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Adélia Prado: a poesia no apogeu: Conhecimento para todos, 1
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E-book357 páginas3 horas

Adélia Prado: a poesia no apogeu: Conhecimento para todos, 1

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Sobre este e-book

O cerne da tese é o questionamento de uma possível língua literária em língua portuguesa. Para chegar a uma resposta coerente com todos os estudos que já foram feitos sobre tal dúvida, descobri que toda a obra é composta de conjuntos que denominei metafóricos, pois todos são passíveis de formar conjuntos mais abrangentes também formados como metáforas, em que cada uma das partes (ocorrências poéticas) formam-se com metáforas. Como consequência, descobri doze megaconjuntos, divisíveis em 36 macrometáforas, por sua vez compostas de inumeráveis metáforas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de mai. de 2021
ISBN9786589202417
Adélia Prado: a poesia no apogeu: Conhecimento para todos, 1

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    Adélia Prado - Maria Celeste de Castro Machado

    118.

    1

    ADÉLIA PRADO NO CONTEXTO LITERÁRIO BRASILEIRO

    Com inspiração nas palavras de Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira (1994, p. 485), pode-se situar Adélia Prado entre aqueles escritores cuja concepção de lírica está entre a moderna e a tradicional, convivendo intimamente neles o discurso metrificado e o imaginário romântico ou surrealista, com a presença (...) de uma forte autoconsciência literária.

    A poetisa apresenta alguma herança, principalmente de Carlos Drummond de Andrade, seu padrinho nas letras poéticas.

    Mineira de Divinópolis, Adélia Luzia Prado Freitas nasceu no dia 13 de dezembro de 1935.Vive uma vida pacata, de cidade do interior. Em 1950 morre sua mãe, o que faz surgirem seus primeiros versos. Casa-se em 1958 com José Assunção de Freitas, com quem tem cinco filhos. Em 1972 morre seu pai. Em 1973 envia seus primeiros originais para Affonso Romano de Sant´Anna, que os submete à apreciação de Drummond. O poeta, chamando seus versos de fenomenais, indica à Editora Imago que os publique, o que acontece em 1975.

    Daí em diante não mais para de produzir em forma poética, narrativa e dramatúrgica, apesar de alguns silêncios que ela própria credita à aridez como uma experiência necessária numa temporada no deserto que lhe fez bem. Sua obra, extensa, será enfocada neste trabalho em seu conjunto poético: Bagagem (1976), O Coração Disparado (1978), Terra de Santa Cruz (1981), O Pelicano (1987), A Faca no Peito (1988) e Oráculos de Maio (1999).

    Adélia Prado se mostra atuante no panorama literário brasileiro, embora seja refratária a entrevistas e aparições pessoais que não estritamente ditadas pela necessidade de apresentar sua obra. A poetisa Adélia se mostra, mas a mulher Adélia se recolhe. A cidadã se mostra participante e influente nas comoções políticas vividas pelo Brasil, mas a mulher de fé, simpatizante das disciplinas espirituais dos Padres do Deserto, de João da Cruz e de Mestre Eckardt, mantém-se arredia e voltada para sua intimidade religiosa, a qual só se entrevê por meio de suas metáforas e na intertextualidade que apresenta com o texto bíblico. [3]

    Segundo Nelly Novaes Coelho (1993, p. 29), Adélia resgata uma presença há muito banida do mundo da poesia: a do vate, ‘o poeta iluminado’ que desde a origem dos tempos deu voz aos deuses ou ao mistério que preside à criação da vida. Affonso Romano de Sant´Anna, citado na mesma obra, define Adélia como a Clarice Lispector de nossa poesia. Como se vê, a poetisa pertence ao melhor conjunto de escritores de nossa cultura.

    Não se deve omitir sua projeção como uma das grandes palavras femininas de nossa literatura, ao lado de Lya Luft, Olga Savary, Hilda Hirst. Adélia representa também a força do religioso ao lado do profano, sempre sob a ótica da mulher e da mulher provinciana, com seus pudores, sua fé católica, seu amor sanguíneo e fiel ao homem amado.

