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The book is on the tablet
The book is on the tablet
The book is on the tablet
E-book136 páginas1 hora

The book is on the tablet

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Sobre este e-book

"Em "Dezembros", crônica sobre como era o Natal de sua infância, Alberto Villas conta que tudo começava quando seu pai descia do sótão com vários caixotes cheios de coisas: personagens do presépio, bolas de árvore, enfeites variados e discos de vinil com canções natalinas. Os objetos vinham forrados com páginas de jornais velhos, trazendo notícias de um ano atrás, que eram lidas sempre com diversão, apesar de empoeiradas – no caso, tanto as páginas quanto as notícias.

As crônicas de Alberto Villas, originalmente publicadas no site da Carta Capital e agora reunidas neste e-book com o nome sugestivo de The book is on the tablet, poderiam ser imaginadas assim: páginas amareladas de um jornal, espécie de catálogo com o nome dos mortos. Isso porque Villas escreve não sobre a última novidade ou a polêmica da semana, e sim a respeito daquilo que está prestes a desaparecer ou já desapareceu, como a banana Split das Lojas Americanas e o refrigerante Crush – que, salvo engano, ninguém com menos de 30 anos conhece. O charme de suas crônicas, em grande parte, está nesta espécie de anacronismo. E o nosso prazer, como leitores, poderia também ser comparado ao daquelas crianças que, ao desempacotar os enfeites de Natal, se divertem com as notícias de um ano atrás."

Trecho do prefácio, por Victor da Rosa.
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento4 de jul. de 2018
ISBN9788567080000
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    The book is on the tablet - Alberto Villas

    contados.

    A sapa Cristina

    Faltavam dois anos para o profético 1984 do big brother George Orwell. Na calada da noite, as tropas argentinas do ditador Leopoldo Galtieri se preparavam para invadir e assustar os pinguins das ilhas Falklands. Por um milagre, o papa João Paulo II escapava de um atentado à faca na cidade de Fátima, em Portugal. Enquanto Israel retirava mais uma vez seus soldados da península do Sinai, o sandinista Daniel Ortega suspendia por 30 dias os direitos civis na Nicarágua, ameaçada de invasão pelos Estados Unidos.

    No último andar de um edifício em Higienópolis, na maior cidade da América do Sul, as crianças em casa não tinham televisão porque éramos contra televisão. Não haviam ainda experimentado a primeira Coca-Cola, me lembro bem agora, porque era coisa de americano imperialista. O iogurte que tomávamos era feito em casa, sem conservantes nem colorantes. Automóvel, nem pensar! Poluía, engarrafava, brutalizava.

    Era nesse clima que, lá no alto daquele apartamento da Rua Sabará, líamos para nossos filhos a revista Recreio comprada na banca do Seu Carolino que ficava na esquina de Maranhão. Era também naquele pequeno apê que escutávamos os disquinhos de uma coleção chamada Taba, histórias que contavam o segredo do Curumim, as estripulias de um macaco cismado chamado Malaquias, o mistério do Pererê na pororoca e as aventuras de Zé Prequeté.

    Nas páginas da Recreio é que começa a nossa história. Era abril. O verão já tinha ficado pra trás e foi debaixo de um cobertor Parayba vermelho que comecei a ler para as crianças a aventura do dia. Era a história da Sapa Cristina. A cada parágrafo, elas iam arregalando os olhos num espanto politicamente correto de assustar. A mãe da sapa era muito rigorosa e não deixava a pobre Cristina colocar sequer as patinhas na água. Cristina estava proibida de nadar porque fazia frio, não podia brincar na lama porque sujava a casa, não podia lamber gelo porque provocava dor de garganta. E o final da história era uma sapa doente e triste porque desobedeceu a mãe.

    As crianças ficaram revoltadas com aquilo, argumentando que sapa é um anfíbio que gosta e fica na água sim e não adoece por causa disso não. Indignados, sentamos os três e, armados de uma velha Remington Lettera 22, escrevemos uma carta pra Recreio. A resposta chegou em uma semana: Recebemos sua carta de 29 de abril passado e saiba que o seu protesto está aceito. Em termos pedagógicos, reconhecemos que a história da sapa Cristina é discutível em sua proposta. Suas colocações estão corretas e continue a escrever sempre que julgar conveniente. Era uma carta assinada por Paulette Cohen, a editora-chefe da Recreio.

    Respiramos aliviados e, animados com a resposta, resolvemos escrever um outro final para a história e mandamos pra Paulette. A nossa Cristina era do balacobaco, fez a cabeça da mãe e da comunidade e viveram assim felizes para sempre. A resposta veio num bilhetinho manuscrito que guardamos até hoje: Este é um bilhete muito afetuoso. Obrigado! A idéia me deu um imenso prazer. À turminha unida, um grande abraço da Paulette.

    Moral da história: quando a gente vê alguma coisa errada nessa vida, nem que seja uma historinha infantil, coloque a boca no trombone, proteste. Não vale a pena ficar calado engolindo sapo.

