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Pandora
Pandora
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E-book484 páginas6 horas

Pandora

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Sobre este e-book

Repleto de mistério e rico em imaginação, Pandora é um emocionante romance histórico ambientado na Londres georgiana, onde a descoberta de um vaso grego, misterioso e antigo, desencadeia conspirações, revelações e romance.
 
Londres, 1799. Dora Blake, uma aspirante a joalheira, vive com o odioso tio no andar de cima da outrora famosa loja de antiguidades de seus falecidos pais. Depois que um misterioso vaso grego é entregue, seu tio começa a agir de forma suspeita, mantendo o vaso trancado no porão da loja, longe de olhares curiosos — inclusive dos de Dora. Intrigada com o estranho comportamento do tio, Dora procura o jovem estudioso de antiguidades Edward Lawrence, que prontamente concorda em ajudar. Edward acredita que o vaso seja a chave que vai abrir as portas de seu futuro acadêmico. Dora vê o vaso como uma chance de estabelecer o próprio nome, além de restaurar a loja à sua antiga glória e escapar de seu tio nefasto.
Mas o que Edward descobre a respeito do vaso faz Dora questionar tudo em que ela acredita sobre sua vida, sua família e sobre o mundo como ela o conhece. À medida que Dora descobre a verdade, ela entende que algumas portas estão trancadas e alguns mistérios estão enterrados por algum motivo, enquanto outros estão mais próximos da superfície do que parece.
Uma história de mito e mistério, segredos e enganos, destino e esperança, Pandora é uma ficção histórica encantadora, tão cativante e evocativa quanto A canção de Aquiles, A serpente de Essex e O miniaturista.
IdiomaPortuguês
EditoraVerus
Data de lançamento27 de mar. de 2023
ISBN9786559241705
Pandora
Autor

Susan Stokes-Chapman

Susan Stokes-Chapman is a writer based in North Wales. She grew up in the Georgian city of Lichfield, before spending four years in the town of Aberystwyth and graduating with a BA in Education and English Literature and an MA in Creative Writing. Her debut novel Pandora was an instant #1 bestseller in the UK, was shortlisted for the 2020 Lucy Cavendish Fiction Prize, and longlisted for the Bath Novel Award.

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    Pandora - Susan Stokes-Chapman

    Samson, Ilhas Scilly

    Dezembro de 1798

    Ele não havia considerado o peso. Antecipou o frio e levou em conta a flutuação preguiçosa da água. A escuridão? A lanterna é suficiente, e sua memória compensa a escassez de visão. Mas o peso… isso é toda uma outra questão.

    A lanterna em si é manejável; fica presa ao punho dele com um barbante grosso, que, embora possibilite o movimento das mãos, puxa o braço de maneira desconfortável, e a pele que já foi esfregada com o barbante arde com a água salgada. As cordas enroladas em cada axila — uma para o resgate, outra para levantá-lo outra vez — são pesadas, mas ajudam a equilibrar seu corpo à medida que ele desce. Embora volumosos, os pesos que afundam também são suportáveis.

    O problema é o arnês. Placa de estanho forte. Arredondado e arejado ao redor da cabeça, mais abaixo ele aperta seu torso como um espartilho implacável. No convés, não parecia tão pesado. Abaixo da superfície, no entanto, o traje de couro restritivo, o esqueleto de aro de ferro que aperta maldosamente, junto com a pressão da água e as correntes de inverno… Ele exigirá mais dinheiro quando o trabalho estiver concluído.

    A sorte o acompanhou até esta noite. A tela escura do céu está estrelada, a lua cheia e gorda. Durante a tempestade, ele observou com cuidado o que o cercava — o navio finalmente sucumbiu nos bancos de areia de duas pequenas ilhas separadas por um istmo, suas terras esburacadas por ruínas de pedras. Ao luar, essas ruínas brilham claras como um farol para seu pequeno veleiro, e, apesar das rajadas de dezembro, o estibordo do navio ainda é visível acima das ondas. Não, o naufrágio não foi difícil de encontrar.

    Então, por que é que ele sente que foi conduzido até aqui?

    Felizmente, o navio repousa em águas rasas. Ele não usara este aparato antes, nem se arriscará em profundidade maior que a necessária. Seis metros abaixo da superfície. Nenhum perigo ali, ele diz a si mesmo, e sabe exatamente onde olhar. O objeto que procura foi escondido com segurança, conforme instruções meticulosas, dentro do arco a estibordo, distante dos outros carregamentos empacotados firmemente no porão, mas o navio se destroçou na tempestade; ele espera que sua sorte se mantenha fiel, que o caixote não tenha se perdido no fundo do mar e que ninguém mais tenha conseguido recuperá-lo.

