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Laços de família: Africanos e crioulos na capitania de São Paulo
Laços de família: Africanos e crioulos na capitania de São Paulo
Laços de família: Africanos e crioulos na capitania de São Paulo
E-book352 páginas4 horas

Laços de família: Africanos e crioulos na capitania de São Paulo

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Sobre este e-book

Este livro aborda os laços familiares tecidos pelos escravizados e libertos na então freguesia de Cotia, em São Paulo no período colonial. Fabiana Schleumer reconstitui o mosaico em que homens e mulheres, provenientes de várias nações africanas, mesmo vivendo sob o jugo do cativeiro, dialogavam entre si, estabeleciam laços de sociabilidade, enamoravam, casavam e criavam seus filhos. À luz de uma perspectiva inovadora, a autora aponta como a família negra, forjada na experiência diaspórica, legou tradições culturais da família africana, no tocante ao casamento, à maternidade, à organização familiar e às estruturas do parentesco. Livro instigante, que descortina aspectos de nossas raízes africanas e crioulas nascidas no período colonial.

Petrônio Domingues
Doutor em História (USP)
Professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de out. de 2020
ISBN9786586081879
Laços de família: Africanos e crioulos na capitania de São Paulo

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    Laços de família - Fabiana Schleumer

    fronts

    Conselho Editorial

    Ana Paula Torres Megiani

    Eunice Ostrensky

    Haroldo Ceravolo Sereza

    Joana Monteleone

    Maria Luiza Ferreira de Oliveira

    Ruy Braga

    Alameda Casa Editorial

    Rua 13 de Maio, 353 – Bela Vista

    CEP 01327-000 – São Paulo, SP

    Tel. (11) 3012-2403

    www.alamedaeditorial.com.br

    Copyright © 2020 Fabiana Schleumer

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Edição: Haroldo Ceravolo Sereza

    Editora assistente: Danielly de Jesus Teles

    Projeto gráfico, diagramação e capa: Danielly de Jesus Teles

    Assistente acadêmica: Tamara Santos

    Revisão: Alexandra Colontini

    Imagem da capa: Casamento de negros escravos de uma casa rica. Jean Baptiste Debret, 1834

    CIP-BRA­SIL. CA­TA­LO­GA­ÇÃO-NA-FON­TE

    SIN­DI­CA­TO NA­CI­O­NAL DOS EDI­TO­RES DE LI­VROS, RJ

    ___________________________________________________________________________

    S369L

     Schleumer, Fabiana

                Laços de família [recurso eletrônico] : africanos e crioulos na capitania de São Paulo colonial / Fabiana Schleumer. - 1. ed. - São Paulo : Alameda, 2020.

    recurso digital 

    For­ma­to: ebo­ok

    Re­qui­si­tos dos sis­te­ma:

    Modo de aces­so: world wide web

    In­clui bi­bli­o­gra­fia e ín­di­ce

    ISBN 978-65-86081-87-9 (re­cur­so ele­trô­ni­co)

         1. Escravidão - São Paulo (Estado) - História. 2. Escravidão - Aspectos sociais - Brasil. 3. Livros eletrônicos. I. Título.

    20-67517 CDD: 306.362098161

    CDU: 326(815.6)

    Sumário

    Prefácio

    Mary Del Priore

    Introdução

    I. Opção metodológica e perspectivas de pesquisa

    II. Família e historiografia

    III. Nos arredores da capitania

    IV. Mulheres, crianças e relações sociais

    V. Mudanças e permanências

    Fontes

    Bibliografia

    Agradecimentos

    Prefácio

    Desde os anos 1960, a família escrava é um dos temas mais apaixonantes e apaixonados de nossa História. E desde sempre, intensas polêmicas cercaram o assunto. Inicialmente, discutiu-se a transferência de estruturas de parentesco, da África às comunidades escravizadas do Novo Mundo. A seguir, o debate versou a possibilidade de escravos formarem famílias estáveis e funcionais. Mais recentemente, a preocupação de estudiosos é com a complexidade, a diversidade e as variações, no tempo e no espaço das estruturas familiares de escravizados. Sensíveis ao papel das mulheres e das crianças, assim como das relações amorosas e familiares tais estudos desvendam o cotidiano, as emoções e os sentimentos de homens e mulheres cujo destino foi determinado pelo tráfico de almas ao longo de quatro séculos.

