessantemente pelo lendário local onde foi escondida uma arma, com o poder para acabar com o planeta.
Draggars luta agora contra o tempo, contra um inimigo que não conhece, por uma civilização que pode estar condenada a cair e pela Humanidade, que deve a todo o custo permanecer alheia a estes acontecimentos, pois a alternativa pode significar uma guerra planetária e a revelação de segredos que devem permanecer guardados.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de dez. de 2023
ISBN9791222468617
Dragonauth: A Profecia

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    Dragonauth - Diogo Rama da Silva

    Prólogo

    Humanos! Tão cientes de si próprios e, ao mesmo tempo, tão alheios a tudo o que lhes passa à frente dos olhos. Sempre pensaram estar sozinhos neste mundo, sem nunca sequer suporem a existência de outra inteligência semelhante, ou superior, às suas.

    Aliás, este é um assunto que nunca lhes passou pela cabeça ou, pelo menos, nunca pensaram ser possível que tal coisa existisse no seu planeta. Contudo, como o(a) próprio(a) leitor(a) vai constatar… estão muito enganados.

    Há muitos milhões de anos atrás, quando a Terra era povoada pelos maiores seres vivos de que há memória e registo, uma espécie destacou-se de entre todas as outras. Esta tinha uma capacidade inata para a sobrevivência, conseguindo-o em todo e qualquer meio ambiente.

    Através dos processos evolutivos, essa habilidade foi favorecida ainda mais com o desenvolvimento da capacidade intelectual e foi desse aumento do nível de inteligência que surgiu uma aptidão até então desconhecida no planeta inteiro – uma consciência!

    Com essa autodescoberta, esta espécie começou a desenvolver todo o seu potencial, adquirindo inclusive, após milhões de anos de evolução, a capacidade de controlar os elementos da natureza: terra, ar, água, fogo e, também, o poder eléctrico das tempestades.

    Adoptaram um nome impossível de pronunciar noutras línguas e, no entanto, todas as antigas culturas humanas, por mais distantes que estejam umas das outras, sabem quem eles são (ou eram). Nos dias de hoje, são conhecidas criaturas mitológicas, à qual foi dado o nome de dragão.

    A dada altura, todos os dragões reuniram-se num mesmo ponto e fizeram um juramento, que mudaria o planeta para sempre. Tornar-se-iam os seus protectores, de tudo e de todos, uma promessa que, mais tarde, lhes iria custar muito caro, embora nunca o tivessem previsto.

    Ao longo de milhões de anos, o povo draconiano protegeu o mundo, combatendo todos aqueles que ameaçavam o equilíbrio natural do planeta e, em particular, os seus primos – os drakes (calão para falso-dragão), muitas vezes também denominados por wyverns.

    A derradeira batalha quase ditou o fim para ambas as espécies e inclusive do próprio planeta. Em medida de desespero foi tomada uma decisão que mudaria o curso desse conflito. Alguns Drakes foram capturados e selados numa enorme gruta secreta, onde permaneceriam presos, em hibernação, até ao fim dos tempos.

    A chave foi dividida em cinco partes e posteriormente escondidas nos confins do mundo. O segredo da localização da gruta e das partes que compõem a chave foi silenciado e, por fim, esquecido, permanecendo assim até aos dias de hoje.

    Esta medida drástica foi idealizada, em parte, por causa do juramento que não permitia a eliminação total de uma espécie, mas também pela razão de dar a possibilidade aos dragões de refazerem os seus números e assim voltarem a restabelecer a ordem e o equilíbrio, em todo o planeta.

    Foi nesta altura que começaram a observar com mais atenção os humanos. A decisão de os ajudar partiu do facto de estes serem a única espécie no planeta com um enorme potencial, para complementar o trabalho até então feito pelos draconianos… uma decisão de que mais tarde se viriam a arrepender.

    O que a Humanidade desconhece, ou decidiu esquecer, é que foram eles que impulsionaram os humanos a construir a sua primeira civilização e, depois, passaram para um papel mais de bastidores, observando os humanos a transmitir aos seus mais novos tudo o que haviam aprendido até então.

    Infelizmente, uma das maiores fragilidades humanas ditou o afastamento das duas espécies para sempre… a ânsia por poder! Aqueles que antigamente haviam sido os seus professores e, segundo algumas referências, os seus salvadores, foram relegados à condição de meros animais selvagens e, mais tarde, a seres mitológicos.

    Séculos mais tarde, algo aconteceu, que permitiu o reencontro destas duas espécies, tão diferentes, fazendo-as confrontar o desconhecido…

    O que poderá resultar de um encontro entre um humano e um dragão?

    Simples… das duas, uma: as duas espécies esqueciam o passado e trabalhariam juntas para o futuro; ou envolver-se-iam num conflito de tal dimensão que custaria a vida a todo o planeta…

    O melhor é descobrires o que aconteceu e ler a história que se segue… depois, tirar as conclusões que quiser.

    Capítulo 1 – Uma descoberta amarga e dolorosa

    (Actualidade)

    «Quem sou eu? Qual a minha finalidade? Qual o meu destino? Aposto que todos os que agora lêem isto já fizeram estas perguntas a si mesmos e apenas poucos (ou, quem sabe, nenhum) obtiveram as suas respostas. Eu sou um desses afortunados. Mas não foram obtidas da maneira que todos esperamos, que uma voz do alto grite e diga: «tu és isto, serás isto e acabarás assim!» Bem, não foi bem assim que me aconteceu. De facto, houve uma voz, mas não veio de cima, mas sim de dentro.

    Antes de mais, permitam-me que me apresente: o meu nome é Draggars. Não, não foi este o nome com que nasci, aliás, desconhecia por completo a existência deste nome, deste meu verdadeiro nome. Sei que, somente com estas poucas palavras, já vos deixei um pouco confusos mas, tal como alguém antes me disse… tudo será esclarecido no seu devido tempo.

    A vida é uma viagem! Não sei se fui eu que o inventei ou se houve alguém antes que o fez. Contudo, agora percebo o seu verdadeiro significado. De facto, a minha nova vida começou com uma viagem. Esta é a minha história… esta é a minha viagem!»

    * * *

    No extremo da Europa ocidental, numa região banhada pelo oceano atlântico, vivia um jovem adulto de 26 anos, perfeitamente normal e com uma família comum: pais, tios, avós, primos, padrinhos e, felizmente, amigos… poucos mas bons, como gostava de dizer.

    Tinha uma rotina diária, acordava cedo para ir estudar, apanhava transportes públicos, assistia às aulas e depois regressava a casa. Provavelmente uma rotina muito semelhante à de muitos, alguns que até lêem estas palavras nesses mesmos transportes, e outros no conforto do seu lar. Como cristão crente, ia praticamente todas as semanas à igreja, normalmente aos Domingos, assistir à missa e rezar ao seu Deus e Criador. Por vezes saia à noite com os seus amigos e divertia-se. Enfim, uma vida típica e comum à de qualquer jovem teve, salvo uma ou outra excepção.