    A água gelada espeta suas pernas e braços. Envolto pelo traje pesado, ele desce mais, respirando com esforço e sentindo o gosto ácido da nódoa de metal. Os tubos de ar que saem da armadura para a superfície são longos, e ele os imagina esticados atrás de si como a corda de um carrasco. Ele segura a lanterna na frente do corpo e olha pelo vidro da abóbada do arnês, aliviado de ver a sombra das vigas do navio. Em seguida, desce mais, procurando, olhando de esguelha pela escuridão. Acredita ter ouvido um som abaixo dele, baixo e queixoso. Inclina a cabeça, sente os ouvidos estalarem e segue.

    Seus pés pousam. Abaixo deles, areia movediça. Ele tenta olhar para baixo, mas com cuidado. Foi avisado: qualquer movimento brusco e a água entrará na armadura. Devagar, sim, devagar. Aí. O canto de alguma coisa. Usando a ponta do pé, ele se empurra de volta para a corrente. Depois, afunda outra vez, tocando o fundo do mar, levantando a lanterna até o nível dos olhos. A cerca de dois metros dos escombros do navio, já consegue visualizar os cantos escuros de um caixote. O sangue pulsa ruidoso em seus ouvidos. É isso, ele tem certeza. Avança devagar, põe uma perna à frente, depois a outra, seus pés se arrastando pela água. Dá um salto quando algo roça suas canelas e, abaixando a lanterna, observa as algas marinhas dançarem em torno de suas panturrilhas.

    O caixote se equilibra precariamente em uma pedra grande. Ele se aproxima, levanta a lanterna de novo. O x que ele pintou em uma das laterais do caixote quando o navio saiu de Palermo está nítido, mesmo nessa profunda escuridão aquática. Por um momento ele se admira de como tudo isso foi fácil, mas em seguida a lanterna tremula, apaga e acende mais uma vez, e ele sabe que agora não é hora para enrolação.

    Soltando o barbante do punho, ele coloca a lanterna entre dois pedaços grandes de escombros, para que ela não vire para a corrente. Depois, desenrola uma das cordas do braço e começa a árdua tarefa de prender o caixote. Deve ser cuidadoso — não há espaço para o erro —, e a pedra parece ser uma bênção, pois sem ela ele teria sofrido para levantar o caixote do fundo do mar. Enquanto ele trabalha, pequenos peixes nadam depressa ao seu redor. Em dado momento ele para, se esforça para ouvir de dentro das placas do arnês. É uma música? Não, é o enjoo da água, só pode ser. Não lhe disseram que ficar submerso por muito tempo pode ser mortal?

    Mas tão cedo?

    Ele trabalha rápido agora, o mais rápido que consegue com o peso do arnês empurrando-o para baixo. Passa a corda em volta do caixote quatro vezes e, embora seus dedos estejam enrijecidos pelo frio, faz nós tão apertados que será preciso cortar a corda. Quando está satisfeito, puxa a corda com força — uma vez, duas vezes — sinalizando para a superfície. A corda estica, afrouxa, se contrai. Depois, triunfante, ele observa o caixote subir em uma nuvem ondulante de areia. Ele ouve o chiado abafado da madeira, a ondulação lenta da água, tão baixo que acredita ter imaginado o suspiro suave e perturbador, quase como o sussurro de uma mulher.

    Londres

    Janeiro de 1799

    Parte I

    A mente é o seu próprio lugar, e por si só

    Consegue fazer do Paraíso um Inferno, e do Inferno um Paraíso.

    John Milton

    Paraíso perdido (1667)

    UM

    Dora Blake está debruçada sobre sua escrivaninha desde o amanhecer. A banqueta em que está sentada é muito alta, mas ela se acostumou à altura estranha. De vez em quando ela coloca seu alicate sobre a mesa, tira os óculos e pressiona o nariz. Ela geralmente massageia os nós do pescoço e alonga as costas até sentir o estalar prazeroso da espinha.

    O sótão está virado para o norte e é pouco iluminado. Frustrada, Dora colocou a escrivaninha e a banqueta embaixo da pequena janela, pois este é um trabalho complexo e sua única vela não é adequada. Ela se move de maneira desconfortável no assento duro, recoloca os óculos e se dedica à tarefa mais uma vez, fazendo o possível para ignorar o frio. A janela está totalmente aberta, apesar do clima de Ano-Novo. Ela espera que Hermes volte a qualquer momento com um novo tesouro, algo para coroar sua última criação. A porta da gaiola já está aberta para esperá-lo. Os restos de seu café da manhã roubado estão espalhados sob o poleiro para recompensar o que ela espera que seja uma frutífera caçada matinal.

