O impeachment de Dilma Rousseff: ordem e disciplina nos editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo
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Sobre este e-book
Publicadas nos editoriais, expressões como "deplorável esperneio", "vexame", "sandice", "despautério" e outros exercícios retóricos borraram a fronteira entre análise, acusação, julgamento e sentença.
O autor traça um histórico da criação dos jornais para mostrar que eles não nascem sem propósito e identificar quem são as pessoas e os interesses servidos por suas opiniões. A apresentação dos editoriais de Folha e Estadão é instrumental para que o leitor entenda a índole das empresas, suas visões de mundo e como entendem suas atuações no cenário brasileiro.
A pesquisa exposta no livro ilustra o conceito de que o jornalismo é muitas vezes utilizado para forjar um consenso social a respeito de temas e modos de ver o mundo, construindo uma visão hegemônica que pouco pode ter a ver com os interesses do cidadão ou com a complexidade social.
Texto de contracapa: Os editoriais do período que antecedeu a queda de Dilma Rousseff (...) se tornaram terreno fértil para os jornais fincarem a bandeira das palavras de ordem que remetem aos agenciamentos da enunciação. Elas são transmitidas sempre com o intuito de adquirirem potência de ação. Um dos editoriais em análise, por exemplo, é simplesmente um guia prático para a classe política seguir o processo – com o compromisso de que não haveria resistência dos donos de jornais. (...)
Essa disposição pode ser confrontada na análise de 16 editoriais publicados entre novembro e 2014 e abril de 2016, quando o destino da então presidenta estava selado e as munições do "canhão" espocavam em expressões como "deplorável esperneio", "vexame", "sandice", "despautério" e outros exercícios retóricos que borraram a fronteira entre análise, acusação, julgamento e sentença.
A rapidez com que o contexto mudou naqueles dois anos é indício de que, como diria Caetano Veloso, algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando. A biruta dos editorialistas aponta para tempos também de hesitação: quem orienta caminhos também está perdido. Ou perdeu a vista do compromisso histórico – não seria a primeira vez, como mostram os editoriais arrependidos pós-1964.
Trecho do prefácio de Matheus Pichonelli
Texto da orelha da capa (opcional): "O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos" (Michel Foucault, "A Ordem do Discurso").
Um dos momentos políticos mais turbulentos do Brasil no início do século 21 é objeto de análise desta obra, que examina as opiniões de dois representantes da chamada "grande imprensa" acerca da derrubada da presidente Dilma Rousseff. A análise dos editoriais publicados no período por Folha e Estadão evidencia o caráter disciplinador e violento dos textos.
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Pré-visualização do livro
O impeachment de Dilma Rousseff - Thiago Rebouças
Dedico com amor a Tracy, minha esposa,
e Fátima, minha mãe.
Agradecimentos
É impossível listar todos que de alguma forma contribuíram para que eu tivesse condições de realizar este trabalho. O risco de deixar alguém de fora é inescapável. Desta feita, destaco minha orientadora, Leda Tenório da Motta, por me guiar com segurança, assertividade e ternura em meio às inseguranças e dificuldades do processo de elaboração deste conteúdo.
Agradeço a todos os professores e professoras do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP) pela dedicação e competência exemplares com as quais desempenham sua nobre tarefa de educar para um pensamento independente. Às professoras Gabriela Pavanato e Drica Guzzi, que dedicaram tempo e atenção ao meu trabalho na qualificação e na defesa, meu agradecimento especial.
Pela compreensão de minha ausência em encontros e momentos de lazer, agradeço amigos e familiares.
À minha esposa, Tracy, registro minha dívida eterna por sua parceria, presença e paciência ao longo desses 2 anos e meio de mestrado. Obrigado por sempre me incentivar, mesmo quando eu esmorecia.
A Tales Rocha, Laíz Sousa, Mariana Nepomuceno e Sarah Alves, da Agência Galo, pela possibilidade ímpar que me concederam ao permitir que eu fizesse o mestrado em meio à intensa rotina de trabalho da empresa. Sou eternamente grato e devedor. Com especial reverência, agradeço a Carlos Faraco pela revisão do projeto de pesquisa.
Por fim, agradeço a todos os pesquisadores e pesquisadoras do Brasil, pelo fundamental trabalho de produção de conhecimento que realizam nas universidades do país.
