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O Novo Curso
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E-book473 páginas6 horas

O Novo Curso

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Sobre este e-book

Quase um século de turbulências nos separam de 1923. Para o destino da revolução bolchevique, que tateava pela sua primeira década de existência, aquele foi um ano de importância ímpar, um ponto de encontro para diferentes eventos centrais. Seu alcance foi suficiente para influenciar a vida em todo o mundo, moldando desafios que duram até hoje.

A "Nova Política Econômica", precipitosamente inaugurada dois anos antes por Lenin, mostrava seus primeiros resultados positivos, mas também suas dificuldades e complexidades. O próprio Lenin, por motivos de saúde, estava na prática removido da direção do partido, da revolução e do novo Estado cujo curso, em última instância, ele sempre determinou; durante o início do ano seguinte sua vida se encerra após uma batalha furiosa e fútil, tentando dissipar a densa névoa burocrática que se empunha por todos os lados obscurecendo a luz aguardada da revolução.

Em setembro de 1923 o fracasso de uma última tentativa de levante comunista na Alemanha arrefeceu o impulso revolucionário do pós-guerra que alimentava as expectativas de salvação de todos os socialistas.

Intimamente conectado a estes três eventos estava a irrupção, durante o mesmo ano, do conito mais fatídico na história do bolchevismo e sua revolução – o conflito entre Trotsky e os profissionais do partido. O Novo Curso de Trotsky foi o primeiro anúncio deste embate. Um tratado sobre a democracia dos de baixo, mesmo sendo um clássico deste campo, o Novo Curso também explica as duas questões, vitais e interligadas, da crise social dos primeiros anos da revolução russa; o planejamento econômico de longo prazo e as relações entrecampo e cidade.

Ao invés de uma serie de regras abstratas em torno do "centralismo democrático", mais que em qualquer outro texto, O Novo Curso entra em detalhes sobre com se deve tratar os con  itos entre o "novo" e o "velho" dentro do movimento socialista, sobre a natureza viva, dinâmica, da teoria e tradição marxista assim como a construção de relações partidárias saudáveis. Chega a ser surpreendente a demora de quase cem anos para que este livro fosse publicado em português.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de set. de 2023
ISBN9786599718861
O Novo Curso

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    O Novo Curso - Leon Trotsky

    novocurso.png

    [CC BY-NC-ND 4.0] Contrabando Editorial

    Somente alguns direitos reservados. Esta obra possui a licença

    Creative Commons de Atribuição + Uso não comercial + Sem derivações

    ISBN: 978-65-997188-5-4

    Formato: ePub 3.0

    Publicado em 2023 por

    Contrabando Editorial

    Rua Itapeva, 490, conjunto 38

    Bexiga, São Paulo

    Contrabando.xyz

    @contrabandoEditorial

    Capa desenhada por Maíra Martines

    I

    Prefácio

    1. Questões Geracionais

    2. Composição Social

    3. Grupos e Frações

    4. Burocratismo e Revolução

    5. Tradição e Política Revolucionária

    6. A Subestimação do Campesinato

    Anexo I – Questões fundamentais da política agrária

    7. Economia Planificada (decreto nº 1042)

    Anexo II – Novo Curso

    Anexo III – Funcionarismo dentro e fora do Exército

    Anexo IV – Sobre a conexão (smytchka) entre a cidade e o campo

    Anexo V – Duas gerações

    II

    1. Primeira Carta ao Comitê Central

    2. Declaração dos 46

    3. Carta à Comissão de Controle

    4. Segunda Carta ao Comitê Central

    5. Discurso no Plenário da Direção

    III

    1. Agonia de Lênin (Valentina Vilkova)

    2. Cem anos depois (Euclides Agrela)

    3. A luta pelo Novo Curso (Max Shachtman)

    O Internacionalismo da Revolução Russa

    NEP e burocratismo

    Trotsky começa lutar

    A campanha contra o trotskismo

    O papel de Lênin

    Como a oposição foi derrotada

    O Triunfo de Stálin

    A ala direita é esmagada

    A natureza de classe do Estado russo

    A burocracia enquanto nova classe governante

    Novo Curso e o movimento sindical

    Nota de Publicação

    Landmarks

    Cover

    Tabela de Abreviações

    I

    Prefácio

    Leon Trotsky

    Esta obra aparece com um atraso considerável devido a problemas de saúde. As questões tratadas aqui, porém, foram apenas agora abertas ao debate.

