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Das Cinzas do Conflito
Das Cinzas do Conflito
Das Cinzas do Conflito
E-book482 páginas6 horas

Das Cinzas do Conflito

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Sobre este e-book

Aos dez anos de idade Sohrab Vessali e seus pais escapam da violência da Revolução Islâmica no Irã para viver na América. À medida que os anos passam e o sentimento anti-iraniano eleva-se, a intimidação e os insultos no colégio deixam Sohrab confuso e desorientado. Ele se torna distante do seu pai dominador, um ex-general do exército do Xá, determinado a iniciar uma contra-revolução.

Mas as feridas do distanciamento derretem quando seu pai retorna em segredo para o Irã e desaparece. Os mulás o prenderam ou o executaram? Sohrab está obcecado em discobrir o destino do seu pai, esperando que ele ainda esteja vivo para que eles possam desfazer as mágoas do seu passado turbulento. Ele confia em Emily Clarke, uma enfermeira de origem iraniana que deposita seu amor e fé nele e ajuda-o na busca perigosa.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de nov. de 2016
ISBN9781507144183
Das Cinzas do Conflito

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    Das Cinzas do Conflito - Iraj Sarfeh

    Das Cinzas do Conflito

    Iraj Sarfeh

    Das Cinzas do Conflito

    © 2015 From the Ashes of Strife, 2a Edição

    Swartz Creek, MI 48473

    Capa por Clarissa Yeo

    Previamente publicado por Musa Publishing, 2014.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em um sistema eletrônico ou transmitida de qualquer maneira ou por quaisquer meios, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a autorização prévia de Victoria Craven. Citações breves podem ser usadas em críticas literárias.

    Impresso nos Estados Unidos da América

    Elogios para Das Cinzas do Conflito

    O autor Sarfeh tem transformado as suas habilidades formidáveis em contar histórias e muitas das suas próprias experiências livres na história instigante de mudança, adaptação e eventual redenção. Sempre irei encontrar um lugar especial e duradouro na minha memória para muitas das cenas memoráveis neste romance. Um jovem iraniano é arrancado do lar seguro que ele conhece na América, um lugar Onde todo mundo não está zangado o tempo todo. Sua luta para adaptar-se e prosperar em uma sociedade que com frequência ele acha difícil de compreender é tocante e educacional também. Muitas vezes em desacordo com a mentalidade da carreira militar do seu pai, o jovem rapaz luta para encontrar o seu próprio caminho em um mundo novo que irá lhe permitir batalhar, mas também irá lhe permitir fracassar. O romance também explora o lado pessoal de como a revolução no Irã lidou com uma mão pesada e cruel com uma cultura antiga e hospitaleira – uma cultura que sobrevive apesar das condições impossíveis. Raízes persas correm muito profundo e muito forte.

    Sohrab é o forasteiro derradeiro: afastou-se da sua terra natal, isolou-se da sua própria família e nem sempre está confortável na sua nova vida. O uso do autor do ponto de vista em constante movimento do personagem em capítulos alternados, entre o jovem e de um observador acompanhando a própria perturbação e demônios escondidos do pai de Sohrab, torna fácil absorver os sentimentos e motivações de ambos os personagens. Os dois formam um par com as histórias persas antigas dos seus homônimos. Enquanto o jovem cresce para a idade adulta e encontra a sua vocação, o mesmo acontece com o soldado endurecido pela batalha, em uma reviravolta exclusivamente ao estilo de Sarfeh. De certa maneira, os personagens neste livro são arremessados, preparados de maneira incompleta, em um turbilhão de conflitos que todos eles conseguem superar. O destino é gentil ou tem um senso de humor. Encontrei uma ligação íntima e pessoal com o jovem, determinado a não provar nada para ninguém, que descobre que o caminho da mediocridade não é adequado para ele. Exatamente como seu pai sempre dizia. Lealdade pode assumir muitas formas. Leia esta história envolvente por si mesmo e veja se você não acaba torcendo por todos.

    Richard Sutton, Amazon Vine Voice

    Prefácio

    Eu não prometo aliança a nenhuma bandeira, nenhuma nação e nenhuma religião. De agora em diante, minha aliança é para a humanidade.

    Estas são as palavras finais da última página, manchada por chá, das memórias manuscritas de Pai. Elas completam a nossa história, que até agora era uma miscelânea de peças em mosaico, sem um padrão ou significado. Elas contam muito sobre Pai e, portanto, sobre mim. Elas contam da sua vida cheia de conflitos, dos anos passados na prisão e do luto pelo declínio da sua pátria querida, Irã.