    Porém, a sua percepção do mundo que o rodeava mudou e, à medida que o seu intelecto crescia, começou a ver as coisas de maneira diferente, a prestar atenção a coisas mais particulares, a pormenores que antes não reparara e que agora eram bastante nítidos. Começou a mudar. Estava menos sensível, ou melhor, mais tolerante aos elementos… tinha menos frio e o calor já não o afectava tanto, por exemplo.

    Tinha por vezes sonhos muito estranhos, como avisos e treinos para algo no futuro, que não pareciam afectar-lhe o sono. Sentia-se diferente, como se estivesse a transformar-se em algo, algo novo… mas no quê? Ou em quê? Qual seria o resultado final?

    De um momento para o outro sentiu-se sozinho. Continuava a encontrar-se com os seus colegas e amigos, mas já não era a mesma coisa. Ele estava diferente, ele sentia-se diferente… ele era diferente! De algum modo sabia-o mas a razão iludia-o. Foi a partir deste momento que começou a interrogar-se:

    «Quem sou eu? Qual o meu papel neste mundo? Qual a minha razão de existir. Como a descobrir?», pensou. De súbito ocorreu-lhe:

    «Uma viagem!»

    No entanto, novas perguntas lhe surgiram na cabeça. Para onde iria? Algumas horas depois a resposta era óbvia; para Leste. Jurou que iria para Leste até se encontrar consigo próprio. E porquê para Leste? Simples… segundo muitas crenças, religiosas ou outras, existe um local onde tudo começou, um paraíso se quiserem e pensa-se que tenha estado fisicamente localizado ligeiramente a norte da zona onde hoje se situa o Médio Oriente, na antiga Mesopotâmia. Do local onde o jovem se encontrava, essa região ficava para Leste.

    Desejava poder tomar parte em aventuras emocionantes, tais como as dos livros que lera até então. Queria fazer parte de algo mais, queria fazer algo importante e de valor… queria deixar a sua marca. Mal sabia que seria, precisamente, esse o seu destino!

    Esperou pelo fim das aulas, fez as devidas despedidas dos seus familiares e amigos mais chegados e partiu. No entanto, não foi sozinho nesta cruzada. Foi acompanhado pelos seus dois melhores amigos. Nicole Clarkson ou Nicky, como ela gosta mais de ser chamada e Jack Webber.

    Nicky é uma jovem rapariga de 27 anos. Tem uma pele clara, cabelos castanhos-claros ondulados e brilhantes, e olhos verde-esmeralda. Apresenta normalmente feições alegres e risonhas, além de um sentido de humor extraordinário, não muito comum entre as raparigas… mas também ela nunca fora como as outras raparigas.

    Jack é um rapaz de 26 anos, com cabelos pretos como o carvão, que praticamente nunca viram uma escova ou pente e os seus olhos são acinzentados e muito mais expressivos do que os de Nicky. As suas feições são mais sérias que as de Nicky, o que não o impedia de sorrir, de dar umas gargalhadas de vez em quando e também de fazer, uma ou outra, partidas, para as quais se aplicava com brio. Era um jovem tipicamente medroso, mas tinha dentro de si uma grande coragem. O seu único problema? Descobrir onde essa coragem estava escondida. Talvez esta viagem também o ajudasse.

    Mas como foi isto tudo possível? Como se deu esta viagem?

    Para um percurso indeterminado é preciso delinear planos e também recursos. Infelizmente, esta viagem era o de que se poderia chamar de viagem por instinto, o que dificultava em muito qualquer planificação prévia. Até aqui tudo bem.

    Então… como arranjariam o dinheiro para mantimentos e alojamento?

    O alojamento era o mais simples. Dado estarmos no Verão e caso não encontrassem abrigo, poderiam sempre dormir ao relento, com recurso a tenda e sacos-cama. Quanto à comida, bastava levarem algumas coisas com eles e havia sempre o recurso ao dinheiro, que pouparam, para comprar o que fosse necessário. Caso estivessem numa de poupanças, havia sempre a possibilidade de negociar comida por trabalho, tal como lavar pratos, servir à mesa ou algo do género.

    Para meio de transporte elegeram o comboio, pois pareceu-lhes a melhor opção e, embora nem sempre fosse o mais económico, era sem dúvida o que os levaria mais longe e com maior conforto.

    A viagem prolongava-se há já quase duas semanas e o cansaço já se sentia. Sentado num cubículo do comboio, ele olhava pela janela vendo paisagens tão diferentes daquilo que esperara que fossem e perguntava-se:

    «Qual será o meu papel no meio disto tudo?»

    De vez em quando ele olhava para os seus amigos, sentados no banco à sua frente. Pareciam tão tranquilos no sono. Nicky até já se aninhara no ombro de Jack.

    «Na realidade, quando dormem fazem um belo par. O problema é quando acordam e passam quase todo o tempo a implicarem um com o outro. Birras! Nada mais, nada menos… quanto mais se batem mais se amam!». O embalar do comboio e o cansaço ajudaram-no a adormecer.

    Acordou com o apito do comboio que estava a entrar na estação de uma pequena vila. De imediato olhou pela janela e viu umas colinas e, para lá delas, erguia-se uma imensa floresta verde, que se estendia até às altas montanhas, de topo nevado. O seu coração palpitou forte.

    «Sinto que estou a ficar perto… do meu destino», pensou.

    De repente, viu algo que nunca jamais esqueceria. Os seus olhos eram de um azul mais claro e mais profundo que o mar das Caraíbas, o seu cabelo, comprido até meio das costas, era de um louro claro, tão claro que o seu brilho conseguia ofuscar o sol. A sua cara era pálida e os seus lábios eram rosados. Vestia-se toda de branco, além da capa com capuz, com que se cobria. Nunca vislumbrara tamanha visão em toda a sua vida. Parecia literalmente um anjo. Não conseguia tirar os olhos dela.

    Ela parou, poisou a sua pequena mala e virou-se, ao mesmo tempo que tirava o capuz. Quando os olhos deles se encontraram, o tempo pareceu ter congelado. Parecia magia, mas ele não conseguia ver mais nada senão ela. O coração dele palpitou ainda mais forte, ardendo-lhe no peito.

    Ela aparentava ter a sua idade ou, talvez, até fosse um pouco mais nova. Ficou serenamente vidrada nos seus olhos e parecia que nada os podia separar. Depois esboçou um sorriso leve e sereno. Continuaram a observar-se pelo que pareceu demorar uma vida, quando passaram apenas alguns segundos.

    No entanto, o sorriso dela cessou quando saíram do comboio dois homens encorpados, com capas baças e negras como carvão.

    «Devem ser os seus guarda-costas.», pensou o jovem.

    De facto, ele não estava muito longe da verdade. Os dois homens encaminharam-na para dentro da estação mas ela ainda conseguiu virar-se, sorrir e trocar olhares uma vez mais, antes de voltar a pôr o capuz e seguir o seu caminho. Segundos depois desapareceu da sua vista.