    Ela chupa o lábio inferior entre os dentes e inclina o alicate contra o polegar. Replicar o canutilho é ambicioso de sua parte, mas Dora é, antes de mais nada, uma otimista. Alguns poderiam chamar esse otimismo de obstinação, mas ela sente que sua ambição é justificada. Dora sabe — sabe — que tem um talento. Está positivamente convencida de que algum dia será reconhecida e de que suas peças serão usadas por toda a cidade. Talvez na Europa, ela pensa, contraindo o canto da boca enquanto coloca com cuidado um pequeno fio no lugar. Em seguida, ela balança a cabeça e tenta arrancar seus sonhos elevados das vigas cheias de cupins acima dela e se concentra. Não adianta nada se distrair e estragar horas de trabalho no último obstáculo.

    Dora corta outro pedaço de fio do rolo pendurado na parede.

    A beleza do canutilho é que ele imita uma renda fina. Ela viu alguns conjuntos de joias exibidos na Rundell & Bridge e ficou admirada com seu design complexo; um colar, brincos, uma pulseira e uma tiara teriam tomado meses de trabalho. Dora pensou brevemente em criar o par de brincos combinando com seu esboço, mas admitiu a contragosto que seu tempo seria mais bem gasto com outra coisa. Afinal, este colar é apenas um exemplo; um jeito de demonstrar sua habilidade.

    — Pronto! — exclama ela, recortando o excesso de linha com um alicate de corte fino.

    Ela passou a manhã toda incomodada com o fecho, que se provou terrivelmente trabalhoso, mas agora está pronto; valeram a pena o início difícil, a tensão nas costas e a dormência nas nádegas. Ela abaixa os estiletes, assopra e esfrega as mãos enquanto um floquinho preto e branco desce do telhado com um grasnido furtivo.

    Dora se senta e sorri.

    — Bom dia, meu amor.

    A pega-rabuda flutua pela janela e pousa suavemente na cama. Uma bolsinha de couro que ela costurou para Hermes balança no pescoço da ave, que está inclinado — há alguma coisa ali.

    Ele encontrou algo.

    — Venha cá — diz Dora, fechando a janela por causa do frio do inverno. — Mostre-me o que pegou.

    Hermes pia e abaixa a cabeça. A alça da bolsa afrouxa e o pássaro dá alguns passos para trás, sacudindo o bico. A bolsinha cai, e Dora a apanha e despeja seu conteúdo sobre a manta desgastada.

    Um pedaço quebrado de cerâmica, uma conta de metal e um alfinete de aço. Ela pode usar todas essas peças para alguma coisa: Hermes nunca decepciona. No entanto, a atenção dela está voltada para outro item sobre a cama. Ela o pega e o levanta contra a luz.

    Ach nai — suspira Dora. — Sim, Hermes. É perfeito.

    Ela segura entre os dedos um seixo oval e achatado feito de vidro, do tamanho de um ovo pequeno. Contra a linha do horizonte da cidade, ele produz um brilho pálido, quase um azul esbranquiçado. Em desenhos de canutilhos, as ametistas são as pedras preferidas: o tom roxo vivo destaca-se cintilante ao lado do ouro, aumentando a intensidade do amarelo. Mas é da água-marinha que Dora gosta mais. Remete-a aos céus mediterrâneos e ao calor da infância. Esse pedaço de vidro liso bastará. Ela fecha a mão ao redor dele e sente na palma sua superfície fria e suave. Faz um gesto para a pega-rabuda. Em um piscar de seu olho preto, ele sobe no pulso dela.

    — Acho que isso merece um belo café da manhã, não acha?

    Dora o leva até sua gaiola. O bico do pássaro arranha a base de madeira enquanto ele tenta pegar as cascas de pão que ela lhe deixou mais cedo. Enquanto isso, ela acaricia as penas macias e admira seu brilho colorido.

    — Pronto, meu tesouro — ela canta. — Você deve estar cansado. Não é melhor assim?

    Absorto em sua refeição, Hermes neste momento a ignora, e Dora volta à escrivaninha. Ela olha para o colar, contempla seu trabalho manual.

    Ela não está, deve confessar, completamente satisfeita. Sua peça, desenhada com beleza no papel, é uma demonstração pobre depois de concretizada. O que deveriam ser gavinhas de ouro em espiral é meramente uma linha cinza enrolada em nós em miniatura. Em vez de pérolas barrocas brilhantes, pedaços de porcelana quebrada.