    E elas contam dos seus sentimentos, expressos em ações e palavras. Os anos do confinamento solitário o transformaram. E enquanto ele mudava, eu mudei. Viajamos em um círculo em direções opostas, mas acabamos no mesmo lugar. Ao longo do caminho, encontramos inúmeros obstáculos obrigando-nos a desvios — desvios traiçoeiros que no fim intensificaram a alegria da nossa reunião.

    Faltando das lembranças está um relato do desvio influente de Pai, um que ele, de maneira relutante, relatou nos seus últimos anos. Deve ter sido muito doloroso para ele comprometer-se com o papel, exceto pela única página com um título e uma frase inacabada:

    Tabriz, 13 de julho de 1964:

    Através das camadas de chuva, vislumbrei o mal que...

    CAPÍTULO 1

    Da varanda, eu não podia ver a calçada por causa do topo das cabeças. A maioria estava coberta com tecido — alguns brancos, alguns verdes, muitos vermelhos. Mãe disse que o branco era pela paz, verde pelo Islã, vermelho para a raiva. Entre as cabeças, uma floresta de punhos socava o ar em sincronia com os gritos de "Marg bar Shah!" Morte ao Rei! Durante todo o mês de junho de 1978, eu ouvi os mesmos gritos quase todos os dias na nossa rua — gritos zangados, apavorando-me.

    Naquela tarde, um mulá em uma túnica e turbante preto conduzia a multidão. Ele estava sobre uma caixa de madeira no outro lado da rua, de vez em quando agitando os braços como um corvo prestes a voar, encorajando seus seguidores a matar o Xá e qualquer um que se opusesse a lei Islâmica.

    Um soldado em uniforme militar caminhava lentamente entre a multidão, um rifle pendurado sobre o seu ombro. Quando ele estava alguns passos na frente do mulá, ele parou, escorregou o rifle e segurou-o contra o peito, acariciando o cabo como se fosse o seu gato. Ele fixou seus olhos negros no mulá — olhos firmes e cruéis, como aqueles de um falcão. Mantidas sob o feitiço do mulá, as pessoas pareciam alheias a ameaça do soldado e sua arma.

    Mãe agarrou minha mão. Vamos entrar, Sohrab. Acho que algo terrível está prestes a acontecer.

    Colado à cena que se desenrolava, eu permaneci imóvel.

    O soldado ergueu o rifle e a multidão não percebeu. Ele apontou para o crânio do mulá e a multidão não percebeu. Mãe gritou e a multidão não percebeu.

    O soldado disparou sua arma. A testa do mulá estilhaçou. Sangue jorrou.

    A multidão dispersou-se enquanto o corpo caia ao chão, olhos arregalados congelados em surpresa e imóveis como um par de besouros mortos. Um cachorro amarelo aproximou-se e lambeu o sangue. O soldado sorriu.

    Eu me senti tonto e tudo ficou em branco até que eu acordei na cama. Mãe estava sobre mim, umedecendo meu rosto com uma toalha fria. Ela disse que eu desmaiei.

    * * * *

    Nós vivíamos um quilômetro ao sul do palácio do Xá, em Koocheh Kasram, uma rua com casas enormes cercadas por muros de tijolos de 3,5m de altura. Ali, nosso empregado, disse que os mulás com frequência escolhiam nossa rua para realizar manifestações porque muitos dos proprietários eram os amigos ricos e poderosos do Xá. Ele disse que ser rico e poderoso no Irã durante estes tempos difíceis era uma maldição, o que me preocupava porque Pai era rico e poderoso.

    Mãe e eu não assistimos as demonstrações na tarde seguinte. Jamais quisemos ver outra. Sentados na cadeira de balanço dupla no terraço, bebíamos suco de melão enquanto Ali varria o passeio de cimento. Eu adorava correr com minha bicicleta ao longo daquele passeio, que serpenteava ao redor das macieiras, sebes de alfena, piscina espelhada e sob uma treliça de madeira coberta com videiras. Ele acabava perto da extremidade mais distante do jardim na cabana de madeira de Ali, onde ele e eu líamos revistas de histórias em quadrinhos e construíamos modelos de aviões e onde ele pronunciava suas namaz — orações — enquanto ajoelhado diante do Corão.

