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Deslocamentos: desafios, territórios e tensões: (passado e presente nas Tecituras das Cidades)
Deslocamentos: desafios, territórios e tensões: (passado e presente nas Tecituras das Cidades)
Deslocamentos: desafios, territórios e tensões: (passado e presente nas Tecituras das Cidades)
E-book412 páginas4 horas

Deslocamentos: desafios, territórios e tensões: (passado e presente nas Tecituras das Cidades)

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Sobre este e-book

Processos de deslocamento recentes constituem novos pontos de partida e polos de atração, não se pode prever todo o seu desencadeamento e amplitude, mas emergem tensões, conflitos e crises. Frente a essa situação, torna-se premente implementar investigações e debates, dessa forma, esta publicação objetiva trazer contribuições de especialistas que têm se debruçado sobre a temática. A obra intercruza diferenciadas perspectivas analíticas, agrega estudos históricos e da contemporaneidade que iluminam interpretações, enriquecem abordagens e contribuem para rever estereótipos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de mai. de 2018
ISBN9788593955181
Deslocamentos: desafios, territórios e tensões: (passado e presente nas Tecituras das Cidades)

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    Deslocamentos - eManuscrito

    Maria Izilda Santos de Matos

    Yvone Dias Avelino

    (Orgs.)

    Deslocamentos:

    desafios, territórios e tensões

    (passado e presente nas Tecituras das Cidades)

    São Paulo

    e-Manuscrito / PIPEq

    2018

    Não se habita impunemente em outro país, não se vive noutra economia, em um outro mundo, sem que algo permaneça de uma outra sociedade na outra, sem que se sofra mais ou menos intensa e profundamente, conforme as modalidades de contato, os domínios, as experiências e as sensibilidades individuais, por vezes, mesmo não se dando conta delas e, outras vezes, estando plenamente consciente dos efeitos.

    Sayad, A.

    Henrique Rodrigues    

    Presença portuguesa no Brasil: uma abordagem histórica dos conceitos de colono imigrante e emigrante

    Paulo Cesar Gonçalves

    Passaporte de emigrante: um mecanismo de controle estatal?

    Celeste Castro

    Imigração portuguesa: tensões, desafetos, disputas e conflitos

    Lená Medeiros de Menezes

    Confeitaria Colombo: imigrantes, músicos, escritores, poetas e presidentes em um patrimônio da Belle Époque carioca

    Yvone Dias Avelino

    Na luta por um Portugal Democrático: Maria Archer e Barradas de Carvalho (São Paulo/BR, 1950-1970)

    Maria Izilda S. de Matos

    Deslocados de guerra no Brasil do pós-Segunda Guerra Mundial: o perfil das minorias étnicas (1947 a 1951)

    Sênia Bastos

    Territórios e fronteiras da alteridade na metrópole do século XXI: uma análise da presença de latino-americanos em São Paulo 317

    Maura Pardini Bicudo Véras 

    Migração na Metrópole: um estudo sobre a Região Metropolitana de São Paulo

    Lucia Maria Machado Bógus

    Suzana Pasternak

    Redes sociais nos movimentos migratórios: algumas reflexões

    Dulce Maria Tourinho Baptista

    APRESENTAÇÃO

    Processos migratórios recentes vislumbram o estabelecimento de novas ordens demográficas, constituem-se novos pontos de partida e polos de atração, não se podendo prever todo o seu desencadeamento e amplitude.

    As facilidades e agilidade das viagens, somadas às múltiplas possibilidades de comunicação, dinamizam os deslocamentos, tornando-os um acontecimento perceptível na sociedade atual; infelizmente, provocador de tensões, hostilidades, rejeições, conflitos, guerras e xenofobia. Essas tensões levam ao reconhecimento da importância da temática dos deslocamentos, ampliando-se os estudos com diferenciadas perspectivas de análise, iluminando interpretações, enriquecendo abordagens e contribuindo para rever estereótipos.