    Ele encostou-se ao banco a pensar no que vira.

    «Parece que estou… num sonho!»

    Subitamente algo lhe disse para sair do comboio. Acordou imediatamente os amigos e saíram, de mala às costas.

    A pequena vila era bastante pacata, fundada num vale não muito profundo. Estava ladeada por colinas verdejantes, onde a seguir se erguia uma densa floresta, e por uma imensa parede rochosa, com alguns resquícios de neve nos seus cumes. As montanhas pareciam estar mesmo em cima da pequena vila, porém, estavam a uns bons quilómetros. Toda a paisagem era soberba.

    O sol já estava alto e devia ser quase meio-dia. Quando saíram da estação, o jovem tentou procurar a misteriosa mulher mas em vão. Pensou novamente se tinha sonhado. Decidiram abastecer-se e depois explorar as colinas e a floresta.

    A caminhada já se prolongava há algum tempo quando começou a ouvir Nicky e Jack a discutirem, provavelmente a iniciarem outra birra. Nesse preciso momento estavam a caminhar por uns montes em direcção a uma magnífica floresta.

    Para norte, ficava um vale com uma grande cidade por entre a qual serpenteava um rio, como uma víbora por entre os rochedos. Mais para norte ficam as montanhas. Ele seguia um pouco mais à frente. Jack e Nicky seguiam-no uns metros mais atrás.

    – Sabes para onde vamos? – Perguntou Jack

    – Não. – Respondeu Nicky – Mas ele sabe! – Apontando para o jovem que os guiava – e se queres saber, tens de lhe perguntar.

    – É claro que quero saber para onde estou a ir. Pessoalmente gostaria de saber se já estamos perdidos. Tu não?

    – Não digas disparates! É claro que não estamos perdidos. No entanto, também gostaria de saber para onde vamos mas… esta viagem é dele e não nossa! Além do mais estamos a atravessar pelo meio de paisagens magníficas e tu estás preocupado para onde vamos ou se estamos perdidos. Vive um pouco… isto é uma aventura! – Exclamou, sorridente.

    – Aventura? Chamas a isto … aventura? Estamos no meio do nada, num país completamente desconhecido e… sem a mínima hipótese de retorno! – Desabafou Jack.

    – Não sejas tão dramático! – Replicou Nicky – Até parece que não gostas disto… o sol na cara, uma brisa suave pelos cabelos… enfim, férias no campo.

    – Ok, sou capaz de ter exagerado um bocado, mas não podes dizer que estamos de férias! Ainda não descansei um momento que seja! Não é que não goste, que até gosto, não sou é um grande apreciador do ar livre. Estava à espera de viver outras, aham… aventuras!

    – Ah sim? Que tipo de aventuras? – Interrogou Nicky.

    – Aventuras… do tipo descansar, dormir debaixo de um tecto, ver televisão, bebidas coloridas à sombra de palmeiras e… ladies… – Jack chegou-se ao seu amigo e deu-lhe um encosto com o cotovelo, falando tão baixo a última parte que Nicky não conseguiu ouvir. – Enfim… qualquer coisa em vez de estar aqui. Por muito que goste do mundo exterior, não há nada como a civilização! – Exclamou Jack.

    – Hum. O que é que disseste antes disso? – Inquiriu Nicky.

    – Eu? Nada. Eu não disse nada! – Respondeu Jack, atrapalhado.

    – Pareceu-me ouvir alguma coisa.

    – Eu… não ouvi nada! – Insistiu Jack.

    – Pois, pois… lá estás tu novamente com as tuas parvoíces.

    – O que queres dizer com isso?

    Enquanto Jack e Nicky discutiam novamente, o jovem mantinha os olhos sobre a imensa floresta verde, que se estendia até onde a vista alcançava. Parou por momentos a apreciar o vento a acariciar as copas das árvores, encabeçando um bailado ao que todas respondiam, numa sumptuosa valsa.

    Inexplicavelmente, ele sabia que estava no caminho certo pois o seu coração palpitava com maior vigor à medida que se aproximava da linha das árvores. De súbito, algo ribombou bem dentro da floresta. Alguma coisa grande acabara de sacudir a terra, libertando um enorme ruído. O som foi grave e profundo como o de um terramoto.

    – Ok… agora ouvi alguma coisa! – Afirmou Jack, alarmado, protegendo-se atrás de Nicky.

    – Acho toda a gente no planeta conseguiu ouvir aquilo! – Respondeu Nicky, também visivelmente assustada – O que quer que fosse era grande.

    – Quão… grande? – Perguntou Jack.

    – Grande! – Replicou-lhe ela.

    – Quão grande? – Insistiu Jack.

    Enquanto os outros dois entravam numa nova discussão, o jovem deixou de olhar para as árvores e voltou-se para eles

    – Silêncio! – Exclamou, voltando-se novamente para a floresta, à procura de novos sons.

    Por momentos ouve silêncio, mas Jack não gostava do silêncio. Aproximou-se lentamente do seu amigo.

    – O que terá sido? – Murmurou Jack ao ouvido dele. – Alguma árvore?

    – Talvez… – Respondeu o jovem – … mas parecia-me ser maior.

    – Mau! Também tu? Devem ser só uns lenhadores quaisquer a cortar árvores. É perfeitamente plausível, certo?

    – Sim, talvez, mas não me parece! Se assim fosse teríamos escutado motosserras.

    – E também depois, com o corte dos ramos. – Disse Nicky, entrando na conversa.

    – Ah, pois claro, a senhora sabichona deve saber exactamente o que temos por aqui! – Exclamou Jack.

    – Não sejas totó, Jack! É claro que não sei o que foi este barulho. Mas tenho curiosidade em saber.

    – Morde a língua, Nicky. Tu podes querer saber, mas eu não!

    – Não sejas tão medricas, Jack!

    – Medricas? Eu? Nunca! Apenas… prefiro evitar sarilhos. A ignorância é uma bênção! O meu problema é que a minha imaginação é uma maldição!

    – Como se fosse o teu único problema. – Murmurou Nicky.

    – O que é que disseste? – Perguntou ele. Nicky ignorou-o.

    – Hum… – Jack olhou desconfiado para Nicky – Bom, barulhos à parte, eu proponho que voltemos para a simpática cidade, ali mesmo, onde poderemos tomar um bom banho e dormir numa cama decente. Quem está comigo?

    – Até que não é uma má ideia! – Respondeu Nicky – Apesar da minha curiosidade, não nego um bom banho quente. Seria refrescante termos uma noite de luxo.

    – Assim é que se fala! – Exclamou Jack.

    Jack parecia levar a dele avante quando o outro jovem desabafou.

    – Podem ir, eu fico! Quero e vou saber… o que foi aquilo! – Depois desta resposta, Jack e Nicky olharam primeiro um para o outro e depois para ele, não acreditando no que haviam escutado.

    – Queres ficar aqui? Estás a brincar, não estás? – Questionou Jack.