    O barulho da rua ficou mais alto. Ali desapareceu dentro da sua cabana, saiu um momento depois e correu para o terraço. Ele carregava a pistola de Pai, preta e tão grande quanto o seu antebraço. "O general me emprestou isto em caso de confusão, Khanom Vessali," ele disse para Mãe.

    Os manifestantes lamentavam pelo mulá morto enquanto batiam correntes contra as suas costas — um ritual mulçumano de luto, que Ali disse que era bobagem porque ele não achava que Alá queria que os pranteadores machucassem a si mesmos. Logo, os lamentos se transformaram em gritos e a multidão queria vingança. Três homens usando bandanas vermelhas escalaram o nosso muro de tijolos. Acenando um estilete, um deles gritou para nós. Eu não consegui ouvir as palavras, mas ele parecia e soava furioso.

    Uma arma explodiu. Na parede abaixo dos três homens, uma nuvem de poeira e detritos explodiu no ar. Os homens desapareceram.

    Olhei para Ali. Com uma expressão triste, ele segurava a pistola de Pai em uma mão trêmula, fumaça projetando para fora do bocal da arma. Mãe me puxou para ela, sorriu e me disse que tudo ficaria bem. Seus olhos arregalados, seu corpo tremia.

    Segundos depois, uma pedra irregular voou do nada e atingiu Ali na testa. Ele caiu ao chão enquanto sangue fluía do corte. Meu estômago agitou-se, minha boca encheu-se com um líquido azedo e eu desejei que o carmesim iria parar de fluir da cabeça de Ali, assim ele não morreria como o mulá. Mãe me empurrou para baixo e ajoelhou-se ao lado dele. Ela me disse para retirar minha camiseta. Fiz isto rapidamente e ela a pegou de mim. Após enrolá-la em uma trouxa apertada, ela a colocou sobre a sua ferida e pressionou com força.

    Ele irá ficar bem, Mama?

    Ela assentiu e o sangue parou de fluir. Antes de casar-se como o Pai, ela era uma enfermeira e poderia cuidar de nossas diversas doenças e lesões.

    Ali era o meu melhor amigo, um amigo de verdade que também me tratava como seu filho, elogiando-me, jogando jogos infantis comigo, repreendendo-me quando eu precisava de uma bronca. Ele tinha o cabelo castanho escuro cacheado e marcas de varíola cobriam seu rosto. Uma vez eu tinha zombado delas. Mãe me ouviu e me disse para nunca zombar da aparência das pessoas. Ela disse que Ali teve uma séria doença de infância que o marcou para a vida. Isto era algo sobre o qual fazer piada?

    Ali me ajudava a construir coisas, como o boneco de neve que nós fizemos dois invernos antes. Ele enfiou uma batata no meio do rosto do boneco de neve, quebrou dois dentes do seu pente preto e perfurou-os parcialmente na extremidade da batata. Sorrindo, ele disse, "Moo-eh damagh." Cabelo do nariz. Nós rimos e rimos até que mal conseguíamos respirar.

    Para o NowRuz — Ano Novo — ele comprou para mim um kit de modelo de avião, um Spitfire da 2ª Guerra Mundial. Faltava uma hélice. Ele queria trocar o kit por outro, mas eu pedi-lhe que não. Na nossa garagem, quebrei um pedaço de madeira de uma caixa de latas de óleo. Usando seu canivete, esculpi uma hélice. Em seguida, eu a lixei e pintei com o esmalte prata que veio com o kit do avião. Quando Ali viu o que eu tinha feito, ele colocou um braço ao redor dos meus ombros e me disse quão inteligente eu era com as minhas mãos. Ele disse que nossas mãos são presentes maravilhosos de Alá. Elas podem fazer coisas e elas podem consertar coisas. Elas podem também destruir coisas.

    * * * *

    Do lado de fora estava escuro agora e Koocheh Kasram estava deserta.

    Mãe me colocou na minha cama na cumeeira e puxou o mosquiteiro sobre ela. "Shab bekheir, Sohrab-jan." Boa noite, querido Sohrab.

    Dormir era impossível por causa da excitação de mais cedo e porque o meu tremor simplesmente não iria parar. Quase todo mundo em casa estava com medo. Mãe, Ali, o cozinheiro. O jardineiro não tinha vindo aquele mês inteiro. Ele disse que se demitiu porque nossa vizinhança já não era mais segura e pertencia a multidões enfurecidas.