    Cabe ressaltar que os deslocamentos carecem de análises que suplantem os condicionamentos demográfico-econômico-sociais e o paradigma mecanicista da miserabilidade, que observem os fluxos além das condições excepcionais de pobreza, fruto das pressões do crescimento da população (modelo malthusiano) ou de mecanismos impessoais do push-pull dos mercados internacionais. Esses processos superaram os limites das necessidades estritamente econômicas, agregando questões políticas (refugiados, perseguidos e expulsos), étnico-raciais, culturais, religiosas, geracionais e de gênero.

    Os deslocamentos aparecem como alternativas adotadas por uma gama abrangente de sujeitos sociais, alguns inseridos em fluxo de massa, grupos, familiares e através de redes, outros em percursos individuais; envolvendo processos de migração engajada, também, voluntária; abarcando diversos extratos sociais, levas e gerações; incluindo agentes inspirados por estratégias e motivações diferenciadas, até mesmo culturais e existenciais. Entre essas múltiplas motivações que levaram à migração, merecem ressalvas a procura da realização de sonhos, da abertura de novas perspectivas e da fuga das pressões cotidianas.

    Neste novo milênio, essa questão encontra-se plena de tensão, revelando conflitos e crises. Assim, as migrações internacionais contemporâneas criam oportunidades de debate e o desafio de recuperar trajetórias históricas. A presente publicação tem como objetivo trazer a contribuição de especialistas que se dedicam ao processo dos deslocamentos, com especial destaque para processos migratórios. Nesse sentido, agrega investigadores que têm se debruçado sobre a temática, focalizando as questões do passado e na sua atualidade. Diferentes experiências foram recuperadas e problematizadas, incluindo jovens e adultos, homens e mulheres, diferentes grupos e etnias, exilados e refugiados políticos e econômicos.

    Outra contribuição para o aperfeiçoamento das investigações é a discussão de conceitos importantes como os de exilados, refugiados, colono, imigrante/emigrante, território e exclusão; também, abarcando as polêmicas em torno das políticas de Estado e as ações de controle estatal. A obra observa tensões, disputas, conflitos, territórios e fronteiras da alteridade, destacando as presenças dos deslocados nas cidades, seu cotidiano de luta e trabalho, bem como situações de sucesso concretizado.

    Para poder enfrentar tal desafio, os autores ampliaram focos das pesquisas em vestígios no passado e na contemporaneidade. Nesse sentido, valorizou-se uma diversidade de fontes e referências, tendo como dificuldade maior a fragmentação do que a ausência da documentação, já que as fontes de pesquisa não se resumem ao que está registrado ou arquivado, também ao que está silenciado, esquecido e ocultado. Frente a tal desafio de lidar com essa diversidade de fontes, soma-se o exercício de cruzar, examinar e interpretar contínua e exaustivamente essas evidências, que requer a paciente busca de indícios, sinais e sintomas, a leitura detalhada para esmiuçar o implícito e o oculto, estabelecendo uma relação dialógica na expectativa de resgatar as múltiplas experiências dos deslocados.

    Essa pluralidade de olhares sobre os deslocamentos compõe um quadro bastante substantivo sobre a questão. Nesse sentido, estes escritos pretendem trazer uma contribuição para o estudo da temática e só foi viabilizado frente ao apoio do PIPEq da PUC/SP, pelo qual agradecemos.

    Convidamos os leitores e leitoras a refletir sobre as múltiplas dimensões do vivido, sentido, rememorado dos deslocamentos aqui abordados, na certeza de que estas pesquisas instigarão novas investigações e debates.

    As organizadoras

    Maria Izilda Santos de Matos

    Yvone Dias Avelino

    março/2018

    Mobilidade do Noroeste de Portugal para o Brasil: saída da juventude e correspondências do Oitocentos 

    Henrique Rodrigues

    As dinâmicas de mobilidade de Portugal para o Brasil tiveram impacto assinalável nos dois últimos séculos, especialmente a partir da criação dos Governos Civis, órgãos com responsabilidades na emissão de passaportes, em 1835. Muito jovens viram o Brasil como terra de oportunidades e seguiram para a outra margem através de veleiros e, depois de meados da centúria do Oitocentos, em vapores.

