Gritos e sussurros, interseções e ressonâncias – Volume 2: Trabalhando com casais
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Sobre este e-book
O desafio de viver um casamento criativo, a motivação de conhecer melhor como se forma um par amoroso, a curiosidade de perceber os modelos e as heranças de relacionamento que recebemos de nossas famílias de origem, ao lado da compreensão da transformação de valores sociais na sociedade contemporânea, os mitos que envolvem o lugar do homem e da mulher na constituição do par, a diferença de idade entre os cônjuges, são alguns dos temas abordados nesta obra.
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Gritos e sussurros, interseções e ressonâncias – Volume 2 - Sandra Fedullo Colombo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Gritos e sussurros, interseções e ressonâncias : trabalhando com
casais, volume II / Sandra Fedullo Colombo (organizadora). – – 1. ed.
São Paulo: Vetor, 2006.
Vários autores.
Bibliografia.
1. Casais – Relações interpessoais 2. Casamento
3. Homem–mulher – Relacionamento 4. Psicoterapia de casal
5. Relações interpessoais I. Colombo, Sandra Fedullo.
06–2400 CDD – 616.89156
Índices para catálogo sistemático:
1. Casais : Relacionamento : Psicoterapia : Medicina 616.89156
2. Psicoterapia de casal : 616.89156
ISBN: 85-7585–156-X
Projeto gráfico e diagramação: Marcio Diniz
Capa: Emerson Furuya
Revisão: Sirlaine Cabrine Fernandes
Mônica de Deus Martins
© 2006 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer meio existente
e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores.
A Mary e Pietro que se amaram.
Sumário
Agradecimentos
Prefácio
Gritos e sussurros: uma pesquisa sobre o olhar
dos terapeutas ao olhar um casal
A pesquisa
Os atributos de casal, na descrição dos terapeutas
Algumas reflexões
Referências bibliográficas
Diálogos contidos e monólogos compartilhados: encontros e desencontros na construção de sentido nas relações amorosas
O familiar e o surpreendente: um dilema dos relacionamentos de casais
Vivendo uma relação conflituosa: a construção de sentido como estereotipia e aprisionamento
Diálogos contidos – monólogos compartilhados: considerações a partir dos contextos de terapia do casal
Referências bibliográficas
A infidelidade bateu à nossa porta (do consultório ou de casa?): o que fazer? Ou melhor, como continuar pensando?
Referências bibliográficas
Casamentos em transição
O conversar
A nova conversa de Clara e Antônio
Um homem pela metade
Finalizando...
Referências bibliográficas
Crise conjugal: furtando-se a olhar mais de perto
Curiosidade: uma fonte inesgotável
Casamento, até quando?
O indivíduo e sua história
Enfim sós?
Crise conjugal e a construção transgeracional
Uma história de casal
Quem virá?
Algumas reflexões
Referências bibliográficas
Trabalhando valores na terapia de casal
Considerações finais
Referências bibliográficas
A regulação da intimidade conjugal
I. Introdução
II. Falas conjugais
Afinal, o que quero da pessoa amada?
A teoria do apego e a construção social da subjetividade
Padrões de amor conjugal
Sistema Conjugal com dois parceiros com Apego Evitador (desconsiderador)
Conclusão: transformação de modelo mental e de padrão amoroso
Comunicação aberta e revisão de modelos
Psicoterapia e revisão de modelos
Referências bibliográficas
Entre o desejo e a realidade: um espaço de negociação
Introdução
Apresentando uma construção teórica do tema
Coreografia entre os diálogos dos entrevistados e a pesquisadora e os diálogos da pesquisadora consigo mesma
Momento em que o Sr. Duílio é apresentado para a Sra. Tânia
Paralelamente, para onde vão os desejos de Tânia? Como o Sr. Duílio elabora o desejo frustrado de Tânia? Como Tânia elabora a sua escolha? Qual o significado para Tânia da presença de um novo homem em sua vida? Como Tânia definia o homem bom
definido por sua mãe?