    É certo que o tempo fará justiça a esta mulher que fala da alma feminina, como Drummond era capaz de falar do homem, do homem no mundo, do homem cujos ombros suportavam o mundo. Adélia emociona por trazer a mensagem do que há de mais simples, banal e, por isso mesmo, mais indispensável na vida da mulher: a capacidade do carinho, do amor aos pais e filhos, da presença atuante junto ao homem, mas, sobretudo, da mulher-fêmea, sempre pronta ao afago, sempre capaz de fazer seu parceiro forte, em sua fragilidade de homem.


    3 Adélia Prado, católica praticante, em entrevista já anunciou sua admiração pelo pensamento religioso dos Pais do Deserto, dos poemas de João da Cruz e sobre a doutrina espiritual do Mestre Eckardt, religioso alemão que viveu no século XVIII, deixando obra de grande respeitabilidade sobre o sofrimento.

    2

    ESTILO E ESTILÍSTICA

    Muitos são os conceitos de Estilo encontrados nas diversas obras de Língua e Literatura e, mais modernamente, de Linguística. Dentre outros, elencam-se alguns mais representativos, pelo valor de seus autores ou por serem mais amplos, dada a completude de sua definição.

    Inicia-se por Mattoso Câmara Jr. (1972, p. 136) que ensina:

    podemos definir o estilo como um conjunto de processos que fazem da língua representativa um meio de exteriorização psíquica e apelo (no sentido de Bühler). Para Mattoso, o estilo tem caráter individual, possuindo, entretanto, um aspecto coletivo, na medida em que serve como meio de comunicação social. Para ele, o estilo deve se caracterizar – não pelo contraste individual em face do que é coletivo, sim pelo contraste, mas emocional em face do que é intelectivo. Para completar a definição, Mattoso afirma concluir que (1972, p. 140) o estilo se caracteriza em regra por um desvio da norma linguística assente. Tal afirmação implica o questionamento sobre erro linguístico – conceito logo esclarecido como a deformação que não conduz a nada ou aquela que provoca um efeito negativo.

    De pronto já se afirma que, embora trabalhando com a clássica idéia de desvio, em Adélia Prado não se admite a negatividade do efeito, pois todos os recursos utilizados resultam em comoção e efeito estéticos, jamais em dificuldade comunicativa.

    Para José Lemos Monteiro (1991, p. 8), citando Middleton Murry (The problem of Style, 1949), o termo estilo aponta três linhas distintas para a análise do problema, conforme as seguintes definições:

    conjunto de traçoscaracterísticos da personalidade de um escritor (estilo como idiossincrasia);

    tudo aquilo que contribui para tornar reconhecível o que alguém escreve (estilo como técnica de exposição);

    realização plena de uma significação universal em uma expressão pessoal e particular (estilo como realização literária).

    Os três enfoques são linhas mestras de qualquer definição de Estilo e deles decorrem as múltiplas definições também de Estilística, pois cada autor poderá efetivar o estudo dando maior ênfase ao escritor, à sua técnica ou ao privilégio (ou não) da literariedade, o que significa considerar apenas o texto literário – certamente também o não-literário – instância dos recursos de estilo, tal como o estabeleceu Michael Rifaterre. [4]

    Em Nilce Sant’Anna (1997, p. 2), encontram-se definições variadas de estilo, desde a célebre frase de Buffon – O estilo é o homem –, passando pela de Pierre Guiraud – Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve, até a citação de Mattoso Câmara: Estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade.

    Chega-se então ao momento de relacionar estes conceitos com a disciplina que estuda os estilos: a Estilística.

    Também em Nilce Sant´Anna, pode-se colher a definição de Estilística do pensamento de Guiraud, o qual considera que o estudo dos valores expressivos e de seus efeitos é a tarefa maior do estilólogo e o ponto de partida indispensável de toda crítica de estilo (1997, p. 24).

    Mattoso Câmara (1952, p. 22), relacionando estilo e estilística,

    ensina-nos que a base verdadeiramente sólida da estilística é o balanço dos processos expressivos em geral, de uma língua, independentemente dos indivíduos que deles se servem. Desta afirmação, fica patente que o objeto de estudo da estilística é o modus expressivo da língua, ou seja, todos os recursos linguísticos que podem ser usados para expressar a emoção e a vontade, componentes naturais de sua definição de estilo.

    Em Dispersos (1972, p. 137), também Mattoso define a Estilística como a parte do estudo da linguagem que se opõe à gramática, a qual trata da língua representativa. O papel da estilística é depreender todos os processos linguísticos que permitem a manifestação psíquica e do apelo dentro da linguagem intelectiva.