    Em torno desses problemas, referentes ao regime interno do partido e à economia do país, surgiram nuvens de poeira durante a discussão que, com frequência, formam um véu quase impenetrável, irritando os olhos. Mas isso passará. As nuvens empoeiradas serão dissipadas e reaparecerão os contornos reais dos problemas. O pensamento coletivo do partido extrairá progressivamente das discussões o que lhe for necessário, adquirirá uma maior maturidade e se tornará mais seguro de si mesmo. Dessa maneira, a base do partido se ampliará e sua direção se fortalecerá.

    Este é o sentido objetivo da resolução do Comitê Central sobre o novo curso do partido, quaisquer que forem as interpretações restritivas das quais seja objeto. Todo o trabalho anterior de depuração do partido, o melhoramento da sua instrução política, do seu nível teórico e do nível de preparação de seus funcionários só pode conquistar seu ápice na ampliação e intensificação da atividade autônoma de todo o partido, atividade que é a única garantia séria contra todos os perigos inerentes à Nova Política Econômica¹ e à lentidão do desenvolvimento da revolução europeia.

    Porém, é inelutável que o novo curso do partido só possa ser um meio e não um fim em si mesmo. Pode-se dizer que o valor de um período será determinado exatamente na medida em que nos facilite a solução de nosso trabalho econômico.

    A administração da nossa economia estatal é necessariamente centralizada. A consequência disso, nos primeiros tempos, foi que os problemas e as divergências de opiniões vinculadas à direção da economia central estiveram limitados a um círculo pequeno de pessoas. A elaboração coletiva do partido ainda não se debruçou diretamente sobre o estudo dos problemas e das dificuldades fundamentais da direção centralizada e racionalizada da economia estatal. Mesmo no XII Congresso, os problemas relativos ao planejamento da economia foram somente abordados em dados resumidos de um modo formal. Isso explica, em grande medida, que as vias e os métodos estabelecidos na resolução desse congresso quase não foram aplicados até agora e que o Comitê Central teve que colocar novamente a questão da necessidade de levar à prática as decisões econômicas do XII Congresso, em particular as relacionadas ao Plano Estatal (Gosplan)².

    Mas, dessa vez, a decisão do Comitê Central foi acolhida por diferentes setores com reflexões céticas³ sobre o Gosplan e a realização de um planejamento pela direção. O ceticismo não envolve nenhum pensamento criador, nenhuma teoria, nada sério. E se esse ceticismo barato é tolerado no partido, é precisamente porque o pensamento coletivo do partido ainda não abordou nitidamente os problemas da direção centralizada e racionalizada da economia. No entanto, da realização frutífera dessas decisões depende totalmente a sorte da revolução.

    No seu último capítulo, este opúsculo aborda o problema das relações entre o planejamento e a direção, a propósito de um exemplo particular que não escolhemos arbitrariamente, senão que nos foi imposto pela discussão interna do partido. É de se esperar que, na próxima etapa, o pensamento do partido aborde todos esses problemas de maneira muito mais concreta do que fez até agora. Para quem segue como espectador – e tal é agora minha situação –, diante da atual discussão econômica parece que o partido tem retrocedido um ano para interpretar de uma maneira mais crítica as decisões do XII Congresso. Resultaram disso problemas que, de alguma maneira, eram monopólio de um círculo estreito, concentrando agora, pouco a pouco, a atenção de todo o partido. Da minha parte, só posso aconselhar aos camaradas que enfrentam os problemas econômicos que estudem atentamente os debates do XII Congresso sobre a indústria e os relacionem convenientemente com a discussão atual. Espero poder voltar a me dedicar a esses problemas em breve.

