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Matizes Da Direita
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E-book646 páginas5 horas

Matizes Da Direita

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Sobre este e-book

O presente livro oferece ao leitor, interessado nas temáticas relacionadas ao universo da extrema-direita, uma ampla gama de artigos de grande utilidade. Tais artigos abordam desde temas da história do tempo presente – como os relacionados ao regime militar, aos skinheads ou aos Black Blocs – como também reflexões mais amplas, como aquelas relacionadas ao antissemitismo, à formação da sociedade de massas contemporânea e outras. _____________________________________________ Este é mais um livro da lavra do GEINT/GT História, Direita e Autoritarismo, grupo no qual pesquisadores vêm construindo sólidas carreiras acadêmicas ao longo dos anos . Por mais de uma década, os componentes do grupo têm realizado pesquisas, seminários e elaborado artigos, lançado livros, individual-mente, no âmbito deste grupo ou de congêneres.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2019
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    Matizes Da Direita - Renato Alencar Dotta E Renata Duarte Simões (orgs.)

    Prefácio: Entre as direitas e os ismos da História

    João Fábio Bertonha

    É doutor em História pela Universidade de Campinas (Unicamp) e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de História (graduação e pós-graduação) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná. É autor de vasta bibliografia sobre a direita, extrema-direita e relações internacionais, entre artigos, livros e guias bibliográficos. Colaborador do GEINT, entre suas obras estão Plínio Salgado. Biografia Política – 1895 –1975 (Edusp, 2018); La Legione Parini. Gli italiani all’estero e la Guerra d’Etiopia 1935-1936 (Milano, Unicopli: 2018) e Fascismo, antifascismo e as comunidades italianas no exterior: Guia bibliográfico – 1922-2015 (EdiPUCRS: 2017), dentre outras. Site: www.joaofabiobertonha.com.

    O presente livro oferece ao leitor, interessado nas temáticas relacionadas ao universo da extrema-direita, uma ampla gama de artigos de grande utilidade. Tais artigos abordam desde temas da história do tempo presente – como os relacionados ao regime militar, aos skinheads ou aos Black Blocs – como também reflexões mais amplas, como aquelas relacionadas ao antissemitismo, à formação da sociedade de massas contemporânea e outras. Um dos tópicos que mais me chamou a atenção, contudo, foi a atenção dispensada aos movimentos de direita radical que não se encaixam dentro do modelo do fascismo.

    É lugar comum a afirmação de que o período entreguerras foi a era dos fascismos. É verdade que, a partir da ascensão de Hitler ao poder, a perspectiva fascista se tornou a dominante dentro do campo da direita em muitos países. No entanto, durante a década de 1920, com a exceção de alguns pequenos grupos espalhados por todo o mundo ocidental, o fascismo se restringia à Itália e, na de 1930, o único país ocidental que se tornou fascista foi a Alemanha (e, talvez, a Áustria), criando uma dicotomia de colaboração e conflito entre duas matrizes de fascismo que se estendeu até 1945.

    Na verdade, o período entre as duas guerras mundiais poderia ser mais bem descrito como o auge do conservadorismo de direita e da direita radical. Na maior parte do mundo ocidental, os governos de esquerda, seja a moderada, seja a radical – como os de Cárdenas no México, o de Franklin Roosevelt nos EUA, a Frente Popular na França, a URSS de Stalin e outros – continuaram a estar presentes, assim como os movimentos e partidos desse campo político.

    Na maior parte do período, contudo, a política foi comandada pela direita, normalmente a conservadora, preocupada com a radicalização política e que não hesitou em caminhar para a ditadura para dar conta dos seus objetivos. Uma direita liberal e democrática continuou a predominar nos países de língua inglesa ou em partes da Escandinávia, mas a direita conservadora (modernizante ou não) foi a predominante na península Ibérica, na América Latina, na Europa oriental e em outros pontos do planeta. Do mesmo modo, as antigas manifestações da direita – conservadora ou reacionária – que existiam desde o século XVIII voltaram a adquirir consistência, como os reacionários católicos, as ligas anticomunistas e outros.

