Releituras do feminino na ficção contemporânea
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Releituras do feminino na ficção contemporânea - Tradição Planalto
Maria Elisa Rodrigues Moreira
Alleid Ribeiro Machado
(Organizadoras)
Releituras do feminino na ficção contemporânea
1ª EDIÇÃO
BELO HORIZONTE
2022
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
Elaborado por: Maurício Amormino Júnior — CRB6/2422
Copyright © 2022
Todos os direitos reservados. Este livro ou parte dele não pode ser
reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora
Editor Executivo
Ricardo S. Gonçalves
Editores Coleção Polifonia
Maria Elisa Rodrigues Moreira
Juan Ferreira Fiorini
Revisão
Corina Maria Rodrigues Moreira
Conselho Editorial
Dr.a Ana Carolina Vilela-Ardenghi (UFMT)
Dr. André Tessaro Pelinser (UFRN)
Dr.a Bruna Fontes Ferraz (CEFET-MG)
Dr.a Daniela Correa Leite (in-Próprio Coletivo)
Dr.a Letícia Fernandes Malloy Diniz (UFRN)
Dr.a Luisa Angélica Paraguai Donati (PUC-Campinas)
Dr.a Maria Alzira Leite (UTP)
Dr.a Maria Elisa Rodrigues Moreira (UPM)
Dr.a Regina Pires de Brito (UPM)
Dr.a Rosângela Fachel de Medeiros (UFPel)
Produção
Tradição Planalto Editora
www.tradicaoplanalto.com.br
Tel.: +55 (31) 3226-2829
Sumário
Apresentação
Cultura Pop e representações do feminino nos filmes da Disney
Elisa Calvete Ulema Ribeiro
Letícia Xavier de Lemos Capanema
Uma flâneuse na periferia brasileira: Quarenta dias,
de Maria Valéria Rezende
Fernanda Dusse
Camila Queiroga Souza
Pedro e Inês sob os signos de algol, schedir, São Bartolomeu…
Flavia Maria F. S. Corradin
Da Grécia antiga até a contemporaneidade: uma releitura do arquétipo da deusa-feiticeira Circe
Giovanna Suleiman das Dores
Mariana Amargós Vieira
O lado opaco e obscuro da maternidade: considerações sobre Dias de abandono, de Elena Ferrante
Bruna Fontes Ferraz
Eduarda Duarte Pena
Feminismo e pluralismo linguístico na obra de Francine Noël
Roxanne Covelo
Mulheres ilustradas: D. Catarina de Portugal
revista pela ficção portuguesa de autoria feminina
Alleid Ribeiro Machado
Maria Elisa Rodrigues Moreira
Sobre as autoras
Apresentação
Organizado pelas Dras. Maria Elisa Rodrigues Moreira e Alleid Ribeiro Machado, o livro Releituras do feminino na ficção contemporânea constitui-se numa coletânea de estudos em que o centro de interesse se articula, como o próprio nome indica, com uma área de estudos que tem crescido grandemente na atualidade: a questão do feminino. Tal questão vem sendo amplamente avaliada por diferentes enfoques teóricos e epistemológicos, sobretudo em função de uma demanda social crescente em que mulheres (e outras manifestações humanas de gênero e de sexualidade) colocam-se de maneira mais reivindicativa diante de sua presença e de seu papel no mundo contemporâneo.
Em face de tal panorama, não poderiam faltar, e não estão faltando, interessados em observar como as literaturas e as artes estão enfrentando a temática do feminino o que, no presente livro, manifesta-se como eixo ordenador.
Os artigos aqui apresentados debruçam o olhar sobre a maneira como o feminino surge representado na ficção contemporânea (coincidentemente ou não) aos olhos também femininos, pois, além das organizadoras, todas as autoras dos estudos são mulheres e, portanto, talvez mais preocupadas, por sua condição, em oferecer uma contribuição em relação à discussão enfocada, oferecendo sua voz e sua perspectiva para a observação de obras diversas, desde as de cariz popular e de grande recepção (como Cultura Pop e representações do feminino nos filmes da Disney
, de Elisa Calvete Ulema Ribeiro e Letícia Xavier de Lemos Capanema, ou "O lado opaco e obscuro da maternidade: considerações sobre Dias de abandono, de Elena Ferrante, de Bruna Fontes Ferraz e Eduarda Duarte Pena), até as de um caráter mais abrangente e erudito (como
Pedro e Inês sob os signos de algol, schedir, São Bartolomeu…, de Flavia Maria F. S. Corradin, ou
Da Grécia antiga até a contemporaneidade: uma releitura do arquétipo da deusa-feiticeira Circe", de Giovanna Suleiman das Dores e Mariana Amargós Vieira).