    Discussões internas sobre a história comparada entre a escravidão e as relações raciais na América do Norte e Brasil, lembram-nos que o casamento de escravizados não tinham sansão legal nas colônias britânicas enquanto era reconhecido nos impérios católicos. Só que nem sempre os protagonistas envolvidos ou seja senhores, Igreja e cativos escapavam de conflitos e tensões. Não por acaso, os últimos recorreram inúmeras vezes à Justiça, tendo por objetivo proteger suas famílias.

    Esse livro reconstitui de forma primorosa uma parte desta história e o faz numa inédita abordagem africanista. Ela não é em preto e branco, mas um tecido multicolor onde mulheres e homens de várias nações, vivendo em condições de escravidão diversas, dialogam entre si, contando como se encontravam, enamoravam, casavam e criavam seus filhos. Longe de interpretações que viam nas senzalas lugares de desordem e promiscuidade, Fabiana Schleumer, historiadora e professora renomada por sua experiência entre arquivos e pesquisas, demonstra bem o contrário: ainda que o sistema escravista colocasse em perigo estruturas, dinâmicas e relações familiares de afro-descendentes, ele era, o esteio de uma nova ordem social. Isso, pois ainda que o escravizado constituísse uma propriedade, as sociedades escravistas não poderiam funcionar sem que ele pudesse construir laços familiares e sociais.

    Mas, a historiadora adverte: homens e mulheres vindos da África trouxeram consigo valores e posturas próprias frente ao casamento, à maternidade, à organização familiar e as estruturas do parentesco. A família negra manteve reminiscências da família africana, extensa e capaz de absorver por laços de sangue ou amizade indivíduos de fora, como decorrência de costumes e tradições que se perpetuaram sem que seus descendentes conhecessem a origem. Ao colocar sua lente de aumento sobre a pequena Cotia, em São Paulo, a autora revela a organização dos escravos e libertos em região não exportadora, à luz de uma inédita bibliografia africanista. Instalados em pequenas e médias propriedades, por vezes ligados a seus antigos senhores, homens e mulheres integraram, graças à terra e a propriedade, a mobilidade social que pouco a pouco espraiou-se pela capitania. Tornaram-se religiosos, músicos, militares, roceiros, donos de escravos ou vadios. A autora tampouco esqueceu as tensões familiares, os antagonismos e complementaridades entre homens e mulheres que transformaram a região com seus modos de viver, pensar e construir um futuro para os seus. Esse livro completíssimo sobre famílias escravas é leitura obrigatória para todos que quiserem conhecer, e mais, que queiram compreender nossas raízes africanas e crioulas nascidas na Cotia colonial.

    Mary Del Priore

    Introdução

    O ponto de partida para este livro foram as conversas mantidas, ainda na graduação, com a Profa. Dra. Mary Del Priore. Surgiu assim, um projeto de pesquisa de Iniciação Científica financiado pela FAPESP e desenvolvido entre agosto de 1994 e dezembro de 1995, no qual analisamos cem processos de casamentos religiosos onde ambos os contraentes eram cativos. Não se tratavam de processos referentes a um mesmo plantel, ao contrário, referiam-se a plantéis diversos, situados em várias localidades paulistanas, a destacar: Porto Feliz, Araçariguama, Santana de Parnaíba. Foi constatada a ocorrência de casamentos envolvendo escravos de senhores diferentes, além de segundas núpcias, justificações de batismo, óbitos e impedimentos por promessa de casamento a outrem, consanguinidade e cópula ilícita. A condição sexual e ocupacional dos senhores, a origem étnica dos cativos e seu discurso frente ao casamento foram, também, considerados na análise.

