BIXA PRETA & AMEFRICANA: CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS DOS BECUS À ANCESTRALIDADE
De Zeca Amaral
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Sobre este e-book
Portanto, dos becos e das poças d'água às paisagens transatlânticas, eu me faço composição. Endereço este livro a quem respirar em parcelas e prender o ar — enquanto a fumaça das violências coloniais que queimam e buscam nas inalações invadir nossos corpos e corpas a nos asfixiar — não é mais uma opção a naturalização. Dizemos: hoje não. Nenhuma máscara é confortável e aceita, pois desde os Becus apostamos em modos de vida, com seus renascimentos, contação de histórias e poéticas de um cu preto.
Assim, proponho ações a fim de sensibilizar, sem deixar de lutar pelas especificidades de nossas lutas. Quem aqui escreve? Uma bixa preta, (re)construída de Becus e morros. Adentrei a universidade com ações afirmativas. E do interior acadêmico não peço autorização para falar ao me deparar com práticas de deslegitimação frequentes. Eu sou fruto e semente dos movimentos negras/os. Vem compor a roda?
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BIXA PRETA & AMEFRICANA - Zeca Amaral
Bixa Preta & Amefricana
Contação de Histórias
dos Becus à Ancestralidade
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Zeca Amaral
Bixa Preta & Amefricana
Contação de Histórias
dos Becus à Ancestralidade
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, Olinda Ferreira, minha inspiração e força.
Agradeço e honro em memória da minha vó, Maria Leopoldina, a qual devolveu um pouco da minha história a cada vez que contou a dela/nossa.
Agradeço e honro em memória do meu irmão Daniel Amaral e do meu pai, Luis do Carmo Amaral, nosso amor foge dos scripts e vocês seguem me inspirando a escrever aí de orum.
Agradeço a meus irmãos Marcos Amaral e Matheus Amaral, por sonharem juntos comigo e me apoiarem a outras possibilidades de vida.
Agradeço ao meu companheiro e inspiração, Ademiel Sant’ Anna Junior, que a cada dia me ensina potência desde o amor, fazer psi, cantos, poemas e gestos artísticos singulares.
Agradeço à minha querida amiga e referência, Bruna Reis, que, para além dos aprendizados acadêmicos, tem me ensinado a exercer cuidado com meu Orí e a focar no que expande.
Agradeço à Cristiane Knijnik, que me ensina a riqueza dos silêncios, desconstruções e decolonialidade, para além de um anúncio ou conceito, com ações contínuas exemplificadas no dia a dia.
Agradeço à Laura Lamas pelo privilégio de encontros expansivos, singulares e coletivos. Ainda, por pensar junte formas de contribuir com futuros-presentes, diversos, e com espaço para novas histórias e estórias.
Agradeço à Patrícia Balestrin por cada aprendizado, com encontros poéticos e sensíveis.
Agradeço ao Rafael Wolski pelos encontros com aberturas e sensibilidades, plantados como sementes.
Agradeço ao Everson Vargas pelos afetos e pelas parcerias afroperspectivadas na vida.
Agradeço à Janaína Pio de Almeida pelas trocas afetuosas e artísticas, repletas de incentivos e aprendizados, e aos colegas do projeto Chance.
Agradeço aos colegas e às/aos amigas/os do coletivo Egbé: Negritude, Clínica e Políticas do Comum (UFRGS).
Agradeço à Miriam Cristiane Alves pelas oportunidades, aprendizados, e inspirações, assim como ao coletivo Éléeko, onde também tenho sido acolhido e me sentido plural.
Agradeço à Helosa Araújo seu saber e amizade impulsionaram ainda mais o desejo de escrever e correr riscos.
Agradeço à Taiasmin Ohnmacht, suas palavras, obras e afetividade me fizeram alçar voos sem esquecer os ninhos literários.
Agradeço às pessoas que me apoiaram na concretização deste livro, sem vocês não seria possível sonhar outros encontros.
PREFÁCIO
Ele é necessário! Pode parecer clichê, redundante, enfim. Pense o que quiser, mas ele vai te balançar!
Logo que me deparei com a escrita, fiquei sem fôlego, coração na boca, frio, arrepio, andanças e lembranças.
Mal consegui traduzir em palavras o que vivenciei nesta leitura. Acredito que eu não possa reduzir ou limitar essa experiência em leitura, seria leviano de minha parte. Me senti de mãos dadas em alguns momentos, outros, coadjuvante, e ainda protagonista.
Me senti incluída nos diferentes cenários, encontros, embates, debates, danças e cantos.
Zeca traz vivacidade e escrevivências do povo preto, em especial, da bixa preta que desceu o morro e foi para o asfalto estudar, continuar, tentar.
Racismo disfarçado de apenas
, de hostilidade, de estranheza, que, porém, é desenhado de forma preciosa, cirúrgica por ele.
Não, não é um passeio, longe disso, é o que ainda não consigo expressar. Cada capítulo desce pelo corpo, emudece, paralisa, desliza ora como cachoeira, ora precipício, e ora chuva mansa, outras temporal.
Me permiti desaguar mais uma vez sem ele pedir, sem dar licença, sem esperar a hora certa.
Foi um encontro, mais um como em Gotas de chuva encontram o mar (livro de minha autoria).
Nossa realidade é forjada na intensidade de reexistir diuturnamente. Que a intensa verdade do Zeca possa invadir, ocupar e existir na sua como permiti na minha.
Baita leitura para você, ela o liberta!