    A definição citada, elaborada vinte anos após a anterior, traz a novidade de opor estilo à gramática, o que corrobora a idéia de desvio como integrante de qualquer concepção linguística de estilo. Realmente, se a observação dos parâmetros gramaticais funcionasse como prisão para o criador literário, não se teria a riqueza poética tão visível em Adélia Prado, cuja obra merece acurada observação, haja vista apresentar recursos de vária natureza, de origens muito diferenciadas, de acordo com as camadas da língua. A poetisa não se limita a criar um conteúdo bem elaborado, mas o faz usando todos os recursos que a língua disponibiliza ao falante, mormente ao escritor.

    O uso inusitado da sonoridade, a escolha lexical, a estruturação frasal, o uso do aposto e do vocativo caracterizam o estilo de Adélia Prado como profícuo, muito distante do policiamento com que se vê a braços o escritor, caso se queira medi-lo pelo parâmetro do acerto ou do erro gramatical. Só a representação de emoções e sentimentos pelo autor tocará a sensibilidade do leitor, concretizando – se, assim, a cadeia comunicativa e a interação poética, objetivos últimos intentados pelo escritor e estudados pela Estilística. Em tal aspecto, a obra adeliana é exemplar.


    4 RIFATERRE, Michael. Estilística Estrutural. Trad. Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. São Paulo: Cultrix, 1973.

    3

    A LÍNGUA LITERÁRIA EM PORTUGUÊS

    Quando se trata da possibilidade, ou não, de existir uma língua literária no Brasil, é oportuno recorrer a Wilton Cardoso, cujo artigo – A Língua Literária – constitui o capítulo 3 de A Literatura no Brasil, organizado por Afrânio Coutinho (2003, p. 172 a 184). Nele se podem descobrir, talvez, quais as primeiras percepções em Língua Portuguesa e as primeiras tentativas de sistematizar o assunto. Cardoso situa, na polêmica que envolveu José de Alencar e no tratamento que o romancista dava à língua portuguesa, o início das discussões que pretendem chegar a uma definição do conceito. Também as reflexões judiciosas de Machado de Assis, expostas no ensaio Instinto de Nacionalidade, completam o panorama histórico inicial da questão.

    Em etapa posterior, ainda segundo Cardoso, a literatura vai, gradativamente, passando a ser concebida como obra de linguagem ou realização textual, ocasião em que a língua portuguesa, antes tomada como modelo pelos gramáticos, pelas elites intelectuais e artísticas, adquire foros de objeto de criação artística. No contexto, tornou-se necessário analisar qual língua a literatura trabalha, e como a trabalha, para obter efeito estético. Este é o passo que antecede os estudos para definir o que é língua literária, como ela se constitui e se caracteriza, se pode ser normatizada, se virá a servir de parâmetro para a valorização do escritor e de sua escritura.

    Serafim da Silva Neto (1950, p. 210), em Duas Palavras sobre a Língua Literária, valoriza sua sujeição ao cânone português, embora coloque escritores que produziram no Brasil Colônia na mesma altura dos mais considerados literatos da Metrópole. Como se pode conferir em:

    o que importa é ter sido possível, nestes confins do mundo, educar e entregar à sociedade figuras como Gregório de Matos, Vicente Salvador e Antonio Vieira.

    E não é só isso. O que há de melhor nas letras lusas do século XVIII vem do Brasil.

    Percebe-se, assim, que o linguista já denuncia sua admiração pela língua portuguesa escrita no Brasil, embora considere que o padrão culto é a sua medida, tal como, logo a seguir, vai esclarecer que

    só a geração de 1822 se abeberou na língua-padrão que (...) se fora constituindo no Brasil – língua que, rigorosamente portuguesa no material, diferia da linguagem lusa no que toca à expressão, isto é, na escolha das opções. [5] (Idem)

    Vários literatos e linguistas se pronunciaram a respeito e é, hoje, consenso que a língua usada em literatura deve refletir o gosto do povo que a usa, representando seu modo de falar e de se expressar por escrito, bem como tendo respeitada a deriva da sua língua. Afinal, o como a maioria do povo fala reflete a flexibilidade da língua e corresponde ao sentimento, à sensibilidade do seu usuário. Nada mais aceitável, então, que a literatura respeite a escolha linguística da maior parte dos componentes do povo que a lê.