    Saber quem eram, conhecer os quadros sociais, familiares e a formação cultural e profissional é uma tarefa que continua a merecer a atenção dos investigadores. Esses quadros sobre o homem emigrante, recorrendo ao retrato prosopográfico e a outros dados, podem ser desvendados lançando mão de registos de passaportes e dos respectivos processos, embora seja uma missão complexa quando executada por projetos individuais. Isso porque se costuma centrar os estudos sobre o tema apenas nas fontes nominativas, convertendo-as em dados quantitativos, enquanto no imaginário dos investigadores pouco se esclarece e nada se diz sobre a pessoa que deixou a terra e se fixou noutras paragens, tendo sido reduzida a números e travessias.

    Os principais trabalhos produzidos nos princípios do século XXI basearam-se em dados quantitativos, estudando algumas variáveis demográficas como sexo, idade, naturalidade e destino, transformando cada viagem num emigrante.¹ Tal metodologia, sem levar em conta a longa duração do processo, de forma a acompanhar o requerente de passaporte na partida, no retorno, em reembarques e no regresso após jubilação, apenas proporciona resultados num momento, desconsiderando os tempos da mobilidade, destorcendo a realidade migratória e levando a conclusões generalistas e impressionistas, em que a mesma pessoa é contabilizada várias vezes, sempre que obtém passaporte e atravessa o Atlântico. Outras fontes permitem saber quantos entraram nos portos brasileiros², mas os números nem sempre correspondem aos que apurados nos locais de emissão de licença de saída, por serem fontes de naturezas diferentes e sem homogeneidade,³ merecendo por isso um cruzamento mais fino e com o rigor que a investigação histórica exige.

    A fonte mais completa para os séculos XIX e XX, e que temos estudado desde finais dos anos 1980, foi elaborada pelos Governos Civis, entidades emissoras de licenças de viagem para o estrangeiro: trata-se de Livros de Registos de Passaportes (L.P.). Esses repositórios foram produzidos a partir de certidões vitais, declarações e outros documentos oficiais que constituem os processos de licença de viagem para o estrangeiro.

    Os Livros de Passaportes resumem o essencial do perfil do emigrante, alguns contêm elementos de identificação com detalhes, outros são mais parcimoniosos, variando ao longo do tempo e da ação de quem registava esses elementos. Os dados mais fiáveis encontram-se nos documentos processuais, em que se pode acessar informações como sexo, data de nascimento, casamento, óbito, estado civil, filiação, naturalidade, residência, destino, profissão, além do retrato sinalético e do perfil cultural, através da assinatura, e mesmo cartas pessoais, cartões de recomendação, entre outros registros. É com esses elementos que devemos trabalhar para identificar o emigrante do Oitocentos e Novecentos. As viagens são feitas por emigrantes, mas cada passaporte não corresponde a uma pessoa, porque milhares pleitearam várias licenças e embarcaram mais de uma vez.

    Neste texto faremos uma análise sobre a emigração de jovens e adolescentes menores de 26 anos, destacando variáveis com os indicadores de literacia, recorrendo aos nomes firmados nos documentos. Na segunda parte, usando cartas da emigração, analisaremos dinâmicas da mobilidade e apoios a quem ia para o Brasil, jovens ou mulheres, quando estas seguiam para junto dos consortes.

    Parte 1

    1.1 Mobilidade de jovens dos 6 aos 25 anos

    Fizemos um estudo centrado em fontes nominativas e criamos uma base de dados enriquecida com elementos constantes nos vários documentos apresentados pelos requerentes de passaportes entre 1835 e 1900. Neste trabalho selecionamos quem requereu uma licença de viagem e quem fez mais de uma travessia. Com tal metodologia pretendemos conhecer os fluxos com rigor quantitativo, e inferimos que, num universo de 33.673 embarques, 21% são segundas viagens.

