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Crónicas de um Planeta Que Era Azul
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Crónicas de um Planeta Que Era Azul
E-book200 páginas2 horas

Crónicas de um Planeta Que Era Azul

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Sobre este e-book

Num cantinho esquecido de uma vasta galáxia, existia uma estrela de cor amarela-esbranquiçada. Em redor desta estrela orbitava um planeta que tinha três características peculiares. Em primeiro lugar, era azul. Em segundo lugar, era extremamente rico em vida. Em terceiro lugar... Enfim, a terceira característica é uma longa história. A terceira característica do planeta era viver nele uma espécie que, sem pedir licença a ninguém, se decidira auto-proclamar o pináculo da criação.
Essa espécie somos nós e este livro procura, ao longo de quarenta curtas histórias, enquadrar a nossa relação com o mundo que nos rodeia.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de set. de 2018
ISBN9780463539934
Crónicas de um Planeta Que Era Azul
Autor

Pedro M. Lourenço

Pedro M. Lourenço was born in Caldas da Rainha , Portugal, in 1980. He lived there until he was 17. In 1998 he moved to Lisboa, to study at the Faculty of Sciences of the University of Lisboa. In 2003 he finished his degree in Biology, a scientific field that he never abandoned ever since. After finishing his degree, he worked in various projects related with Ornithology and Ecology, and eventually defended a PhD thesis in 2010, at the University of Groningen, The Netherlands, on the topic of bird migration. Over the years, writing was always a second home, a secret passion that seldom saw the light of day. After the PhD he returned to his native Portugal, having worked in nature conservation projects and, more recently, in research projects at the University of Lisboa. His research on bird migration often offered him the chance to fulfil another of his passions: travelling. He has been to exotic locations such as the fjords of Iceland, the Banc d'Arguin in Mauritania, and the Bijagós archipelago of Guinea-Bissau, as well as to most European nations. In 2017, writing finally gained a much deserved bigger role in his life, with the publication of his first book entitled "À Sombra de Uma Estrela Intermitente". This collection of short stories, written in Portuguese, wander the uncertain border between happiness and sadness. Since then he has worked on several writing projects, including a few children's stories that are slowly becoming available now in ebook format both in Portuguese and English. Currently, he lives in Groningen, the Netherlands, together with his partner, Ana Ferreira, and their two children, João and Teresa, trying to reconcile his biology, is writing and family life in a juggling act that is not always easy to perform.

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    Pré-visualização do livro

    Crónicas de um Planeta Que Era Azul - Pedro M. Lourenço

    Prólogo

    Num cantinho esquecido de uma vasta galáxia, escondida num dos grandes braços que desenhavam mais uma imensa espiral semelhante a tantas outras que sulcavam o negrume do Cosmos, existia uma estrela de cor amarelo-esbranquiçada e tamanho médio. Era uma estrela semelhante a tantas outras que por ali dançavam o eterno bailado galáctico, produzindo luz e calor enquanto orbitava lentamente o distante centro da galáxia.

    Em redor desta estrela orbitava uma pequena família de planetas e outros corpos astrais, semelhantes a tantos outros que acompanhavam as outras incontáveis estrelas que compunham aquela e as outras galáxias do Cosmos. O terceiro planeta a contar da estrela era um corpo rochoso que tinha três características peculiares. Em primeiro lugar, era azul. A combinação de uma atmosfera rica em azoto e de vastos oceanos de água líquida que cobriam a maior parte da sua superfície davam-lhe um bonito tom azul-profundo, cartão-de-visita que lhe valera o epíteto de planeta azul. Em segundo lugar, era extremamente rico em vida. A vida gerara ali um número prodigioso de organismos, numa miríade de formas, cores e hábitos que ocupavam cada recanto do planeta desde as profundezas dos seus oceanos aos topos das mais altas montanhas, sem esquecer a atmosfera azul celeste que dominava todas as suas paisagens. Em terceiro lugar… Enfim, a terceira característica é uma longa história.

    A terceira característica do planeta era viver nele uma espécie que, sem pedir licença a ninguém, se decidira autoproclamar o pináculo da criação. Esta espécie, um tipo de mamífero bípede com pouco pêlo, decidira que era a única forma de vida inteligente em todo o Universo, embora não tivesse dedicado muito tempo a procurar outras formas de vida inteligentes. Decidira também que o seu era o único planeta do Universo com vida, embora não também tivesse dedicado muito tempo a procurar vida noutros planetas. Tamanha soberba, tão desmedida arrogância, seria só por si digna de registo, mesmo num universo tão vasto quanto aquele em que existimos. Contudo, o que tornou esta espécie verdadeiramente notória foi a sua estranha decisão de se excluir da Natureza que a rodeava e de lhe declarar guerra sempre que possível.