    Mas Dora nunca esperou que correspondesse ao desenho. Ela não dispõe das ferramentas e materiais adequados, nem do estudo correto. No entanto, já é um começo; prova de que há beleza em seu trabalho, pois, apesar dos materiais toscos, há uma elegância nos formatos que forjou. Não, Dora não está satisfeita, mas está contente. Ela espera que baste. Certamente, tendo esse seixo como destaque…

    Um estrondo, o tilintar de um sino distante.

    — Dora!

    A voz que chama três andares abaixo é forte, nítida e impaciente. Hermes gorjeia com irritação em sua gaiola.

    — Dora — a voz grita outra vez —, desça e cuide da loja. Tenho negócios urgentes na doca.

    A declaração é seguida pelo baque de uma porta fechando e outro mais distante. Depois, silêncio.

    Dora suspira, cobre o colar com um pedaço de linho e coloca seus óculos ao lado. Ela terá de adicionar o seixo de vidro depois, quando seu tio tiver ido para a cama. Com pesar, Dora o apoia contra o castiçal, onde ele balança brevemente antes de parar.

    O Empório de Antiguidades Exóticas de Hezekiah Blake se destaca entre o café e o armarinho. Sua vitrine é grande e curva, indiscreta aos transeuntes, que se sentem compelidos a parar devido ao tamanho avantajado. Mas a maioria das pessoas fica na rua — hoje em dia, poucos se demoram ali ao perceber que a vitrine com a moldura descascada não tem nada de tão exótico além de um armário do século passado e uma pintura de paisagem reminiscente de Gainsborough. Outrora um estabelecimento em expansão, agora abriga apenas falsificações e curiosidades empoeiradas que não têm nenhum apelo real para o público, muito menos para um colecionador perspicaz. Dora não compreende por que seu tio sentiu a necessidade de chamá-la para baixo; pode ser que ela passe toda a manhã sem ver um único cliente.

    Nos tempos do pai dela, o comércio era vigoroso. Ela podia ser apenas uma criança durante aqueles anos dourados, mas se lembra do tipo de clientela que a loja atraía. Viscondes se amontoavam na Ludgate Street para solicitar que suas casas na Berkeley Square fossem decoradas de maneira que remetesse à beleza do Grand Tour. Homens bem-sucedidos podiam encomendar peças para decorar suas lojas. Colecionadores particulares pagavam grandes somas ao seu pai, Elijah, e à sua esposa para escavarem ruínas no exterior. Mas agora?

    Dora fecha atrás de si a porta que separa a área de estar do andar da loja. O sino toca uma saudação alegre quando a porta desliza de volta para o batente, mas Dora permanece de boca fechada diante dela. Se Lottie Norris não fica de olho nela, então o maldito sino que Hezekiah instalou basta para reduzir suas idas e vindas.

    Apertando o xale nos ombros, Dora se dirige ao andar da loja. O local está abarrotado de móveis, itens feios colocados uns contra os outros de qualquer jeito e caixas de livros repletas de volumes que não parecem ter mais de dez anos. Aparadores pesados estão postos lado a lado e desarrumados com enfeites medíocres espalhados sobre as superfícies empoeiradas. Ainda assim, apesar da desordem, sempre há um caminho largo entre as mercadorias, uma passagem que conduz até os fundos da loja, pois lá estão as portas que levam ao porão.

    O santuário particular de Hezekiah.

    O porão havia ficado sob o domínio dos pais dela — era o escritório, o lugar onde mapeavam escavações e restauravam peças quebradas. No entanto, quando Hezekiah se mudou de seu pequeno conjunto de salas no Soho para assumir a loja, ele a reformulou por completo: apagou todos os traços dos pais de Dora até que somente as memórias guardadas por ela permanecessem. Nada no Empório é como foi um dia; o negócio definhou, junto com sua reputação.

    Dora vira uma nova página do livro-caixa (somente duas entradas ontem) e rabisca a data na margem.

