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Ainda existe a cadeira do papai?: Conversando sobre o lugar do pai na atualidade
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Ainda existe a cadeira do papai?: Conversando sobre o lugar do pai na atualidade
E-book326 páginas4 horas

Ainda existe a cadeira do papai?: Conversando sobre o lugar do pai na atualidade

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Sobre este e-book

Numa narrativa envolvente, este livro convida cada pessoa a participar da construção do significado do lugar do pai nos tempos contemporâneos a partir do vivido. Vozes de homens, mulheres, adolescentes e crianças unem-se num grande coro estético do qual o lugar do pai – uma construção social – surge como relação organizada em torno de significados de amor, responsabilidade e comprometimento. Afetivo, amoroso e cuidadoso, este trabalho é um presente para todos, terapeutas e interessados nas relações familiares.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de nov. de 2023
ISBN9786553740952
Ainda existe a cadeira do papai?: Conversando sobre o lugar do pai na atualidade

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    Ainda existe a cadeira do papai? - Elizabeth Polity

    Prefácio

    Como as histórias nasceram? Ah, as histórias vieram ao mundo porque Deus se sentia só.

    Estés, 1995

    Ao ler Clarissa Pinkola Estés (O Jardineiro que tinha fé), dei-me conta de que a origem de nossa pesquisa passou por um longo caminho de separações e reconstruções e buscou exatamente construir histórias que criassem uma rede de pertencimento e referência, transformando a sensação de estar só num prazeroso e envolvente tecido de afetos, interesses e aprendizados.

    A história do nascimento desta pesquisa está entrelaçada às histórias do nascimento dos Sistemas Humanos, em dezembro de 2000. Está ligada ao desejo de construir um espaço de estudos, pesquisa e desenvolvimento de pessoas que se dedicam ao aprofundamento das questões que envolvem a convivência entre os seres humanos, os vínculos afetivos, o processo do ser humano de se apossar de sua humanidade, o que acredito somente possa acontecer junto a outro ser humano, dentro de um espaço existencial amoroso.

    A história do lugar do pai, entrelaçada à história do nascimento dos Sistemas Humanos, fala do desejo de se construir um espaço de encontro, companheirismo e parceria que nos convida a mergulhar mais fundo na nossa experiência do humano.

    Lembrando Morin (1997, 4a capa), em Meus demônios: Não sou daqueles que têm uma carreira, mas dos que têm uma vida e, mais adiante, há seguramente, neste livro incessantes evocações de vida, incessantes interferências da alma e da carne. Mas, inevitavelmente, faltarão nele muita alma e muita carne.

    Quero dizer que este trabalho foi um simples instrumento pelo qual construímos um espaço onde pudemos viver e ressignificar nossas histórias com nossos pais e irmãos. Explicando mais um pouco... o tema que escolhemos, para servir como instrumento de agregação, emergiu de nossas indagações sobre nosso próprios pais, nossos modelos de homem e mulher, de filho e filha, nossas inquietações com nossas histórias. Nosso desejo de recontá-las, talvez ressignificá-las, por meio da possibilidade de fazer tudo isso com os colegas que também tinham esse desejo.

    O ponto de partida foi o nascimento dos Sistemas Humanos e em seguida meu encontro com Marcia, querida colega, cuja formação acompanhei como terapeuta familiar, ainda no ITF-SP e que, como eu, desejava viver histórias que espantassem a solidão.

    Queríamos fortalecer nossos encontros e descobrimos que o interesse pelo pai era um ponto em comum em nossas histórias, e que já havia surgido nas discussões do material de sua monografia de conclusão de curso, da qual tive o prazer de ser orientadora.