    Nunca se vira nada assim. Claro que a coexistência e a coabitação nem sempre são pacíficas. Todas as criaturas que têm irmãos sabem bem disso. Mas o que ali tínhamos era uma tentativa de rejeitar a sua origem e a sua própria natureza. Estas criaturas, que se autodenominavam homens, consideravam-se exteriores à restante vida que habitava o planeta azul. Criaram não uma mas diversas e complexas mitologias para melhor defenderem, de quem não se sabe ao certo, o seu direito de dominar e usufruir das restantes formas de vida que com eles partilhavam o planeta. Na sua guerra aberta contra a vida que lhe era mãe, pai, irmão e irmã, acabaram por ferir o próprio planeta e a sua capacidade de suportar a vida que o caracterizava. Transformaram oceanos em lixeiras e terras em desertos, exterminaram espécies inteiras e reduziram outras tantas à condição de meros servos. Acabaram por alterar até a própria atmosfera do planeta, com consequências tão nefastas quanto imprevisíveis. E quando não estavam a destruir o planeta, estavam a destruir-se uns aos outros, com armas cada fez mais complexas e destrutivas.

    Contudo, ninguém pode rejeitar a sua natureza. Ninguém é capaz de ser sempre aquilo que não é. As máscaras, por mais agarradas à pele que estejam, acabam sempre por cair. Foi por isso que aqui compilei estas Crónicas de um planeta que era azul. Passo a passo, linha a linha, elas mostram-nos, ou antes recordam-nos, que a máscara nunca o foi. Da superfície da sua pele à carne e ossos que esta escondia, os homens tinham escrita em toda a parte a sua verdadeira natureza. Nos seus actos, nas suas palavras, na sua forma de viver, os homens tinham desenhada a sua verdadeira essência. O único local onde o homem fora menos parte daquilo que o rodeava fora na mente de homens fracos de espírito que preferiram distribuir vendas em seu redor a aceitar abrir os olhos e ver. Homens que se recusaram a abraçar, de braços bem abertos e sorriso rasgado, a sua comunhão com algo infinitamente maior que os mitos e fantasmas que criaram para toldar a vista dos demais. Pois o homem era uma parte tão integrante da Natureza quanto o eram todas as outras miríades de espécies que coabitavam esse planeta azul, num contínuo ininterrupto desde a mais básica forma de vida unicelular aos mais complexos organismos superiores. Essa continuidade era evidente nos seus genes, era evidente nos processos bioquímicos que governam os seus corpos, era até evidente na estrutura dos seus corpos e nos seus comportamentos. O extraordinário cérebro humano, sede do intelecto que lhes permitiu criar a tecnologia, as artes, a filosofia, todos os componentes da sua grandiosa civilização, teve origem na mesma evolução natural que criou com igual mestria o tentáculo do polvo, a folha do carvalho ou a juba do leão.

    Enquanto se desenrolavam os diversos dramas desta tragédia, indiferente às guerras e batalhas, às mortes e nascimentos, às conquistas e desconquistas, aos desabrochares e às metamorfoses, às extinções e especiações, à ascensão e colapso de civilizações inteiras, o pequeno planeta azul continuou sempre imperturbável o seu percurso em redor da sua estrela. Tal como ele, a estrela continuou sempre imperturbável o seu percurso em redor da galáxia, e a própria galáxia continuou, não menos imperturbável, o seu percurso pelos espaços atrozmente vastos do Universo. Porque no grande esquema das coisas a vida de um homem ou de mil milhões de homens são absolutamente indiferentes, assim como o são as vidas dos incontáveis milhões de formigas, elefantes, medusas, bactérias, gerânios e cogumelos que com eles viajavam no planeta que era azul. E contudo, nos mares, nas terras, nos ares do planeta, nada existia de mais importante…

    I

    A antecâmara da existência

    Uma prisão? O espaço confinado a que estava restringido parecia-lhe ficar menor a cada dia que passava. A sua pequena cela não tinha janelas, apenas a clemência de uma fusca claridade que toldava mais do que revelava os limites da sua existência.

    Onde estaria ele? Estaria ali há quanto tempo? A verdade é que não tinha qualquer memória clara de outro local ou condição, e a ausência quase total de estímulos sensoriais tornava impossível qualquer tentativa de avaliar a passagem do tempo. Por vezes ouvia. Simplesmente ouvia. Procurava interpretar cautelosamente esses parcos estímulos auditivos, com a curiosidade naïve de quem experimenta experimentar pela primeira vez.