    Eu gostaria que Pai estivesse em casa porque ele nunca parecia ter medo. Mãe disse que ele era a pessoa mais corajosa, mais forte e mais destemida que ela já tinha conhecido.

    Eu rastejei até a beirada do telhado e semicerrei os olhos para baixo para o terraço do vizinho. Com frequência, à noite, eles sentavam em uma mesa de bambu com uma vela acesa em cima. Parecendo como dois fantasmas bruxuleantes, eles ouviam música ocidental suave e bebiam chá. Às vezes eles levantavam e abraçavam-se com força e balançavam com a música. Mas naquela noite o terraço estava escuro e silencioso.

    Desci nas pontas dos pés para a nossa sala de estar. Mãe estava deitada em um dos quatro sofás disposto sobre um antigo baú de carvalho. Como uma cachoeira, seu cabelo preto fluía sobre a beirada do sofá e tocava o chão. Ela parecia atordoada e não me notou.

    Sentei no chão e acariciei seu cabelo. Ele era macio e suave e aqueceu-me completamente.

    Você não está se sentindo bem, Mama?

    Assustada, ela sentou-se e olhou para mim com os olhos avermelhados. Estou bem, obrigada. Por que você está fora da cama, meu filho?

    Onde está Baba?

    Seu pai ainda está no palácio.

    Eles irão matá-lo?

    Mãe escorregou para fora do sofá, puxou-me para ela e apertou-me com força. Isto foi uma coisa terrível para perguntar, Sohrab. Você deve se livrar de tais pensamentos terríveis.

    Mas Ali disse que as pessoas querem matar todos os amigos do Xá.

    Não se preocupe. Ali repete a fofoca que ele ouve nas ruas e na maioria das vezes, ela se revela falsa.

    Você promete que Baba estará seguro?

    Ele sabe como se defender.

    Gostaria que ele viesse conosco.

    Ele irá, se as coisas não melhorarem aqui.

    Mas e se elas melhorarem?

    Iremos retornar e nos unirmos a ele, é claro.

    Não quero voltar, Mama.

    "Por que não, Sohrab-jan?"

    Ali diz que o Irã é um país ruim agora.

    Pense nas nossas férias no Mar Cáspio. Elas irão lembrá-lo de quão bom o Irã era e quão bom ele será novamente.

    O litoral Cáspio era o meu lugar favorito. Quando eu tinha quatro anos de idade, Pai comprou para nós uma casa abrigada em uma pequena floresta de plátanos ao longo de uma parte isolada da costa. Ali e o cozinheiro sempre vinham conosco quando ficávamos na casa. À noite, Pai me acompanhava ao longo da praia e falava sobre os bravos guerreiros que tinham lutado e morrido defendendo nossa terra contra os invasores de além-mar. Eu ficava impressionado que ele somente conhecia histórias sobre guerreiros, invasores e morte. Nada como as histórias de Mãe sobre princesas, filhotes de cachorro e vida.

    Ali e eu com frequência saíamos em aventuras na floresta. Enquanto perambulávamos, ele me contava histórias sobre Tarzan e a selva onde os macacos o criaram. Antes de se tornar nosso empregado e meu melhor amigo, ele tinha aprendido tudo sobre Tarzan de um livro de fotos que encontrou em uma lixeira. Eu me perguntava como seria crescer como Tarzan cresceu. Sem escola ou dever de casa. Sem multidões zangadas. Sem ninguém me dizendo que algum dia eu devo me tornar um soldado famoso como meu pai, General Rostam Vessali, o que parecia improvável já que eu nunca tinha me sentido corajoso, forte ou destemido. No colégio, um dia, o professor de biologia disse que os traços de uma pessoa são herdados dos pais, então eu pensei que a maior parte dos meus traços deve ter vindo de Mãe: seus olhos castanhos, maçãs do rosto salientes, estatura pequena e sua disposição para qualquer coisa, menos para soldado. Eu não tinha nenhum dos traços apavorantes de Pai: seu tamanho de Frankenstein, testa proeminente e disposição para qualquer coisa, menos para delicado.

    Mãe bagunçou meu cabelo. "Agora corra para a cama, Sohrab-jan."

    Mas quero ficar com você, Mama.

    Não. Você deve descansar. Amanhã a nossa longa viagem começa.

