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Pornografia e censura: Adelaide Carraro, Cassandra Rios e o sistema literário brasileiro nos anos 1970
Pornografia e censura: Adelaide Carraro, Cassandra Rios e o sistema literário brasileiro nos anos 1970
Pornografia e censura: Adelaide Carraro, Cassandra Rios e o sistema literário brasileiro nos anos 1970
E-book225 páginas3 horas

Pornografia e censura: Adelaide Carraro, Cassandra Rios e o sistema literário brasileiro nos anos 1970

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Sobre este e-book

Este livro traz uma importante contribuição para o conhecimento sobre as atividades de censura durante o regime militar no Brasil (1964-1985).O ensaio apresenta uma reflexão teórica e crítica, visando contribuir para o desenvolvimento dos estudos sobre a censura brasileira a livros pornográficos. Para tanto, discute teorias da pornografia e, sobretudo, o sistema literário e o surto censório durante o governo Geisel, detendo-se,também, na herança conspiratória e na busca por legitimidade por parte da censura.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento1 de jun. de 2016
ISBN9788572168311
Pornografia e censura: Adelaide Carraro, Cassandra Rios e o sistema literário brasileiro nos anos 1970

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    Pornografia e censura - Rodolfo Rorato Londero

    Referências

    Apresentação

    Apresentação:LITERATURA PERIGOSA

    Quando Johannes Gutenberg inventou a prensa móvel, por volta de 1439, contribuindo para a impressão, possibilitou a produção em massa de livros impressos. Tal invenção também trouxe em seu lastro a construção da periculosidade da literatura. E, uma vez instalado o perigo, deu-se a largada para a instituição da censura. Desde então, as atividades censórias passaram por diferentes períodos históricos e, se durante a época absolutista elas ainda se mostravam aleatórias e ineficientes, sua situação jurídica foi sendo legalizada ao longo dos séculos.

    Verificando a origem latina do termo, sabe-se que a censura designa avaliação ou exame e, como objeto de pesquisa interdisciplinar, é alvo de múltiplas definições e terminologias. Isso ocorre igualmente no âmbito dos estudos culturais, nos quais há uma infinidade de conceitos atribuídos ao fenômeno. Em sentido restrito, porém, a censura literária descreve, de acordo com Haug (2004, p. 720),

    alle staatlich und kirchlich institutionalisierten (formellen) sowie nicht legitimierten, z.B. durch sozialen oder ökonomischen Druck durchgesetzten (informellen) Maßnahmen, die eine Überwachung, Hemmung und Kanalisierung von literarischer Kommunikation intendieren.¹

    Essas medidas são colocadas em prática por meio de um controle abrangente da produção e distribuição de livros, o que ocorre geralmente de forma coercitiva, sendo utilizados meios legais ou ilegais, tanto de ordem política quanto social, conforme se pode verificar no presente estudo de Rodolfo Rorato Londero.

    Diferentemente de Foucault, cujas teorias definiriam a censura literária de forma indiferenciada, seja como controle do discurso, seja como instrumento de dominação semântica, Haug (2004, p. 720) entende a censura como controle não só da produção literária, mas também de sua distribuição e difusão. O controle da difusão literária seria uma atividade censória, que teria como objetivo atenuar ou enfraquecer o efeito possivelmente já produzido por textos, por exemplo, por meio de campanhas difamatórias ou de propaganda. Também esse tipo de atividade foi constatado pelo autor no regime censório do período estudado.

    Este livro traz uma importante contribuição para o conhecimento sobre as atividades de censura durante o regime militar no Brasil (1964-1985). O foco é a censura de publicações consideradas contrárias à moral e aos bons costumes pelos órgãos censórios da época.

    O ensaio apresenta uma reflexão teórica e crítica, visando contribuir para o desenvolvimento dos estudos sobre a censura brasileira a livros pornográficos. Para tanto, discute teorias da pornografia e, sobretudo, o sistema literário e o surto censório durante o governo Geisel, detendo-se, também, na herança conspiratória e na busca por legitimidade por parte da censura.