E Um olhar final para a família do sr. Duílio
Referências bibliográficas
Mediação com casais em separação
Introdução
A interdisciplinaridade: uma conquista importante
Um diálogo entre o direito de família e a ciência psicológica
O compromisso dos pais e a felicidade dos filhos
Uma viagem pelo tempo
Voltando da viagem
Sobre a mediação com casais
Considerações finais
Referências bibliográficas
Intimidade ferida
Introdução
Histórias de famílias
Sobre a intimidade
Construção dos vínculos
Reflexões sobre a intimidade em situações de violência
Considerações finais
Referências bibliográficas
Jovens, sexualidade, gravidez. E o casal, vai bem?
A lenda do boto e as meninas do Brasil
Virações: eu me viro, tu te viras e eles que se virem...
Como pensam e agem os nossos jovens?
Em busca de uma identidade perdida
Referências bibliográficas
Sobre os autores
Agradecimentos
Aos casais que dividiram conosco sua intimidade e nos ensinaram tanto.
Ao Sistemas Humanos que na passagem de seu quinto aniversário deu espaço para a realização desse projeto, reunindo a experiência de sua equipe com a de colegas e amigos ao redor do tema casal.
A Marcos Naime Pontes pelo estímulo especial e alegria com que abraçou essa idéia.
A Elizabeth Polity pelas dicas importantíssimas para a publicação.
A Luci Bernardes Caldeira e Graciette de Paula Góes que revisaram vários textos com uma acuidade que muito nos ajudou.
A Carla Bragança por ter organizado e batalhado a chegada dos textos.
A meus colegas e amigos que, apesar da sobrecarga de compromissos, embarcaram nessa viagem.
A Emerson Furuya que com sua sensibilidade torna realidade meus sonhos gráficos.
A Ana Mary Fedullo, irmã e companheira.
A Ivan Fedullo Schein, meu primogênito, que com sua seriedade me faz ir além.
A Larissa Fedullo Schein, filha querida, que passou inúmeros fins de semana revisando e trabalhando comigo nos textos.
E, de forma especial, a Elver Colombo, meu amor, com quem tive a oportunidade de casar e recasar várias vezes nesses 17 anos.
Prefácio
A idéia de organizar um livro de autores brasileiros sobre Terapia de Casal vinha me namorando e amadureceu no último ano, diante do meu desejo de comemorar os cinco anos de vida do Sistemas Humanos.
Pareceu-me que nada seria melhor do que uma criação conjunta de nossa equipe, com alguns amigos especiais, sobre um tema tão complexo e mobilizador, que vem despertando tanto interesse entre os profissionais e demais segmentos da sociedade.
Outro aspecto que atuou como estímulo foi o Ponto de Encontro, nosso espaço de estudos e trocas de experiências clínicas, ter optado por dedicar-se, durante o ano de 2005, ao tema casal. Esse grupo, que tenho o prazer de coordenar, ampliou, com seu interesse, meu foco de reflexão e influenciou meus passos na concretização dessa obra.
Com essas duas forças atuando, convidei a equipe do Sistemas Humanos e alguns colegas, com os quais construí diversas parcerias ao longo dos anos, e em seguida, chamei o Ponto de Encontro para o desafio de escrever suas vivências como um grupo, dando espaço a tantas vozes.
Nesse momento, apresento-lhes o produto final: os dois volumes de uma obra que, quando a idealizei, já tinha um nome: Gritos e sussurros: interseções e ressonâncias. Trabalhando com casais. O título é, por si só, uma extensa descrição do que penso e sou como terapeuta, sendo a primeira parte uma homenagem à sensibilidade de Ingmar Bergman, e a segunda, a meu grande amigo e mestre Mony Elkaïm.
Os textos dos vários autores trazem um leque de reflexões sobre as interseções do terapeuta com os casais em atendimento, as construções socioculturais na formação do par, o referencial teórico que cada profissional desenvolve para dar conta de sua atuação, e a análise de situações críticas, em que o par e a próxima geração estão ameaçados. Assim, a construção e a desconstrução do casal, a infidelidade, o medo da intimidade, os mitos e as histórias que envolvem o casamento, os preconceitos sociais e transgeracionais, o sintoma em um dos cônjuges, a violência, o abandono, a gravidez precoce, o impacto da tecnologia na intimidade, a mediação em conflitos conjugais são temas tratados que se entrelaçam à discussão, que vários autores trazem, sobre o desafio de o terapeuta necessitar desenvolver-se como pessoa e como profissional, para construir, no encontro com esses universos, um espaço reflexivo e gerador de novas possibilidades.