    O entreguerras não foi, portanto, a era dos fascismos - apesar da enorme importância desses nos acontecimentos daqueles anos -, mas a era das direitas conservadoras e radicais, que estiveram no comando na maior parte dos casos conhecidos e que anularam, muitas vezes, não só as forças da esquerda, como também o próprio fascismo.

    Esclarecendo melhor, a ideia com a qual trabalho é a de uma cultura específica da direita, nos termos de Norberto Bobbio, a qual se divide em subculturas, dentro de uma perspectiva concêntrica. Ou seja, dentro da cultura política da direita, existe um campo democrático (os conservadores liberais, por exemplo) e um autoritário, que recusa justamente o sistema liberal-democrático.

    Dentro do campo autoritário, por sua vez, há os que se limitam a defender soluções de força para manter a sociedade do jeito que ela é (caso de muitos conservadores) e outros que vão além, propondo uma reorganização social mais ampla e radical, com a adição de elementos como visões conspiracionistas, a História como a luta entre o bem e o mal, etc. Essa última é a direita radical ou extrema-direita, dentro da qual temos desde os que procuram restaurar um passado mítico, como os reacionários, até os que se adaptaram à modernidade capitalista e democrática, mas negando-a, como os fascistas. Limitar o estudo da direita nos anos 1920 e 1930, e mesmo hoje, à questão do fascismo, seria simplificar um fenômeno muito mais complexo.

    O presente livro avança nessa discussão, apresentando, por exemplo, um artigo a respeito dos vários grupos monarquistas e reacionários, como os capacetes de aço que atuavam na Alemanha de Weimar, e outro sobre o grupo ligado à revista Gil Blas no Rio de Janeiro no início da década de 1920. Todos no campo da direita radical, mas longe de serem fascistas, o que não os impediu, contudo, de se aliarem – de forma individual ou institucional – ao nazismo e ao integralismo brasileiros na década seguinte.

    As relações entre esses vários grupos e movimentos caminhavam, quase todo o tempo, por um eixo que combinava desconfiança e aproximação, disputa e aliança, conforme a conjuntura. Do mesmo modo, eles se autoinfluenciavam, trocavam ideias e experiências, sem que isso significasse, automaticamente, filiação ou total identidade.

    Charles Maurras, abordado em um dos artigos dessa coletânea, é especialmente emblemático disso. Maurras foi leitura obrigatória dentro do campo da direita entre o fim do século XIX e a metade do século XX. Defensor da monarquia, de um tipo de corporativismo e fortemente antissemita, ele estava muito mais próximo do reacionarismo católico do que do fascismo, o que não o impediu de flertar com Hitler durante a ocupação alemã e de simpatizar com Mussolini. Do mesmo modo, ele era lido e admirado nos círculos fascistas, o que não significa afirmar que todos os que o liam e citavam eram monarquistas ou reacionários. Entender que simpatizar e aceitar uma aliança é diferente de aderir incondicionalmente é algo essencial para compreender a complexidade da política no século XX e mesmo hoje.

    Nesse ponto, discordo, por exemplo, de análises que identificam uma influência substancial da Action Française, do integralismo lusitano e da Doutrina Social da Igreja em Plínio Salgado (e no integralismo) nos anos 30. Segundo essa visão, o pensamento de Plínio seria uma convergência do pensamento de Maurras, mediado pelo integralismo lusitano, e de aspectos do fascismo italiano. Em termos teóricos, contudo, isso era impossível. Podia-se ser um fascista com leituras e admiração por Maurras e Pio XI, ou um monárquico católico com simpatias pelo fascismo; mas a soma das duas partes é, em termos teóricos, impossível, pois seria fundir concepções de política e de sociedade próximas, mas não equivalentes.

    Essas aproximações e distanciamentos também se alteravam no decorrer do tempo, pelo que estudos sobre, por exemplo, a produção jornalística dos líderes da AIB antes de 1932 podem ser de grande utilidade. Análises de trajetórias de vida, como a de Carlos Keller, um dos ideólogos do fascismo chileno, também são esclarecedoras, como indicam outros artigos dessa coletânea.