    Este trabalho, após algumas modificações na forma e no conteúdo, foi publicado no terceiro volume da Série Iniciação, patrocinado pelo Departamento de História da USP e pela Editora Humanitas, com o título "Luzes e sombras sobre a colônia: educação e casamento em São Paulo no século XVIII.¹

    Finda a graduação, novas discussões seguiram-se e ficou patente a necessidade de um estudo mais abrangente sobre a vida familiar do negro, em que fosse possível estudar desde a união (religiosa ou não) até o esfacelamento da família, passando pelas suas permanências (forma de sobrevivência e reprodução).

    Desta forma, cogitou-se a possibilidade de uma análise em conjunto dos registros paroquiais e das listas nominativas conforme indica Slenes. Segundo este autor, a condução de um estudo sobre família escrava exige a interação entre as diversas fontes: registros de batismo e casamento e cartas de alforria, permitem um alargamento do universo documental, metodológico e, consequentemente, um redimensionamento das questões inicialmente propostas, envolvendo as relações entre escravos e senhores.²

    Com a utilização das listas nominativas objetiva-se apresentar um quadro socioeconômico e populacional do espaço geográfico (Cotia), permitindo, assim, estabelecer as relações entre diversos estratos sociais presentes na sociedade escravista colonial. Os estudos das listas nominativas têm demonstrado, até o momento, que o contingente populacional não se restringia apenas a bipolarização senhor e escravo. Como afirma Blaj,

    O estudo das camadas populacionais livres e pobres, revela as entranhas de uma sociedade escravista e os mecanismos de dominação das elites coloniais, pois este contingente populacional só pode ser plenamente compreendido se inserido numa totalidade maior, da própria a sociedade escravista colonial. O seu processo de integração/ desintegração dá-se dentro deste contexto maior, fruto de uma política das elites e não encará-lo desta forma significa perpetuar a visão tradicional da sociedade colonial brasileira como composta apenas de senhores e de escravos.³

    Especificando a situação dos libertos, lembramos Cunha, para quem a situação do liberto era problemática por definição, haja vista que ser negro era ser escravo, e ser escravo era ser africano.⁴ Por sua vez, Oliveira afirma-nos que

    Libertar-se não significava apenas adquirir o estatuto legal. Mais do que isso, significava sobreviver às próprias custas e poder se aproveitar dos espaços permitidos a sua ascensão na sociedade livre. Isto implicava, especialmente para os escravos que compravam a liberdade, em terem tido acesso a condições de trabalho que lhes possibilitassem, além da constituição do pecúlio para a compra da liberdade, manter condições mínimas, pelo menos de saúde, para garantir a subsistência, se não de oportunidades que lhes permitissem ultrapassar estes limites.

    A situação do liberto africano apresentou maiores restrições na sociedade brasileira. Diferenciando-se dos escravos, os libertos possuíam direito à propriedade, à compra, à venda e demais trâmites legais, podendo até mesmo serem curadores ou tutores; mas havia restrições legais à liberdade. Na Bahia, por meio da Lei n° 179 de 10 de junho de 1842, os libertos eram obrigados a pagar uma taxa especial. As demais restrições referiam-se ao campo da capacitação jurídica, pois algumas punições, entre elas o açoite, só eram permitidos quando os culpados fossem escravos, mesmo assim muitos alforriados foram açoitados quando deveriam ser presos. Denota-se mais uma vez que um preto, a menos que se provasse o contrário, era um escravo.⁶ Era comum os libertos serem proprietários de escravos, todavia, esses possuíam atitudes diferentes frente aos cativos: as alforrias, os dotes e os empréstimos a negros da mesma etnia, ou não, são mais comuns denotando que,

    as relações do tipo patriarcal desenvolvem-se em todos os níveis: no interior da comunidade negra como na sociedade branca, e também nas relações entre brancos e negros.