    – Quero e vou ficar! – respondeu-lhe – Se quiserem vão dormir hoje à cidade e encontramo-nos amanhã de manhã neste local. Temos os nossos telemóveis e têm rede, para o caso de acontecer alguma coisa.

    – Apesar da ideia de uma dormida debaixo de um tecto não ser má, acho melhor não nos separarmos. Não conhecemos a zona nem a língua, para nos aventurarmos por aí, sozinhos! – Exclamou Nicky.

    – Tenho de concordar contigo. – Disse Jack – Não devemos ficar separados!

    – Sim, têm razão. Mesmo assim, algo me diz para entrar nesta floresta. Não consigo explicar mas… senti-o. É algo que me ultrapassa!

    – Vendo bem, mais uma noite ao relento não nos fará mal. Temos tenda, temos mantimentos e não vejo nenhuma razão para não passarmos aqui a noite. – Bradou Nicky.

    – Mas e a cidade? O banho… a cama? – Exclamou Jack – Estás a ver? Já a contagiaste! Não acredito que prefiram passar aqui a noite, quando temos camas quentinhas a apenas 7 km daqui!

    – Depois de quase 2000 km ainda não percebeste? Ninguém te obrigou a vir! – Exclamou Nicky.

    – Pois não. Nem eu, nem tu! – Afirmou Jack.

    – Eu vim para que ele não viesse sozinho! Ninguém deve fazer uma viagem destas sozinho. Só um maluco é que o faria! – Respondeu Nicky.

    – Malucos são vocês os dois! Eu sou o único aqui que está bem da cabeça! – replicou Jack – Além do mais, lembram-se do que aquele velho mendigo nos disse na cidade?

    – Isso são apenas histórias e lendas dos locais para assustar crianças e turistas! – Respondeu Nicky.

    – Não… ele é mais do que aparenta! – Murmurou o jovem, sem que ninguém o ouvisse.

    De facto, um pedinte de longas barbas brancas tinha-os abordado na cidade, enquanto compravam mantimentos e contou-lhes histórias, mais mitos do que histórias verdadeiras.

    Segundo o que contou, quem se aventurou para dentro daquela floresta, depois do pôr-do-sol, nunca mais voltou a ser visto. As lendas relatavam criaturas gigantescas e monstros de outras eras, que governavam o impenetrável reino verde e que quem olhasse nos seus olhos morreria. Apesar de já estarem numa era moderna, as pessoas da região ainda temiam e respeitavam as velhas lendas. O folclore antigo era ainda o dia-a-dia daquela gente.

    Quando acabou de contar as histórias, o velhote riu-se. Era bastante alegre e jovial, mexendo-se com surpreendente rapidez e flexibilidade para uma pessoa daquela idade. Tinha enormes bochechas e nariz rosados. Ele advertiu-os quanto à floresta devido à caridade que haviam demonstrado para com ele. Hoje em dia, são poucos os que param e dão atenção a pessoas como ele que, muitas vezes, conseguem surpreender e ensinar muitas mentes, com a sua lição de vida. Outra razão, segundo ele, era a de conseguir ver que os três jovens tinham grandes almas e corações, forjados para grandes feitos.

    Fez-lhes muitos mais elogios e, por isso, não se foi embora de mãos a abanar, mas sim com algumas cervejas, algo que o deixou bastante contente e agradecido. Eles ainda lhe quiseram oferecer alguma comida mas o velhote voltou a agradecer, desejou-lhes boa sorte e foi-se embora.

    Sem que reparassem ele ficou a observá-los, olhando seriamente para os três aventureiros, à medida que se afastavam cada vez mais da cidade.

    – Então… o que é que decidem? Eu estou determinado a ficar aqui! – Exclamou o jovem, olhando para os seus companheiros de viagem.

    – Eu fico. – Respondeu Nicky, passados uns segundos.

    – E tu, Jack?

    – Começo a ficar um pouco farto da falta da civilização. Porque nos trouxeste? Ou melhor, porque aceitei vir atrás de ti? Atravessámos mais de meio continente Europeu por causa desses teus sonhos. Quão mais? Quão mais teremos de aguentar? – Desabafou Jack, visivelmente chateado.

    Nicky e ele fitaram Jack, que se mantinha receoso em responder à pergunta. Ele porém olhou-os e respondeu:

    – Vocês os dois são doidos! – Fez uma pausa, voltou-se para a cidade, lá em baixo no vale e suspirou com um brilho nos olhos. – Mas… acho que mais um dia, não deve ser grande problema. – Disse, resignado – Mas têm de me prometer que amanhã teremos direito a uma cama a sério. As minhas costas estão a precisar de descanso e o meu corpo precisa de um banho como deve ser, ao contrário destes banhos, com recurso a ribeiras e duches em sacos. Eu exijo outras condições!

    – Prometo, Jack! – Assegurou o jovem que os arrastara até ali. – Podemos ir então? Convém aproveitarmos ao máximo a luz do dia. – Quando acabou de falar, endireitou a mochila e começou a caminhar em direcção à orla da floresta.

    – É só mais um dia! – Desabafou Nicky, em jeito de encorajamento, seguindo o exemplo do líder da expedição. Jack ficou parado mais alguns segundos.

    Que tal uma viagenzinha pela Europa?, Vai fazer-te bem!, Talvez até conheças a mulher da tua vida!. – Falou, em voz de falsete acompanhada por caretas, gozando com toda a situação, dizendo as mesmas frases com que os outros o haviam convencido a vir com eles – Pois, pois! Em que é que eu me vim meter? – Parou de falar, suspirou resignadamente e pôs-se a caminhar em direcção aos seus camaradas.

    Chegaram à orla e penetraram floresta adentro. As árvores eram grandes e altas, membros de uma floresta luxuriante e densa. Apesar de não estarem muito próximas umas das outras umas, a luz que passava pelas copas era já muito pouca, à medida que caminhavam cada vez mais para o interior. Desde que entraram não voltaram a escutar mais nenhum barulho fora do normal, ou melhor, até Jack ter aberto novamente a boca, aos berros.

    – QUATRO E MEIA E ESTÁ TUDO BEM!

    – Foda-se! Assustaste-me! – Exclamou Nicky, assustada. – Não voltes a fazer dessas outra vez senão… dou-te das boas!

    – Ups… desculpa.

    – Até fiquei com o coração na garganta! – Exclamou Nicky.

    – Tive de fazer alguma coisa para quebrar o tédio e não me ocorreu nada melhor.

    – Não podias ter assobiado ou murmurado qualquer coisa? – Perguntou o jovem, ainda um pouco abalado com o susto.

    – Não era a mesma coisa. Além do mais, vocês iam ficar chateados comigo por estar sempre a fazer a mesma coisa, o mesmo murmúrio ou assobio e, por isso, em vez de perder algum tempo, decidi pôr-vos logo chateados comigo. – Afirmou Jack, com um sorriso malandro nos lábios. Este continuou a caminhar ultrapassando Nicky, que ficara parada a recuperar do choque. Depois, ela recomeçou a andar e resolveu vingar-se com um calduço bem assente na nuca de Jack, que este até perdeu força nos joelhos.