    Escrever sobre o sistema literário e a pornografia dos anos 1970, no Brasil, significa incursionar pela censura moral exercida pela ditadura civil-militar instaurada no país em 1964. Baseado nesse pressuposto, Rodolfo Rorato Londero percorre neste livro um caminho que parte da conceituação e delimitação precisa do tema, passando pela discussão de teorias da pornografia e chegando ao sistema literário sob censura, em que se detém nas obras de Cassandra Rios e Adelaide Carraro. A recepção dessas obras por parte do público é o ponto culminante do livro.

    A hipótese que norteou a pesquisa é: há uma luta de classes implícita nas censuras moral e literária dos romances pornográficos de Cassandra e Adelaide. Para confirmar essa hipótese, o autor saiu em busca de fontes fidedignas: consultou documentos no Arquivo Nacional em Brasília, leu livros e teses acadêmicas sobre o tema, pesquisou fontes em bancos de dados.

    O presente trabalho tem muitos méritos, entre os quais o de distinguir entre a censura moral e a censura política durante a ditadura civil-militar brasileira. Com isso, é possível visualizar os diferentes matizes de um mesmo fenômeno complexo, conforme palavras do autor. Ao mesmo tempo, ele enfatiza que o problema extrapola essa distinção, pois há uma luta de forças entre aqueles que determinam o que se pode expressar (o Estado censor e a classe dominante) e aqueles que expressam o que está além do determinado (os escritores pornográficos e as classes subalternas).

    Fica claro é que as intervenções censórias estão sempre relacionadas a campanhas contra uma suposta ameaça – seja ela comunista, terrorista ou pornográfica – e que, às vezes, uma delas serve para desencadear medidas restritivas no lugar de outra. É o que ocorreu com relação à pornografia. O autor destaca que sempre existiu uma onda de moralismo, uma onda que varreu o país durante séculos e que, ao longo do Regime de 64, respaldou a legislação censória e apoiou as atividades dos órgãos de censura. De qualquer forma, a censura evidencia a intenção do estado de tutelar os leitores, supostamente desavisados ou até mesmo considerados incapazes de perceber as ameaças alegadas.

    Em relação à tentativa da censura de desqualificar determinadas obras, este livro assume uma posição clara. Se a censura comanda o jogo, como foi o caso do Brasil nos anos 1970, a qualidade de uma obra não pode ser parâmetro de avaliação. Nas palavras do autor: Tomar o valor literário como ponto de partida parece por demais precipitado, para não dizer insensato, quando a liberdade de expressão se encontra ameaçada, pois sem liberdade de expressão, nenhuma manifestação artística é possível.

    Esta publicação vem ao encontro do interesse crescente pelo tema da ditadura, sua memória e história. Por seu conteúdo teórico, analítico e crítico, este livro servirá de fonte para suplementar futuras pesquisas sobre a censura no Brasil.

    Rosani Úrsula Ketzer Umbach


    ¹¹ Tradução: todas as medidas institucionalizadas (formalizadas) pelo estado e pela igreja, bem como aquelas não legitimadas, por exemplo, as (informalmente) impostas por pressão econômica ou social, que têm como objetivo um monitoramento, inibição e canalização da comunicação literária.

    Introdução

    O problema

    Para se entender a censura durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985), ponto de partida desta pesquisa, é importante primeiramente frisar a diferença estabelecida entre censura da imprensa e censura de diversões públicas:

    A censura de diversões públicas nunca deixou de existir no Brasil, legalizadamente, enquanto a censura da imprensa foi feita pelos governos militares envergonhadamente, pois lembrava o velho Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo (FICO, 2002, p. 254).

    Sendo assim, enquanto a censura da imprensa sistematizou-se e tornou-se rotineira a partir da edição do Ato Institucional nº 5 em dezembro de 1968, a censura de diversões públicas já constava na Constituição de 1946, ² na qual o Art. 141, § 5º, afirmava que é livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas. Na verdade, meses antes da promulgação da Constituição de 1946, já havia o Decreto-lei nº 20.493 que regulamentava o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), órgão que substituiu o DIP, atuando apenas na censura de diversões públicas (MARCELINO, 2006, p. 26). O decreto apresentava em seu Art. 41 um motivo de censura que se tornaria recorrente durante o regime: contiver qualquer ofensa ao decoro público. Mais tarde, em 1972, o SCDP transformou-se em Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), sendo essa a sigla mais utilizada ao longo desta pesquisa.