    Desse ponto de ressonância, de filhas em busca do olhar e da aprovação do pai, surgiu o primeiro atendimento clínico da pesquisa. Alguns meses mais tarde, resolvemos ampliar nosso projeto, convidar outros colegas e mergulhar nesses encontros. O mergulho foi em nossas histórias individuais, na intimidade que o grupo foi desenvolvendo e na criação de vários trabalhos. Em uma de nossas reuniões, algumas colegas verbalizaram que a partir da vivência da pesquisa, da elaboração dos trabalhos apresentados em reuniões científicas e no V Congresso Brasileiro de Terapia Familiar em Salvador, 2002 (mesa-redonda, tema livre, painel e workshop), sentiram uma transformação de suas histórias com o lugar do pai. Penso que construímos um encontro que fez diferença para cada um de nós. Perdemos, durante a caminhada, somente dois companheiros: Antônio Carlos Souza Aranha e Kátia Aparecida Novais, mas acreditamos que em outro momento os reencontraremos.

    Ana Maria Escobar, Ivania Melito Pimentel, Elizabeth Polity, Léa Chuster Albertoni, Maria Gabriela Leifert, Maria Genoveva Armelin, Simone Ornelas Figueiredo, Tatiana Chahim Werneck de Oliveira construíram com Marcia Zalcman Setton e comigo uma irmandade cujo catalisador eram nossas indagações e curiosidades sobre relações familiares.

    Lembro-me de nossa primeira reunião, quando começamos a definir os contornos de nosso trabalho e cujo ponto de partida foi cada um de nós contar a história de vida que iluminava o desejo de participar dessa pesquisa.

    Quero lembrar aqui de meu amigo e mestre Mony Elkaïm, que nos aponta a ressonância como a riqueza que nos permite, a partir de nós mesmos, ter acesso ao nosso mundo e ao do outro.

    Foi na interseção de todos esses universos, o de si mesmo, o de cada um da equipe, o do grupo como um todo, o de cada pessoa que participou de nossas palestras e workshops, utilizando as ressonâncias afetivas e emocionais como nossas maiores riquezas, que nos encontramos, nos despimos e mergulhamos no desejo de apreender a complexidade da compreensão do lugar do pai.

    Retornando a Edgard Morin (apud SCHNITMAN, 1994, p. 68 ):

    Esta é a primeira complexidade: nada está realmente isolado no Universo e tudo está em relação. Tudo está em tudo e reciprocamente. [...] A totalidade da história do cosmos está em nós, que somos, no entanto, uma parte pequena, ínfima, perdida no cosmos. No entanto, somos singulares, pois o princípio o todo está na parte, não significa que a parte seja um reflexo puro e simples do todo. Cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, porém, de algum modo, contém o todo.

    Penso que essa construção da realidade norteou nosso trabalho.

    Sandra Fedullo Colombo

    Referências bibliográficas

    ESTÉS, P. C. O jardineiro que tinha fé. Rio de Janeiro: Rocco, 1966. MORIN, E. Meus demônios. Rio de Janeiro: BCD União de Editores, 1997.

    SCHNITMAN, D. Nuevos paradigmas, cultura y subjetividad. Buenos Aires: Paidós, 1994.

    Apresentação

    Aceitar o convite de Sandra para apresentar este livro levou-me a buscar na memória repertórios arquivados nas pastas da poesia e a revisitar as estantes das histórias infantis e seu potencial de magia e sabedoria que essa artista da terapia familiar sabe utilizar como ninguém.

    Foram abolidas, na família contemporânea, as distinções entre lugares?

    Imagens de cadeiras diferentes levaram-me a passear com Cachinhos Dourados, a menininha que se perde e cansada encontra a casa vazia da família dos ursos, com uma mesa posta e três cadeiras: uma muito grande (a do papai urso), a segunda média (a da mamãe ursa) e, finalmente, a terceira pequena, do ursinho filho, como a criança precisava para, segura e confortavelmente, descansar. E por aí prossegue a descrição de mingaus, colheres, canecas e camas, grandes demais, ainda grandes e adequadamente pequenas. Lembrei-me de filhos e depois netos, com olhinhos brilhantes acompanhando a pesquisa da menina à procura de seu lugar. Historinha sistêmica, cujas relações entre os elementos conferem o seu valor. Historinha sábia, com epistemologia construtivista, em que não existe uma realidade dada, mas a busca do melhor encaixe.