    Concluímos que o uso dessa fonte, como de outras, deve ser submetido a uma crítica meticulosa. Não podemos contabilizar uma saída como sendo correspondente a um emigrante, quando o movimento de retorno e reembarque é alimentado por pessoas que percorrem vários itinerários. Os de reembarque, quando analisados no movimento total, correspondem a 33,3%. Também sabemos que se torna impossível essa análise fina para todo o fenômeno migratório ao balizarmos o nosso estudo, porque mais pessoas, depois de 1900, entram na dinâmica da reemigração.

    Ainda concluímos que, entre quem não obteve mais de um passaporte, os indicadores de cultura letrada, globalmente analisados através das assinaturas, correspondem a mais de 60%, e apenas 10 em 100 eram do sexo feminino. Outro dado importante tem a ver com o estado civil: 70,2% eram solteiros. Temos, dessa forma, uma emigração jovem, do sexo masculino e alfabetizada com passaporte obtido em Viana do Castelo.

    Partindo dessas conclusões, selecionamos um grupo etário, jovens com idade entre 6 e 25 anos, estudando os tempos de partida por sexo, alfabetização e enquadramento profissional, entre outras variáveis, para melhor conhecermos o perfil de mobilidade. Estamos perante uma franja que representa mais de 68% dos emigrantes com um passaporte, para o século XIX. Se acrescentarmos as crianças com até 5 anos, os valores sobem para 72,3%. Esses números mostram o domínio da juventude do Noroeste de Portugal na emigração para o Brasil e, certamente, para outros espaços geográficos.

    Na distribuição dos sujeitos estudados por idade e sexo, nota-se que o sexo feminino evidencia uma tendência descendente dos 6 aos 14 anos; depois dessa faixa a curva inverte-se e vai crescendo até os 25 anos, embora o fluxo revele redução. Os rapazes exibem lógica de embarque idêntica à de outros grupos, com explosão dos 11 aos 13 anos, seguindo-se uma quebra entre os 14 e os 20 anos. Essa regressão explica-se através da pressão exercida pela lei do serviço militar.⁵ Depois dessa idade, inicia-se um ciclo de saídas volumosas, representando mais de 40% do fluxo, num universo de 15.309 travessias, enquanto os colegas meninos na faixa dos 11 aos 13 anos atingem 22,5% dos movimentos.⁶

    Emigrantes dos 6 aos 25 anos por sexo.

    Requerimento de passaporte coletivo.

    Registo de passaporte de filho-família.

    Importa conhecer os índices de cultura letrada, usando como indicador as assinaturas deixadas nos documentos. Globalmente, os alfabetizados correspondem a 67,8%, incluindo rapazes e raparigas. A faixa de 13 a 15 anos emerge com mais de 82% de instruídos. De todas as profissões, observa-se a fuga de jovens portadores de competências de âmbito cultural, emigrantes que sabiam ler, escrever e contar. Os referenciais de instrução diminuem com o grupo de 21 a 25 anos, como assinalamos. Nessa faixa etária os analfabetos atingem perto de 31%, embora entre eles os escolarizados sejam mais de 60%. Em relação aos declarados incapazes de assinar o nome, os dados apontam para 20,8%, entre ambos os sexos. Outros não deixaram informação sobre a capacidade de firmar, por serem acompanhantes, cujos valores atingem 11,5%, muitos deles meninos menores de 11 anos.

    Emigrantes dos 6 aos 25 anos e instrução.¹⁰

    À medida que as correntes engrossam, como nos anos 1870 e finais da centúria, é mais visível a presença do sexo feminino e de iletrados. Elas apenas representam 6,6% do movimento e saem, geralmente, acompanhadas da família, quando se agregam junto do marido/pai para reorganizarem o lar no Brasil.

    Todas as paróquias do Noroeste de Portugal viram sair jovens para além do Atlântico. Os municípios do litoral e de fronteira ostentam boa dinâmica, assim como os de Paredes de Coura e de Ponte de Lima. Nas regiões de montanha, nos Arcos de Valdevez, Melgaço e Ponte da Barca, a distribuição é mais rarefeita, como seria previsível, não deixando de haver juventude dessas terras nos fluxos. Mais intensa é a dinâmica urbana.