    – Au! Bolas, não era preciso partir para a violência! – Retorquiu Jack.

    – Tens muita sorte em eu não ter decidido atacar outras zonas! – Vociferou Nicky. Jack olhou para ela e engoliu em seco.

    Finalmente, após vários quilómetros de caminhada, encontraram uma clareira. Esta era circular e relativamente grande, com cerca de quarenta metros de diâmetro. Perto desta corria um riacho, a escassos metros da orla da clareira. O sol começava a descer ao longe por detrás de uma grande e extensa fileira de montanhas e toda a planície parecia adormecer à medida que a luz desaparecia.

    – É melhor pararmos por hoje. – Disse o jovem – O sol já se está a pôr e sem luz não vale a pena arriscar a ficarmos perdidos.

    – Gosto dessas palavras! – Falou Jack – Ufa, estou estafado!

    Decidiram montar acampamento junto à orla mais próxima do riacho. Marcaram o local por onde tinham chegado com pedras e, no final, distribuíram tarefas as habituais tarefas. Nicky acendeu a fogueira, Jack foi buscar água ao riacho e pô-la na fogueira, para depois de fervida poder ser consumida. O jovem ficou com a última tarefa, a montagem da tenda. Esta dava para quatro pessoas, o que lhes proporcionava bastante espaço para dormir.

    Enquanto o jantar aquecia, os três foram apanhar lenha suficiente para manter a fogueira acesa durante toda a noite. Por fim, sentaram-se à volta das chamas e jantaram. À medida que os ramos secos crepitavam no fogo, eles escutavam os sons da noite, relembrando velhas e boas memórias, das suas outras aventuras.

    Combinaram que seria melhor, pelo sim pelo não, montar guarda por turnos. Jack foi o primeiro mas, após apenas duas horas, já tinha a companhia do seu amigo. Este sugeriu a Jack que fosse dormir pois ele não tinha sono. Estava demasiado empolgado. Jack concordou e não demorou nem trinta segundos para estar a dormir ferrado.

    O frio da noite era profundo e atingiu-lhe os ossos. Ele encostou-se a uma árvore, próxima do fogo e enroscou-se no seu saco-cama. Quando se sentiu mais quente, concentrou as suas atenções no infinito oceano de estrelas. A noite estava calma e o vento quase não se fazia sentir, ajudando o calor da fogueira a chegar perto de si.

    Toda a floresta estava embebida num silêncio harmonioso. Ao longe, podiam-se escutar uma ou outra coruja empoleirada em busca de presas.

    Ele sempre tivera uma relação especial com a natureza, sempre se sentira parte dela. Desde pequeno que adorava olhar para as estrelas. Agora, mais velho, já conseguia depreender a sua própria insignificância. Gostava também muito de passear por montanhas e vales, e comtemplar belas paisagens. Os passeios à beira do mar também eram especiais. Uma das coisas que mais gostava de fazer na praia era deitar-se na areia quente a ouvir as ondas do mar em todo o seu esplendor. Ocasionalmente, apreciava um bom pôr-do-sol, sobretudo se tinha tido um dia mau. Se conseguisse fazer as duas coisas no mesmo dia ficava ainda mais contente.

    Estas eram apenas algumas das imensas memórias que lhe surgiam na mente, deixando-o com uma sensação de paz. Por último, reflectiu novamente sobre aquela bela e misteriosa mulher e, sobretudo, naquela brevíssima troca de olhares.

    Deste modo conseguiu distrair-se por tempo suficiente para se aquecer convenientemente. Sentia como se tivesse uma chama dentro de si que lhe espalhava o calor pelo resto do corpo e que parecia não mais querer apagar. Passou os olhos pelas chamas ondulantes e, não resistindo ao cansaço, as pálpebras começaram lentamente a fechar e adormeceu.

    A noite ia já avançada quando ele acordou, de rompante, como se tivesse tido um pesadelo. Esfregou a cara, fazendo os possíveis para afastar o sono. O lume estava quase a apagar-se. o jovem levantou-se do saco-cama e pôs vários galhos secos em cima das brasas incandescentes. Estas arrebitaram-se, fazendo crepitar a resina dentro dos galhos e produzindo novas chamas intensas. Depois de estar tudo ao seu gosto, o jovem voltou para dentro do saco-cama e fechou momentaneamente os olhos… até uma voz o fazer despertar novamente.

    – «Acorda…»

    Era uma voz calma e profunda, como um leve murmúrio suspirado ao ouvido. Uma voz que ele não conseguia descobrir de onde vinha.

    – Quem está aí? – Perguntou intrigado, olhando para todos os lados. Nada. – Devo estar a imaginar coisas… deve ser do cansaço. É melhor levantar-me e andar um pouco. Assim devo conseguir afastar o sono e estes… sonhos.

    A noite estava agora mais fresca. Era até possível vislumbrar a humidade na forma de uma névoa baixa rente ao chão, que parecia deslizar como uma cobra por entre as árvores.

    A lua ia alta. Estava na forma de quarto crescente e assemelhava-se a um olho semicerrado… um olho que o parecia observar atentamente.

    – «Estás finalmente pronto. Chegou a hora… de conheceres a verdade!» – Afirmou a voz, novamente.

    Ele rodopiou na clareira, tentando descobrir de onde a voz viera, agora que tinha a certeza de não a ter imaginado.

    – Quem és tu? O que queres de mim? – Perguntou ele.

    – «Quem sou eu? – Interrogou-se a voz, fazendo-se acompanhar por risadas – Tu… tu é que não sabes quem és!»

    O espanto tomou conta dele. Como podia alguém saber como ele próprio se sentia?

    – E tu… sabes quem sou?

    – «Sei!»

    – Mostra-te, então! Vem dizer-me quem sou! – Novamente silêncio.

    Nada nem ninguém lhe respondeu.

    – Diz-me quem sou… tenho de o saber! É da minha vida que se trata. FALA, raios! – Gritou irritado.

    Esperou por uma resposta, mas a floresta permaneceu em paz.

    Olhou na direcção da tenda e estranhou que ninguém tivesse escutado os seus gritos. Achou ainda mais estranho que nem Jack nem Nicky tivessem acordado, já que ambos têm um sono muito leve. Inexplicavelmente, permaneceram no mundo dos sonhos.

    Não tendo escutado mais nada e sentindo novamente o cansaço do dia a manifestar-se, o jovem voltou a encostar-se à árvore.

    – Só posso estar a sonhar… não há outra explicação! Terá sido do jantar? Caiu-me bem mas… nunca se sabe. – Disse ele, matutando aquele inexplicável acontecimento. – Ok, respira, acalma-te e pensa. Não há aqui nada nem ninguém a não sermos nós… ou haverá?

    Subitamente, a fogueira apagou-se e dela subiu um fino e ondulante fio de fumo. A pouca luz que se fazia sentir provinha do laranja-vivo e incandescente das brasas da fogueira. O jovem olhou para elas, a ganhar coragem para se levantar e atiçá-las de novo. De repente, ouviu novamente aquela voz misteriosa.