    Outro aspecto de destaque no livro é a (re)discussão do tema do totalitarismo e de Hannah Arendt. O termo tem sido submetido, com razão, a um bombardeio de críticas nos últimos anos. Escrevo com razão porque, realmente, ele levou a comparações – instrumentalizadas durante a Guerra Fria – que não se sustentam, como reunir no mesmo patamar a Alemanha Nazista e a URSS de Stalin. Tais regimes eram emanações das tradições da esquerda e da direita (pensando nas definições de Bobbio) e procuravam construir desigualdade ou igualdade absolutas e, nesse sentido, reunir Moscou e Berlim na mesma classificação é dificilmente aceitável.

    Outra crítica real ao conceito é que em nenhum lugar conhecido, incluindo a Alemanha de Hitler e a URSS stalinista, ele foi aplicado na sua totalidade. Só em romances, como o brilhante 1984 de George Orwell, é que podemos imaginar os horrores de um tal regime. Historicamente, contudo, ele nunca se constituiu realmente.

    No entanto, se pensarmos em regimes e movimentos com uma perspectiva totalitária ao invés de plenamente totalitários, a questão talvez possa assumir outro significado. Se totalitarismo é a mobilização da sociedade e das pessoas com o intuito de modificá-las, buscando um controle completo da sociedade pelo Estado, tivemos historicamente movimentos e regimes com perspectivas totalitárias, sem nunca, entretanto, realizá-las por completo. Nesse sentido, o conceito, a meu ver, se torna novamente válido.

    Dessa forma, passamos a contar com um instrumental analítico para entender as aproximações, reais, entre os regimes de Stalin e Hitler (ainda que mais no instrumental, para mudar pela força as suas sociedades, do que nos objetivos para essas), os esforços do regime fascista italiano, não perfeitamente bem-sucedidos, para sair de um padrão autoritário para um totalitário, e as diferenças entre regimes e movimentos autoritários e totalitários. Essas diferenças, aliás, são cruciais para entendermos por que, como indicado acima, tantos movimentos fascistas foram eliminados - no entreguerras -, por regimes conservadores e autoritários de direita.

    Ainda nesse sentido, a questão das milícias integralistas deveria ser mais bem compreendida, até para indicar as similaridades e diferenças do integralismo com os fascismos clássicos, italiano ou alemão. Elas são, ainda, um dos capítulos mais obscuros da história do movimento e estudá-las deveria ser uma prioridade para os historiadores. Por isso, é alentador constatar a existência, nesse livro, de um artigo sobre Francisco de Assis Hollanda Loyola, um dos fundadores da moderna Educação Física no Brasil e mestre de campo da Milícia integralista.

    Em resumo, muito resta ainda a estudar e compreender sobre as várias direitas e os vários ismos que marcam a política moderna e, em especial, a do século XX. O presente livro é mais um passo nessa direção.

    Introdução: A desocultação da(s) direita(s) e a necessidade de estudá-la(s)

    Renato Alencar Dotta

    Doutor e Mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Já lecionou no Ensino Fundamental, Médio, Técnico e Superior, dedicando-se atualmente a esses dois níveis. É coorganizador dos livros Integralismo: Novos Estudos e Reintepretações (2004) e Dos Papeis de Plínio – Contribuições do Arquivo de Rio Claro para a Historiografia Brasileira (2013), além de vários artigos sobre o integralismo e as direitas. Foi idealizador do Grupo de Estudos sobre o Integralismo (GEINT) e atualmente coordena o GT História, Direita e Autoritarismo da ANPUH (Associação Nacional de História).

    E-mail para contato: radotta@gmail.com

    Este é mais um livro da lavra do GEINT/GT História, Direita e Autoritarismo, grupo no qual pesquisadores vêm construindo sólidas carreiras acadêmicas ao longo dos anos¹.

    Por mais de uma década, os componentes do grupo têm realizado pesquisas, seminários e elaborado artigos, lançado livros, individualmente, no âmbito deste grupo ou de congêneres.