    1.2 Atividades profissionais

    Tratando-se de emigrantes preparados em sua maioria para uma carreira de sucesso, especialmente os jovens, com tempo para gizar o futuro, cabe observar o quadro profissional desses movimentos. Os Livros de Registos de Passaportes dão-nos informações sobre a ocupação na data do pedido de licença de viagem. Entretanto, havia documentos coletivos, em nome de um requerente com acompanhantes averbados. Sobre estes, muitas vezes, não temos informações tão pormenorizadas; acrescenta-se também o fato de estarmos perante crianças de 6 a 10 anos. Desse volume, mais de 30% estão sem indicação de mister. Não deixa de ser notado o perfil cultural desse segmento sem emprego declarado, considerando a existência de 61,6% de alfabetizados, rapazes com nome firmado nos documentos.

    O número de lavradores, de ambos os sexos, mostra-se ligeiramente superior ao daqueles que não assinalaram a ocupação.¹¹ Entre mais de cinco dezenas de atividades elencadas, sobressaem-se caixeiros e estudantes. Deixando esses dois grupos para a parte final, temos ainda pedreiros e carpinteiros, entre os quais os indicadores de literacia ficam acima da média – 81,9% dos profissionais da madeira são alfabetizados. Os jornaleiros também constituem um conjunto com algum destaque, sendo que mais de 63% deles são detentores de competências para comunicar pelas letras. Com volumes mais modestos temos os artistas, os escultores, os professores, padres, comerciantes, negociantes, proprietários, escriturários, farmacêuticos, empregados e tipógrafos. No conjunto, trata-se de um escol ao qual se associam os filhos-família, os estudantes e os caixeiros, que podemos identificar como as elites da emigração do Oitocentos para o Brasil.

    No que se refere ao feminino, destacam-se lavradeiras, costureiras, domésticas, criadas, jornaleiras e donas de casa, sendo estas e as jornaleiras as que detêm melhores índices de literacia, com mais de 62% de assinaturas.

    Tratando-se de um conjunto de mais de meia centena de profissões, e estando tratados ambos os sexos, representam a mobilidade do Noroeste de Portugal, jovens fixados longos anos na outra margem, saídos com boa formação, competência e cultura letrada.

    1.3 Caixeiros e estudantes

    No quadro da análise envolvendo os menores de 26 anos, há um grupo de adolescentes enquadrados na área do comércio e outros identificados como estudantes. Trata-se de meninos escolarizados e iniciados profissionalmente para seguirem rumo ao Brasil.¹² Outros são emigrantes aos quais os pais, depois dos estudos, proporcionaram o embarque para além do Atlântico. São quase sempre originários de lares bem posicionados socialmente. Essas famílias, quando tinham vários filhos, davam passaporte aos primogênitos, que mais tarde regressavam e levavam os irmãos.¹³ Em comum, caixeiros e estudantes, juntamente com os filhos-família, apresentam a formação escolar, ou seja, eram crianças, jovens ou mancebos habilitados para decidir o futuro profissional longe de casa. Entre eles estão os emigrantes enobrecidos.¹⁴

    Sempre que possível, deixavam a paróquia antes dos 14 anos. As famílias faziam tudo para o futuro dos descendentes, além de mandá-los à escola, vendiam ou hipotecavam bens.¹⁵ Os rapazes sem pai, mãe ou ambos os progenitores usavam a herança para emigrar, depois de autorizados pelo Juiz de Órfãos. Também recebiam tal autorização filhos ilegítimos e expostos cujas mães pudessem proporcionar oportunidades para um futuro melhor.¹⁶

    Caixeiros e estudantes por idade, saídos entre 1835-1900.¹⁷

    Registro de passaporte de um estudante.¹⁸

    Registro de passaporte de um caixeiro.¹⁹

    O movimento anual dessas elites é permanente ao longo da centúria. O ritmo começa a notar-se mais regular após os anos 1840, embora seja mais observado a partir de meados do século e ganhe intensidade na década de 1870. Os caixeiros representam, entre 1872 e 1886, cerca de dois terços do caudal, e os estudantes emergem com alguma visibilidade, devido ao impulso dado pelas escolas privadas dos anos 1860²⁰ no Noroeste de Portugal.