    – «Não te posso dizer… mas irei mostrar-te!»

    Ao ouvir isto, ele ergueu lentamente a cabeça, olhou para a neblina que se parecia concentrar mais naquele ponto da orla da clareira. Foi nesse momento que viu dois enormes globos, amarelo-dourado e muito brilhantes. O mais estranho é que estavam um ao lado do outro.

    – Bonito! Além de ouvir vozes, agora também já vejo coisas. – Disse o jovem, esfregando os olhos.

    Por fim, voltou a olhar para os globos. Estranhou-os por brilharem com tão pouca luz. Também não se interessou muito porque faziam parte da sua imaginação. Foi o que pensou até que os globos piscaram e foram seguidos por um som semelhante a um rosnar mas mais profundo.

    Nesse momento ele paralisou e arregalou os olhos. Convenceu-se que efectivamente não estava a dormir. Os globos eram olhos.

    – «Coragem! Mantém-te firme...nada tens a recear. É chegada a hora…acorda!» – Voltou a voz a soar.

    – Acorda? Hora? Mas… eu estou acordado. Estarei mesmo?

    Os grandes olhos pareceram aproximar-se e o rosnar suou com maior nitidez. A terra estremeceu com o que pareciam ser as passadas de uma enorme e pesada criatura. A forte e audível respiração da criatura pareceu aumentar a neblina noturna. Olhou melhor… a neblina era a respiração da criatura.

    O seu coração bateu mais forte. Quem quer que fosse já o observava há algum tempo. Quase de imediato, todos os sons da floresta cessaram quando surgiu um vulto na orla da mesma, exactamente onde antes haviam estado os grandes olhos. O vulto parecia envolto numa capa e o enorme capuz não deixava ver a cara.

    O estranho vulto começou a andar na direcção da fogueira, sem fazer qualquer tipo de som, como se caminhasse no ar. Caminhou até ao centro da clareira e depois parou. Rodou a cabeça para cada um dos lados e, por fim, novamente para o centro, voltando a fixar-se no jovem, incrédulo e assustado.

    – O teu fogo apagou-se. – Disse uma voz calma e melodiosa.

    – C… co… como? – Gaguejou o jovem.

    – O fogo. – Afirmou, apontando para as brasas.

    – Ah, pois… sim, com efeito, apagou-se.

    Ficou mais relaxado porque, ao vislumbrar-lhe a mão, confirmou que o vulto era um ser humano. «Os globos brilhantes eram só ilusões.», pensou.

    – Saudações, pequeno humano! – Cumprimentou o estranho. – Eu sou Tholmer! E tu, como te chamas?

    Tal era o seu espanto que nada conseguiu dizer. Estava em choque. Diante de si encontrava-se alguém que lhe falava na sua língua nativa.

    – Não dizes nada? – Pronunciou novamente Tholmer – Ah… pois! Não consegues, não é? Já tive este efeito em muita gente, logo, a reacção que estás a sentir é perfeitamente normal. Houve muitos… muitos antes de ti e, certamente, continuará a haver muitos mais… depois de ti!

    O jovem permaneceu estático, ouvindo atentamente tudo o que saía da boca de Tholmer.

    – Mas não desesperes, jovem humano. Dentro de momentos tudo será revelado… todas as tuas perguntas terão uma resposta e… nunca mais voltarás a ter dúvidas!

    Quando Tholmer acabou de dizer estas palavras, o jovem apercebeu-se de que algo não estava bem. O que o confirmou foi o facto de Tholmer apresentar um sorriso ligeiramente sádico e perturbador.

    – Sinto que é meu dever alertar-te e, por isso, lamento muito pelo que vou fazer… a ti e aos teus companheiros. Asseguro-te desde já que a culpa não é nem nunca foi vossa! – Exclamou Tholmer.

    Quando acabou de falar, Tholmer deu um enorme salto para trás, impossível para um humano normal, indo parar novamente junto à orla da clareira. O impacto da sua aterragem fez levantar alguma poeira. Removeu a sua capa e, pondo-se entre duas árvores, agarrou-se a elas e gritou.

    As árvores começaram a ranger e a vergar-se lentamente. O tom de voz também mudou de timbre até se tornar bastante profunda. Por fim, as árvores quebraram-se estrondosamente e o jovem finalmente percebeu. O barulho causado pela quebra das árvores era igual ao que ele e os seus amigos haviam escutado anteriormente. Depois, fez-se silêncio, como se nada tivesse acontecido.

    O jovem descobriu alguma coragem dentro de si, levantou-se, caminhou até às brasas fumegantes da fogueira e perscrutou toda a orla da floresta, em busca de algum sinal de Tholmer. Infelizmente, a escuridão era tal que não conseguiu ver nada.

    «Eu e a minha imaginação!» pensou, sorrindo e abanando a cabeça. Confortado, iniciou o caminho até ao seu saco-cama.

    De súbito, uma enorme massa surgiu por cima das copas das árvores e, dessa massa, irrompeu uma enorme labareda de fogo, que reacendeu de uma só vez a fogueira. O jovem caiu para trás com o susto, pois a fogueira pareceu explodir de fúria. Logo a seguir, a massa que pairara sobre as árvores pousou na clareira, junto à orla da floresta. A luz da fogueira brilhou com tal intensidade que iluminou toda a clareira.

    Finalmente, o jovem conseguiu levantar-se. Perplexo e um pouco desnorteado, voltou-se para a tal massa e vislumbrou quem Tholmer realmente era. Tal foi o seu espanto que o seu corpo deixou de lhe obedecer. Ficou absolutamente paralisado com o terror que os seus olhos lhe mostravam.

    – Im… poss… ssível!

    Um dragão. Ele estava de caras com um verdadeiro dragão. Uma enorme criatura mitológica saída de histórias, fábulas ou contos muito antigos, passados de geração em geração, com o propósito de assustar e ao mesmo tempo educar, com as suas subjacentes morais.

    Mas isto não era uma fábula, um conto, uma história, nem mesmo um mito… isto era a realidade. Uma realidade absurdamente improvável mas real.

    Tholmer era uma criatura deveras impressionante. Tinha cerca de 5 metros de altura, 15 metros de comprimento e cerca de 3-4 metros de largura. As asas estavam dobradas sobre o seu dorso. Avançava para ele com os olhos semicerrados (tal como a lua), com um reluzir amarelo e brilhantes como estrelas na noite. As suas escamas, eram lisas e assemelhavam-se mais a uma pele rugosa e não às escamas de um réptil. Tinham uma tonalidade verde-marinha pálida. No topo da cabeça tinha três imponentes cornos curvados para trás, sendo que o maior deles estava ao meio. O focinho não era muito comprido e tinha uma boca com uma fileira de dentes grandes e afiados.