    Uma mensagem no celular

    Nos anos quarenta o meu pai deu a maior pisada de bola da sua vida . Um dia ele escreveu duas cartas , uma para a namorada firme , quase noiva , que virou minha mãe , e uma para Dolores , a ficante , que na época era chamada de a outra . Eram cartas apaixonadas , perfumadas , cheias de juras de amor , escritas em papel de seda destacadas cuidadosamente de um bloco Aviador .

    O pecado do meu pai foi colocar as cartas em envelopes trocados. A da minha mãe foi endereçada a Dolores e a da Dolores acabou nas mãos de minha mãe. Fico imaginando a cara que minha mãe deve ter feito ao abrir o envelope e começar a ler a carta do meu pai endereçada a querida e formosa Dolores.

    De Dolores nunca mais se teve notícias, mas de Maria Elisa sim. Viveu feliz para sempre com o marido, teve com ele cinco filhos e passou a vida contando pra Deus e o mundo – e com graça – essa trapalhada do meu pai. Uma história que virou folclore na família, motivo de boas gargalhadas sempre.

    Cartas não existem mais. Ontem piscou aqui no meu celular uma longa mensagem que transcrevo a seguir, respeitando a ortografia de mensagens pelo celular, aliás, msg pelo cel. A ausência de acentos, vírgulas fora do lugar, falta de pontos finais, todas essas coisas foram mantidas:

    Ô lindo, desculpa ñ to entendendo m/n, eu apenas respondi c/liberdade que temos de que tava tarde e tenho dentista amanha cedo, fui sincera sem dor, mas agora pelo s/ tom de voz fiquei preocupada, vc tem algo serio p/me falar, achei que era só p/esticarmos a noite de papo, mas faz assim, vamos tomar um café lá pelas 17ou hora que quiser! Poxa, ñ fale assim, esse é o seu jeito, mudei muito depois de nos separarmos, não fique c/ imagem boba de mim não? Se vc tiver baladinha com a turma amanha podemos até jantar só nos 2 se quiser. É do fundo do coração, ñ sei o que te fiz ou falei! Perdão m/n. Puxa tenho mto amor e respeito por vc, se tem algo engasgado, temos que conversar! Tudo bem amanhã. Tudo bem amanha? Bjinhos e vá já pra casa dormir! Beijos.

    O meu coração ficou mole, quase partiu quando acabei de ler a mensagem ainda iluminada no celular. Imediatamente recuperei o telefone da remetente e mandei o seguinte recado:

    VC MANDOU MSG POR ENGANO PARA O MEU CEL. BOA SORTE.

    Instalou-se silêncio.

    Não tive mais notícias e a história por enquanto ficou nisso, parou por aqui. Espero que ela tenha reenviado o recado para ele atualizando dia, hora e local de um possível encontro para um papo, um olho no olho, quem sabe uma volta? Mas confesso que ainda estou aqui curioso esperando um sinal de vida dela e torcendo para que os dois sejam felizes

    Meu tio João

    Meu tio João, irmão do meu pai, era uma figura única, um desses tipos inesquecíveis. Cheio de obsessões, a maior delas era andar com os sapatos pretos impecavelmente polidos. Quando digo sapatos pretos impecavelmente polidos eram sapatos clássicos da marca Clark . E a graxa que ele passava todos os dias neles tinha de ser da marca Nugget , não servia outra. Para isso, tinha um kit de madeira forrada de veludo vermelho com uma escovinha para passar a graxa, uma maior para lustrar, uma flanelinha amarela, uma lata de Nugget , além de outra escovinha pequena para limpar com água e sabão o solado do sapato.

    Mas isso não era nada.

    Meu tio João era mesmo cheio de manias. Gostava de óperas, principalmente Carmen de Bizet que ouvia todas as noites em seu gramofone. Colecionava a revista Seleções do Reader’s Digest em português desde a número 1. Só não tinha a de junho de 1952 que se perdeu no correio e ele nunca mais a recuperou. Só usava meias pretas, calça de tropical inglês e uma camiseta branca por debaixo da camisa pele de ovo azul clarinha com as iniciais JV bordadas no bolso direito. No cabelo usava brilhantina Myrurgia e só podia ser Myrurgia.

    Mas isso não era nada.

    Meu tio João vivia entre quatro cidades. Cataguases, Juiz de Fora, Belo Horizonte e a Cidade Maravilhosa. Ele nunca se casou. Sabíamos que ele tinha uma amante, mãe de um menino chamado Ivo ou Ivan, ninguém nunca soube direito o nome do garoto.

    Quando ele chegava a Belo Horizonte para passar uma temporada na casa dos meus pais, ficava no quarto de hóspede. Na casa dos meus pais tinha um quarto de hóspede que também chamávamos de quarto de tio João. Uma cama patente de solteiro, lençóis e toalhas brancas, uma cadeira, uma escrivaninha de madeira de lei e um abajur de conchas sobre

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