    Os pais não deixavam de estar atentos à preparação escolar dos filhos que iam para o Brasil, e alguns continuaram a formação acadêmica para além dos 14 anos. Cremos que, nesses casos, as condições econômicas dos lares permitiam suportar despesas com o serviço militar, quando partiam com o perfil de mancebos.

    Na distribuição por ano de saída, assistimos a uma lógica de complementaridade entre caixeiros e estudantes: quando ocorre quebra no volume de balconistas, sobe o de estudantes, embarcando sem preparação profissional. Nem sempre havia tempo e oportunidade para iniciar o tirocínio, especialmente entre os jovens do mundo rural, porque os serviços comerciais eram predominantemente urbanos. Esses quadros promoveram movimentações precoces de crianças, que deixavam a escola sem terem adquirido experiência profissional, suspendendo os estudos para seguir rumo ao Brasil.²¹

    Estudantes e caixeiros por anos de saída.²²

    Os rapazes, quando se encontravam habilitados na arte de ler, escrever e contar ou tinham alguma experiência no ofício de caixeiro, eram enviados para além do Atlântico. Nesse contexto emergem as redes de solidariedade para com os adolescentes, recomendados a parentes, amigos, compadres e conterrâneos para obter emprego em casas de negócio, onde ganhavam conhecimento prático e apoio para atingir os êxitos da emigração.²³

    A juventude portuguesa encontrava no Rio de Janeiro ou no Pará os locais mais apropriados para o êxito na área de negócios ou do comércio, se considerarmos as escolhas anunciadas ao obterem passaporte. Os estudantes preparados nas escolas públicas e privadas existentes no Noroeste de Portugal investiram, juntamente com outros patrícios letrados, no desenvolvimento do Brasil, onde muitos se fixaram definitivamente.

    Esses adolescentes fizeram carreira como negociantes e comerciantes, investiram em ações e destacaram-se na área de negócios.²⁴ Outros regressaram com fortunas e foram identificados como capitalistas e banqueiros²⁵, passando a viver de rendimentos e a assumir gestos filantrópicos, como a criação de escolas para oferecer bolsas de estudos. A imagem desses brasileiros ficou patenteada na exibição de opulência, ainda hoje visível em casas e palácios existentes pelo Norte de Portugal.

    1.4 Destino

    O Brasil é apontado como pouso primeiro da juventude, embora haja passaportes emitidos para outros locais. Perto de sete centenas registaram saída para a Europa. Também há quem tenha ido para Angola e Moçambique. Entre esses os índices de cultura letrada ficam acima de 68%, embora mais de 25% fossem considerados incapazes de assinar. Tais valores estão em linha com todo o movimento. Há ainda cerca de 5 em 100 casos sem indicação do destino. Para estes o perfil de alfabetização é superior à média, ficando acima de 74%, sendo quase todos do sexo masculino.

    Passaporte de regresso/reembarque.²⁶

    Passaporte de regresso/reembarque.²⁷

    Interessa-nos quem seguiu para a ex-colônia portuguesa. Os dados correspondem a mais de 90% desses fluxos. Se a capital era um ponto de atração, muitas vezes o destino foi identificado genericamente como Brasil. Essas duas referências (Rio de Janeiro e Brasil) foram dadas por mais de 89% dos arrolados. A capital era a preferência dos naturais do distrito de Viana do Castelo, depois vêm Pará, Manaus, Baía, São Paulo²⁸ e Santos, com mais de 100 escolhas cada estado. Outros locais de fixação foram: Rio Grande do Sul, Maranhão, Ceará, Grão-Pará, Minas Gerais e América. Ao juntarmos a esses jovens quem não tem registo do sítio de ancoragem, o fluxo reúne mais de 14.500 pessoas, entre elas, perto de 1.000 do sexo feminino.