Convido-os a mergulhar nos textos, sempre lembrando que a riqueza da vida está nas relações afetivas, nas ressonâncias despertadas e nos tons avermelhados de nossas entranhas.
Bergman e Elkaïm com os colegas autores são nossos inspiradores nessa caminhada.
Sandra Fedullo Colombo
Gritos e sussurros: uma pesquisa sobre o olhar
dos terapeutas ao olhar um casal
Sandra Fedullo Colombo
Larissa Fedullo Schein Amanda Mattos
Juliana Certain Dreyfuss
Trabalhando na formação de terapeutas de casal e família, há muitos anos e acreditando na auto-referência como a única possibilidade de o ser humano construir significados e dar sentido a suas relações, tenho buscado em minhas aulas, seminários e vivências, estimular meus colegas a entrarem em contato com suas concepções do mundo e das relações, sua ética e sua estética. Tenho buscado construir, dentro do processo de formação, um espaço vivencial, no qual as vozes internas sejam conectadas, ouvidas e percebidas em suas interseções com o aqui e agora que vivemos como pessoas e profissionais.
Estimulo a postura do falar a partir de cada um, da singularidade do próprio mundo, no encontro com a singularidade do outro: não penso que podemos falar sobre os outros, mas sim de nós com os outros.
Com esses pensamentos e crenças tenho trabalhado com um grande número de profissionais por vários estados brasileiros, desenvolvendo com os terapeutas e futuros terapeutas a compreensão que o self do terapeuta é seu principal instrumento de trabalho. A partir desse âmago, e com essa essência, construiremos o espaço terapêutico, não sendo possível em minha percepção, deixar guardado em uma gaveta, quem sou, no que acredito, minha visão de mundo, de relação entre os gêneros, de divisão de poder, de sexualidade, etc.
Com essa postura e com base em minha convivência com colegas e alunos, organizei o workshop Gritos e Sussurros – Interseções e Ressonâncias: trabalhando com casais, que desenvolvi em São Paulo, Belo Horizonte, Belém, Florianópolis e, posteriormente, Brasília e Porto Alegre.
Meus objetivos nessas oficinas foi oferecer aos terapeutas um espaço de desenvolvimento do conhecimento teórico no trabalho com casais e um lugar de conexão com suas construções de mundo, com suas vozes internas, suas memórias e histórias na construção das relações amorosas.
Nesse trabalho que variava entre 4 e 8 horas, separei meia hora para que os grupos observassem a imagem da tela de Magritte (1928) e fizessem algumas reflexões. Dessa forma quero enfatizar que estava em curso uma rede de conversações sobre como cada um de nós concebia a formação do par amoroso e com quem nós, terapeutas, conversávamos para nos preparar para trabalhar com casais.
Na primeira parte do workshop apresento os autores com os quais tenho conversado em minha trajetória clínica e que me enriqueceram no desenvolvimento do lugar do terapeuta. Assim, abro minha mochila de terapeuta, como brinco com meus colegas, e tiro dela:
• Margareth Mead (1974), com seus estudos antropológicos sobre modelos vinculares.
• Bowlby (1989), com as observações sobre os modelos vinculares de sua Teoria do Apego.
• Bowen (1979), com a forma interessante de apresentar o continuum da massa indiferenciada do eu familiar, em direção à diferenciação e individuação.
• Moreno (1972), com o conceito de matriz de identidade predominantemente cunhadora ou originadora.
• Elkaïm (1989), com a ênfase na auto-referência como ponto de partida de toda relação humana e no encontro, baseando-se na interseção e ressonância das construções de mundo.
• Maturana (1995), dando lugar ao viver humano como uma rede de conversações em convivência, em que as emoções e a linguagem se entrelaçam, constituindo uma maneira de viver (cultura).
• Andersen (1991), lembrando-nos que o processo de conversação é constituído pelo movimento de conexão e escuta das vozes internas e das vozes externas, gerando espaços de reflexão e de novas conexões.
• White (1995), trabalhando em direção ao conceito de reautoria da vida e de externalização do problema, enfatizando as competências e dando espaço às histórias que estão fora do discurso oficial.
• Grandesso (2000), que enfatiza o processo de recontar histórias como oportunidades de ampliar a narrativa dominante e gerar nova organização da experiência, com novos significados, construindo contextos para novas construções do self.