    Há pouco mais de vinte anos, no âmbito do fim do chamado socialismo real, uma das principais discussões no campo político era sobre a suposta perda de utilidade da dicotomia direita-esquerda. Com a Queda do Muro de Berlim (1989) e com partidos com raízes na esquerda fazendo políticas atribuídas à direita, e no mesmo sentido, partidos de tradição direitista aceitarem pautas associadas à esquerda, diziam esses críticos, esses conceitos teriam perdido o sentido. Um observador menos desatento já percebia que essa narrativa era justamente obra de simpatizantes da direita, ou de alguma das várias correntes de direita do espectro político. A polêmica era amplificada pela mídia empresarial, não por acaso um dos grandes porta-vozes da direita, em vários países. Assim, o que parecia evidente é que representantes da direita, ainda – em sua grande maioria – ciosos de se identificarem como tal, achavam mais produtivos destruir os conceitos ao invés de venderem a ideia de que a direita era o melhor caminho para as sociedades, narrativa que, deviam prever, teria popularidade duvidosa².

    Como exemplo, podemos lembrar que, em 1995, a propósito de um texto referente ao centenário do líder integralista Plínio Salgado, a Folha de São Paulo publicou um texto que afirmava, a partir de pesquisa do seu instituto de pesquisas Data Folha, que apenas 1% dos membros do Congresso se declaram de direita³.

    Nos últimos anos, essa timidez ideológica da direita parece ser coisa do passado. Já não é novidade para ninguém: temos acompanhado uma ascensão e uma desocultação da direita ainda relativamente pouco analisada pelos meios acadêmicos e pelas forças de esquerda no Brasil.

    De 2013 para cá – embora possamos rastrear várias ações anteriores a essa data⁴ – essa direita (ou essas diretas) tem arregimentado porta-vozes na imprensa, na política e até na academia, reunindo, em torno de si, militantes e eleitores entusiasmados e, não raro, bastante raivosos, formando uma caixa de ressonância que tem galvanizado vários acontecimentos no país nos últimos anos. A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidências de 2019 parece um degrau importante nessa escalada.

    Esse não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Longe disso. A ascensão de Trump, Marine Le Pen, grupos de extrema-direita na Europa, e neoliberais na América Latina em geral, liquidando todo a obra de distribuição de renda feita pelos governos progressistas na década anterior, nos mostra isso de forma cristalina.

    Este livro, contudo, não é, especificamente, uma obra sobre esses fenômenos que nos vêm aturdindo nos últimos anos. Ele traz, em seu bojo, sim, sólidas pesquisas referentes à história das direitas – nacional e internacional – que podem ajudar a iluminar o amplo espectro cultural, político e social no qual seus atores e ideias vêm se movimentando em tempos recentes.

    Os autores abordam uma gama de temas que vão desde o integralismo lusitano, no Portugal do pré Primeira Guerra; as forças paramilitares na Alemanha de Weimar, nos anos 1920; o antissemitismo, a discussão de tópicos abordados pela teórica política Hannah Arendt (que recusava o termo filósofa), como o seu polêmico livro Eichmann em Jerusalém e seu debate sobre o totalitarismo; o integralismo (tema em torno do qual nasceu o grupo de pesquisa); o regime militar brasileiro, bem como um assunto praticamente desconhecido no Brasil que é o nacismo, movimento fascista chileno, provavelmente o mais importante fora da Europa, depois do integralismo brasileiro. Optamos por incluir, também, um texto sobre os Black Blocs, porque, embora este não seja um fenômeno da direita, esse é um dos poucos trabalhos acadêmicos acerca do tema sobre o qual, sob a batuta de um noticiário rasteiro e partidário, ainda é alvo de muita desinformação. E, em parte, o fenômeno Black Blocs surge como resposta de certos grupos à ascensão meteórica dessa direita.

    Tal iniciativa já é, per se, bastante louvável e bem-vinda, haja vista a ainda pouca – embora agora crescente – produção acadêmica em torno dos movimentos, expoentes e das ideias das várias direitas.