    Li a história da construção do livro e dos seus desdobramentos instalada em uma cadeira de experimentadora de cadeiras, acompanhando as idéias de dez mulheres e um solitário homem sobre os lugares que cabem a pais e mães em tempos de casas com muitas cadeiras de crianças: o bebê-conforto, a cadeirinha do carro, o cadeirão de comer, o carrinho conversível de várias posições, a cadeira de jogar videogame, brincar com o computador... ou casas sem cadeira e até mesmo sem papai.

    Terapeutas familiares são artesão de contextos que se propõem a ajudar as pessoas de diferentes gerações, que vão passando as responsabilidades de cuidado e transmitindo a história, que ensinam pessoinhas a utilizarem diferentes cadeiras, conservando os bons modelos, modificando, reestofando, pintando de outras cores, de forma que o balanço entre novo e conhecido permita a criatividade com segurança.

    Nesse sentido, caberia a nós, terapeutas familiares, a descrição de ambientalistas, que cuidam de sistemas vivos em permanente mudança.

    A ministra do meio ambiente, Marina Silva (2003, p. 9) mulher profundamente engajada na construção de um país– lugar–lar para todos nós, agora e no futuro, aponta que:

    Estamos tomados por uma espécie de consumismo ideológico, nos alimentando de conceitos, das idéias, como um fim em si. Um acúmulo de conhecimentos que acaba circulando muito pouco na sociedade. Parece faltar tempo ou paciência para processar conceitos ainda não realizados, internalizá-los na vida. Eles são substituídos velozmente; busca-se a mais recente teoria, que por sua vez será consumida, e por aí vai. Necessitamos em primeiro lugar, comunicar nossas idéias em linguagem mais simples e direta, capaz de envolver mais gente. Precisamos também de algum recolhimento para elaborar melhor a relação entre idéias e prática. Achar maneiras de transformar o conhecimento em fazeres, em tecnologia, em substituição de coisas e comportamentos.

    Ainda existe a cadeira do papai? não é um livro sobre idéias mas um livro com muitas idéias. Não oferece novas teorias, não propõe substituição de conceitos de uma escola de terapia familiar por outra. Tecido com os fios do cuidar, compartilha a reflexão das autoras, amplia o tema interrogando a clínica, dialoga com outros ramos do saber.

    Nossas terapeutas-cachinhos dourados revisitando corajosamente as cadeiras da sua infância comunicam sua experiência com sabedoria e emoção. Descrevem seu processo como ... um simples instrumento pelo qual construímos um espaço onde pudemos viver e ressignificar nossas histórias com nossos pais e irmãos.

    Começando com uma indagação intelectual, uma das autoras nos conta que com o aprofundamento das questões levantadas no e pelo grupo pode perceber que estava respondendo a uma demanda interna bem mais ampla que à primeira vista havia suposto. As palavras grifadas assinalam a semelhança entre a experiência vivida pelas autoras e aquelas da primeira infância em que tudo se aprende na relação e pela relação com os membros da família. Nesse processo a indagação pela função, que remeteria a discussões teóricas, é substituída pela dos lugares: "Não existe uma função paterna predeterminada, mas a possibilidade de esta ser construída na relação. Assim preferimos falar do lugar do pai que remete a espaços concretos e a espaços emocionais."

    Talvez a necessidade de uma cadeira do papai possa ser resumida na reflexão: A lei só existe, provavelmente, porque o ser humano não é justo por natureza, e porque há a possibilidade de transgressão.

    Aceitando essa condição da natureza, o livro nos conta do tempo e da paciência das autoras para processar os conceitos implícitos em suas práticas, as maneiras como transformaram os conhecimentos em fazeres, a relação entre idéias e práticas e a transformação desse produto em linguagem capaz de nos envolver.

    Convido você a descobrir este livro-tapeçaria: tecido com esforço, paciência, amor, perseverança e, sobretudo, coragem de cada um de se expor e abrir espaços internos para escrever. Com competência!