    CAPÍTULO 2

    Palácio Golestan, Teerã, 26 de junho de 1978:

    As tochas iluminavam fracamente o pátio enquanto três pavões caminhavam de maneira pomposa ao lado do riacho esculpido no piso de mármore. Criaturas bonitas e inúteis, o General Rostam Vessali murmurou.

    Ele olhava para o riacho, esperando que o fluxo suave da água iria acalmar seus pensamentos turbulentos. O Xá e o embaixador americano estavam reunidos na sala de recepção do palácio, discutindo a insurreição e o futuro da monarquia, do Irã, do Oriente Médio e Sul da Ásia. Mas o americano não reconheceu ou preferiu ignorar as raízes da insurreição. Devemos avançar com as negociações diplomáticas, o tolo tinha declarado mais cedo, depois de reunir-se com clérigos proeminentes que exigiam nada menos do que a cabeça do Xá.

    Rostam sorriu. Negociar com os mulás era um exercício de futilidade. Desprovidos de lógica, eles ouviam somente a voz alucinatória de Alá, as exigências do irracional, os delírios de um aiatolá demagógico.

    Seus pensamentos flutuaram para um evento que ele agora considerava a raiz do fervor revolucionário, um evento histórico em outubro de 1971 que tinha despertado o espírito adormecido dos oprimidos.

    Ele era um coronel à época, acelerando seu jipe do exército em direção ao oeste em uma estrada esburacada depois de uma semana inspecionando um posto avançado do exército na Província do Baluchistão. Ao longo do caminho, ele tinha absorvido a pobreza, a miséria dos aldeões Balúchis lutando para sobreviver à seca de três anos no que era agora um deserto árido, onde outono e primavera se misturavam como um com o solstício de verão. Ele tinha visto os agricultores cansados cavando através da terra incrustada procurando em vão por água para reviver seus rebanhos e culturas moribundas. E ele tinha visto famílias amontoadas em cabanas de barro e palha, sobrevivendo da carne de lagartos, corvos e ratos.

    Rostam estava se dirigindo para mais uma das extravagâncias do Xá, uma celebração de cinquenta milhões de dólares para comemorar o aniversário do vigésimo-quinto centenário do nascimento do Império. As festividades foram realizadas em Persépolis, as ruínas antigas que uma vez serviram como a sede do Império Persa. Uma galáxia de reis, rainhas, primeiro ministros e dignitários de todo o mundo foram convidados a participar do evento. Poucos iranianos foram convidados, Rostam e sua esposa, Shireen, entre os privilegiados. Em luto pela perda recente do seu pai para o câncer de cólon, Shireen tinha declinado em participar.

    Em uma aldeia particularmente devastada, ele parou o jipe quando uma dúzia de meninos seminus, os corpos endurecidos com a sujeira e poeira, correram para a estrada. Eles aglomeraram ao redor do veículo, suas mãos estendidas, implorando por baksheesh. Ele desceu e entregou-lhes um punhado de dinheiro em papel. Enquanto os meninos gritavam de prazer, mulheres em chadors esfarrapados e jovens em roupas mal ajustadas saíram correndo das cabanas de barro. As mulheres arrebataram o dinheiro dos meninos e caíram aos pés de Rostam, lamentando seus agradecimentos para Alá e para ele. As garotas formaram um círculo ao redor deles e cantaram uma canção popular para crianças:

    Eu corri e corri e cheguei em uma montanha.

    Eu vi duas mulheres; uma me deu pão, a outra me deu água.

    Eu comi o pão e dei a água para um campo.

    O campo me deu grama; dei a grama uma cabra.

    A cabra me deu leite; dei o leite a um merceeiro.

    O merceeiro me deu groselhas; dei as groselhas para um padre.

    Ele me deu sua bênção e Deus me curou.

    As cenas da miséria ainda vívidas na sua mente, infundindo-lhe com culpa sobre o seu próprio status privilegiado, Rostam chegou atrasado para o banquete de abertura em Persépolis. Ele estacionou seu jipe na periferia da Cidade Dourada, um grupo de estruturas que se assemelhavam a barracas do lado de fora, mas eram apartamentos pré-fabricados cobertos com tecido sedoso de Shiraz. Erguido para a ocasião, os alojamentos com ar condicionado forneciam todas as comodidades da vida moderna luxuosa — contrastes de mau gosto para a glória das ruínas históricas ao redor deles, Rostam pensou. Os apartamentos estavam dispostos em um padrão de estrela ao redor de uma fonte central maciça jorrando água preciosa que poderia manter vivo incontáveis rebanhos de cabras ou ovelhas desidratadas.