    Uma diferença fundamental, portanto, entre a censura de diversões públicas e a de imprensa é a constitucionalidade da primeira e a inconstitucionalidade da segunda. Além do amparo constitucional, a censura de diversões públicas era bastante conhecida pela população, bem como incentivada por setores conservadores. Essa tradição censória³ possibilitou o regime fortalecer autoritariamente a legislação referente às diversões públicas. A Portaria nº 6, de janeiro de 1967, legislava sobre a censura de programas radiofônicos, considerando que a inexistência de critério classificador e seletivo para a liberação de programas dessa natureza sujeitaria o público a influências muitas vezes nefastas à sua formação moral, cultural e cívica (percebe-se aqui um ranço paternalista que caracterizou a atuação da censura de diversões públicas ao longo do regime); a Lei nº 5.536, de novembro de 1968, dispunha sobre a censura de obras teatrais e cinematográficas, destacando em seu Art. 4º que os órgãos de censura deverão apreciar a obra em seu contexto geral, levando-lhe em conta o valor artístico, cultural e educativo (nota-se aqui o critério estético como justificativa da censura, bem como o apelo por obras edificantes); e o Decreto-lei nº 1.077, de janeiro de 1970, sobre o qual esta pesquisa se detém, pois estabeleceu a censura de publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes, quaisquer que sejam os meios de comunicação (Art. 1º), abarcando inclusive livros. Ao decreto-lei seguiu a Portaria nº 11-B, determinando a verificação prévia da existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes (Art. 1º). Diante do estabelecimento de censura prévia para livros, construiu-se uma forte oposição liderada por escritores, editores, intelectuais e associações, como a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Academia Brasileira de Letras. No livro escrito no calor do momento, A comunicação e o direito de expressão (1971), o jornalista J. Pereira assim relatou as manifestações civis contrárias à censura prévia:

    Em sua manifestação, a Associação Brasileira de Imprensa, através da palavra do jornalista Danton Jobim, seu presidente, lembrou que, com a medida, o Brasil estava retroagindo à época da Mesa Censória dos tempos coloniais. A Ordem dos Advogados do Brasil realçou a inconstitucionalidade do decreto-lei e, em consequência, do seu regulamento. Os escritores Erico Veríssimo e Jorge Amado, dos mais lidos no Brasil e no exterior, entre outros, encararam os atos como um insulto ao intelectual brasileiro, manifestando o propósito de parar de escrever se a medida fosse mantida (PEREIRA, 1971, p. 28-29).

    Na verdade, quando editado o decreto-lei, no início de 1970, o pouco conhecimento levou tanto policiais quanto leitores a interpretá-lo como apreensão de livros e demais materiais pornográficos: enquanto os policiais cobriam painéis artísticos numa drogaria e apreendiam para averiguações um pôster reproduzindo o Davi de Michelangelo (PEREIRA, 1971), muitos leitores, talvez interpretando apressadamente o decreto-lei, correram às livrarias e bancas de jornais temendo uma apreensão policial que não houve nem fora determinada pelo governo (SETE, 1970, p. 18), como relatou a revista Veja, em 28 de janeiro de 1970. Em todo caso, fora esses episódios pitorescos, a reação organizada da sociedade civil obrigou o surgimento da Instrução nº 1-70, isentando da censura prévia as publicações e exteriorizações de caráter estritamente filosófico, científico, técnico e didático, bem como as que não versarem temas referentes a sexo, moralidade pública e bons costumes (Art. 1º).

    Chama a atenção não apenas o recuo do governo Médici (1969-1974), considerado o mais repressivo da história do regime, mas também a eleição da temática sexual como principal alvo da censura de diversões públicas. Para amenizar os clamores contra a censura prévia, o chefe de gabinete do Ministério da Justiça (pasta responsável pela censura) afirmou, na época, que o objetivo do governo não era censurar jornais, revistas ou editoras tradicionais, ‘mas somente controlar três ou quatro editoras que se especializaram no ramo da pornografia’ (GONÇALO JUNIOR, 2010, p. 157). Isso fez sentido em um país em que a revolução sexual não começou na cama, mas nas prateleiras, como escreve Zuenir Ventura em seu conhecido romance sem ficção, 1968: o ano que não terminou (1988), mencionando que em cada três livros, garantia uma pesquisa, pelo menos um tratava de questões sexuais (VENTURA, 2008, p. 36). Portanto, para enfrentar a revolução sexual, era necessário combatê-la em qualquer lugar onde ela ocorresse, ainda mais considerando que se tem generalizado a divulgação de livros que ofendem frontalmente à moral comum, como afirma o quatro consideranda do Decreto-lei nº 1.077, destinado exclusivamente à censura de livros. A própria expressão revolução sexual parece unir dois temores frequentes do regime civil-militar, bem claros para quem lê os dois últimos consideranda do decreto em questão:

    Considerando que tais publicações e exteriorizações estimulam a licença, insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade brasileira;

    Considerando que o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional.