    ***

    É preciso reconhecer que, durante a discussão oral e escrita no partido, apareceram uma grande quantidade de fatos e informações que não têm nada em comum com a realidade e representam, para empregar um eufemismo, o fruto de inspirações passageiras. Disso damos prova neste livro. Recorrer a meios tão contundentes significa, no fundo, uma falta de respeito com o partido. E, segundo meu julgamento, este último deve responder a estes procedimentos com uma verificação minuciosa das citações, cifras e fatos apresentados. Isto constitui para o partido uma excelente forma de educar as massas e de educar-se a si mesmo.

    Nosso partido é suficientemente maduro para não ser obrigado a refugiar-se na apatia ou, pelo contrário, no furor da discussão. Um regime mais estável de democracia assegurará à nossa discussão o caráter que deve ter e ensinará a apresentar ao partido somente dados cuidadosamente verificáveis. Nesse sentido, a opinião pública do partido deve se formar na arte da crítica mais impiedosa. As células de fábrica, em sua experiência diária, devem verificar os dados da discussão e suas conclusões. Também seria muito útil que a juventude estudantil tome como base de seus trabalhos históricos, econômicos e estatísticos a verificação minuciosa dos dados empregados na discussão atual do partido e sobre os quais este baseará suas decisões no futuro.

    Volto a repetir que a aquisição mais importante que o partido fez, e que deve conservar, consiste no fato de que as questões econômicas capitais, que antes eram resolvidas no seio de organismos restritos, sejam convertidas no centro de atenção das massas do partido. Entramos num novo período. As nuvens de poeira levantadas pela discussão se dissiparão, os falsos dados serão rechaçados pelo partido e este manterá os olhos fixos nas questões fundamentais da organização econômica. A revolução só terá a ganhar com isso.

    Leon Trotsky

    Pós-escrito

    Este livro contém, ademais os capítulos publicados no jornal Pravda, alguns capítulos novos: O burocratismo e a revolução, Tradição e política revolucionária, A subestimação dos camponeses, A planificação da economia. No que diz respeito aos artigos já publicados, eles são reproduzidos aqui sem mudar uma linha, o que permitirá ao leitor julgar em que medida seu sentido foi e é monstruosamente descaracterizado ao longo da discussão.

    L. T.

    1 A Nova Política Econômica (NEP) foi adotada pelos bolcheviques no X Congresso, em um reconhecimento tardio da necessidade de se encerrar as políticas do comunismo de guerra. Introduzido durante a guerra civil, ao longo de sua aplicação, todos os vestígios de livre mercado foram abolidos, introduziu-se a requisição de grãos do campesinato e o racionamento de alimentos nas cidades e, em geral, métodos militares foram aplicados nas esferas da produção e distribuição. Um ano antes, em fevereiro de 1920, Trotsky propôs, em sua essência, as mesmas políticas da NEP ao Comitê Central, mas elas foram rejeitadas (ver Cap. VI e anexo I). Sob os escombros do levante de Kronstadt, o X Congresso viu-se obrigado a adotar a Nova Política Econômica em 1921, ampliando-a em maio do mesmo ano na Décima Conferência do Partido. Com base na retenção das indústrias-chave nacionalizadas, dos bancos estatais, da terra, dos meios de transporte e do monopólio do comércio exterior, Lênin propôs substituir a requisição de grãos por um imposto em dinheiro; permitir ao camponês dispor de seu excedente dentro dos limites do comércio local; autorizar concessões limitadas ao capital estrangeiro em certas indústrias, minas, florestas etc.; e, em geral, promover o desenvolvimento da economia russa ao admitir os desdobramentos de um tipo especial de capitalismo de Estado controlado pelos soviéticos. Para a avaliação posterior de Trotsky sobre o desenvolvimento da NEP, ver The Real Situation in Russia, por Trotsky, capítulos 3 e 4 (The Militant, v. 1, n. 2, 1928).

    2 Gosplan foi um termo popular surgido da combinação de abreviações do nome russo para a Comissão de Planejamento do Estado. Essa comissão era encarregada de elaborar, organizar e coordenar os planos gerais anuais e quinquenais para a economia russa. Embora sua importância tenha sido largamente expandida nas décadas de 1930 e 1940, comparada à relativa negligência inicial, ela continuou sendo, em grande medida, uma comissão técnica, incluindo especialistas filiados ou não ao partido, operando dentro dos limites estabelecidos pelo Birô Político do Partido Comunista, que também exercia poder de veto sobre suas conclusões.