    Não é objetivo deste livro sugerir que todas as correntes aqui analisadas tenham igual peso nos acontecimentos recentes, mas, sim, fornecer ao leitor o amplo leque de estudos sobre ideologias e práticas que – embora nem todas elas com o mesmo vigor atualmente – supúnhamos, se não mortas e sepultadas, que teriam uma existência meramente residual. A realidade atual, infelizmente, demonstra o contrário.

    Só isso já justifica essa publicação. A qualidade dos artigos a reforça.

    Vamos, pois, à leitura!

    O Integralismo Lusitano e Charles Maurras: bases para apropriações doutrinárias

    Felipe A. Cazetta

    É professor de História Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Minas Gerais. Mestre em História pela Universidade de Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Doutor pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com período sanduíche no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). É autor de vários artigos sobre a direita e extrema-direita portuguesa e brasileira.

    E-mail para contato: felipecazetta@yahoo.com.br.

    O último quartel do século XIX foi lugar da reação ao pensamento iluminista e às ideias de progresso contínuo, propagadas nos séculos XVII e XVIII. Investindo contra estas teorias, alguns autores lançaram-se como caixa de ressonância contra o liberalismo. Visando a restauração de modelos políticos anteriores ao liberalismo, intelectuais destas correntes reacionárias denunciavam a ruptura das formas naturais de poder – formas estas, calcadas nas monarquias hereditárias –, ocorrida a partir da adoção do modelo democrático. Dizia António Sardinha – mentor intelectual do integralismo lusitano (IL): Nada mais antinatural, nem mais anticientífico do que a ilusão jacobina! A hereditariedade do poder, pelo contrário, é um facto da natureza, afiançado nas relações da sociabilidade humana pelos exemplos do passado⁵.

    Tais ataques são derivados das ideias propagadas pela Reforma e pela Revolução Francesa, e seu desdobramento sob a forma de individualismo e liberalismo, durante a Revolução de 1789. A valorização do pensamento individual e as demandas políticas e sociais por igualdade forneceram munição para críticas ao cenário democrático, vindas dos setores reacionários. Para estes intelectuais, o único antídoto concebido para sanar a mácula provocada pela democracia estaria no retorno das elites nobiliárquicas ao controle dos rumos políticos nacionais. Será contra estas, entre outras conjunturas, que na França irão se insurgir os integrantes da L’Action Française (AF), utilizando do caso Dreyfuss como detonador para seus ataques à estrangeirização (colocada em prática – segundo Charles Maurras – pelos judeus, protestantes e franco-maçons)⁶. A partir do nacionalismo, a AF irá tecer projeto político calcado nas tradições históricas da França, ou seja, no passado medieval, onde o corporativismo sobrepujava ao individualismo. Sob as propostas escoradas no tradicionalismo e no catolicismo se dará a alternativa ao liberalismo que, segundo Maurras, era a porta de entrada para a barbárie estrangeira.

    Em Portugal há cenário semelhante de contestação ao modelo liberal – ainda que sob a forma de monarquia constitucional. O país sofre o Ultimatum britânico nos finais do século XIX. Em vista das suas pretensões imperialistas confrontarem-se com os interesses da Coroa inglesa na África houve a exigência, por parte do primeiro-ministro inglês Lord Salisbury, de retirada das tropas portuguesas da região meridional do continente. Considerando os laços históricos de aliança entre os dois países, o rei Carlos I acatou as ordens⁷. Este incidente diplomático não só abalou as ambições portuguesas acerca do Mapa cor-de-rosa, como provocou cicatrizes profundas na legitimidade real. Ao trazer à tona a fragilidade da soberania portuguesa, o Ultimatum acirrou a oposição à monarquia, inaugurando o ciclo de instabilidades políticas no país. Ocorridas entre os finais do século XIX e início do XX, estas convulsões político-institucionais culminarão no regicídio de D. Carlos I, em 1908. As instabilidades repercutem, na primeira década do século XX, no ambiente acadêmico da Universidade de Coimbra. Divisões políticas entre grupos estudantis predominavam no interior da instituição⁸.