    Usando um traje militar formal, ele apressou-se ao alongo do caminho que conduzia para o salão do banquete do tamanho de um estádio de futebol. Ele entrou para o brilho das mulheres adornadas com joias e seus maridos com smokings sentados em mesas, olhando para o banquete diante deles: Cabernet Sauvignon, caviar Cáspio, mousse de lagosta e costela de cordeiro com trufas.

    Horrorizado com o espetáculo de opulência em ressonância com o desprezo pela pobreza da região, Rostam foi embora abruptamente. O evento ostensivo não escaparia do conhecimento das almas dos Belúchis miseráveis, das profundezas da fome daqueles que iriam germinar as sementes da rebelião. Ele preocupou-se com o papel dos militares caso aquelas sementes proliferassem e se espalhassem por toda a terra. Apesar da sua lealdade ao Xá, ele tinha a determinação inabalável para esmagar uma rebelião fundada na fome? Ele tinha a coragem para portar armas contra concidadãos? Ele estremeceu com o pensamento.

    Somente uma vez ele tinha portado armas contra um concidadão — em um dia encharcado de chuva em Tabriz.

    * * * *

    Passos no piso de mármore do pátio do palácio agora o distraíam. Ele virou para encarar o assistente pessoal do Xá, um jovem com um sorriso forçado. Sua Majestade ainda está envolvido em discussões delicadas com o embaixador americano, General. Ele lamenta que não pode se encontrar com você e deseja-lhe uma boa noite.

    Discussões delicadas de fato!

    Rostam afastou-se.

    Ele chegou em casa por volta das dez p.m. e entrou na sala de estar. Shireen estava reclinada no sofá, o aparelho de som tocando suavemente uma peça familiar para cordas — o único concerto para violinos de Brahms, ela lhe disse uma vez.

    Shireen olhou para ele, sorriu. "Estava com medo que não o veríamos antes de partirmos. Sentiremos sua falta, Rostam-jan."

    Enquanto ele olhava para ela, uma onda de calor surgiu através dele. Ele estava e sempre permaneceria espantado com a sua beleza. Para ele, Shireen era realeza, suas feições não diferentes daquelas da ex-rainha do Irã, Soraya. O Xá deve ter pensado assim também, porque de vez em quando Rostam o tinha pego olhando para Shireen de maneira saudosa. Embora em 1958 o Xá tivesse se divorciado de Soraya porque ela era infértil, ele permanecia profundamente apaixonado pela mulher que muitos consideravam como uma das mais bonitas do mundo.

    Quatro anos mais jovem do que Rostam, Shireen — Persa para doce — nasceu em uma família tradicional de classe média alta em Shiraz. Sua mãe administrava a família, seu pai era dono e administrava uma loja de cerâmica. Com notas excelentes e o incentivo de uma tia amorosa, que era parteira, Shireen entrou na escola de enfermagem após a faculdade. Tão logo ela se formou, o Hospital Universitário de Shiraz a contratou, onde ela trabalhou somente por uma semana antes de conhecer Rostam. Na cidade em um serviço temporário, ele tinha capotado seu jipe do exército, ao dar uma guinada para evitar um mendigo fugindo de um cachorrinho feroz. Apesar dos seus protestos, a polícia correu com Rostam para a sala de emergência do hospital universitário onde Shireen estava designada. Depois dos médicos determinarem que ele não tinha nenhuma lesão que ameaçasse a vida, ela limpou seus cortes e arranhados, o tempo todo cativando-o com sua beleza, eficiência calma e toque gentil das mãos que roçavam na sua pele como uma brisa do mar.

    Ele perguntou onde ela vivia, mas ela recusou-se a dizer-lhe.

    Senhor, sou sua enfermeira e dar-lhe tal informação seria pouco profissional.

    Ela foi embora e ele vestiu-se. No caminho de saída, ele subornou o funcionário da admissão pelo endereço de Shireen. Dois dias depois, ele pediu permissão aos pais dela para cortejá-la. Aparentemente surpresos que o então Major Rostam Vessali, filho do renomado General Siroos Vessali, desejasse cortejar sua filha, eles consentiram ansiosamente. Quase constantemente na companhia da mãe de Shireen, Rostam e sua futura noiva jantavam nos melhores restaurantes, frequentavam concertos e peças de teatro na universidade e exploravam as ruínas antigas em Persépolis. Nas poucas e breves ocasiões que a mãe os deixou sozinhos, Rostam perguntou a Shireen sobre seus anos de formação. Eles foram sem intercorrências e nas palavras dela, não mais excitante do que ler o Corão. O que significava que ela não era nem complicada nem uma fanática religiosa.