    Eles vendem. Ao longo do mês o dinheiro pinga devagar, mas continuamente, como a água do vazamento do telhado. No entanto, cada venda é baseada em mentira e encenação; Hezekiah associa aos objetos todo tipo de história fantástica. Um baú de madeira foi o meio pelo qual um traficante de escravos transportou duas crianças da América em 1504 (fabricado uma semana antes por um carpinteiro de Deptford); um par de castiçais ornamentais pertenceu a Thomas Culpeper (feito por um ferreiro em Cheapside). Uma vez, Hezekiah vendeu a um gerente de bordel um sofá de veludo verde que alegava ter pertencido a uma condessa francesa durante a Guerra dos Trinta Anos e que foi resgatado quando o seu mais glorioso chateou foi devastado em um incêndio (a condessa era, na verdade, uma viúva desesperada que vendera o sofá a Hezekiah por três guinéus para continuar pagando as dívidas do marido). Ele até mesmo mobiliou os quartos superiores de uma casa para homossexuais com seis telas japonesas do período Heian (pintadas por ele mesmo no porão abaixo). Se esses clientes se preocupassem em questionar a autenticidade dos itens, Hezekiah teria sentido a dureza do chão frio do Tribunal Central de Londres sob os joelhos há muito tempo. Mas eles não questionam. É evidente que o calibre deles e sua apreciação de belas-artes e antiguidades deixam a desejar.

    Falsificações, Dora descobriu ao longo dos anos que elas não são desconhecidas nos círculos das antiguidades. De fato, muitos têm dinheiro para encomendar cópias de itens que viram no Museu Britânico ou admiraram no exterior. Mas Hezekiah… Hezekiah não admite seu engano, e é aí que está o perigo. Dora sabe qual é a punição para tal trapaça — uma multa pesada, uma volta no pelourinho e meses de prisão. Seu estômago revira com o pensamento. É claro, ela poderia ter denunciado Hezekiah, mas depende dele — o tio e a loja são tudo o que ela tem — e, até que possa fazer a própria vida no mundo, ela precisa ficar e assistir à loja afundar ano após ano; assistir ao nome Blake perder o valor e ser esquecido.

    Nem todo o estoque é falsificado, ela admite. As quinquilharias que Hezekiah acumulou ao longo dos anos (e das quais ela vez ou outra tira materiais sorrateiramente) garantem uma renda pequena e estável — botões de vidro, cachimbos de argila, pequenas mariposas suspensas em vidro soprado, soldados de brinquedo, xícaras de chá chinesas, miniaturas coloridas… Dora olha mais uma vez para o livro-caixa. Sim, eles vendem. Mas o dinheiro que entra é suficiente apenas para pagar o salário de Lottie e alimentar todos eles, embora Dora não saiba, nem deseje saber, de onde Hezekiah tira dinheiro para bancar suas pequenas vaidades. Já é o suficiente que ele tenha manchado a vida que seu pai deixou para trás. Já basta que o prédio esteja em ruínas, que haja muito pouco para pagar os reparos. Se o lugar fosse dela… Dora varre o pensamento melancólico da mente, passa a ponta do dedo pelo balcão e aperta o lábio ao ver o dedo sujo. Lottie nunca limpa?

    Como se fosse um sinal, o sino toca novamente e Dora se vira para a mulher mais velha enfiando o rosto pela fresta da porta.

    — Você acordou, senhorita. Vai tomar café da manhã? Ou já se serviu?

    Dora olha para a governanta de Hezekiah — uma mulher atarracada, de boca macia, olhos pequenos e cabelos cor de palha — com desdém. De fora, ela parece se encaixar perfeitamente no papel, mas Lottie Norris está tão longe de se destacar no reino doméstico quanto o tio está de dominar o atletismo. Não, na verdade, Lottie é, na opinião de Dora, muito preguiçosa, muito teimosa e, como piche na asa de uma gaivota, nociva, difícil de remover e ardilosa com ela.

    — Não estou com fome.

    Mas Dora está com fome. O pão foi consumido há mais de três horas, mas ela sabe que, se pedir mais, Lottie fará questão de mencionar a Hezekiah que está roubando da despensa, e Dora não tem paciência para seus sermões hipócritas.

    A governanta entra na loja e olha para ela com as sobrancelhas levantadas.

    — Sem fome? Você quase não comeu no jantar de ontem.

    Dora a ignora e levanta o dedo para mostrar a sujeira.

    — Você não deveria estar limpando?

    Lottie franze a testa.

    — Aqui?

    — Onde mais?

    A governanta zomba, balança o braço robusto no ar como um ventilador.

    — É uma loja de antiguidades, não é? Elas são feitas para ficarem empoeiradas. Esse é o charme.

    Dora vira o rosto e franze os lábios ao ouvir o tom de Lottie. Sempre tratou Dora assim, como se ela própria não passasse de uma criada e não fosse, de fato, filha de dois antiquários respeitáveis, além de sobrinha do atual proprietário. Atrás do balcão, Dora endireita o livro e começa a apontar o lápis, mordendo as palavras amargas na língua; Lottie Norris não vale o fôlego que levaria para repreendê-la, nem adiantaria se ela o fizesse.