O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos
(Michel Foucault, A Ordem do Discurso
).
Prefácio
Quem lê tanta opinião?
Quando, em dezembro de 2018, o jornal O Estado de S.Paulo
revelou as primeiras suspeitas sobre o escândalo das rachadinhas promovidas pelo clã Bolsonaro em gabinetes parlamentares, não faltou quem se lembrasse, nas redes sociais, de um editorial escrito semanas antes pelo diário paulistano a respeito de uma escolha muito difícil
diante dos eleitores e eleitoras prestes a ir às urnas naquele ano.
O dilema era a predileção entre um candidato de extrema direita de postura agressiva e antidemocrática e o postulante do PT, Fernando Haddad.
Nas mesmas postagens, não faltou também gente questionando que importância tinha o editorial de um jornal centenário em uma disputa decidida, segundo o senso comum, pelas redes sociais, um território em que a influência é medida por engajamento e liderada por meninos imberbes que viralizam enchendo banheiras com Nutella ou defendendo a existência de um partido nazista no Brasil.
O questionamento sobre quem se importa
com um editorial era quase um tropeço etarista, mas também revelador. Mostrava que o famoso editorial, até hoje um fantasma sobre o Estadão
, furou a bolha do papel impresso. E que, naquela outra bolha orientada por algoritmos, havia uma compreensão limitada sobre a diferença de propostas de um editorial e de uma reportagem. Também não alcançava o fato de que, na outra bolha, tem gente que, sim, se importa e se orienta por ambos. Não é muita gente – não se comparada à multidão de tiktokers contemporâneos das equipes de reportagem –, mas possuem influência suficiente para movimentar as engrenagens do poder político e econômico por onde trafegam as gerações Y e Z.
Pois uma coisa é o que o jornal pensa
; outra, o que sua equipe de reportagem apura – e eventualmente publica. Isso é o básico de qualquer aula inaugural de jornalismo, seguida de uma discussão interminável sobre parcialidade e independência. Ou era.
Quem, na virada dos anos 2010 e 2020, mantém como hábito tomar café da manhã em uma padaria aos domingos já percebeu que é cada vez mais raro ver frequentadores com a edição em papel impresso nas mesas ao lado. Rodeados por millenials e centennials com os celulares colados à testa, estes carregam uma aura de um hábito vintage
e elitizado, não importa se folheia apenas o horóscopo ou as tirinhas dos cadernos de cultura.
Há neste grupo leitores e leitoras atentas às páginas editoriais, sobreviventes das áreas nobres de um produto aparentemente cada vez mais em desuso. A aura aqui não remete aos tempos anteriores às redes sociais, mas a outros séculos. Faltam apenas o fraque, a cartola e o monóculo.
Não se trata de um hábito cultural, e sim de um diálogo entre os pares. Era assim na República velha e é assim ainda hoje. Essa compreensão fica mais nítida quando se investigam os primórdios das páginas hoje reestilizadas em fotos, gráficos, infográficos e outros dispositivos visuais para manter e renovar a audiência e a clientela.
Por alguma razão, e ela não é aleatória, o editorial e seu mausoléu da norma culta sobrevive como um casarão intacto, embora envelhecido, na área nobre de qualquer jornal. Sua arquitetura e design pouco ou nada mudaram desde a fundação – e lá se vão mais de um século quando se trata dos dois principais diários da maior cidade do país. No caminho
ideal da leitura convencional, ninguém chega ao noticiário sem passar por ele.
Não importa aqui quantos, além dos estudantes do cursinho na aula sobre concisão, introdução, sentido, desenvolvimento e conclusão das redações, ainda consomem editorias e sim quem os consome e com quem dialogam.
Em seu trabalho de pesquisa, o jornalista Thiago Rebouças vai na origem desse diálogo entre pares para mostrar que um jornal não nasce sem propósito. É um produto da elite de sua época com um convite estendido a um diálogo com outros barões. A elite cafeeira no caso do Estadão
e a burguesia ascendente da agricultura exportadora – e depois, a industrial –, no caso da Folha
.
Ambos tinham como missão reverberar os ideias de progresso
e desenvolvimento
guiados por uma metrópole, então emergente e que já se autointitulava a responsável por conduzir o país, e não ser conduzida.