    Ele perguntou-lhe se ela já tinha sido cortejada antes. De maneira informal sim, Rostam, mas por favor não vamos discutir sobre isto, ela respondeu, seus olhos de repente úmidos.

    Ele contemplou sondar mais, mas decidiu não. Todo mundo tinha direito a pelo menos um segredo enterrado no fundo da alma, enterrado onde ninguém poderia perturbá-lo e despertar a dor, medo ou vergonha.

    Como o segredo enterrado na sua própria alma.

    Um mês depois que o cortejo formal começou, ele se casou com Shireen em um evento festivo no Empire Hotel em Shiraz. Um ano depois, ele se deparou com um recorte de jornal no armário dela. O artigo era sobre um violinista empobrecido, um devoto da música clássica europeia que sofria crises de depressão. Ele tinha cometido suicídio ao pular do telhado de um prédio de seis andares, mas não antes de prender um bilhete na porta do seu estúdio escassamente mobiliado: Adeus meu Doce. Você merece muito mais do que eu jamais poderia lhe dar. Ao lado do artigo estava uma foto do jovem trágico, suas feições agradáveis, mas fracas.

    Rostam nunca mencionou para Shireen que ele tinha visto o artigo.

    Cuide bem do nosso filho, ele agora a instruía enquanto acomodava-se para assistir as notícias mais recentes na televisão sobre a insurreição. Lembre-se, na minha ausência você assumirá meu papel como pai. Você deve manter a disciplina e obrigá-lo a trabalhar duro. Você fará tudo isto?

    Ela sorriu. É claro, meu querido marido.

    Aquele sorriso encantador lhe disse uma coisa: Shireen nunca abandonaria sua abordagem doce e pouco exigente na criação do filho deles. Mas apesar dos seus modos gentis, ela era uma mulher determinada que ao longo dos anos tinha sutilmente conseguido reverter mais do que algumas das suas decisões sobre assuntos de família. A estadia em aberto no exterior, sua e de Sohrab, por exemplo. Ela tinha sugerido isto pela primeira vez um mês antes, mas ele tinha se recusado.

    Iremos esmagar em breve esta rebelião, ele disse, então não há necessidade de deixar o Irã. Além disso, Sohrab deve aprender sobre agitação pública.

    Ela sorriu. Muito bem, meu querido marido. Tenho certeza que todos ficaremos bem.

    Duas manhãs mais tarde, enquanto estava se preparando para dirigir seu jipe do exército até o quartel, ele notou um jornal antigo sobre o banco do passageiro. Ele estava desdobrado para destacar um título na segunda página: Multidão Mata Mulher e Criança. O artigo descrevia manifestantes anti-Xá furiosos invadindo a residência Isfahan de Manuchehr Ettehadi, um funcionário da Segurança Interna. Eles haviam chacinado sua esposa e jovem filho.

    * * * *

    Em pé ao lado da cama na cumeeira, Rostam puxou silenciosamente o mosquiteiro para trás e olhou seu filho. Na luz da lua, as feições de Sohrab pareciam quase femininas. O olhar de Rostam flutuou para as mãos do menino cruzadas sobre o peito, os tendões finos e tensos como cordas de violino, os dedos compridos e delgados, agora se contorcendo como se envolvidos em alguma atividade manual em um sonho.

    Aparentemente tão delicado quanto Shireen, Sohrab não exibia nenhum atributo militar. Rostam lembrou-se do presente de NowRuz que ele tinha lhe dado dois anos antes, uma réplica de brinquedo de um Luger alemão da 2ª Guerra Mundial. Mas ele nunca viu Sohrab brincando com ele. Alguns meses depois, enquanto passeava pelo jardim, ele encontrou a pistola de brinquedo enferrujando sob uma sebe de alfena. Talvez o tempo mudaria o menino. Tempo e estímulo constante.

    Ele estava prestes a ir embora quando as armas explodiram.