    Pela oportunidade de ter participado da amarração dos últimos nozinhos, meu muito obrigada a todas as tecelãs.

    Helena Maffei Cruz

    Março, 2004

    Introdução

    [...] os homens atravessaram uma revolução calada. Com menos estardalhaço que as mulheres, mas com não menos significado, eles desenvolveram novos e mais diversos padrões de compromissos com as mulheres, filhos e famílias [...] (GERSON, 1997, p. 120).

    Discutem-se muito, atualmente, questões relativas ao papel e lugar do homem/pai nas famílias atuais. Especialmente com relação às grandes modificações que foram sentidas nas relações conjugais, nas relações pais/filhos e nas relações familiares de um modo geral.

    Podemos identificar, na sociedade atual pelo menos três cenários distintos, nos quais aparecem diferentes padrões de atitudes masculinas.

    1. Um grupo de homens que divide com suas mulheres a tarefa de ganhar dinheiro, mas que se recusa a dividir as tarefas domésticas. A revolução dos costumes não atingiu algumas famílias, nas quais os homens se atém aos papéis masculinos, deixando a casa e os filhos aos cuidados da mulher. Nesse caso se incluem os chamados provedores.

    2. Um grande número de famílias monoparentais, chefiadas por mulheres, cujos homens assumem pequena ou nenhuma responsabilidade pelos filhos e/ou pela família. São os grupos de divorciados e de filhos fora do casamento.

    3. O grupo do pai cuidador, aquele que se vê liberado dos antigos padrões sociais e pode com maior flexibilidade assumir novas posturas, respondendo às diferentes demandas da família pós-moderna.

    Ser pai, especialmente em tempos de grande mudança, não é tarefa das mais fáceis. Conviver com o novo pai e com os modelos antigos acaba gerando muitos conflitos para a família atual.

    O que significa e como deve ser um pai atualmente? Que modelos ele deve seguir? Alguns papéis foram abandonados na prática ou no imaginário dos pais. Muitos não querem ser como foram seus pais, mas também não sabem bem para aonde devem se dirigir.

    Foi nesse novo cenário, característico de uma fase de transição, que iniciamos nossa busca para tentar compreender como são os diferentes lugares do pai, no nosso contexto social.

    Tentaremos, neste livro, falar do lugar do pai, no aspecto de experiência relacional. Experiência calcada na afetividade, na emoção e nos sentimentos. Temos como meta descrever e compreender o contexto familiar, revelando seus múltiplos significados na investigação das seguintes questões, representadas pela metáfora: ainda existe a cadeira do papai?

    • Qual o lugar do pai na pós-modernidade?

    • Função paterna é o mesmo que lugar do pai?

    • Que narrativas são úteis para a família construir esse lugar?

    • Que modelos são usados para construí-lo?

    • Qual é a voz que traz a lei?

    • A voz do pai é aquela que permite a diferenciação?

    • Podemos falar em função paterna, sem falar em função materna e filial, simultaneamente?

    Iniciaremos este trabalho apresentando aos leitores como cada um dos integrantes da equipe se engajou nessa empreitada e que caminhos foram seguidos para que o grupo se configurasse como tal.

    São relatos emocionantes e emocionados que nos mostram o grau de envolvimento pessoal de cada um. Acompanhe-os e deixe-se tocar por eles. Acreditamos que assim o trabalho prático que vem a seguir passa a ter um contexto emocional e subjetivo que lhe dê suporte.

    Em seguida descreveremos o referencial teórico eleito para viabilizar o trabalho.

    Configurando a equipe de pesquisadores/ terapeutas

    O que me fez aceitar o convite para participar da pesquisa sobre o lugar do pai?

    Ana Maria Escobar

    ... Não sou eu, são os mortos quem te gera, São meu pai, o seu pai, os de outras eras Traçando um longo dédalo de amores Desde Caim e de Abel, em sua aurora Antiga que já é mitologia;

    Sangue e medula chegam a este dia Que está por vir, em que te gero agora. Sinto sua multidão. Nós somos nós

    E, entre nós, estás tu e teus futuros Filhos que hás de gerar.