    Embora seja cedo para se entrar no tema em profundidade, já se pode introduzir aqui a consciência de que a relação entre a predileção linguística dos usuários da língua e o estilo de seus escritos, cujas obras apresentarão as soluções estilísticas peculiares ao falar do povo, é muito íntima. Como registro de momento social, cultural e psicológico de uma comunidade linguística, a literatura é, forçosamente, uma construção estética em uma língua sujeita às influências daqueles mesmos momentos social, cultural e psicológico. Eis uma oportunidade para se lembrar Manuel Bandeira, com sua perspicaz visão sobre língua errada do povo, língua certa do povo, porque ele é que fala gostoso o português do Brasil. (Silva Neto, 1950, p. 224).

    Obviamente, não foi imediata a mudança do enfoque sobre a língua, como não o foi a aceitação da linguagem do povo como fator de criação literária. Até o advento do Romantismo, a predominância do português de Portugal como padrão obrigatório da língua literária usada no Brasil foi unanimemente acatada e, mais que isso, unanimemente usada. Somente com José de Alencar, começam-se a reconhecer os primeiros indícios da criação de uma língua brasileira e seu uso como matéria de literatura.

    Vozes se levantam para defender o uso de uma língua que referendasse as peculiaridades respeitáveis da linguagem brasileira, como afirma Serafim da Silva Neto (1950, p. 215) ao se referir à atitude de defesa, exposta por Gonçalves Dias em carta de 1854, [6] pela qual, aliás, o poeta não prega a rebelião total à gramática, mas reconhece que se devem admitir usos que exprimam coisas ou novas ou exclusivamente nossas [do Brasil]. Entretanto, persistia a ligação de língua literária a Registro Culto.

    A mudança de ponto de vista sobre qual era a verdadeira língua portuguesa ainda demorou a acontecer. Nesta fase, acreditava-se que a língua era a usada pelos escritores. Considerava-se que aquilo que fugisse ao seu modelo era erro e só se validavam as inovações, caso elas fossem referendadas pelos grandes escritores, usuários privilegiados de uma língua morta e fria, em alguns casos. Até a segunda metade do século XX, entre nós, as transgressões linguísticas só tinham aceitação quando elaboradas por escritores canônicos. Se realizadas pelo povo, eram rechaçadas como erros, deturpações ditadas pelo desconhecimento do belo estilo.

    Como ilustra Jorge Luís Borges (2006, p. 86),

    Imagino que uma nação desenvolve as palavras de que necessita (...) uma língua não é, como somos levados a supor pelo dicionário, a invenção de acadêmicos ou filólogos. Ao contrário, ela foi desenvolvida através do tempo, através de um longo tempo, por camponeses, por pescadores, por caçadores, por cavaleiros. Não veio das bibliotecas; veio dos campos, do mar, dos rios, da noite, da aurora.

    No período referido começa-se a ter consciência de que a língua é mutável, é viva, mantém-se em perpétua agitação (Silva Neto 1950, p. 216). Percebe-se que a língua que se modifica, que se renova, não é a mesma que se adquire na escola, mas no trato social. A língua usada na literatura, ao contrário, tende a se manter conservada, graças à sua característica de escrita. A consequência é o reconhecimento de que a linguagem adquirida deve ser associada à linguagem transmitida, para que se tenha o quociente fiel do que seria o português falado no Brasil.

    Sobre o tema, Serafim da Silva Neto (1950, p. 219) cita o linguista francês Victor Henry:

    A linguagem transmitida é a linguagem espontânea, que aprendemos em nosso círculo, quando aprendemos a falar. (...) A linguagem adquirida é a que se vai aprender à escola: é uma linguagem conscientemente assimilada. Representa um modo de falar diferente da nossa fala despreocupada, um padrão que nos tem sido legado pelos bons modelos de outro tempo.

    A diferença entre as duas formas de aquisição da linguagem responde, certamente, pela aceitação de que há um português comprometido com os falantes brasileiros. Durante algum tempo, pensou-se na possibilidade de existir uma língua brasileira. A existência do equívoco tornou-se clara quando se percebeu que as diferenças entre as duas linguagens não originaram a criação de uma nova língua, embora literariamente haja várias particularidades que diferenciam a língua literária brasileira da portuguesa.