    O dragão avançou, caminhando sobre os quatro membros, até ao centro da clareira, onde parou. Ergueu-se nos membros posteriores e abriu, de rompante, as enormes asas enquanto rugia, causando uma onda sonora que fez com que as primeiras árvores, na orla, abanassem violentamente, como se uma súbita ventania se abatesse sobre elas. As asas eram gigantes e membranosas, semelhantes às de um morcego. Cada uma tinha o comprimento aproximado do corpo de Tholmer, perfazendo uma envergadura de praticamente 30 metros.

    O corpo do jovem humano tremia por causa da descarga de adrenalina causada pelo medo.

    O dragão falou com uma voz grave e poderosa.

    – Saudações… novamente! – Exclamou sarcasticamente. – Saúdo-te novamente porque é assim a tradição, quando estamos perante um adversário, demostrando desse modo o devido respeito, um pelo outro… é uma questão de educação!

    – O que… queres de mi… – tentou responder o jovem humano.

    Antes mesmo de conseguir completar a sua pergunta, o jovem foi varrido pela poderosa cauda de Tholmer e projectado pelos ares, tendo vindo a aterrar violentamente numa outra parte da floresta. A queda do jovem podia ter sido bem pior. Contudo, o corpo dele foi amparado pelos vários ramos e por um enorme e largo pinheiro. Apesar disto, todo o seu corpo lhe doía, sobretudo pelo golpe a que foi sujeito, mas também devido à violenta aterragem.

    Quando finalmente arranjou forças para se levantar, contemplou uma vez mais o impossível. Todas as árvores à sua volta tinham desaparecido. Estava numa outra clareira, ligeiramente mais pequena que a anterior. Agarrou-se às costelas, algumas das quais estariam partidas, pois não conseguia respirar como queria e cada inspiração causava-lhe dores muito desconfortáveis.

    Atordoado, não deu pela aproximação do enorme adversário. Tholmer aterrou abruptamente perto de si e, aproveitando a perplexidade do seu pequeno adversário, infligiu-lhe um novo golpe, desta vez com o punho. O jovem foi atirado contra uma outra árvore e caiu inanimado.

    – És corajoso, pequeno… consigo senti-lo! És também muito forte. Não é qualquer um que se consegue erguer depois do meu primeiro golpe! – Proferiu o dragão – Mas também és estúpido ao ponto de o teres feito. Quem é o humano que, no seu perfeito juízo, decide enfrentar um dragão? – Gracejando ironicamente.

    O jovem despertou, desnorteado, poucos minutos depois, sem se conseguir mover.

    O último golpe de Tholmer fora diferente. Desta vez, o dragão utilizara também as suas garras, causando danos irreparáveis ao jovem humano. Este apresentava golpes transversais no peito abaixo do pescoço, na barriga e na perna esquerda.

    Dada a força colossal do golpe, o jovem caíra violentamente, de barriga no chão, que lhe pareceu como ferro maciço. A própria inércia do golpe foi tal que o seu corpo só parou porque estava uma árvore no seu caminho. A muito custo, o jovem humano, num esforço sobre-humano voltou a cabeça e fixou os seus olhos nos de Tholmer. Para seu espanto viu os enormes olhos do dragão a lacrimejarem. Não eram lágrimas de pena mas sim de satisfação, pois voltava a expressar um sorriso mórbido, eram sim de alegria, uma alegria distorcida à sua maneira.

    – Dói-te muito? – Inquiriu Tholmer – Os humanos são tão frágeis que quase até dá pena… quase! – Desabafou, sorrindo novamente. – Não é nada pessoal, apenas cumpro ordens e não te posso deixar viver. Espero que me perdoes! – Gozou, sorrindo novamente.

    Não havia nele qualquer intenção de desculpas. Aliás, parecia acolher o sofrimento dos outros com surpreendente frieza. O jovem moribundo conseguiu perceber que não existia honra nas acções de Tholmer.

    «Cobarde!», pensou.

    – Oh, não te preocupes… tudo vai acabar bem. – Afirmou Tholmer

    Neste confronto, a coragem provinha única e exclusivamente de um dos lados, mais precisamente da pequena criatura que continuava a fixar os olhos moribundos em Tholmer. O cobarde, por sua vez, observava-o altivo e paciente, a saborear o golpe final.

    Estendido no chão e sem se conseguir mexer, o jovem lutava para se manter consciente. O sabor a ferro na sua boca impeliu-o a cuspir uma mistura escura de sangue e saliva. No limiar da consciência, ele apercebeu-se de que não lhe restava muito mais tempo. Para qualquer criatura consciente e sem malícia devia ser uma visão terrífica, contemplar um ser humano tombado numa poça de sangue, com as feridas abertas e sujas, devido à terra e poeiras.

    Já quase não conseguia respirar, agora também graças à posição em que o seu corpo, inerte, ficou. O facto de estar a cuspir sangue também não ajudava. Era uma sensação horrível. Começou a sentir frio devido ao sangue quente que lhe saía do corpo. O medo tomou conta dele e as lágrimas começaram a escorrer-lhe pelo rosto. Tinha medo de se afogar no próprio sangue… tinha medo de morrer.

    «Porquê eu? Eu só queria saber quem sou e… agora… morro sem o saber. Será este o meu destino, morrer nas mãos de tão cobarde e vil criatura?».

    Muitos outros pensamentos vieram-lhe à cabeça. Imagens da família, amigos, lugares e amores antigos, que nunca mais veria ou sentiria, toldaram-lhe a mente. Enquanto pensava nestas palavras, misturadas com as inúmeras imagens, conseguiu ouvir tenuemente Tholmer a lamentar-se antes de lhe infligir o último golpe para, como ele o disse, o poupar a tamanho sofrimento.

    Porém, Tholmer desconhecia por completo que o jovem não estava a sofrer. Os ferimentos eram tão graves que, pura e simplesmente, não sentia qualquer tipo de dor.

    – Tens de perceber… isto ultrapassa-me! – Desculpou-se Tholmer, uma vez mais sem qualquer intenção. – Não te posso deixar sobreviver depois de teres visto a minha verdadeira forma. É a nossa… minha sobrevivência que está em risco! – Emendou.

    «Nossa? Existem mais dragões? Como? Como é possível terem passado despercebidos durante todo este tempo?» pensou o jovem. Ele sentia a vida a escapar do corpo e as pálpebras começaram a ficar pesadas, para toda a eternidade.

    «É agora… chegou o meu fim! É assim que a minha vida acaba? Tinha ainda tanto para ver, sentir e aprender… sinto que não vivi nada! Ainda só tenho 29 anos… tinha toda uma vida pela frente!».

    Tholmer aproximou-se do local onde o jovem jazia. No único acto de gentileza, o dragão virou delicadamente o corpo do jovem, pondo-o de barriga para cima. O jovem jorrou novamente sangue pela boca.