    3 Para reações típicas da direção oficial do partido à ideia de planejamento centralizado de longo prazo, como o proposto por Trotsky, ver A Luta pelo Novo Curso, p. 321.

    1.

    Questões Geracionais

    Nas resoluções adotadas durante a discussão em Moscou foi feita a queixa de que a questão da democracia do partido está sendo complicada por discussões sobre a relação entre as gerações, ataques pessoais etc. Essa queixa atesta certa confusão mental. Ataques pessoais e a relação mútua entre gerações são coisas inteiramente diferentes. Colocar agora a questão da democracia do partido sem analisar a militância do partido, do ponto de vista social, assim como do ponto de vista da idade e posição política, seria dissolvê-la no vazio.

    Não é por acidente que a questão da democracia do partido levante antes de tudo a questão das relações entre as gerações. É o resultado lógico de toda a evolução de nosso partido. Sua história pode ser dividida esquematicamente em quatro períodos:

    1) O quarto de século de preparação até Outubro, o único na História;

    2) Outubro;

    3) O período após Outubro; e

    4) O novo curso, isto é, o período em que estamos entrando agora.

    Apesar da riqueza, complexidade e diversidade de etapas atravessadas, o período anterior a Outubro, percebemos agora, foi apenas um período preparatório. Outubro tornou possível averiguar a ideologia e a organização do partido e sua militância. Por Outubro, entendemos o período mais agudo da luta pelo poder, que pode se dizer que começou aproximadamente com as Teses de Abril de Lênin¹ e encerrou-se com a tomada do poder estatal.

    Mesmo que tenha durado apenas alguns meses, não é menos importante em conteúdo do que todo o período de preparação medido em anos e décadas. Outubro não apenas nos deu uma verificação infalível, única em seu tipo, do grande passado do partido, mas se tornou uma fonte de experiência para o futuro. Foi através de Outubro que o partido pré-Outubro foi capaz, pela primeira vez, de se afirmar em seu verdadeiro valor.

    A conquista do poder foi seguida por um rápido, até anormal, crescimento do partido. Como um poderoso imã, o partido atraiu não apenas operários com pouca consciência, mas até certos elementos totalmente alheios ao seu espírito: funcionários, carreiristas e parasitas políticos. Nesse período caótico, ele foi capaz de preservar sua natureza bolchevique graças apenas à ditadura interna da velha guarda, que foi testada em Outubro. Nas questões mais ou menos importantes, a liderança da geração mais velha era então aceita quase sem questionamento pelos novos membros, não apenas pelas fileiras proletárias, mas pelos elementos estranhos. Os parasitas achavam que essa docilidade era o melhor meio de estabelecer sua própria situação no partido. Mas calcularam mal. Por um expurgo rigoroso de suas fileiras, o partido se livrou deles. Sua militância diminuiu, mas sua consciência aumentou. Pode ser dito que essa autoaveriguação, esse expurgo, fez o partido pós-Outubro se sentir pela primeira vez uma coletividade de meio milhão, cuja tarefa não era simplesmente ser liderada pela velha guarda, mas examinar e decidir por si as questões essenciais da política. Nesse sentido, o expurgo e o período crítico ligado a ele são a preparação da profunda mudança que agora está se manifestando na vida do partido, e que irá provavelmente entrar em sua história sob o nome de O Novo Curso.

    Há uma coisa que precisa ser nitidamente entendida desde o início: a essência dos atuais desacordos e dificuldades não está no fato de que os secretários se excederam em certos pontos e devam ser chamados de volta à ordem, mas no fato de que o partido como um todo está para entrar em uma etapa histórica mais elevada. A massa dos comunistas está de fato dizendo aos dirigentes:

    Vocês, camaradas, têm a experiência de antes de Outubro, que falta à maioria de nós; mas sob sua direção adquirimos depois de Outubro uma grande experiência que cresce constantemente em significado. E não queremos apenas ser dirigidos por vocês, mas participar com vocês na direção da classe. Queremos isso não apenas porque é nosso direito como membros do partido, mas também porque é absolutamente necessário à classe operária como um todo. Sem nossa modesta experiência, experiência que deve não apenas ser anotada nas esferas dirigentes, mas que deve ser introduzida na vida do partido por nós mesmos, o aparato dirigente do partido está ficando burocrático, e nós, comunistas da base, não nos sentimos suficientemente bem armados ideologicamente quando enfrentamos as pessoas sem partido.