    Jorge Luis Borges

    Não nascemos marcados para ser... professor, médico, operário, psicólogo, dançarino...

    A escolha da vida profissional, embora ato de um momento em nosso ciclo vital, é produto de uma história de múltiplas interações e desencontros, que vivemos como criança, como jovem no decorrer dos dias, dos anos. Essa história é composta de pessoas, desejos, sonhos, alegrias, tristezas, pensamentos, o que significa que é impossível separar o que há em nós de profissional daquilo que nos constitui como pessoa. Esse processo, mente/corpo, razão/ emoção, subjetividade/objetividade e fazer/ser, constitui, dialeticamente, uma identidade que em diferentes momentos se transforma, sem perder o rasto/lastro da história/ memória.

    Nessa perspectiva, hoje tenho certeza de que a origem do meu desejo pelo objeto desta pesquisa foi tecido por fios de qualidades, texturas e cores diferentes, sendo os mais vigorosos os da minha família de origem, com seus mitos, minhas crenças, minhas lealdades invisíveis e meus projetos de futuro, mais o contexto sociocultural em que ela estava inserida.

    Lembro-me com clareza, e talvez seja este o disparador do meu interesse, quando por volta dos meus 10-11 anos de idade, recebi uma grave advertência da professora de Geografia, escrita e sentenciada numa folha de papel: A Ana, nas aulas de Geografia, vive no mundo da lua!

    Tal advertência ocorreu porque eu não consegui repetir, exatamente como as suas palavras, os acidentes geográficos de uma determinada região da Itália. Minha mãe validou a voz da professora, dando-me um castigo e um puxão de orelha, mas felizmente lembro-me também, ainda que muito baixa, da voz do meu pai, retrucando: Talvez na lua tenha coisas mais interessantes do que nesta aula de geografia. Esta professora deveria viajar até lá, um dia, para ver...

    Por um momento, a idéia de fracasso e a humilhação geradas deram lugar ao acolhimento e à esperança, suscitando em mim a indagação: Por que a escola não chama, também, o pai para falar dos filhos? Por que esta voz, quando diz coisas que me fazem tão bem, soa sempre baixa?

    [...] Do que eu mesmo me alembro, nosso pai não figurava mais estúrdio, nem mais triste do que os outros... Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente [...] (Guimarães Rosa).

    Situando no contexto histórico, aquele era um momento em que o pai só ia à escola de seus filhos para assistir a alguns eventos esportivos, teatrais ou de formatura. E sua voz só tinha legitimidade para punir e cercear:

    ... Vou contar pro seu pai! Quando seu pai chegar você vai ver! Peça pro seu pai!

    O tempo passou, a história social mudou e com ela minha história pessoal. De aluna virei professora; de filha, mãe; de professora, psicopedagoga e terapeuta familiar.

    As indagações e angústias que antes se referiam a mim mesma, em relação às questões do aprender e do não aprender, ampliaram-se e voltaram-se para outras crianças: meus alunos, meus filhos, meus pacientes. E a voz de meu pai vem ressoando nas vozes de outros pais.

    No meu trabalho atual acolho, entre outras, famílias em sofrimento, que na sua maioria são encaminhadas pelas escolas por causa dos problemas do filho. Os quadros familiares descritos pelas escolas geralmente se assemelham: Falta de limites, mães à beira de um ataque de nervos e pais ausentes...

    Partindo de minha história e mediando minha escuta pela teoria relacional sistêmica, numa abordagem construtivista/ construcionista social, foi-me possível redefinir o lugar do filho/sintoma na família. Lugar que só pode ser entendido numa interação relacional com o lugar da mãe e do pai.

    Essas crianças estigmatizadas como problema, na verdade, numa linguagem metafórica, vão se constituindo como Filhos.../Heróis...

    • Hércules – sustentam, para não cair, pesadas colunas/pais.