    Por sua vez, Maria Inês Cortês de Oliveira assevera que a grande maioria dos libertos era possuidora de pelo menos um escravo, com o objetivo de integrar-se à sociedade dos homens livres. Ser livre significava ser senhor, e ser senhor significava ter escravos.

    A delimitação temporal, que abrange de 1790 a 1810, não foi definida de modo aleatório, mas a partir da necessidade de conjugação de dois corpora documentais (registros paroquiais e listas nominativas) e do estado de conservação das fontes. Para o período analisado, a documentação encontra-se em razoável estado de conservação permitindo, desta forma, a extração de um número maior de informações. O mesmo ocorre quanto à delimitação espacial. A freguesia de Cotia, ao contrário de Mogi das Cruzes e Santana de Parnaíba, vem sendo relegada pela historiografia. São raros os estudos que fornecem um quadro histórico da região em fins do século XVIII e início do XIX. A literatura encontrada focaliza a região a partir da chegada dos imigrantes japoneses e da construção da Cooperativa Agrícola, deixando o período colonial esquecido. Por que tal procedimento? Cotia configura-se no espaço geográfico paulistano, desde o século XVII, quando teve destaque devido à produção do trigo.⁹ No século XVIII sua participação não é menos importante, já que foi pouso para os tropeiros que se dirigiam a Sorocaba, região de destaque na história de São Paulo Colonial.¹⁰ Assim, associando todos esses fatores, verificamos a necessidade de um estudo sobre a vida familiar de escravos e libertos na freguesia de Cotia, no período colonial, à luz de uma nova perspectiva historiográfica da sociedade escravista colonial.

    Com base nestes pressupostos é que desenvolvemos um estudo sobre a família negra em Cotia de 1790 a 1810. O conceito de família negra, aqui adotado, abrange as famílias escravas que sobreviveram à égide do cativeiro, bem como os negros, os pardos, mestiços livres e libertos, enfim, os não-brancos. Tal conceito adequa-se à época de estudo, pois identificamos e consideramos, como família, mãe e/ou pai com filhos, casais com ou sem filhos, pais e filhos, buscando a identificação dos laços familiares. No período recoberto pela pesquisa, bem anterior à abolição da escravidão, interessa-nos saber como viviam e se relacionavam os negros/mulatos/mestiços, enfim, aqueles que possuíam ascendência africana declarada.

    As fontes que compõem esta pesquisa são os materiais, por excelência, da demografia; tratam-se de registros paroquiais sobre batismo e casamento, de escravos e libertos, e duas listas nominativas referentes aos anos de 1798 e 1808. Os primeiros localizam-se no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, são manuscritos que especificam as uniões legais que ocorriam entre cativos e libertos, situam a origem étnica dos envolvidos, os vínculos familiares, os impedimentos, a consangüinidade, a filiação, as testemunhas e os acontecimentos advindos antes da realização do matrimônio. Estruturalmente, os registros de casamento variam de três a trinta páginas, ensejando a identificação da data e local da realização do casamento; a condição étnica e social dos nubentes e filiação e, quando cativo, o nome do proprietário; a presença ou ausência de impedimentos; as testemunhas, as justificações e a data de batizado dos noivos.

    Com relação aos registros de batismo, estes permitem localizar o nome da criança, dos pais, dos padrinhos e, assim, estabelecer uma série de relações sociais. Possuem, em geral, de seis a oito linhas onde se destacam o nome da criança e dos pais, o nome dos padrinhos e sua condição social.

    As listas nominativas encontram-se no Arquivo do Estado de São Paulo e tratam-se de censos populacionais microfilmados, onde se descreve cada fogo citando o nome do chefe da família e do cônjuge, dos filhos, dos agregados, dos escravos e a ocupação econômica. São especificadas as idades, o estado civil, a origem étnica e a cor.