    Como afirmado por Silvio Elia, ainda em citação de Serafim da Silva Neto (1950, p. 219): Concluímos pela unidade linguística entre Portugal e o Brasil. Simultaneamente, estabelecemos a diversidade estilística entre os dois países. [7]

    Há uma solução que vingou até os dias de hoje: a língua portuguesa usada pelos brasileiros tem por base a sua norma padrão associada às características da língua em seu registro coloquial. Com isso, também a língua literária apresenta a mesma composição e se enriquece com a possibilidade de exprimir a alma brasileira com maior variedade de recursos linguísticos, além de o fazer de modo mais natural e consoante com a linguagem brasileira.

    Qual o conceito de norma padrão e de língua em registro coloquial? Para fugir ao lugar comum, já que os dois conceitos são sobejamente conhecidos, analisem-se os aspectos gerais ligados a eles.

    Primeiro, o padrão está relacionado com as elites intelectuais e sociais, com literatura mimética do padrão português, com tendência ao conservadorismo e à estagnação linguística. A busca de aceitação social, tanto econômica quanto intelectual, e a necessidade de se adaptar ao modo de falar das classes situadas no topo da pirâmide social, de modo a se aproximar destas, também são componentes do comportamento linguístico que estratifica a norma como padrão.

    Segundo, o uso da língua em seu registro coloquial, quando associado às camadas mais populares da comunidade falante, àquelas pouco ou nada representativas da intelectualidade e do poder econômico. Com este uso, pode-se reconhecer a tendência à inovação e ao dinamismo linguístico, que fazem a língua evoluir. Aqui se situa, finalmente, a expressão da alma popular e da caracterização do animus sócio-psíquico daquela comunidade linguística. Enquanto a norma padrão tende a se repetir em expressões literárias, frequentemente arcaizadas e inautênticas, a literatura que, embora escrita em linguagem mais popular, consegue mostrar a força da vida refletida nas falas dos indivíduos de cada comunidade e, por extensão, identificando-a também.

    Durante algum tempo, as inovações e fugas à norma padrão foram consideradas erros. Entretanto, como afirma Serafim da Silva Neto (1950, p. 225), inovar significa um modo de dizer próprio e característico de classe social abaixo daquela que se considera padrão. Conclui-se, então, que também as classes com menores oportunidades culturais estão falando para a boa comunicação linguística e favorecendo a formação de uma língua literária mais fiel ao perfil da comunidade global que a utiliza. Constatação que difere da contextualizada na opinião do autor citado.

    Tal forma de analisar o processo elimina o conceito de erro, pois, segundo Jespersen, citado por Silva Neto, (1950, p. 225), correto é o modo de dizer exigido pela comunidade linguística determinada a que pertence o falante, ou seja, as escolhas novas adotadas gradativamente por toda a comunidade linguística passam a integrar o padrão aceito e, portanto, normativo da linguagem daquele grupo de falantes.

    Em consequência da conjunção destes raciocínios, pode-se relembrar a importância do sistema escolar como legitimador das articulações entre língua e literatura, o que asseguraria a instituição de uma possível língua literária e seu desenvolvimento em cada comunidade de falantes.

    Até os anos 30 do século XX, pensou-se que a linguagem, para ser literária, deveria obedecer aos padrões gramaticais do português de Portugal. Por sua vez, a língua literária portuguesa era aquela que se conformava às tradições camonianas, e mesmo barrocas, além de remeter à tradição da Retórica antiga, considerada o padrão estético obrigatório, para conferir literariedade ao escrito.

    Com o advento da modernidade, passou-se a entender a literatura como um discurso liberto de padrões preconcebidos. A partir de então, as obras se mostram transgressoras e capazes de validar um novo modo de falar, de significar, o que representou uma ruptura com a linguagem até então instituída. Conforme José Carlos de Azeredo (2008, p. 87),

    Um discurso desconstrutor opera nas fronteiras do conhecimento, desestabilizando a correspondência entre expressão (= palavras) e conteúdo (= assuntos) e pondo em xeque tanto a organização interna dos campos do conhecimento como as fronteiras entre elas. É o domínio da opacidade, da

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