    Perdido no doce embalo daquela existência resguardada, passava longas horas, que talvez fossem meros segundos, perdido a filosofar. Seria pois aquilo tudo o que poderia esperar da vida, ou apenas uma curta antecâmera daquilo que estava ainda para vir? Seria aquele local todo o Universo, ou antes uma mera concha fechada que lhe ocultava a imensidão de um espaço exterior ainda insuspeito?

    Ultimamente começara a suspeitar que não era a sua prisão que estava a minguar, mas antes o seu corpo que crescia. Notava diferenças nos seus membros, que se tornavam a cada dia não apenas mais longos como também mais fortes. Certo dia, que talvez fosse noite, num momento de verdadeira epifania, compreendeu por fim que a penumbra em que vivia se devia não apenas à falta de luz da sua cela, mas também ao facto de não ter até então compreendido que tinha os olhos cerrados. Foi nesse dia que sentiu finalmente o ensejo de fazer algo para alterar a sua condição. A força em si que crescia, dia após dia, foi a acendalha que nele desencadeou finalmente uma vontade férrea de lutar pela liberdade.

    Depois das primeira parcas tentativas de usar os seus membros contra a matriz que o continha, depressa compreendeu que a solução estava na sua cabeça. Algo duro lhe crescia sob os olhos e instintivamente soube que deveria usá-lo como se de um martelo se tratasse. Martelou e martelou a barreira branca até por fim ver o seu esforço recompensado pelo desenhar da primeira rachadura mais luminosa contra o branco fosco que o rodeava. Na alegria daquele momento soltou um breve som da sua garganta. Foi um primeiro som que o surpreendeu tanto quanto aquela extraordinária evidência de que o seu confinamento poderia ter fim.

    O trabalho árduo continuou e daquela primeira rachadura nasceram muitas outras, até que, eventualmente, pequenos buracos de luz perfuraram o véu que lhe escondia o resto do mundo. Percebeu que agora poderia usar os membros como alavanca para acelerar o seu labor. Quando a casca por fim cedeu, foi cegado pelo brilho alegre e efusivo da luz do dia que o aguardava lá fora. Quando os seus olhos por fim se ajustaram à radiância termonuclear do Sol, viu desenhado contra o azul glorioso daquele dia de Primavera a expressão doce e terna dos olhos do seu pai que o miravam por detrás de um enorme bico alaranjado.

    A pequena ave eclodira por fim, depois de quatro longas semanas de incubação. Deixou para trás as cascas partidas do seu ovo e respirou profundamente o ar fresco da manhã, na certeza de que a sua vida tinha acabado de começar.

    II

    O náufrago

    Agarrado a uma miserável prancha de carvalho, o náufrago segurava-se obstinadamente à vida. Em seu redor a fúria do oceano esgotava-se finalmente e as ondas, embora ainda assustadoras, pareciam prestes a dar tréguas ao pobre desgraçado. Terminada a tempestade veio a inevitável certeza da morte. Sozinho naquele infinito deserto salgado, sem esperança de salvação, ele encostou a cabeça àquela velha madeira que tantas vezes circundara o globo e aguardou pelo seu fim. Passaram-se horas, ou talvez dias, e o final parecia cada vez mais próximo, mas no delírio da insolação e da sede algo foi chamar uma réstia da sua consciência à superfície dos seus pensamentos. Um som que não pertencia ali.

    Algures nas profundezas do seu cérebro, neurónios irrequietos notaram um padrão distinto do monótono murmurar do oceano e dos ventos. Rebentação. Ondas azuis e vigorosas a quebrarem-se numa praia de areias brancas. Num esforço que lhe pareceu titânico, ergueu a cabeça o suficiente para olhar na direcção de onde lhe parecia provir o som. Então viu-a. Uma ilha. O arquétipo da ilha tropical dos mares do sul. Uma vasta curva de areia branca e reluzente, ladeada por imponentes palmeiras e coqueiros. Uma faixa branca lambida vezes e mais vezes sem conta pela rebentação do mar azul profundo, que era primeiro convertido em espuma branca e por fim no manchar branco-sujo da areia molhada. Perante a hipótese de sobrevivência, o corpo tratou de encontrar forças onde não as tinha. Os braços ainda há pouco inertes converteram-se em poderosos remos que depressa navegaram a embarcação improvisada até terra. Salvação?

    Naquela ilha ele encontrou o mínimo necessário ao sustento do corpo. O alimento abundava, tanto na pequena floresta como na laguna rica em frutos do oceano. A água que corria num pequeno regato, desde a única colina da ilha ao oceano, era tão fresca e

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