    As fontes acima elencadas são analisadas, no corpo deste trabalho, de uma forma diversa das interpretações da demografia história; os documentos são lidos e analisados sob o ponto de vista da história social. Efetua-se o cruzamento dos dois corpora documentais, não com o objetivo de se realizar uma reconstituição de família nos moldes da demografia francesa, mas intuindo o alargamento do universo das informações.

    As relações entre demografia histórica e a história social são particularmente importantes. É comum que as fontes essenciais da história demográfica proporcionem, também, miríades de dados de interesses para a história social. As cartas paroquiais de casamento, quase sempre contém informações sobre o status social, as profissões, a alfabetização, a mobilidade social escolha da noiva e das testemunhas.¹¹

    Nos estudos sobre a família brasileira, na maioria das vezes, ambas as fontes são utilizadas de forma fria, quantitativa, não extrapolando a análise demográfica. Alguns autores se prendem a técnicas de reconstituição de famílias e utilizam-se de numerosos documentos para detectar a idade com que os cônjuges se casavam, o intervalo entre os recasamentos, fatores que pouco importam para compreender a família.¹²

    A utilização de listas nominativas juntamente com os registros paroquiais, constitui um cruzamento de fontes muito rico, pois em um se verifica o grau de riqueza e composição da unidade doméstica e, no outro, analisam-se as alianças rituais de matrimônio e de compadrio. Os mapeamentos populacionais e os registros paroquiais podem dar mais respostas do que as obtidas até o momento. É possível ultrapassar a análise estatístico-demográfica e desprender a demografia feita no Brasil das listas, tabelas e gráficos que apresentam os números e taxas que explicam muito pouco sobre o cotidiano negro.¹³

    Os registros paroquiais abrangem o período de 1790 a 1810, enquanto as listas nominativas contemplam respectivamente os anos de 1798 e 1808. Coleta-se, para 1798, uma amostra que totaliza sessenta domicílios, dos quais vinte possuíam famílias escravas constituídas, sendo que dezesseis eram chefiados por homens e quatro por mulheres. Em seguida constata-se que, dos 53 domicílios restantes, dois referem-se a proprietários que não possuíam, em suas escravarias, famílias constituídas. Logo após, apresenta-se um agrupamento quase homogêneo dos 48 domicílios restantes, sendo que 26 representam famílias de negros libertos que possuíam suas roças e, entre os quais, uma única mulher destaca-se como proprietária de escravos. Os doze fogos restantes referem-se ao segmento dos não brancos marginalizados, desprovidos de roça e de bem algum, os pobres, denominados não roceiros.

    O material citado é analisado por meio do método da amostragem. Através desse recurso, é possível a obtenção de resultados confiáveis, que podem abranger toda uma área, excluindo a necessidade de um levantamento integral dos dados.¹⁴ A maioria das pesquisas estatísticas, incluindo as de demografia, podem ser totais ou amostrais. Na primeira, analisam-se todas as unidades que compõem o fenômeno. A segunda que abrange uma parte das unidades, é o que denominamos amostra. A utilização das amostras vem sendo cada vez mais utilizada por reduzir o tempo, o trabalho e os custos necessários para a coleta e a elaboração dos dados.¹⁵

    Em estatística, denomina-se população um conjunto de elementos - pessoas - que possuam características comuns. Já a amostra, refere-se a um conjunto de unidades extraídas da população, o objeto de pesquisa. ¹⁶A amostra objetiva fornecer uma imagem reduzida, porém fiel, das características da população. A amostra deve ser representativa, isto é, deter as mesmas propriedades da população. O número de unidades de uma amostra denomina-se amplitude, ou números de amostra.¹⁷

    Os critérios de escolha da amostra de uma população, podem ser intencional ou cômoda. No primeiro caso, aplica-se a uma região que detém um pequeno número de grandes unidades heterogêneas e das quais objetiva-se escolher algumas unidades típicas. Neste caso, não se confia a escolha ao acaso, efetua-se uma seleção judiciosa, objetivando abarcar a totalidade dos casos. A escolha intencional relaciona-se a uma escolha subjetiva e foi utilizada para a elaboração deste trabalho.¹⁸