    A mudança atual é, como eu disse, o resultado de toda a evolução precedente. Invisíveis à primeira vista, há muito estão sendo preparados processos moleculares na consciência do partido. A crise econômica deu um forte impulso ao pensamento crítico. A notícia dos acontecimentos na Alemanha estremeceu o partido. Precisamente, nesse momento parecia com particular agudeza que o partido estava vivendo, de alguma forma, em dois andares: o andar superior, onde as coisas são decididas, e o andar inferior, onde tudo o que se faz é ouvir as decisões. Todavia, a revisão crítica do regime interno do partido foi adiada pela ansiosa expectativa do que parecia ser a iminente revolução na Alemanha. Quando se viu que a revolução foi adiada pela força das circunstâncias, o partido pôs a questão do novo curso na ordem do dia.

    Como frequentemente acontece na História, é exatamente nestes últimos meses que o velho curso revelou seus traços mais negativos e intoleráveis: camarilhas de aparato, autossatisfação burocrática e completo desdém pelo sentimento, ideias e necessidades do partido. Pela inércia burocrática, ele rejeitou, desde o início, e com tremenda violência, as tentativas iniciais de pôr na ordem do dia a questão da revisão crítica do regime interno do partido.

    Isso não significa, é claro, que o aparato é composto exclusivamente de elementos burocratizados, ou ainda menos, de burocratas declarados e incorrigíveis. O atual período crítico, cujo significado eles irão assimilar, ensinará muito à maioria dos operários do aparato, e os fará abandonar a maioria de seus erros. O reagrupamento ideológico e orgânico que sairá da crise atual terá, em longo prazo, consequências saudáveis para as fileiras comunistas, assim como para o aparato. Mas, neste último, como se viu no limiar da atual crise, o burocratismo alcançou um desenvolvimento excessivo, verdadeiramente alarmante. E isso é o que dá ao atual reagrupamento ideológico um caráter tão agudo que origina temores legítimos.

    Será suficiente apontar que, dois ou três meses atrás, a mera menção do burocratismo do aparato, da excessiva autoridade dos comitês e dos secretários, era recebida pelos representantes responsáveis do velho curso, nas organizações centrais e locais, com um encolhimento de ombros ou com protestos indignados. Nomeações como um sistema? Pura imaginação! Formalismo, burocratismo? Invenções, oposição apenas pelo prazer de fazer oposição etc. Esses camaradas, com toda a sinceridade, não percebiam o perigo burocrático que eles mesmos representavam. Foi apenas pela pressão das fileiras que eles começaram, pouco a pouco, a reconhecer que havia realmente manifestações de burocratismo, mas apenas em algum lugar na periferia organizativa, em certas regiões e distritos, que eram apenas um desvio momentâneo da linha correta etc. Segundo eles, o burocratismo era apenas uma sobrevivência do período da guerra, isto é, um fenômeno em processo de desaparecimento, apenas não rápido o suficiente. Desnecessário dizer quão falsa era essa abordagem das coisas e sua explicação.

    O burocratismo não é um traço fortuito de certas organizações provinciais, mas um fenômeno geral. Ele não passa da organização de distrito para a central por meio da organização regional, mas antes da organização central para a de distrito por meio da organização regional. Não é uma sobrevivência do período de guerra; é o resultado da transferência para o partido dos métodos e maneiras administrativas acumulados nesses últimos anos. Por mais exageradas que fossem as formas que algumas vezes assumia, o burocratismo do período de guerra era apenas uma brincadeira de criança em comparação com o burocratismo atual que cresceu em tempos de paz; enquanto o aparato, apesar do crescimento ideológico do partido, continuou obstinadamente a pensar e decidir pelo partido.

