Homem-Bomba: O Sacrifício das Pulsões
De Nelson Asnis
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Homem-Bomba - Nelson Asnis
Nelson Asnis nasceu em Porto Alegre, graduou em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Especializou-se em Psiquiatria pela Fundação Universitária Mário Martins (FUMM) e em Endocrinologia pela UFCSPA. Realizou mestrado em Farmacologia pela UFCSPA. Possui doutorado em Psicologia pela PUCRS. É psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPPA). Professor de Psicologia (PUCRS) e de Psiquiatria (FUMM) tendo sido escolhido por 5 vezes professor homenageado. Presidente da Fundação Universitária Mário Martins, biênio 2012/13. Trabalha em consultório nas áreas de Psiquiatria, Psicoterapia e Psicanálise. Seu hobby é viajar, tendo caminhado pelas ruas de 60 países dentre os quais destacam-se Irã, Israel, Egito, Emirados Árabes, Malásia, Indonésia e Marrocos.
Livro escrito a partir da tese Suicídio e Islamismo: Um Olhar Psicanalítico, apresentada em agosto de 2007 pelo Dr. Nelson Asnis ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito para obtenção do Grau de Doutor em Psicologia.
Para Tati, Yasmin e Guga, minhas indescritíveis alegrias.
A Júlio e Sarita Asnis, meus modelos.
AGRADECIMENTOS
À querida e incansável orientadora Blanca Susana Guevara Werlang, minha enorme gratidão pelo carinho com que sempre me acolheu e pelos conhecimentos adquiridos neste período.
Ao exemplo de como unir ética, afetividade, imenso conhecimento e trabalho, minha profunda gratidão ao Gildo Katz.
À minha querida mulher, Tatiane, por seu companheirismo nas horas mais difíceis.
Aos meus pais, Júlio e Sarita Asnis, modelos de retidão e amorosidade.
A meus filhos, Yasmin e Gustavo, que me ensinam a cada dia que existe, sim, amor ilimitado!
Aos colegas e amigos pelo incentivo.
Aos alunos e pacientes pelo reconhecimento.
Aos participantes do Estudo pela oportunidade ímpar de mergulhar em um mundo tão intrigante e desconhecido.
PREFÁCIO
Tornou-se pergunta clichê no desespero que toma conta de mentes sãs ao se depararem com imagens e dores resultantes de um ato terrorista perpetrado por um suicida:
− Por quê?!!!
Assim mesmo, com um ponto de interrogação que remete à incompreensão e três de exclamação que conduzem à ideia de tripla perplexidade.
O esclarecedor livro de Nelson Asnis busca respostas para pergunta tão antiga, tão pungente, tão desesperada. Tem, como um dos seus méritos, o de, por definição, decifrar em primeiro lugar o funcionamento do processo que leva alguém ao ato extremo do suicídio como forma de atingir um fim nefasto. Se é mais fácil entender a pulsão de vida, pode-se usá-la, a própria vida, como parâmetro para saber como se dá a destrutiva pulsão de morte
. Eros X Tanatos, a dubiedade humana identificada por Freud. Ou, em outras palavras, o superego tentando sobrepujar o ego desajustado, carregando consigo outras pessoas, sem piedade.
De que maneira? O suicida convencional violenta a si mesmo como se estivesse agredindo a outra pessoa − essa é a visão psicanalítica. O superego agredindo o ego. Como explica Asnis, O ato de matar a si mesmo para não matar a outrem
.
Uma agressão, de qualquer forma. Sempre uma agressão.
E vem, em decorrência dessa indagação inicial, a pergunta central: de que maneira pode o islamismo, uma religião que em sua forma tradicional é fundada no sentido de defender a amorosidade e a solidariedade em nome de Deus, como o são o cristianismo e o judaísmo, servir de esteio por suicidas que se aniquilam e aniquilam o semelhante em seus atos abomináveis? Trata-se de um instigante contrassenso que o trabalho de Asnis procura elucidar, o paradoxo de a morte dar sentido à vida. E essa elucidação, tão necessária para quem se vê repetindo aquela pergunta clichê, Por quê?!!!
, se dá pela própria definição do que é um ato suicida terrorista: trata-se de uma forma de exemplificação, uma violência que tem, como fim, um calculado objetivo de atemorizar, de intimidar. Vai muito além de se matar e até de se matar e matar consigo, impiedosamente, outras pessoas. Os danos transcendem esse objetivo imediato e óbvio. Têm por trás uma ideologia, uma religião.
Depois de enveredar por teorias da literatura, da filosofia, da teologia e da psicanálise, Asnis buscou na fonte mais primária uma explicação para algo tão perturbador. Conversou com cinco seguidores do islamismo, dois deles fundamentalistas, que aclaram a ação do terrorista suicida. Levou o empirismo para a teoria, a fim de responder à pergunta que você faz vendo tanta atrocidade na tela da TV.
Só que a preocupação de Asnis vai além da simples resposta. É mais proativa, digamos assim – "(...) mais do que nunca se percebe a urgência de compreender não somente a dinâmica de sua ação, como também a forma de mitigá-la, escreve ele.
Para tanto, em uma versão atualizada do faça amor, não faça a guerra
(e essa atualização, segundo o autor, jamais foi tão necessária), deveria haver a supremacia de Eros sobre Tanatos, a ideia de que, nas palavras de Asnis, Os ódios somente poderão ser mitigados pela qualidade dos afetos amorosos, pela presença da compaixão e tolerância consigo mesmo e com o semelhante
.