    O segundo método, consiste na escolha cômoda, em que a construção da amostra é levantada. Trata-se de uma escolha seletiva, levantada sem dificuldade, haja vista que coletam-se as unidades mais fáceis de serem levantadas; todavia não é desprovida de critérios, não se trata de uma escolha aleatória.¹⁹

    O livro encontra-se estruturado em cinco capítulos. No primeiro, Opção metodológica e perspectivas de pesquisa, procuramos estabelecer a opção metodológica, apresentar a temática desenvolvida, bem como as novas perspectivas sobre a economia colonial.

    No segundo capítulo, Famílias e Historiografia, apresentamos as tendências que norteiam o estudo da família ocidental. Logo após, concentramos nossa atenção na constituição das famílias escravas no Brasil e nos E. U. A., efetuamos um balanço sobre a situação dos libertos e suas famílias e as uniões mistas. Posteriormente, discutimos as estruturas familiares em África: o noivado, o casamento, o dote, a importância do casamento e do parentesco.

    No terceiro capítulo, Nos arredores da capitania, cotejam-se os dois corpora documentais em estudo, à luz de uma bibliografia de História e Antropologia, sobre as cidades de São Paulo e Cotia; escravidão rural e urbana. Traça-se um quadro geral da freguesia de Cotia em 1798, analisa-se um total de sessenta fogos identificando-se a estrutura de posse dos cativos e os tipos de estruturas familiares existentes.

    No quarto capítulo, Mulheres, crianças e relações sociais, apresenta-se o conceito de criança nas sociedades africanas, as relações entre homens e mulheres e discute-se o significado da maternidade na África e no Brasil. Explora-se os registros de batismo, identificando as relações de compadrio existentes.

    No capítulo quinto, Mudanças e permanências, apresentamos um quadro geral da freguesia em 1808 e localizamos algumas famílias analisadas em 1798. Efetuamos uma confrontação das listas, objetivando detectar as continuidades e rupturas das estruturas familiares. Retomamos algumas discussões a respeito da vadiagem, contida no terceiro capítulo, e dos modelos explicativos da economia colonial.


    1 GONÇALVES, Rosana Andréa, Ivani Maia, Marco Antônio Cabral dos Santos, Fabiana Schleumer. Luzes e sombras sobre a colônia: educação e casamento na São Paulo do século XVIII. São Paulo: Humanitas Publicações / Departamento de História / FFLCH/USP, 1998, p. iv.

    2 SLENES, Robert. O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX Estudos Econômicos. vol.13(1) 1983, p. 148.

    3 BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização em São Paulo colonial (1661-1721). Tese. (Doutorado em História), FFLCH/USP, São Paulo, 1995, p. 62.

    4 CUNHA, Maria Manuela Carneiro da Negros estrangeiros: os escravos libertos e sua volta a África. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 86.

    5 OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. O liberto: o seu mundo e os outros: Salvador, 1790/1890. São Paulo: Corrupio/CNPq, 1988, p. 21.

    6 CUNHA, Maria Manuela Carneiro da, op. cit., p. 69.

    7 MATTOSO, Kátia. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 236.

    8 OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de, op. cit., p. 35.

    9 MONTEIRO, John Manuel Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 114-142.

    10 WESTPHAL, Márcia, Participação popular e políticas municipais de saúde. p. 112.

    11 CARDOSO, Ciro Flamarion & BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da história. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983, p. 133.

    12 FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 40.

    13 FARIA, Sheila de Castro. op. cit., p. 40-41.

    14 MARCÍLIO, Maria Luíza. A cidade de São Paulo: povoamento e população (1750-1850). São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1974, p. 65.

