Do Divã ao Aeroporto
De Nelson Asnis
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Do Divã ao Aeroporto - Nelson Asnis
Não temas minha donzela/
Nossa sorte nesta guerra/
Eles são muitos/
Mas não podem voar
Ednardo, 1974
Dedicatória
Aos meus pais Júlio e Sarita,
aos meus tesouros Yasmin e Gustavo e
à minha esposa Tatiane pelo carinho
que me dispensam dia após dia.
À memória de meus queridos tios Paulo, Maurício e Jaime, exemplos de bondade e retidão.
Agradecimentos
Ao Dr. Gildo Katz pelo privilégio de
aprender com sua sabedoria e bondade.
APSF, meus amigos de meio século que
com sua seriedade
tornam a vida mais leve.
Aos meus Professores do Israelita,
pelo incentivo para escrever.
Ao Diretor da Buqui, Gustavo Lima
pela competência e dedicação.
Ao meu irmão Zizo Asnis, fundador e
editor-chefe do site O Viajante pelo estímulo.
Apresentação
Qualquer semelhança entre o inconsciente e as viagens não é mera coincidência.
O inconsciente é atemporal, assim como as viagens.
O inconsciente nos tira da rotina; as viagens, idem.
O inconsciente nos coloca em contato com o desconhecido, assim como as viagens.
O inconsciente torna nossa vida imprevisível; as viagens, idem.
O sonho é a grande expressão do inconsciente... e das viagens.
Por tudo isso, o inconsciente é pura viagem, e viajar é puro inconsciente.
Nada sai como o planejado (felizmente) nas viagens e no inconsciente.
O frio na barriga,
o não sabido,
o idioma que não dominamos,
a gafe,
o roteiro que não deu certo,
os fusos,
as insônias,
aquelas pessoas e lugares que nunca mais veremos
e que nunca mais deixaremos de ver.
Viajar bagunça a vida.
O inconsciente bagunça a vida.
Por isso, talvez, ambos tornem a vida viva.
Este livro é um pequeno encontro das viagens com o inconsciente, do divã com o aeroporto.
Por isso, não há preocupação com grandes rigores acadêmicos ou literários.
Foi escrito em associação livre.
Sem cronologia.
Quando penso no país que visitei, o que me vem à mente?
Escrevi.
Pequenos escritos para reflexões ou não.
O divã e o aeroporto nos permitem viajar.
Saímos diferentes do divã e do aeroporto.
Na verdade, nunca mais seremos os mesmos depois do divã e do aeroporto.
Felizmente.
Boa viagem, quero dizer, boa leitura!
Nelson Asnis
África do Sul, Freud e Nelson Mandela
Raros foram os lugares para os quais viajei em que senti mais tensão no ar do que na África do Sul pós-Apartheid, que visitei em 2005.
A figura de Nelson Mandela segue muito viva em cada esquina. Nesse país conheci o real significado da palavra tolerância.
Tolerância, um termo aparentemente politicamente correto
, vem do latim tolerare, que significa suportar, uma atitude que somos obrigados a engolir
.
Ouvimos a todo momento que a tolerância é fundamental para vivermos em sociedade. A própria ONU preconiza a busca por um convívio harmônico entre pessoas de diferentes culturas e instituiu o Dia Internacional para a Tolerância em 16 de novembro.
A África do Sul me pareceu uma verdadeira panela de pressão
, com brancos e negros se suportando uns aos outros, ou seja, se tolerando.
O meu entendimento desse fenômeno?
Vejo quase um milagre. Nesse contexto descrito, o que se poderia esperar de melhor?
O Apartheid proibia negros e brancos de se casarem, de serem amigos, de sentarem juntos em um banco de praça ou utilizar os mesmos banheiros. Os negros não podiam andar nos ônibus reservados aos brancos, nadar na mesma área do mar. As crianças brancas eram criadas para sentir medo dos negros.
Os africâneres (termo utilizado para denominar os sul-africanos brancos) tinham certeza de que, em um país governado por negros, a vingança viria – e não seria pequena.
Os brancos seriam assassinados, jogados no mar...
Mandela foi libertado já com 71 anos de idade, após 27 anos de prisão. No dia 10 de maio de 1994, tomou posse como o primeiro presidente negro eleito democraticamente na África do Sul.
Esperávamos que as pessoas negras que controlavam o país nos destituíssem dos serviços básicos, que atacassem lojas e criassem um caos absoluto, sabotando a água e a energia dos bairros brancos. As pessoas estocavam e juntavam garrafas de água, velas, comidas enlatadas e tudo o que pudesse durar e ser necessário.
Esperávamos vingança
, relata Zelda la Grange, secretária pessoal de Mandela e de origem africâner, em seu livro Bom dia, Sr. Mandela.
Freud nos ensina, em O mal-estar na civilização
(1930), que a questão fatídica para a espécie humana parece ser até que ponto seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar os instintos humanos de agressão e destrutividade.
Freud não subestimava a capacidade do ser humano para a barbárie. Para ele, todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização.
Toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e a renúncia ao instinto, enfatizava Freud em sua obra-prima O futuro de uma ilusão
.
Como se estivesse falando de Nelson Mandela, Freud afirmava que tudo correrá bem se esses líderes forem pessoas com uma compreensão interna superior das necessidades da vida e que se tenham erguido à altura de dominar seus próprios desejos instintivos
.
Voltemos a Mandela.
De uma carta para Winnie Mandela, escrita