    Por isso, a resolução unanimemente adotada pelo Comitê Central sobre a estrutura do partido tem, do ponto de vista dos princípios, uma imensa importância da qual o partido deve estar vivamente alerta. Seria de fato indigno considerar que o profundo significado das decisões tomadas se resume a uma mera demanda por mais brandura e solicitude com as massas, por parte dos secretários e dos comitês, e a algumas modificações técnicas na organização. Não é por acaso que a resolução do Comitê Central fala de um novo curso. O partido está se preparando para entrar em uma nova fase de desenvolvimento. Esta não é uma questão de romper com os princípios organizativos do bolchevismo, como alguns estão tentando nos fazer crer, mas aplicá-los às condições da nova fase de desenvolvimento do partido. É primeiramente uma questão de instituir relações mais saudáveis entre os velhos quadros e a maioria dos membros que entraram no partido depois de Outubro.

    A preparação teórica, a têmpera revolucionária, a experiência política, esses representam o capital político básico do partido, cujos principais possuidores, em primeiro lugar, são os velhos quadros do partido. De outro lado, o partido é essencialmente uma organização democrática, isto é, uma coletividade que decide seu caminho pelo pensamento e a vontade de todos os seus membros. Está completamente claro que, na situação complicada do período imediatamente posterior a Outubro, o partido fez seu melhor caminho pelo fato de que utilizou toda a experiência acumulada pela geração mais velha, para cujos representantes ele confiou as posições mais importantes na organização.

    De outro lado, o resultado desse estado de coisas tem sido que, ao desempenhar o papel de líder do partido e ser absorvida pelas questões administrativas, a geração mais velha se acostumou a pensar e a decidir, e ainda o faz, pelo partido. Para as massas comunistas, ela aplica métodos puramente escolares e pedagógicos de participação na vida política: cursos de treinamento político elementares, exames do conhecimento de seus membros, escolas do partido etc. Daí o burocratismo do aparato, suas panelinhas, sua vida interna exclusiva, em uma palavra, todos os traços que constituem o lado profundamente negativo do velho curso. O fato de o partido viver em dois andares separados traz em si numerosos perigos, dos quais falei em minha carta sobre os velhos e os jovens. Por jovem, quero dizer, claro, não apenas os estudantes, mas toda a geração que entrou no partido depois de Outubro, as células de fábrica em primeiro lugar. Como a inquietação, cada vez mais acentuada no partido, se manifesta? Na maioria de seus membros, dizendo ou pensando:

    Mesmo que o aparato pense e decida de forma certa ou errada, ele continua a pensar e decidir sem nós e por nós. Quando acontece de manifestarmos dúvidas ou falta de compreensão, expressar uma objeção ou uma crítica, somos chamados à ordem, a disciplina é invocada; na maioria dos casos, somos acusados de sermos obstrucionistas e até de que queremos criar frações. Somos devotados ao partido até a medula, e prontos a fazer qualquer sacrifício por ele. Mas queremos participar ativa e conscientemente na elaboração de suas decisões e na escolha de seus métodos de ação.

    As primeiras manifestações desse estado de espírito inegavelmente passaram despercebidas pelo aparato dirigente, que não tomou nota dele, e foi uma das principais causas dos agrupamentos antipartido no partido. Sua importância certamente não deve ser exagerada nem seu significado minimizado, pois deve servir para nós como uma advertência.

    O principal perigo do velho curso, resultado de causas históricas gerais e também de nossos próprios erros, é que o aparato manifesta uma crescente tendência a contrapor alguns milhares de camaradas, que formam os quadros dirigentes, ao resto da massa, que eles veem apenas como um objeto de ação. Se esse regime persistir, ameaçará provocar, no longo prazo, a degeneração do partido nos dois polos, isto é, entre a juventude do partido e entre os quadros dirigentes. Para a base proletária do partido, as células de fábrica, os estudantes etc., o caráter do perigo está claro. Não se sentindo participantes ativos do trabalho geral do partido e não recebendo uma resposta oportuna do partido às suas questões, numerosos comunistas começam a procurar um substituto para a atividade independente do partido na forma de agrupamentos e frações de todos os tipos. É nesse sentido que falamos da importância sintomática de frações como o Grupo Operário².