• Gergen e McNamee (1998), que nos lembram que toda transformação é fruto de uma interação social, portanto, é relacional e construída a partir de uma interação de coordenações entre pessoas.
• Bakhtin (1984 apud SPINK, 2004), que como lingüista traz-nos a concepção de que a linguagem é ação, modela e é modeladora do contexto relacional e, portanto, ao ser performática, gera conseqüências intencionais e não intencionais.
Ao visitar todos esses autores na primeira parte dos workshops busco construir, com os colegas, não só um espaço de reflexão sobre tudo em que acredito que nosso fazer de terapeutas está envolvido, mas recontar minha trajetória, como fui colocando esses mestres em minha bagagem e também fazer o convite para que reflitam sobre suas crenças, que abram suas mochilas e revisitem o que trazem de (e para) sua jornada.
Acredito e busco construir nesses encontros, o clima de peregrinação ao território dos afetos, das emoções, do emergir da própria singularidade junto à singularidade do outro. Penso que:
O peregrino, mais do que o andarilho, abre a possibilidade de novas significações para o caminhar [...] Do terapeuta e do formador pedese a condição de, não se assustando demasiadamente com essa peregrinação, penetrar nesses territórios e convidar os demais para essa entrada nos labirintos, confiando na possibilidade do fio de Ariadne. (COLOMBO, 2000, p. 178).
Aredito que a formação do terapeuta repousa em um tripé: desenvolvimento do self por meio do revisitar sua própria história e ressignificá-la, capacidade para construir um contexto colaborativo e flexível para mobilizar sua própria criatividade e a dos outros que estão em relação e aprofundamento nas referências teóricas que possam embasar sua atuação ou talvez seu ser no mundo.
Os autores escolhidos por mim para serem relembrados no contexto desses workshops convergem para a ênfase na relatividade e nas autoreferências do que se vê, para a crença na construção mútua das relações, a co-autoria das histórias relacionais e a vida humana baseada nas conversações e nos códigos compartilhados, assim como os processos transformadores vistos como possibilidades construídas a partir da ampliação de contextos geradores de criatividade e competências.
Na segunda parte do workshop, iniciamos com a imagem de Magritte e as perguntas que propusemos para reflexão, cujo material será apresentado na segunda parte deste capítulo. Em seguida introduzo algumas vivências, que são escolhidas a partir do tempo disponível, e a motivação que sinto nos colegas, buscando alcançar os objetivos descritos anteriormente.
Assim, posso optar por linhas mais narrativas, como a que inicio com uma introspecção e relaxamento, convidando os participantes a buscarem na memória suas cenas infantis, em que vivem uma experiência, de serem qualificados, e depois uma cena, em que se sentem desqualificados em seu valor. Convido-os a buscar o cenário, as cores, os cheiros desse momento. Peço que falem uma frase para as pessoas com as quais estão envolvidas naquele episódio, e que massageiem o lugar do corpo, onde essa memória está guardada. Em seguida caminhamos no tempo e peço que deixem vir a cena em que se sentem extremamente queridos por um par amoroso, do presente ou do passado, que revisitem o momento, as cores, os cheiros, o cenário, e falem uma frase para essa pessoa. Peço que guardem em alguma parte de seu corpo, essa memória e coloquem a mão nesse local, massageando-o. Em seguida continuando nossa viagem pelas memórias deixamos aflorar a cena onde nos sentimos extremamente desvalorizados em relação a um par amoroso, do passado ou do presente, revisitando suas cores, cheiros, presenças. Convido-os novamente a dizer uma frase à pessoa envolvida e massagear o lugar do corpo onde está guardada essa dor.
Aos poucos peço para abrirem os olhos, escreverem essas quatro frases em um papel, guardando-as consigo, como momentos significativos da própria história. Os próximos passos também dependerão do público presente. Posso optar por continuar essas vivências mais narrativas, apresentando o que denominei: a bagagem que levo para a vida a dois.
Distribuo uma folha onde proponho uma reflexão sobre as malas que levo para minha viagem: na primeira mala o que carrego que facilita a relação na cooperação e no acolhimento e quem ajudou a desenvolver esses recursos; na segunda, o que carrego na minha bagagem que facilita a relação na competição e na violência e quem me ajudou a desenvolver esses recursos.