    • Faróis de Alexandria – passam a noite em vigília/vigiando... com seus medos, xixis...

    • King-Kong – compram todas as brigas para si.Reis – ganham o trono e o poder.

    • Magos – sempre em busca de soluções mágicas.

    • Filhos-pai – não é preciso nem dizer... entre tantos outros.

    Sobre as mães muito se tem discutido e pesquisado nos tempos atuais. Mas, e o pai? Está, hoje, ausente e esvaziado das funções familiares, como me disse um paciente/pai: "A mulher não precisa mais do marido pra nada. Nem pra ser sustentada, nem pra sair de casa, e, o que é pior, nem pra procriar. O homem virou um zero à esquerda (...)"

    Qual o seu lugar na família? Como ecoa sua voz? O que diz? Instigada com essas questões, recebi com entusiasmo o convite da Sandra!

    Como diz o ditado: Nada acontece por acaso, porque não é mesmo um acaso. Com certeza a proposta desta pesquisa e da organização do livro é fruto de uma intuição dos problemas que afetam a família atual, concentrada na figura do pai.

    Obrigada, Sandra e toda equipe com a qual tive a alegria de compartilhar minhas idéias e meus sentimentos. Com todas e cada uma em particular, descubro que minha trajetória não era solitária.

    Tenho débitos especiais com:

    • As famílias que me concedem sua confiança e dividem comigo suas histórias. Ouvindo suas diferentes vozes, construo outros sentidos para minhas histórias. Com certeza, meu mundo se amplia.

    • As grandes mestras: Flávia, Janice, Sandra e Tai que me encorajaram a soltar as amarras e correr o risco de explorar novos caminhos de ir e vir da lua! O quanto aprendi! Sou-lhes grata por isso!

    • Meus pais, que não estão aqui para me escutar, e minha irmã, que me ajudaram a desenvolver raízes e asas!

    • Meu marido e meus filhos que, corajosamente, enfrentaram comigo momentos de escuros eclipses, o caos da escuridão, mas nunca me perderam e me ajudaram a manter a esperança de que a lua sempre volta a brilhar. Tenho o privilégio de compartilhar a maior parte de minha vida com vocês: Luiz Antônio, Guga, Carol e Nani!

    Respondendo a um chamado...

    Elizabeth Polity

    O bom filho à casa torna...

    Este foi meu primeiro pensamento/sentimento ao voltar, depois de algum tempo, para o lugar no qual havia feito minha formação em Terapia Familiar.

    Falar em formação lembra algo rígido como pôr na forma, e essa imagem não faz jus ao acolhimento e ao espaço para desenvolvimento que as mestras-amigas nos proporcionavam. Lá se constituiu muito mais um espaço de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional do que um espaço de formatar, de adquirir forma, como o nome poderia sugerir. Não se enganem, porém, os que foram levados a pensar que o compromisso com o saber e com o aprendizado era colocado em segundo plano. Ele se fazia presente acompanhado de uma carga de emoção e subjetividade que tornava nossa aprendizagem significativa. Com todas essas boas lembranças, o convite para ingressar em uma equipe de ex-alunas para pesquisar a função paterna trouxe-me um duplo prazer: reencontrar pessoas queridas e participar de um trabalho com rigor científico, com o qual muito me identifico.

    Irrecusável!!!!

    Depois das primeiras reuniões, em que ficamos conhecendo os integrantes do grupo – alguns de nós não tínhamos feito a formação no mesmo ano –, fomos distribuindo as tarefas e nos organizando em grupos menores para darmos início ao trabalho de campo.

    Até então, eram questões de ordem cognitiva que se impunham aos meus olhos e eu ainda não havia parado para pensar no sentido interno que esses encontros – com minhas mestras, com meus colegas, com conhecidos, comigo mesma – tinham para mim.

    Foi com o aprofundamento das questões levantadas no e pelo grupo, que pude perceber que estava respondendo a uma demanda interna bem mais ampla que, à primeira vista, pudesse supor.

    Toda a questão da função paterna, e

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