Sendo a questão do feminino relevante, em maior ou menor grau, em todas as sociedades contemporâneas, estão também presentes a literatura brasileira ("Uma flâneuse na periferia brasileira: Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende, de Fernanda Dusse e Camila Queiroga Souza) e a literatura canadense (
Feminismo e pluralismo linguístico na obra de Francine Noël", de Roxanne Covelo), somando-se às anteriores visões do feminino apresentadas nos artigos anteriormente referidos.
O último artigo, assinado pelas organizadoras do volume, traz à baila uma questão das mais relevantes, a saber, a questão da autoria feminina (Mulheres ilustradas: D. Catarina de Portugal revista pela ficção portuguesa de autoria feminina
, de Alleid Ribeiro Machado e Maria Elisa Rodrigues Moreira) que, se já se esboçava nos seis artigos que o antecediam, aparece de forma explícita no último. O feminino pode ser lido/fruído em quaisquer obras literárias ou de arte em que a questão se coloque, independentemente da autoria. Ainda que na quase totalidade dos artigos aqui reunidos as obras sejam de autoras mulheres (a exceção mais significativa fica por conta dos filmes da Disney), a questão só se coloca em sua plenitude no artigo das organizadoras, num coroamento em que o feminino se desdobra na discussão da voz autoral como oportunidade para ampliar sua dimensão: mulheres que escrevem acerca de mulheres, reverberando a questão do feminino na perspectiva feminina que, insisto, já despontava nos textos anteriores de maneira mais ou menos explícita.
Quero, por fim, destacar que, dada a amplitude das referências teóricas dos estudos apresentados, todos muito bem equipados por bibliografia que dá sustentação às críticas das obras em estudo, considero o presente livro uma contribuição importante para a área dos estudos acerca do feminino e das questões de gênero que, em momentos em que estão agraciados pela doxa e aparente unanimidade, podem ceder à falta de rigor; exatamente o que está devidamente descartado no presente caso. Os artigos que compõem o livro foram selecionados para fazer repensar e reler o feminino na ficção contemporânea, sem concessões.
Marlise Vaz Bridi
Professora doutora em Literatura Portuguesa
Universidade de São Paulo
Cultura Pop e representações do feminino nos filmes da Disney
Elisa Calvete Ulema Ribeiro
Letícia Xavier de Lemos Capanema
Introdução
Pautas e discussões feministas têm sido incorporadas, ainda que de maneira pouco aprofundada, pela atual Cultura Pop (AMARAL, 2019). Prova disso é o maior protagonismo feminino em quadrinhos, séries e filmes. Embora o debate sobre as questões de gênero tenha, de fato, influenciado os modos de representação do feminino, há ainda muitos pontos a serem revistos, problematizados e aprimorados. Neste estudo, propomos compreender as transformações sociais que marcam as lutas e as conquistas dos movimentos feministas e que são, de algum modo, absorvidas pela Indústria Cultural. Assim, recorremos a uma breve revisão das principais pautas e discussões feministas ao longo do século XX e neste início do século XXI, relacionando-as a transformações na construção de personagens femininas na Cultura Pop, em especial nos filmes da Disney. Para isso, fundamentamos nossa discussão em autoras que refletiram sobre os efeitos do patriarcalismo na cultura, buscando apoio em Laura Mulvey (2018) para investigar a construção do olhar masculino (male gaze) no cinema e em Carina Chocano (2020) para problematizar a idealização da mulher perfeita
pela Cultura Pop, particularmente, nas princesas da Disney. Por fim, refletimos sobre os recentes reposicionamentos discursivo-mercadológicos dos estúdios Disney em relação a seus produtos fílmicos.