    — Tem certeza de que não quer nada?

    — Tenho — Dora diz brevemente.

    — Como preferir.

    A porta começa a se fechar. Dora abaixa o lápis.

    — Lottie? — A porta para. — O que era tão importante na doca que o Tio me fez cuidar da loja?

    A governanta hesita, torce o nariz atarracado.

    — Como vou saber? — diz, mas, enquanto a porta se fecha atrás dela, o sino infernal tilintando, Dora acha que Lottie sabe muito bem.

    DOIS

    A Creed Lane fervilha como larvas em uma ferida aberta.

    O tráfego parece ter transbordado da boca pesada da Ludgate Street, inundando as ruas laterais com a ferocidade de um rio que engole suas margens. Os cheiros tão únicos da cidade parecem mais pungentes em locais tão próximos — fuligem e vegetais podres, peixe quase vencido. Ele mantém um lenço firmemente preso à boca e ao nariz. Quando por fim emerge na ladeira mais tranquila de Puddle Dock Hill, Hezekiah Blake caminha o mais rápido que seu corpo grande permite.

    A carta — agora amassada pela leitura excessiva — chegou há mais de duas semanas, e, embora ele previsse o tempo que levaria para percorrer uma distância tão grande, esperava que os Coombe chegassem muito antes; a paciência de Hezekiah se esgota perigosamente.

    Desacelerando, ele abaixa o lenço e tenta recuperar o fôlego. A inclinação para o sedentarismo é aparente em seu corpo baixo, embora aos cinquenta e dois anos ele veja isso como bastante, bastante comum, pois um homem há tanto tempo no comércio como ele certamente deve gozar dos frutos de seu trabalho. Hezekiah puxa a peruca, ajusta a aba do chapéu mais novo e passa a mão pelo colete de musselina esticado sobre a barriga arredondada. Na verdade, lamenta não ter mais liberdade para se permitir — os luxos que poderiam ser dele! —, mas em breve, pensa com um sorriso, em breve vai estar livre para fazer tudo o que quiser. Ele esperou com muita paciência nos últimos doze anos. Muito em breve, sua espera terminará.

    Ao se aproximar de Puddle Dock, Hezekiah ergue o lenço mais uma vez. Ele usa esta doca em particular para todas as suas transações mais questionáveis. Aqui o fedor de sujeira é mais pungente. Basicamente um repositório para a imundície das ruas de Londres, é improvável que as remessas sejam monitoradas aqui. Ele está agradecido por essa transação em particular ser conduzida nas profundezas do inverno mais rigoroso, pois nos meses de verão os vapores da merda volatizam e sobem, penetrando em tudo o que tocam: os cílios e os pelos das narinas, as próprias roupas em suas costas, as remessas grandes e pequenas. A última coisa que quer é que esse item mais precioso seja contaminado pelo fedor. Não, pensa ele, isso não serviria de jeito nenhum.

    Como todas as docas, esta é pequena e estreita, fechada entre dois prédios imponentes com janelas tapadas. Hezekiah precisa apoiar as costas nas paredes encardidas para passar pelo alvoroço dos estivadores e tenta sem sucesso ignorar os homens do turno da noite esvaziando seus carrinhos de excremento, a poça desagradável e o barulho dos baldes cheios batendo nas pedras do calçamento. Seu calcanhar derrapa em algo escorregadio (Hezekiah se recusa a pensar no que pode ser) e ele bate nas costas de um chinês segurando um balde, cujo conteúdo imundo ameaça transbordar com a colisão. Quando o homem estende a mão para se firmar contra a parede, Hezekiah o encara, afrontado, mas não há desculpa, nenhum sinal de que o homem tenha ao menos registrado sua presença, e ele vai embora antes que Hezekiah possa tocar no assunto. Com os olhos lacrimejantes, ele respira profundamente no algodão e continua descendo a rampa até a beira do rio.

    O capataz, encaminhando os resíduos noturnos nas barcaças a serem levadas rio abaixo, está de costas para Hezekiah, e o homem velho deve gritar do outro lado do tumulto para ser ouvido.

    — Sr. Tibb, por favor! Sr. Tibb!

    Jonas Tibb vira a cabeça para ver quem o chama, olha para as barcas e, gesticulando na direção do rio, diz algo que Hezekiah não consegue ouvir. O capataz se vira completamente e caminha até a ribanceira onde Hezekiah espera com impaciência.

    — Outra vez, sr. Blake? — Tibb enfia os polegares imundos no cós da calça e olha para o rio.