Essa localização histórica permite trazer ao baile as definições de Michel Foucault sobre poder e discurso. Não dá para falar em jornalismo sem levar em conta a definição do filósofo francês sobre quem tem o poder de dizer
e o privilégio de se posicionar publicamente.
Essa orientação histórica do poder entrou em xeque com a ascensão das redes sociais, pelas quais novas vozes ancoradas em um conceito ainda mal compreendido sobre lugar de fala
passaram a reverberar ideias, vivências e denúncias. Não por acaso, a crise da nova República é anunciada pelas grandes manifestações de julho de 2013, quando qualquer leitor armado
com uma câmera de celular poderia contestar as versões iniciais da cobertura e editoriais da grande imprensa sobre quem eram os baderneiros e quem estava nas ruas para (tentar) colocar ordem no caos.
Ali uma nova relação de forças se configurou. Por essa razão, chega a ser tentador dizer que outro grande evento daquele início de século, o impeachment de Dilma Rousseff, foi gestado, pautado e orientado pela revolta popular registrada em câmeras frontais de uso pessoal e compartilhada nas redes, com número de visualizações compatível com as maiores audiências de TV.
Mas essa tentação não sobrevive a um exame minucioso sobre a reorganização de grupos empresariais midiáticos na condução de um movimento cuja organicidade chegava, literalmente, apenas até a segunda página.
Os editoriais do período que antecedeu a queda de Dilma Rousseff, afirma o autor, agora de mãos dadas também a Deleuze e Guattari, se tornaram terreno fértil para os jornais fincarem a bandeira das palavras de ordem que remetem aos agenciamentos da enunciação. Elas são transmitidas sempre com o intuito de adquirirem potência de ação. Um dos editoriais em análise, por exemplo, é simplesmente um guia prático para a classe política seguir o processo – com o compromisso de que não haveria resistência dos donos de jornais.
Essa análise permite visualizar um efeito prático fora do âmbito discursivo que interferiu e ainda interfere no mundo corpóreo. A imagem de canhões enunciativos
trazida pelo pesquisador não poderia ser mais apropriada.
O leitor ou a leitora comum que acompanha esse diálogo entre pares por interesse e curiosidade pode, ingenuamente, imaginar que esse canhão enunciativo
é apenas um exercício de quem não se posiciona entre um e outro numa briga, mas acima dela, como um bedel de escola pedindo modo, juízo, maturidade e bom senso aos alunos encrenqueiros.
Essa disposição pode ser confrontada na análise de 16 editoriais publicados entre novembro e 2014 e abril de 2016, quando o destino da então presidenta estava selado e as munições do canhão
espocavam em expressões como deplorável esperneio
, vexame
, sandice
, despautério
e outros exercícios retóricos que borraram a fronteira entre análise, acusação, julgamento e sentença.
No corpus em análise, chama a atenção a mudança de discurso, sobretudo nas páginas da Folha de S.Paulo, entre as primeiras enunciações da palavra impeachment
e o seu desfecho. Neste caso, foi engolida a regra de que um jornal, assim como a Igreja, não muda de posição na velocidade de uma aeronave, mas de um transatlântico que comporta todo o peso de sua história e seus fundadores.
A rapidez com que o contexto mudou naqueles dois anos é indício de que, como diria Caetano Veloso, algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando. A biruta dos editorialistas aponta para tempos também de hesitação: quem orienta caminhos também está perdido. Ou perdeu a vista do compromisso histórico – não seria a primeira vez, como mostram os editoriais arrependidos pós-1964. Em um momento e outro, a correção de rota não cabe na seção Erramos
.
Isso não significa que esse diálogo entre pares deixou de fazer sentido num mundo de disputas e economia de atenção na mesma tela, para onde migrou e é difundida a velha página diagramada em papel. Ele certamente é influenciado por esse novo mundo. Mas a recíproca é também verdadeira.
Basta observar a repercussão – e a revolta a cada nova postagem – de um editorial mais incisivo e em diálogo com as discussões do dia pautadas e modeladas pelos humores líquidos e gasosos das redes sociais.
Matheus Pichonelli
Janeiro de 2024
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
Referencial Teórico:
A Articulação entre Poder e Discurso
CAPÍTULO 2
As Empresas
CAPÍTULO 3
O Editorial no âmbito do Jornalismo
CAPÍTULO 4
Análise do Corpus
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
Introdução
A
pesquisa apresentada nesta obra se