Quanto mais Eros, menos Tanatos.
O problema, como esclarece o autor, dá-se quando ocorre a seguinte circunstância: (...) a expressão pulsional tanática liberada em sua plenitude, travestida de pulsão de vida
, com a sustentação de pais orgulhosos e de um ambiente socioeconômico adverso, de ressentimento, em uma cultura fundamentalista, que contraria o pacífico islamismo tradicional e confunde Eros com Tanatos.
Sendo assim, a presente obra explica a insanidade de um terrorista suicida, algo aparentemente incompreensível. O problema é como alcançá-lo para entregar-lhe o antídoto do amor que serviria de mitigação à barbárie, se ele vê amor no que faz.
O assunto é intrigante, e o livro é revelador, especialmente no seu desfecho, quando o leitor percorre, guiado por Asnis, os recantos da mente de um fundamentalista.
Léo Gerchmann
Jornalista
INTRODUÇÃO
Os comportamentos violentos são considerados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o maior problema de saúde pública no mundo, com repercussões dramáticas para suas vítimas, seus familiares e, por extensão, para o desenvolvimento dos países envolvidos (DAHLBERG & KRUG, 2003). Dentre os diversos tipos de violência, destaca-se o suicídio, que está entre as dez principais causas de óbito para as pessoas maiores de cinco anos de idade em todos os países nos quais há informações fidedignas sobre dados de mortalidade. Esse fenômeno é atualmente uma das três causas de morte mais frequentes entre adolescentes e adultos jovens no mundo (Ministério da Saúde, 2006; WERLANG & BOTEGA, 2004). A gravidade do fenômeno está relacionada não apenas às taxas de incidência, mas, também, ao intenso sofrimento emocional e à limitação da capacidade da vida social, cujas consequências afetam dramaticamente as pessoas no seu entorno.
Com base nas informações da OMS, pesquisadores consideram o suicídio um tipo de comportamento complexo no qual o indivíduo age de modo a causar lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato (BOTEGA, 2000; WERLANG & BOTEGA, 2004). Esse tipo de ação autodestrutiva apresenta etiologia multicausal, usualmente resultante da ação recíproca de fatores biológicos, psicológicos, psiquiátricos, culturais, sociais, religiosos, entre outros (DE LEO, BERTOLOTE & LESTER, 2004). A temática do suicídio, por conseguinte, necessita ser compreendida a partir de diferentes olhares, recebendo, dessa forma, espaço para estudo em diversas áreas do conhecimento humano.
Para a psicanálise freudiana, o suicídio pode ser compreendido como uma forma de autopunição e um desejo de morte originalmente dirigido contra outrem que se vira contra o próprio sujeito, dinâmica essa que se faz evidente na melancolia. Nessa, os principais sintomas são um desânimo profundo, perda de interesse pelo mundo externo, comprometimento da capacidade de amar, inibição de toda e qualquer atividade, diminuição dos sentimentos de autoestima, autorrecriminação, autopunição, bem como sentimentos opostos de amor e ódio. Para Freud (1917[1915]/1969), a tendência a adoecer na melancolia decorre da predominância de um tipo de escolha objetal narcisista com uma regressão da catexia objetal para a fase oral. Ainda, as referências autodepreciativas e até mesmo de maltrato, em relação a si mesmo, que se observa na melancolia provêm de uma satisfação das tendências do sadismo e do ódio referentes, inicialmente, ao objeto perdido, que, posteriormente, retornaram ao próprio eu. A catexia erótica do melancólico, no tocante a seu objeto, sofre uma dupla vicissitude: parte dela retrocedeu à identificação, e outra parte foi levada de volta a etapas de sadismo. Segundo Freud (1917[1915]/1969, p. 257), é exclusivamente este sadismo que soluciona o enigma da tendência ao suicídio
.
Por outro lado, Freud (1940[1938]/1969b) propôs também um modelo segundo o qual ao lado da pulsão, que tem como meta a preservação da vida (pulsão de vida), cujos investimentos se dariam no território de Eros, haveria outra, com força contrária àquela, que operaria de forma agressiva e destrutiva, visando conduzir o organismo de volta a seu estado primevo e inorgânico. Chamou-a de pulsão de morte e assimilou sua dinâmica à força de Tanatos. Da luta entre Eros e Tanatos dependeria a evolução das civilizações e, essencialmente, toda a vida.
Do ponto de vista do circuito pulsional, o intenso sofrimento do melancólico, expresso sob a forma de culpa e masoquismo, demonstra que as pulsões de agressão e de destruição derivadas da pulsão de morte estariam desfusionadas da pulsão de vida, tendo o superego como protagonista de um ataque sádico ao ego ou, também se pode dizer, aos objetos contidos dentro dele. As tendências autodestrutivas e o suicídio do melancólico seriam, assim, consequências da intensa agressão a esses objetos introjetados. O suicídio configuraria, dessa forma, uma atualização da pulsão de morte por meio de uma passagem ao ato (acting out); seria, nessa perspectiva, o ato de matar a si mesmo para não matar a outrem.
No tocante às religiões, a história da humanidade mostra que elas sempre deram conforto e guarida para a doença e o sofrimento psíquico. Nessas delicadas situações, o homem é convidado a formular reflexões