    O tempo — embora frio — permanece seco e brilhante; a água está calma como um lago de patos, lisa como vidro.

    — Eu lhe disse ontem que não houve nenhum sinal. Não mudou nada desde que o sol se pôs e nasceu.

    Os ombros de Hezekiah descem. Ele sente a agitação de aborrecimento em sua barriga, o soco duro da decepção renovada. Vendo seu rosto, Tibb suspira, tira o gorro de lã e esfrega a cabeça careca.

    — Senhor, você já disse que seus homens não vão tomar o caminho mais rápido pela estrada. Fica a quase oitocentos quilômetros de Samson, e, com as marés de inverno, sempre pode haver um ou dois dias de atraso. Por que insiste em vir aqui se eu lhe disse que vou mandar um recado?

    Normalmente Hezekiah não suportaria tal conversa. Afinal, ele é um comerciante respeitável e esse homem não tem importância para ele, mas Jonas Tibb nunca questionou por que Hezekiah deseja conduzir seus negócios dessa maneira, e sua discrição sempre foi inabalável.

    — Por Deus, Tibb. Você não tem noção da importância disso. Paguei um bom dinheiro para retirar essa remessa.

    Dinheiro, ele pensa agora com desconforto, que mal podia pagar.

    Tibb levanta os ombros levemente antes de parecer pensar melhor. Seus olhos cinza lacrimejantes se enrugam em um sorriso amarelo.

    — Tenho certeza de que os Coombe não vão decepcioná-lo. Eles nunca decepcionaram, não é?

    — Não, de fato, nunca decepcionaram. — Hezekiah se ilumina.

    Tibb acena bruscamente, arruma o chapéu, e Hezekiah resmunga, chateado consigo mesmo por demonstrar fraqueza na frente de um homem humilde.

    — Bom, espero ter notícias suas no tempo esperado e receber um recado assim que você vir esse barco chegando, entendeu?

    Aye, senhor.

    — Muito bem.

    Então — com o lenço in situ mais uma vez —, Hezekiah faz a desagradável jornada de volta a Puddle Dock Hill, através da fossa apertada da Creed Lane e da agitação da Ludgate Street, mas sua mente está confusa e seu temperamento mais aflito, apesar das palavras do capataz.

    Onde eles estão? Onde está sua remessa, seu prêmio mais desejado? Talvez tenha acontecido alguma coisa — uma emboscada, ou talvez os Coombe tenham fugido com ela — ou — e aqui Hezekiah solta uma risada que faz uma leiteira olhar para ele com estranheza e derrubar seu jugo — ele afundou! Não, o pensamento é horrível, irônico demais para ser considerado. Rápido, ele pensa, rápido! Ele deve ter algo para aliviar sua confusão.

    Agora a atenção de Hezekiah está voltada para vitrines de lojas, seus olhos se movendo como bolas de bilhar na primeira tacada. Uma nova caixa de rapé? Não, ele já tem duas. Outra peruca? Ele toca o rolo na sua orelha, cabelos humanos sedosos cuidadosamente escolhidos. Talvez não, essa já foi cara o suficiente. Um alfinete de gravata, talvez? Mas logo depois seus olhos param em algo e ele sorri, sente a explosão familiar do desejo, a satisfação de saber que um item foi feito perfeitamente para ele. Entra na loja e, dinheiro entregue, a compra é feita em instantes.

    De volta à rua, Hezekiah dá um tapinha no peito, pressionando a mão no pequeno pacote guardado cuidadosamente no bolso interno do sobretudo. Com um sorriso largo, Hezekiah ajusta o chapéu e segue em frente.

    TRÊS

    O jantar é um assunto doloroso. Diferentemente do restante da casa, a pequena sala de jantar, com seu papel de parede bordô forte e seu fogo alegre, é aconchegante e quente, e seria um lugar bem agradável de ficar se ela estivesse em outra companhia. No entanto, Dora e Hezekiah não eram dados a conversas agradáveis, especialmente nas últimas semanas. O Natal passou sem nenhuma diversão, pois o humor de Hezekiah estava obscuro e revoltoso, o que tornava toda a experiência um tanto penosa. Aquele humor continuou — sem precedentes, ao que parecia — no Ano-Novo, e Dora fez de tudo para evitar a língua afiada e a irritação que parece pairar sobre ele como o nevoeiro do Tâmisa. Dora enrola os dedos em seu guardanapo. Ela preferiria passar a noite no seu quarto úmido e arejado, fixando o seixo de vidro em seu colar e tendo somente Hermes como companhia. Na verdade, ela tem muito mais discussões recompensadoras com ele do que com qualquer outra pessoa, e ele é apenas um pássaro.