Dóris Soares
Mulher preta, mãe, psicóloga, Atinuké, escritora
APRESENTAÇÃO
Já imaginou crescer sem diversos acessos a direitos teoricamente garantidos, quase afogando em desigualdades e discriminações? O que será que o futuro reserva? Essa trajetória é feita por meio do corpo negro como lugar de conhecimento a desafiar a invisibilidade, relações de poder e saber que se propõe desde a oralidade, escrita, arte e criação, o exercício de práticas a romper cala bocas
que se apresentam no esquecimento, na escassez de oportunidades e na abundância nas estatísticas de extermínio a pessoas negras e LGBTTQIA+.
Afinal, quem em sua maioria vive e publica no Brasil? A escrita tem cor? Quem determina a intelectualidade e relevância de uma narrativa? De qual lugar se autoriza? Quem apoia?
Para uma bixa preta viver além dessa trama acadêmica exige muita astúcia. E dela surgem rupturas anticoloniais que impactam como exercitamos sensibilizar, sentir e ouvir. Nesta escrita grafada desde a pele até a resistência negra, não há tempo para ficar regredindo ou em repetições dos problemas que nos atravessam hoje pela colonialidade. Afinal, há um clamor insubmisso que nos impulsiona a ir além. É preciso viver e contar as nossas histórias de outras formas. Mas também é preciso nomear as nossas histórias que são negadas. Então, meus dedos digitando negritam tons da minha ancestralidade, enquanto vou sambando em cima de armadilhas relacionais cujo preço são as nossas vidas e os espaços que negociamos para ocupar e se manter neles.
Logo, lançando mão da escrevivência de Conceição Evaristo como método de pesquisa e da encruzilhada, da oralitura e da contação de histórias como operadores epistêmicos, a finalidade desta obra é levantar reflexões, diálogos e questionamentos; assim como pistas a hackear heranças do colonialismo e suas tecnologias, os mitos que nos contam da escravização e do Brasil. A meta é arriscar subversões enquanto vou questionando como a contação de histórias pode contribuir para nos fazer chegar a outros lugares e relações em nossos modos de levar a vida.
Esta é uma escrita que não pede licença para entrar ou sair das bolhas e vaidades acadêmicas e transitar para além dos espaços universitários. Sou uma bixa preta performática que do som do guizo ao ácido que escorre da língua insubordinado não está para acatar ter a boca ou o cu censurado. Estou aqui para contar histórias endereçadas a pessoas negras e LGBTTQIA+ que compartilham de um clamor insubmisso pela vida, pois assim me afirmo nas coletividades. E o resultado dessa afirmação pode ser as possibilidades de significância materializadas em um comum. Mas, não se engane, o comum não está livre de conflitos, guerras e resistências.
Sumário
1
LÍNGUAS ÀSPERAS
1.2 Olhos d’ água
1.3 rezístru o problema
1.4 Nêgu, o que ocê quer?
1.4.1 Granada
1.4.2 Movimento do ácido que evapora
2
CUMÉ QUE A GENTE E ESSA PARADA DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SE CRUZAM NOS BECUS?
2.1 bora se localizar, branquitude? Que fetiche é esse por nós?
3
(RE)NASCIMENTOS & EXPRESSÕES CRIATIVAS DE UMA BIXA PRETA A ESCREVIVER NOS BECUS
4
LITERATURA NEGRITA FALA POR SI: NÃO SOU MENOR, SOU TRANSGRESSIVA
4.1 E quando o canto é abafado?
4.2 Carta de uma bixa preta contadora de histórias
4.2.1 a gente sempre sobreviveu: mais um dia no Becu da Conceição
4. 3 A mira é no(s) ponto(S) preto(s)
4.4 A raiva de uma bixa preta
4.5 Liberdade de ser bixa preta
4.6 Bixa preta, quem (você) ama?
4.7 vem junto na roda?
4.8 esperança
5
PIDÍ PA CABÁ?
5.2 Notas extras para um amanhã mais honesto: Amar-Elo com Emicida – Retornar para partir
REFERÊNCIAS
1
LÍNGUAS àsperas
Peço licença a minhas mais velhas, mais velhos, mais novas e novos. E já aviso que essas correspondências que trago aqui apostam em envolver o conceito de pensamento arquipélago de Glissant¹ que utilizo em minha escrita, harmonizando à oralidade a escrita e à escrita a oralidade, e também a oralitura, que para Leda Martins² trata-se de uma inscrição singular do registro oral que grafa o sujeito no território narrativo e enunciativo.
Para quem vem chegando à roda, em Olhos d’água
, inspirado em Conceição Evaristo³, eu proponho exercícios para além da visão. Proponho outros exercícios com todas as partes de corpas e corpos racializados. Motivado por um problema: quando lágrimas e gritos de gente preta surgem, quem nos escuta? Quem se sensibiliza?
Da minha vida, trago criações artísticas negras oriundas das vivências e dos encontros não apenas meus, mas também da carne açoitada, rasgada, estripada, erotizada e invadida desde os navios; da carne que me pariu e do fuzil que nos apontam; a cada morte a gente diz aqui: AQUI. PRESENTE, PRESENTE, PRESENTE.
Eu trago um olhar que vai além do trauma que pessoas negras sofrem. Eu trago a dimensão do enfrentamento e da luta, gingando enquanto dou pontos nas feridas do racismo, sexismo, da subalternização e do silenciamento; no luto e na luta estou em movimento além da aparência dos olhos, à medida que posso me experimentar em outras performances com o objetivo de uma autonomia.
Minhas memórias