    Mas não menor é o perigo, no outro polo, do regime que durou muito tempo e que se tornou sinônimo do burocratismo no partido. Seria ridículo, e uma política indigna de avestruz não entender, ou não querer ver, que a acusação de burocratismo formulada na resolução do Comitê Central é dirigida precisamente contra os quadros do partido. Não é uma questão de desvios práticos isolados da linha ideal, mas precisamente da política geral do aparato, de sua tendência burocrática. O burocratismo carrega dentro de si um perigo de degeneração ou não? Seria cego quem negasse isso. Em seu desenvolvimento prolongado, a burocratização ameaça separar os líderes das massas, levá-los a concentrar sua atenção apenas sobre questões administrativas, de nomeações e transferências, estreitando seu horizonte, enfraquecendo seu espírito revolucionário, isto é, provocar uma degeneração mais ou menos oportunista da velha guarda ou, pelo menos, de uma parte considerável dela. Tais processos desenvolvem-se lenta e quase impercetivelmente, mas se revelam abruptamente. Ver nesse alerta, baseado em uma previsão marxista objetiva, um ataque, um ultraje etc., realmente exige a suscetibilidade caprichosa e arrogante dos burocratas.

    Mas, na prática, o perigo de tal degeneração é realmente grande? O fato de que o partido entendeu ou sentiu esse perigo e reagiu a ele energicamente, que é a causa específica da resolução do Comitê Central, atesta sua profunda vitalidade e por esse mesmo fato revela as potentes fontes de antídoto à sua disposição contra o veneno burocrático. Nisso está a principal garantia de sua preservação como partido revolucionário. Mas se o velho curso procurar se manter a todo custo, apertando as rédeas, aumentando a seleção artificial e a intimidação, em uma palavra, através de procedimentos que indicam uma desconfiança no partido, o perigo real de degeneração de uma parte considerável dos quadros inevitavelmente irá aumentar.

    O partido não pode viver apenas das reservas do passado. É suficiente que o passado tenha preparado o presente. Mas o presente deve ser ideológica e praticamente elevado ao nível do passado, para preparar o futuro. A tarefa do presente é mudar o centro da atividade do partido em direção às bases.

    Mas, digamos assim, esta mudança do centro de gravidade não pode ser realizada de uma vez, por um passo; o partido não pode botar abaixo a velha geração e começar imediatamente a viver uma nova vida. Não vale a pena se deter em tal argumento estupidamente demagógico. Querer pôr a velha geração abaixo seria indigno. O que é necessário é precisamente que essa velha geração mude sua orientação e, por meio disso, garanta no futuro a preponderância de sua influência sobre toda a atividade independente do partido. Deve-se considerar o novo curso não como uma manobra, um golpe diplomático ou uma concessão temporária, mas uma nova etapa no desenvolvimento político do partido. Desse modo, a geração que lidera o partido e o partido como um todo irão colher o maior benefício.

    Pravda, 29 de dezembro de 1923

    1 Em 4 de abril, do exílio suíço, Lênin apresentou ao Partido Bolchevique o célebre documento Teses de Abril. Partindo da situação objetiva e da política de reconciliação com o governo democrático-burguês pela direção oficial do partido sob Stálin e Kamenev, Lênin defendeu, no documento, reorientar os bolcheviques para a luta direta pelo poder operário e camponês, de forma independente e contrária à burguesia. A adesão às teses de Lênin, apesar da oposição explícita e implícita de líderes partidários, resultou no que Molotov mais tarde descreveu como o rearmamento do partido e, alguns meses depois, na bem-sucedida revolta bolchevique. Para o texto das teses, ver The Revolution of 1917, de Lênin, Livro I (Martin Lawrence, Londres, 1929), e História da Revolução Russa, de Trotsky, vol. I, capítulos 15 e 16 (Editora Sundermann, São Paulo, 2017).