    Em síntese, se pouco se esclarece sobre o destino concreto, a cidade carioca era a referência de excelência da juventude, embora houvesse outros locais de destino.

    1.5 Notas finais

    O estudo das mobilidades tem sido orientado sob múltiplas perspectivas, usando fontes produzidas tanto na origem como no destino e mesmo recorrendo à história oral. Caracterizar os fluxos e rotulá-los sem ter em conta os tempos da emigração, os contextos dos embarques, os perfis desses protagonistas, os aspectos culturais que variam ao longo do tempo, os percursos de vida na terra de fixação e mesmo o retorno leva o investigador a proferir afirmações e obter resultados de conjuntura, que não podem ser generalizados, mesmo que se trate de embarques de um espaço concelhio. Aqui selecionamos faixas etárias, quadros culturais e profissionais, donde resultam perspectivas complementares, mas diferenciadas nas variáveis de análise.

    Os vários segmentos apresentados nesta análise exibem distintos perfis etários, embora seja marcada pelos jovens de 13 anos. Os emigrantes sem profissão declarada revelam uma pirâmide diferente em relação aos caixeiros e aos estudantes. Estes mostram algum equilíbrio, depois dos 13 anos, com um fluxo constante até os 18, devido à saída de estudantes com mais idade. A presença de jovens instruídos sem atividade declarada é expressiva a partir dos 9 anos, sendo um indicador da partida de crianças escolarizadas.

    Comparando todo o movimento, agregando quem embarcou dos 6 aos 25 anos, o perfil etário tem outra composição, diferenciando-se os vários segmentos. Na verdade, essas movimentações continuam a ser lideradas por crianças de 13 anos; depois entra em cena o grupo dos maiores de 20. Nesse caso, se excluirmos os jovens de 12/13 anos, o desenho da pirâmide é de crescimento constante, excetuando a faixa dos 18 a 20, que exibe uma quebra nos embarques.

    As dinâmicas passam pela marca da juventude. Nota-se que as crianças têm uma presença assinalável pelos quantitativos e pelos índices de instrução, enquanto o analfabetismo começa a evidenciar-se a partir dos 16 anos e ganha mais expressão à medida que as idades vão aumentando.

    Os tempos dessas mobilidades têm ritmos variados entre quem obteve licença sem indicar se exercia alguma atividade e os caixeiros e estudantes. Os primeiros desenham ciclos diferentes de outros fluxos, com maior expressão no período de 1853 a 1873. Depois dessa data, vão desaparecendo, mas voltam a dar sinal de alguma mobilidade nos anos 1890, por estarem integrados na emigração familiar. Por sua vez, os estudantes e caixeiros afirmam-se a partir de 1868. Se associarmos os dois tipos de movimento, temos uma imagem dominada por crianças sem ocupação até meados da centúria, quando entram nessa dinâmica os caixeiros e os estudantes, dando volume aos caudais de jovens, ganhando mais expressão conforme vão saindo menos rapazes sem registo profissional. Trata-se de uma mobilidade em que se conjugam os dois segmentos.

    As oportunidades de êxito eram maiores quanto mais cedo os rapazes emigrassem. Para o sexo feminino, a idade de 14 anos não era o momento de embarcar. Elas ou saíam mais novas com os pais, ou a partir dos 15, aumentando o número de partidas de acordo com o avanço da idade.

    Os tempos de embarque de caixeiros, estudantes e rapazes sem mister declarado são diferentes dos tempos dos colegas restantes com idade entre 6 e 25 anos, em que temos emigrantes de todas as profissões. As crianças e os adolescentes sem iniciação profissional declarada integram-se em travessias coletivas, sendo a maioria acompanhante de familiares de primeiro grau, mas também com gente conhecida ou tios, primos, cunhados, entre outros. Trata-se, quase sempre, de embarques com ligações

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