    Segundo esse raciocínio, a revolução sexual, como qualquer revolução, também tinha seu objetivo: destruir as bases morais da sociedade brasileira. Nesse sentido, era a própria sociedade que se encontrava em perigo, ameaçada por um plano subversivo. A partir do contexto de Guerra Fria, no qual se inseria o regime, não foi difícil imaginar quem era o mentor desse plano, como declarou o Ministro da Justiça responsável pela redação do decreto-lei, Alfredo Buzaid:

    O comunismo instila sutilmente veneno para desintegrá-la [a sociedade]. Mina a família através da desenfreada propaganda do sexo, do amor livre e da obscenidade. Penetra na escola e difunde o tóxico para desfibrar a juventude. Procura dilacerar a severidade dos costumes através do teatro, do cinema, do rádio e da televisão. Espalha suas publicações por todas as livrarias (BUZAID apud MARCONI, 1980, p. 14).

    Além da paranoia conspiratória, ainda mais evidente quando se sabe que o Partido Comunista Brasileiro condenava as mudanças de comportamento como sintomas de decadência da burguesia (VENTURA, 2008, p. 40), as palavras de Buzaid denotam um emprego do conceito de moral que remonta às suas origens: "A ‘Moral’, em suas raízes latinas, se caracteriza como algo de pesado, inamovível e campesino: os mores são os usos e costumes de um povo, embebidos de hábitos que estão na base dos seus caracteres e que os une num sólido liame (PARSONS, 1982, p. 160). Seguindo essa lógica, a propaganda do sexo era capaz de desintegrar a família e a sociedade, pois ela modificava justamente o que não se podia modificar sem causar a destruição das características essenciais que integravam a sociedade: Destruam os mores destruirão os homens e a sociedade" (PARSONS, 1982, p. 160). Essa definição de moral justificou não apenas a legislação censória, mas também a atividade daqueles que executavam a censura (eufemisticamente chamados de técnicos de censura, ao invés de censores⁴) e o pedido daqueles setores conservadores que clamavam por censura.

    Toda essa fundamentação legal, moral e ideológica, da Constituição de 1946 até o governo Médici, apenas preparou o terreno para a execução mais intensiva da censura de diversões públicas:

    Curiosamente, não foi durante o período admitido como o de auge da repressão (governos da Junta Militar e de Emílio Médici) que houve mais cartas pedindo censura, tanto quanto também não foi nessa fase que houve mais censura. A maior parte das cartas concentra-se entre os anos de 1976 e 1980, portanto, após a posse do governo da abertura política de Ernesto Geisel, adentrando o de João Figueiredo. [...] Esta é mais uma diferença entre a censura da imprensa e a de diversões públicas, pois é óbvio que a primeira teve correspondência com o período de maior atividade repressiva. A censura da moral e dos bons costumes obedecia a outros ditames, embora não tenha ficado imune às peculiaridades do regime militar. Ela dizia respeito a antigas e renovadas preocupações de ordem moral, muito especialmente vinculadas às classes médias urbanas (FICO, 2002, p. 277).

    Especificamente a respeito de livros, a partir de pesquisa realizada no Arquivo Nacional, Reimão (2011) mostra que, entre os anos de 1970 e 1974, apenas 21 obras foram vetadas, enquanto que, entre os anos de 1975 e 1979, mais de 300 obras foram censuradas. Nesse sentido, é possível afirmar que o governo Geisel (1974-1979) se caracterizou por uma "obsessão censória com os temas vinculados à sexualidade" (SILVA, 1989, p. 17, sem grifos no original) – considerando apenas os de autoria nacional, cerca de 100 livros pornográficos foram vetados na década de 1970 (REIMÃO, 2011, p. 48) –, dado

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