    É interessante perceber que, neste período, entre os anos de 1905 e 1908, um contingente relevante daqueles que tornaram membros do IL irão inserir-se na academia coimbrã. A Universidade de Coimbra será o local onde os futuros integralistas lusitanos se colocaram em contato e estabeleceram suas redes de sociabilidade. O que não significa que esta relação fosse revestida de consonância quanto às concepções políticas. Ao analisar a trajetória destes elementos, observam-se incoerências, descontinuidades e rupturas quanto aos padrões de identidade política.

    Como reflexo dos sinais de esgotamento dados pelo regime monárquico, a causa republicana toma espaço na Universidade de Coimbra, possuindo como consequência a fundação do Centro Acadêmico Republicano (CAR). Em reação a esta demonstração de força, em 1908 surge o Centro Acadêmico Monárquico (CAM), sob o objetivo de tornar coeso, ao redor da causa monárquica, o corpo estudantil conservador presente na Universidade de Coimbra. Como amostra destas dissonâncias políticas, Costa Pinto cita: Em 1908, por exemplo, o CAM saúda D. Manuel em abaixo-assinado, aparecendo Almeida Braga entre os nomes. Nas respostas dos estudantes republicanos estão, entre outros, […] António Sardinha⁹. Portanto, observam-se dois dos responsáveis pela construção da doutrina integralista (ocorrida entre os anos de 1913 e 1914), em trincheiras ideológicas opostas, durante suas vidas acadêmicas, anos antes da formação do movimento. 

    O engajamento político, diante destes contrastes, não era visto como elemento de coesão em relação ao contato estabelecido entre os futuros membros do movimento. Tampouco poderia ser apontada como agregador a questão financeira, embora o IL fosse um movimento elitista e de aversão às camadas populares. Algumas características presentes no arcabouço político-doutrinário do movimento – tais como o conservadorismo cristão, o antiliberalismo e o municipalismo – eram divisores comuns entre os colegas de Coimbra. Atestada a inexistência de um eixo político homogêneo como elemento inicial de coesão entre os futuros formadores do IL, há a necessidade de examinar os pontos de convergência destes indivíduos.

    António Sardinha, principal mentor do movimento, fornece indícios do elemento aglutinador dos colegas da Universidade de Coimbra. Em Ao Ritmo da Ampulheta, obra póstuma publicada em 1925, o autor tece comentário sobre a origem da L’Action Française (AF). Recordando trecho de Quand les Français ne s’aimaient pas, de autoria de Charles Maurras, Sardinha observa que a origem do movimento francês encontra-se na literatura, sendo esta a responsável por conduzir o movimento de Maurras aos assuntos políticos. Neste sentido, António Sardinha acrescenta: Ao pensar um pouco nas nossas origens literárias – nas de Hipólito Raposo e nas minhas, eu reconheço que também a nós as Letras nos conduziram à Política¹⁰.

    Até as vésperas da proclamação da República, em 1911, a heterogeneidade dos posicionamentos políticos era notória entre os futuros integralistas. A pouca importância dada à identidade política como forma de costurar a unidade do grupo deve-se, em parte, à rejeição ao modelo liberal-parlamentar de governo, seja ele monárquico ou republicano. Deste modo, desprezavam as querelas políticas e os debates parlamentares, por estes serem realizados por representantes escolhidos pelas massas – reconhecidas pelos futuros membros do IL como incapacitadas de realizar a escolha dos dirigentes do país – através do voto, ainda que censitário.

    Com o deflagrar da proclamação da República, em 1911, o desinteresse aos assuntos políticos deu lugar, progressivamente, à conformação de projetos por parte do grupo de Coimbra. Esta convergência se faz pela inclinação – tanto dos colegas exilados quanto daqueles que ficaram em Portugal – à causa monárquica antiliberal, antiparlamentar, tradicionalista e orgânico-corporativista. Não sem razão, António Costa Pinto entende ser A Revolução Republicana [...] um fenómeno político precoce que abriu Portugal para os dilemas da democratização e da política de massas do século XX¹¹. (PINTO, 2010, p. 40)