    Com atenção, Dora observa o tio. Hezekiah está distraído, mais que de costume, pois está comendo devagar, com o olhar fixo no grande mapa-múndi pendurado na parede atrás dela, e acariciando distraidamente sua cicatriz, uma fina linha branca que passa pela sua bochecha. Ele tosse e fica inquieto e, com o polegar, bate na taça de vidro, que faz um barulho de tlim-tlim-tlim enquanto a noite se aproxima. De quando em quando a outra mão dele acaricia o relógio de bolso reluzente pendurado no colete, a corrente cintilando à luz das velas.

    Dora olha fixamente para o relógio depois da sexta vez, tentando lembrar se já havia visto o objeto antes. O relógio pertencia ao pai dela? Não, ela lembraria. Então, Dora deduz que é uma nova aquisição, mas não fala nada. Da última vez que ela perguntou como Hezekiah podia comprar essas bugigangas ele ficou com um tom intenso de vermelho e a repreendeu gritando tão alto que os ouvidos dela zumbiram até a manhã seguinte. Quando o tio tosse outra vez, fazendo o pedaço de carneiro balançar perigosamente em seu garfo, Dora decide que não aguenta mais.

    — Tio, está doente?

    Hezekiah pula e olha diretamente para ela pela primeira vez no dia. Seus olhos entregam por um instante um nervosismo que ela não tinha notado, mas ele esconde rapidamente.

    — Que ideia. — Ele abocanha o carneiro e mastiga de boca aberta, como uma vaca. Dora olha com nojo enquanto a carne passada do ponto se move na língua dele. Um pingo de caldo cai em seu queixo.

    — Eu estava refletindo sobre o futuro da loja. Acho que…

    Dora corrige a postura na cadeira. Ele finalmente vai discutir o gerenciamento da loja com ela? Pois ela tem ideias, tantas ideias maravilhosas! Primeiro ela removeria o peso morto e reabasteceria o local com artigos bons e genuínos, oriundos dos contatos antigos do seu pai. Segundo, ganharia dinheiro suficiente para contratar homens que fizessem escavações no exterior e empregar artistas e entalhadores que catalogassem os achados. Eles poderiam estar listados mais uma vez no diretório da Christie’s, fornecer um retiro para acadêmicos e colecionadores particulares, abrigar um pequeno museu ou uma minibiblioteca. Talvez — quanto aos aspectos mais frívolos do negócio — pudessem atender às extravagâncias da aristocracia com soirées temáticas. Devolver à loja sua antiga glória. Começar de novo.

    — Sim?

    Hezekiah engole a comida e bebe um longo gole de vinho.

    — Agora que começamos um novo ano, acho que é a época perfeita para vendê-la. Estou cansado de negociar. Há mais prazer em outras coisas, no fim das contas; coisas muito melhores para investir meu dinheiro.

    Sua voz é indiferente, quase fria, e Dora observa o tio do outro lado da mesa.

    — O senhor venderia a loja do Pai?

    Ele olha para ela no mesmo nível.

    — Não é dele. Ela foi naturalmente passada para mim quando ele morreu. A placa diz Elijah ou Hezekiah?

    — Não pode vendê-la — ela sussurra. — Simplesmente não pode.

    Balançando o braço como se estivesse afastando uma mosca, ele não dá importância ao que ela diz.

    — Os tempos mudaram. Os antiquários não estão mais à la mode. O dinheiro da venda bastaria para comprar um bom espaço em uma parte mais respeitável da cidade. Seria uma mudança agradável para mim. — Ele limpa o canto da boca com o guardanapo. — O edifício seria vendido por um bom preço, assim como o que está dentro dele, tenho certeza.

    Dora fica petrificada. Vender a loja? A casa de sua infância?

    Ela respira de maneira instável.

    — Não é possível, Tio, que o senhor cogite uma coisa dessas.

    — Por favor, Dora. A loja não é mais o que já foi…

    — E de quem é a culpa?

    As narinas de Hezekiah se alargam, mas ele ignora isso também.

    — Eu achei que você ficaria contente com uma mudança de cenário; um cenário mais libertador. Não é isso o que você quer?

    — O senhor sabe o que eu quero.

    — Ah, sim. — Ele sorri com sarcasmo. — Aqueles seus pequenos esboços. Você ficará muito melhor se encontrar alguém que compre aquelas peças para você em vez de você mesma tentar criá-las.

    Dora abaixa os talheres.

    — E onde, Tio, eu as usaria?

    — Bem…

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