    Tholmer ergueu a sua enorme pata dianteira e baixou o pescoço. Uma única lágrima caiu do seu olho. Enquanto a lágrima caía, o seu sorriso aumentou, dando-lhe uma expressão ainda mais aterrorizadora. Imediatamente a seguir, ergueu a cabeça, contemplou e avaliou o alvo, deu uma gargalhada macabra e levou ao seu punho em direcção ao chão, a fim de esmagar aquele pequeno insecto que tivera a audácia de o desafiar.

    Aos olhos do jovem, a grande mão de Tholmer caía lentamente na sua direcção, proporcionando-lhe mais alguns ténues momentos de vida. Naquele preciso momento, o medo abandonou o seu corpo. Sorriu ao de leve e aceitou o inevitável… aceitou o seu cruel destino… abraçou a morte… ansiou pelo desconhecido...

    Sem aviso, uma voz profunda ecoou dentro da sua mente.

    – «É chegada… a hora!» – A misteriosa voz voltara, confortando mais um pouco o corpo débil e moribundo do jovem humano

    – «Acorda e ergue-te! Diz o teu nome… e vive!»

    – O… me… meu… nome? O… meu… nome… é… – tentou o jovem falar.

    – «NÃO! – Interrompeu a voz – Diz o teu nome… o teu verdadeiro nome… e VIVE!»

    A mão de Tholmer desceu em direcção ao solo. Quando estava prestes a esmagar o corpo do jovem, um enorme trovão rasgou os céus, causando inclusive um ligeiro tremor de terra.

    Surpreendido, Tholmer deteve a sua mão a escassos centímetros do corpo do jovem e olhou para o céu. As poucas nuvens presentes aglomeraram-se em torno da clareira, cobrindo-a com a sua sombra. O conjunto crescente de nuvens ia ribombando de vida, enquanto se agregavam. As nuvens eram banhadas com uma tonalidade avermelhada, de tal modo que a própria lua, por detrás, parecia sangrar. Os trovões ressoaram novamente e com mais força. Tholmer ficou inquisitivo e ligeiramente apreensivo.

    – O que é isto? – Inquiriu, com a sua voz grave.

    As nuvens começaram a girar como uma tempestade e, de repente, um raio escarlate precipitou-se do centro da tempestade e atingiu o corpo estendido do jovem humano. A energia foi tão potente que Tholmer foi atirado para trás. O dragão ergueu-se rapidamente e olhou pasmado para o centro da clareira.

    O jovem estava envolto em energia pura. O seu corpo começou a pairar no ar, com vários raios a atingirem-no. Quase de imediato sentiu a vida a voltar ao meu corpo, conseguiu ver e sentir as suas feridas a fechar. A energia voltou ao seu corpo, restabelecendo-o. Sentia-se… como nunca se sentira antes… sentia-se verdadeiramente vivo.

    – Como… é… possível? – Insurgiu Tholmer novamente.

    De seguida, as nuvens desceram como um tornado sobre o jovem e começaram a envolvê-lo, embrulhando-o, tal como uma aranha embrulha a sua presa na teia. O seu corpo ficou oculto num casulo encarnado e nebuloso. Sentiu-se a mudar… sentiu poder, muito poder a tomar conta de si… sentiu-se maior e muito mais poderoso.

    – QUEM ÉS TU? – Gritou Tholmer. Olhou momentaneamente para a lua vermelha, através das nuvens e viu-a a olhar directamente para si. Já não lhe parecia a lua, mas sim um olho gigantesco que o fixava furiosamente.

    – Não… é… possível! – Exclamou Tholmer – Exijo saber quem és TU?

    Nesse momento, um novo raio perfurou os céus. Desta vez, o raio atingiu Tholmer, que foi arremessado contra as árvores atrás dele. Estas foram fácil e estrondosamente derrubadas, devido ao peso maciço do dragão.

    IEI? – Respondeu então uma voz, vinda da nuvem vermelha, uma voz mais grave e poderosa que a de Tholmer.

    – Como? Tu… tu conheces… a nossa língua? Quem… quem és tu?

    Responde-me!

    As nuvens dissiparam-se. Tholmer olhou, pasmado. A sua cara estava deformada devido ao medo.

    Diante de si estava um enorme dragão, de tom vermelho vivo, de asas gigantescas abertas, semelhantes às de um morcego, porém pontiagudas na ponta. O focinho não era muito comprido e estava arregalado de fúria. Ostentava vários cornos maciços esbranquiçados na cabeça, que iam ficando progressivamente mais escuros, quase negros, à medida que se aproximavam das pontas. Os maiores estavam virados em curva para trás, um de cada lado do topo da cabeça.

    Havia vários outros cornos, mais pequenos, dispostos para trás, protegendo o pescoço. Possuía igualmente outras protuberâncias, semelhantes aos cornos mas bem mais pequenos, por detrás das bochechas, dois de cada lado. Apresentava também grandes espigões em linha e espaçados entre si a protegerem-lhe o dorso. Estes prolongavam-se do pescoço até à cauda, estando os maiores localizados entre as omoplatas e os restantes iam diminuindo progressivamente de tamanho à medida que se afastavam em direcção à cauda.

    Tinha orelhas pontiagudas, voltadas para trás e os seus olhos eram de uma cor vermelho-sangue, com grandes pupilas negras e viperinas. A boca, ligeiramente aberta, estava repleta de vários e grandes caninos afiados como navalhas e a sua garganta parecia iluminada por fogo.

    O enorme ser olhava furiosamente para Tholmer. A sua fúria era tal que os seus olhos pareciam fumegar. Rosnava ao sabor da sua pesada respiração, libertando copiosas quantidades de vapor quente pelas narinas dilatadas.

    Encontrava-se apoiado somente nos membros posteriores, à semelhança do que Tholmer fizera, fazendo com que ficasse com cerca de dez, doze metros de altura. Finalmente, mexeu-se, esticando os seus braços para cima e contemplando as poderosas garras que possuía, cinco em cada mão.

    Considerou o que a voz lhe dissera e viu, na sua mente, a imagem de um nome, o seu nome… Draggars. Fixou Tholmer com os olhos a brilhar.

    IEI MALRK DRAGGARS, strilët vulkir DRAGFIR! Tur mët arlik, o kar Draggars burte fillar!

    A tradução para a linguagem corrente dizia qualquer coisa como isto: «Eu sou Draggars, da linhagem de Dragfir! Vim porque acordei, e para sempre serei Draggars!».

    Tholmer levantou-se aterrorizado. Ergueu e bateu as asas para fugir. Draggars abriu as suas enormes e musculosas asas elevou-se nos ares, deixando no local uma densa nuvem de poeira. Voou velozmente na direcção de Tholmer, agarrou-o pelas costas e atirou-o em direcção ao solo.

    – Hoje apenas um de nós morrerá… Tholmer, filho de Tholken! – Exclamou.

    O dragão verde ergueu-se rapidamente e os seus olhos amarelos encheram-se de terror.

    – Trataste-me desonradamente e tentaste matar-me sem explicação… a não ser a tua demência! – Continuou Draggars. – Tal como disseste, eu não fui o único… houve muitos outros, humanos e não só, que mataste vilmente e

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