    2 Pouco se sabe sobre o Grupo Operário, além de incluir boa parte da antiga Oposição Operária e ter à sua frente um velho operário bolchevique chamado Myaznikov, expulso do partido após o XI Congresso, em 1922. Clandestino, o grupo logo foi dissolvido e disperso por ações policiais. Myaznikov foi preso e exilado. Anos depois, em 1930, conseguiu escapar pela Pérsia até a Turquia, de onde partiu primeiro para Berlim e depois para Paris, onde morreu. Em sua oposição à super-centralização do regime soviético e ao crescente burocratismo, o grupo parece ter caminhado em direção ao anarco-sindicalismo durante sua breve existência.

    2.

    Composição Social

    A crise interna do partido obviamente não está limitada à relação das gerações. Historicamente, em um sentido amplo, sua solução é determinada pela composição social do partido e, acima de tudo, pelo peso específico das células de fábrica, do proletariado industrial incluído nelas.

    A primeira preocupação da classe operária após a tomada do poder foi a criação de um aparato estatal (incluindo o exército, os órgãos para a gestão da economia etc.). Mas a participação dos operários no Estado, nas cooperativas e em outros aparatos implica um enfraquecimento das células de fábrica e um excessivo aumento de funcionários no partido, de origem proletária ou não. Eis a contradição da situação. Podemos sair dela apenas por meio de um substancial progresso econômico, um forte impulso na vida industrial e um constante fluxo de operários manuais para o partido.

    Em qual velocidade esse processo fundamental ocorrerá? Através de quais fluxos e refluxos passará? É difícil prever isso agora. Na etapa atual de nosso desenvolvimento econômico, tudo deve ser feito para atrair ao partido o maior número possível de operários de base. Mas a militância do partido pode ser alterada seriamente (para que, por exemplo, as células de fábrica constituam dois terços de suas fileiras) apenas muito lentamente¹ e apenas sob condições de notáveis avanços econômicos. Em todo caso, devemos esperar por um período muito longo, durante o qual os membros mais experientes e ativos do partido (incluindo, naturalmente, os de origem proletária) ocuparão diferentes postos nos aparatos estatal, sindical, cooperativo e do partido. E esse fato, por si mesmo, implica em um perigo, pois esta é uma das fontes do burocratismo.

    A educação da juventude necessariamente ocupa um lugar excepcional no partido, como continuará a ocupar. Ao fortalecer, em nossas escolas operárias, universidades, instituições de aprendizado superior, o novo contingente de intelectuais, que inclui uma alta proporção de comunistas, estamos separando os jovens elementos proletários da fábrica, não apenas pela duração de seus estudos, mas em geral por toda a sua vida: a juventude operária que passou pelas escolas superiores, com toda a certeza, será designada para o aparato industrial, estatal ou do partido. Este é o segundo fator na destruição do equilíbrio interno do partido em detrimento de suas células fundamentais, os núcleos de fábrica.

    A questão de se o comunista é de origem proletária, intelectual ou outra, obviamente tem sua importância. No período imediatamente posterior à revolução, a questão da profissão seguida antes de Outubro até parecia decisiva, pois a designação dos operários a esta ou aquela função do soviete parecia ser uma medida temporária. No momento, ocorreu uma profunda mudança nesse aspecto. Não há dúvida de que os presidentes dos comitês regionais ou comissários de divisão,² quaisquer que sejam suas origens sociais, representam um tipo social definido, independente de sua origem individual. Nesses seis últimos anos, agrupamentos sociais razoavelmente estáveis têm sido formados no regime soviético.

    Tanto que, no momento, e por um período relativamente longo, uma considerável parte do partido, representada pelos mais bem treinados comunistas, é absorvida pelos diferentes aparatos de gestão e administração civil, militar, econômica etc.; outra parte, igualmente importante, está fazendo seus estudos; uma terceira parte está dispersa pelo interior, onde lida com a agricultura; a quarta categoria apenas (que agora representa menos de um sexto da militância) é composta de proletários trabalhando nas fábricas. Está muito claro que o desenvolvimento do aparato do partido e da burocratização que o acompanha são engendrados não pelas células de fábrica, unidas por meio do aparato, mas por todas as outras funções que o partido exerce por meio dos aparatos estatais de administração, gestão econômica, de comando militar, de educação. Em outras palavras, a

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