    Em outubro de 1910, a situação política de Portugal já se demonstrava favorável à instauração da República. A nova Constituição republicana será aprovada em 21 de agosto do ano seguinte. Entre o intervalo da inauguração do novo regime e a formulação de sua Carta constitucional, Paiva Couceiro organiza levantes contra a República. Nestas investidas, alguns companheiros da Universidade de Coimbra juntam-se ao capitão monarquista. Entre estes se encontra Luís Almeida Braga (responsável pelo nome do movimento) e Alberto Monsaraz (que futuramente, junto a Rolão Preto – também envolvido nos levantes –, irá conduzir o Nacional Sindicalismo). Frustrada a primeira sublevação, há a segunda tentativa de restauração, chefiada novamente por Paiva Couceiro, resultando, desta vez, no exílio de seus realizadores.

    Assim, parte dos amigos de Coimbra irá se refugiar em países como Bélgica (são os casos de Domingos de Gusmão Araújo, Luís de Almeida Braga e Rolão Preto) e França (Pequito Rebelo). É notável entre estes exilados a ausência de António Sardinha, visto por seus pares como o principal mentor do movimento. Sardinha não havia participado dos golpes monarquistas por ainda estar ligado à causa republicana.

    No exílio, um grupo de ex-estudantes se encontrará em maio de 1913, na Bélgica. Em contato com as concepções antiliberais que circulavam na Europa, os exilados organizarão naquele ano a revista Alma Portuguesa. Possuindo como integrantes:

    [...] Domingos Gusmão Araújo, Luis de Almeida Braga, Rolão Preto e outros rapazes emigrados em Gand, para onde arrastou o desastre da segunda incursão da Galiza, fundavam a revista Alma Portuguesa, de efêmera duração em que pela primeira vez aparece concretamente formulado, embora num sentido puramente literário, o nacionalismo português¹².

    Tal revista possuiu apenas dois números (lançados em maio e em setembro de 1913), porém, foi o primeiro esforço de organização teórica do grupo, sob o formato de movimento. Em 1911, ainda republicano, Sardinha permanece em Portugal. Sobre este período da vida do principal mentor do IL, Hipólito Raposo fornece depoimento interessante: António Sardinha realizava então, entre nós todos, o mais vivo paradoxo: era tradicionalista, tinha no mais alto grau o culto ao lar e da família, professara e justificara a necessidade da nobreza, era municipalista, regionalista, [...]¹³. António Sardinha, até 1912 – ano de sua conversão ao monarquismo –, possuía simpatia ao republicanismo. Com a proclamação da República, demonstra-se eufórico, conforme percebido em carta enviada à sua noiva:

    Oh! minha amiga, como te escrevo a tremer possuído da agitação sagrada que faz os heróis, e sem qual nada de glorioso no mundo consegue. Triunfará a Revolução? Andar ela na rua a emancipar-nos a preparar a sementeira de luz de que amanhã surgir Portugal Novo?¹⁴

    Porém, menos de um ano depois, o entusiasmo inicial converte-se em frustração. Em nova carta, refletindo sobre os rumos que a República tomava, Sardinha lamenta: Como eu me pejo do que está sucedendo! Eu que acreditei nestes homens, eu que me convenci que se faria ainda uma coisa! Não era um defeito de regime, é um defeito de reca! Falimos! Nada nos salva! Daqui à tutela estrangeira é um passo.

    Desiludido com a República, e agora monarquista, Sardinha encontra-se com Raposo e Alberto Monsaraz, em Figueira da Foz (Portugal), em setembro de 1913 – mesmo ano do lançamento de Alma Portuguesa, na Bélgica – para colocarem em prática o projeto de uma revista de filosofia política [...] que traduzisse o nosso protesto contra a República Portuguesa, na sua forma e nos seus actos, e desse vida e expansão á esperança em que ardiamos e pela qual nos supunhamos capazes de voltar a face do mundo¹⁵. A revista Nação Portuguesa, fruto desta reunião, surge em janeiro de 1914.

    São conhecidas as querelas explicitadas nos jornais em 1915, entre integralistas e seus

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