    15 MARCÍLIO, Maria Luiza, op. cit., p. 67.

    16 Ibidem, p. 67.

    17 Ibidem, p. 67.

    18 Ibidem, p. 68.

    19 MARCÍLIO, Maria Luíza. op. cit., p. 68.

    I. Opção metodológica e perspectivas de pesquisa

    O historiador não deve fechar-se em sua toca, mas acompanhar atentamente o que acontece nas disciplinas vizinhas (Georges Duby, 1993, p. 14)

    Para Georges Duby, a elaboração de uma pesquisa pressupõe uma série de etapas, que vão desde a escolha do tema ao tratamento do material e a definição de uma perspectiva metodológica a ser adotada. O ofício do historiador pode ser comparado ao de um encenador.¹

    Construído o palco, plantado o cenário, composto o libreto, trata-se de montar o espetáculo, de comunicar o texto, de dar-lhe vida, e é isto que importa: é precisamente do que nos convencemos quando, depois de ler uma tragédia, podemos ouvi-la e vê-la representada. Cabe ao historiador essa mesma função mediadora; comunicar pelo texto escrito o calor, restituir a própria vida. Mas não devemos nos iludir: esta vida que ele tem por missão instilar é a sua própria vida. E, nisto ele tem tanto mais êxito quanto mais sensível se mostra. Deve controlar suas paixões, mas sem estrangulá-las, e tanto melhor desempenhará seu papel se deixar-se aqui e ali levar por elas.²

    Sendo assim, as bases metodológicas que norteiam esse livro assentam-se na história social, pois a economia por si só não é capaz de explicar o funcionamento de uma sociedade. Neste contexto, uma história da vida cotidiana presta-se com justeza e eficiência aos objetivos almejados. A vida cotidiana se expressa tanto pelos atos como pelos pensamentos. Todo homem, independente de sua posição na escala social, vive sua cotidianidade.³

    O cotidiano humano é heterogêneo, possui conteúdo e significação diversos. A vida cotidiana está carregada de alternativas e de escolhas. Compõem-na as múltiplas formas de organização do trabalho e da vida privada, assim como a organização do lazer e do descanso; além de heterogênea é hierárquica, pois todo homem já nasce inserido em sua cotidianidade; a ela não se atribui conceitos e rótulos, tais como eternidade e mutabilidade, mas se concebe que a cotidianidade se modifica de maneira específica relacionando-se às diferentes estruturas econômicas e sociais.

    A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa da vida cotidiana com todos os aspectos da individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias e ideologias.

    Del Priore assevera que, no sentido comum, este termo se refere à vida privada, à família, às atividades ligadas aos laços sociais, ao trabalho doméstico, e às práticas relacionadas ao consumo. As questões relacionadas à economia, à política e ao cultural são excluídos.

    A vida cotidiana se define na transformação profunda das relações sociais, na privatização da vida familiar, na nova arquitetura dos interiores da casa, que se tornam um local exclusivo para morar, onde não é exercido o comércio, o que muda as relações entre os familiares e destes com o espaço. O quarto de dormir não é mais o local de receber visitas, cada cômodo tem sua função definida. O quarto dos empregados é distante do dos senhores; na frente da casa, a sala, o escritório, ao fundo, a privacidade, a cozinha, o quarto de dormir.

    Para Le Goff, o estudo do cotidiano só tem um valor, histórico e científico, quando contribui para explicar o funcionamento dos sistemas históricos. A História não é produto somente dos grandes acontecimentos, ela é uma construção diária, feita por todas as camadas da população. Trata-se, ainda, de uma História que rediscute os sujeitos. Tornar-se sujeito da história é valorizar uma imagem, uma ação.

    A História do Cotidiano insere-se na História Social, que também se subdivide em outras áreas: a história da família, a história social do trabalho e a história social do Brasil colonial e da escravidão; as três vertentes que nos últimos anos têm concentrado o maior número de trabalhos e discussões.

    Neste sentido, cabe-nos fazer uma história que recupere os indivíduos, a família, o modo de viver do

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