    CAPÍTULO 3

    Acordei assustado com o estrondo do tiroteio e Pai pairando sobre mim. Ele arremessou o mosquiteiro para trás e puxou-me para fora da cama. "Saia do telhado — agora!"

    Sua voz e maneira telegrafou a urgência, a preocupação pela minha segurança. Enquanto sua inquietação penetrava em mim, meu peito apertou e minha respiração acelerou. Nós corremos para dentro da casa enquanto Mãe e Ali estavam subindo pulando as escadas. Lágrimas derramavam pelo seu rosto. Sulcos profundos vincavam sua testa.

    Pai girou-os ao redor e apressou todos nós para a sala de estar. Balas perdidas não irão voar até aqui.

    Eu me abriguei ao lado de Mãe em um sofá, nossos corações batendo em uníssono.

    "Graças a Deus estamos indo embora, Sohrab-jan," ela murmurou.

    Eu assenti.

    As armas enfureciam, as pessoas gritavam, as sirenes berravam. Então, tudo ficou em silêncio.

    Acabou, Pai disse.

    O resto de nós suspirou aliviado.

    Ele enviou Mãe para a cama e Ali para sua cabana. Segurando minha mão, ele me acompanhou até meu quarto.

    O que aconteceu, Baba? perguntei, rastejando para a cama.

    Uma ação da polícia.

    O que é uma ação da polícia?

    É quando eles apanham criminosos.

    Eles precisam disparar armas?

    Às vezes. Especialmente quando os criminosos são fanáticos mulçumanos vagando pelas ruas à noite

    Por que eles fazem isto?

    Porque eles gostam de atear fogo às propriedades. É como eles aterrorizam cidadãos cumpridores da lei.

    Você apanha fanáticos mulçumanos também?

    Sou um soldado, Sohrab. Luto contra os inimigos do Irã, quem quer que eles possam ser. Ele afagou minha cabeça em boa noite. Talvez por enquanto, seja melhor que você esteja na América afinal.

    Eu estremeci. Dentro de algumas horas, ele e eu seríamos separados. E poderíamos permanecer separados para sempre. Balas poderiam matar até mesmo o mais forte dos homens e uma bala perdida voando poderia...

    Oh Deus! Limpei meu rosto, esperando que Pai não tivesse notado a única lágrima escorrendo. Ele desaprovava chorar.

    Você não virá conosco, Baba? Você não está com medo de ser morto se ficar?

    Não.

    Alguma vez você já esteve com medo?

    Ele olhou para a distância.

    Qual o problema, Baba?

    Ele balançou a cabeça. Devemos enfrentar nossos medos, Sohrab. Fugir somente os fortalece.

    O que você irá fazer depois que partimos?

    Irei esmagar os líderes desta insurreição.

    Você não irá matá-los, não é?

    Como lido com eles é problema meu.

    Sim, senhor.

    Lembre-se sempre que você é um Vessali. Somos uma família importante e você deve defender nosso nome. Depois que o Irã estiver estável novamente, você retornará. Então, irei prepará-lo para se tornar um general comandando os exércitos do Irã.

    Quando Pai foi embora, questionei o que aconteceria se eu me recusasse a me tornar um soldado. Ele ainda me levaria de férias, seguraria minha mão e contaria para mim as lendas dos guerreiros antigos?

    Incapaz de dormir, recuperei minha carteira da cômoda e verifiquei o conteúdo para garantir que a lembrança valiosa ainda estivesse dentro. Era uma fotografia deteriorando tirada quando eu tinha cinco anos de idade, empoleirado nos ombros de Pai, as pernas balançando no seu peito, o litoral no fundo. Agora eu me preocupava que a lembrança desapareceria como a imagem. Que nossos momentos felizes iriam desaparecer para o nada.

    * * * *

    Nós mal conseguíamos nos mover. O terminal de mármore vermelho no Aeroporto Mehrabad estava congestionado com pessoas gritando e agitando seus braços. Eu caminhava entre Mãe e Ali. Ela segurava minha mão. Ele segurava nossas malas. Eu agarrava minha carteira com a lembrança valiosa dentro dela. Pai não estava conosco porque ele tinha negócios urgentes na sede do exército. Por favor, Baba, não deixe nada acontecer com você.

    Por meia hora, nós aguardamos na fila no balcão de passagens da Swissair para conseguir nossos cartões de embarque. Finalmente, estávamos no portão de embarque, parados em outra fila.

    Por que você está tão abatido, Sohrab? Ali perguntou

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