Outra possibilidade é fazermos a linha do tempo, num exercício que eu e Janice Rechulski denominamos: o caminho pela vida e suas parcerias. Nessa situação distribuo uma folha com a linha do tempo, com espaços para construir as seguintes reflexões: coloque suas estrelas nos momentos em que você se sentiu mais legitimado e por quem e também naqueles mais difíceis, em que você não se sentiu validado, e por quem. Continuando nossa peregrinação, convido-os a descrever a cena mais significativa que se lembraram ao fazer esse exercício.
Outra alternativa é trilharmos o caminho das imagens (tão apreciado por mim), quando apresento fotos que selecionei de minha vida, cenas que me inspiraram a fotografá-las, obras de artistas famosos, ou qualquer coisa que me tocou dentro do tema casal. Ao selecioná-las, estou falando de mim, de minhas interseções fruto das ressonâncias, e as ofereço para que meus colegas, em algum ponto de suas histórias se encontrem com algumas delas.
Peço para que cada participante permita que uma dessas imagens o capture, pois penso que dessa forma se estabelece uma conexão direta entre nossas vozes internas (memórias e histórias) e o que é apresentado, levando-nos a recontar nossas experiências, e talvez gerar novos significados.
No próximo passo de nosso trabalho, podemos manter-nos na grande assembléia ou formar pequenos grupos para partilharmos essas vivências, a partir do que as imagens despertaram em nós, e suas conexões com os movimentos anteriores.
O interesse por uma vivência, que incite o despertar de memórias individuais entrelaçadas ao tecido familiar, nasceu de nossa crença de que cada memória é um ponto de vista singular a partir de varias histórias vividas, que constituem o arcabouço da memória familiar. Acreditamos como Maurice Halbwachs (1990) e Anne Muxel (1997) que a memória das relações familiares caminha com o indivíduo através de seu ciclo vital, fazendo distinções entre as imagens escolhidas como significativas, narrando episódios com diferentes coloridos e sabores por meio do caminhar do tempo [...] Reafirmamos, nessa ótica a possibilidade de flexibilizar nossa história e nossos lugares nela. Toda história é narrada por um observador e é este observador nosso foco em sua interpretação transgeracional. É com essa escuta que buscamos as diferentes narrativas, que emergem a partir dos estímulos das imagens, da música e da presença de outros companheiros, nessa jornada de construir histórias de nossa história para que as situações vividas com muita dor tenham a possibilidade de ir se dissolvendo. (COLOMBO, 2004, p. 255-256).
Toda essa peregrinação está no território da construção de nossa individualidade, do nosso ser com o outro: em nosso espaço sagrado.
Cabe aqui um parêntese sobre minha escolha em trabalhar com imagens. Na verdade, há nove anos desenvolvo oficinas baseadas nessa linguagem. Como sempre pontuo, toda escolha é uma distinção e, portanto, ocorre a partir da auto-referência, logo, essa também não fugirá desse pressuposto: tenho uma relação extremamente visual com a vida, emociona-me tirar fotografias, adoro cinema, escultura, pintura, balé.
Penso, como Manguel (2000), na imagem como narrativa, ou melhor, acredito, como ele, que, ao contemplarmos uma imagem, formam-se uma tensão e uma intimidade entre nós, o artista e o objeto, desenvolvendo-se histórias despertadas nesse encontro que contêm memórias profundas de um mundo de símbolos e experiências relacionais, ocorrendo um espaço mágico em que o artista, o observador e o objeto tornam-se, naquele instante, um só. A imagem, nesses momentos, oferece-se como espelho, pois ela desperta um mundo de narrativas sobrepostas, construídas a partir de nossa subjetividade. Como diz esse autor, as imagens revelam algo de seu lugar e de seu tempo, mas seus significados são construídos por nós, apesar de termos a sensação de estarem prestes a revelar alguma coisa a mais, que sentimos quase compreender, no limiar de nossa consciência, algo em suspenso para, talvez, ser completado em algum momento. Algo em movimento que, do tempo presente, penetra no passado e lança-se ao futuro, em novas histórias.
A imagem é um lugar para dialogar.
(MANGUEL, 2000, p. 29). A força que encontro nessa linguagem faz-me acreditar no poder que ela possui para construir espaços reflexivos que estimulam novas narrativas, a partir de uma conexão profunda com as vozes internas e as memórias relacionais.