Breve história das pautas feministas
Segundo a pesquisadora Céli Regina Jardim Pinto (2010), a primeira pauta e luta feminista foi o direito ao voto, iniciando assim, ao fim do século XIX, o primeiro ciclo do movimento feminista. Conhecidas como sufragetes, essas mulheres — primeiramente as inglesas — organizaram e atuaram em grandes manifestações que as levaram à prisão e a realizarem greve de fome. No Reino Unido, o direito ao voto foi conquistado em 1918 e, em 1920, nos EUA. No Brasil, o direito foi garantido às mulheres somente em 1932.
Ainda segundo Pinto (2010), na década de 1930, o movimento feminista perde sua força na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, voltando com maior ímpeto a partir dos anos 1960. No espaço desses 30 anos, Simone de Beauvoir publica O segundo sexo (1949), livro de grande importância para a segunda onda do feminismo. Nesse livro, a autora reflete sobre a situação da mulher na sociedade e analisa a condição feminina nos âmbitos social, sexual, político e psicológico, descontruindo mitos criados pelo patriarcalismo acerca do ser mulher e da feminilidade.
Na década de 1960, alguns fatos colaboraram para o fortalecimento de novas pautas feministas. Enquanto os Estados Unidos se mobilizavam com a Guerra do Vietnã, o movimento hippie pregava um discurso de paz e amor livre que ia contra os valores conservadores estadunidenses. Já na França, acontecia o maio de 68
, um movimento político em que estudantes ocuparam a universidade de Sorbonne, questionando a ordem acadêmica e o moralismo social. Nesse levante, a classe trabalhadora se uniu aos estudantes, gerando uma das maiores greves da história do país. Tanto o movimento hippie quanto o maio de 68
se caracterizam pela força de uma cultura jovem e questionadora em busca de mudanças políticas e sociais. Em 1960, nos Estados Unidos, é lançada a primeira pílula anticoncepcional. Em seguida, o mesmo ocorre na Alemanha e, posteriormente, em outros países. Em 1963, Betty Friedan lança A mística feminina, livro que trata do processo de mistificação da mulher na sociedade estadunidense, que a confina nos papéis sociais de mãe, esposa e dona de casa. Tal mistificação influenciou (e ainda influencia) a educação de meninas, sendo o seu discurso endossado e replicado pela publicidade e pelos produtos da Indústria Cultural.
A partir de tais transformações e da publicação de livros que se tornaram populares, o debate público passou a abordar, mais abertamente, questões sexuais, reprodutivas, comportamentais, bem como as desiguais relações de poder entre homens e mulheres. Dessa maneira, o feminismo assume características de movimento libertário que não se atém em conquistar espaço para mulheres no trabalho, na vida pública e na educação, mas também em assegurar-lhes liberdade para decisões sobre sua vida e seu corpo (PINTO, 2010).
Já no início da década de 1990, diferentemente do que ocorria nos anos anteriores — nos quais as discussões giravam em torno de uma visão unificante e universalizante do ser mulher
— foram fortalecidas discussões internas e a busca pela diversidade, em um exercício de autocrítica da própria história do feminismo e de suas pautas. Se antes se buscou uma identidade comum e reinvindicações hegemonicamente relacionadas à realidade de mulheres brancas ocidentais do norte global, a partir dos anos 1990, o movimento reconhecia e discutia as diferentes condições do ser mulher
, gerando pautas e lutas referentes à mulher negra, latina, proletariada, à antipornografia, à comunidade LGBT, dentre outras.
Autoras como Ana Cláudia M. Leal Felgueiras (2017) consideram a emergência de novas características do feminismo contemporâneo, como sua popularização e adesão em massa às redes sociais. Conhecido como ciberfeminismo
, o ativismo feminista na web ganha força a partir dos anos 1990, levando à realização da I Internacional Ciberfeminista, em 1997. Com a chegada da internet de banda larga e sua difusão, ocorre a massificação dos debates feministas, ampliando a discussão, uma vez que, com a acessibilidade digital, mulheres de distintos países, etnias, classes sociais, religiões, dentre outros, participam e diversificam as pautas do movimento (POLITIZE, 2021).
Devido às novas ferramentas de comunicação, os conceitos e discussões — criados e expandidos no cenário acadêmico nas décadas anteriores — ultrapassaram as fronteiras da academia, alcançando a esfera pública. Com o