O Porão Da Casa 380
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O Porão Da Casa 380 - José Dantas Cyrino Junior & Públio Caio Bessa Cyrino
UMA CASA DA INFÂNCIA
Elson Farias
O
Porão da casa 380 parece o título de um conto fantástico de Edgar Allan Poe. Mas se cuida de um livro de memória, memória essencialmente da infância, com os mistérios, os temores, as alegrias e muito mais, as artes e invenções da meninada que frequentava esse porão. Eram, em verdade, meninos arteiros, entre os quais estavam o José Dantas Cyrino Júnior e o Públio Caio Bessa Cyrino, ambos ao mesmo tempo autores e personagem dessa história, o Zeca e o Públio.
Eram tempos difíceis. A cidade de Manaus ainda não se recuperara das circunstâncias negativas herdadas do colapso do ciclo da economia da borracha. Situação surpreendente porque esta história acontece na década de 60 do século passado, cerca de 50 anos após esse episódio da economia amazônica.
A precariedade da vida urbana de Manaus é bem identificada no fornecimento de energia elétrica. A luz se apagava às 22:00 horas. Quinze minutos antes as lâmpadas piscavam três vezes, avisando de que a luz já estava indo embora. As pessoas cuidavam de preparar as lamparinas, os faróis, os candeeiros, as velas, para iluminar a casa. E assim também estudavam as crianças e os jovens.
Nem por isso, no entanto, os dois personagens da história deixaram de seguir em frente, estudar e se formar em Filosofia e Direito. Não despregaram os olhos dos livros, de tal modo que o Zeca se converteu em respeitável professor universitário, poeta e consultor jurídico, e o Públio em Procurador de Justiça do Ministério Público e Ministro da Palavra e da Eucaristia, da Paróquia de Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos.
Os olhos dos meninos viam o mundo de outro modo e no livro relembram uma infância feliz. Nem o pisca-pisca das lâmpadas anunciando a escuridão lhes impedia de ver o mundo com alegria. O porão da casa 380 era o ponto de encontro, o centro onde se urdiam e de onde se irradiavam as brincadeiras e as artes. Era a sede do Âncora Futebol Clube e dos torneios de futebol de botão, com os times formados por caroços de tucumã partidos. Montavam-se as sessões do Cinema Paradiso, com equipamentos engenhosos inventados por eles próprios e que eram uma das mais atraentes diversões da garotada. Lembre-se que na época não tinha chegado ainda em Manaus o sinal de televisão. Ao Brasil chegara na primeira década dos anos 50, por sua vez ainda muito precária. O cinema, no entanto, já era uma das diversões da cidade, com o funcionamento do tradicional Cine Guarany, antigo Alcazar, fundado nos aos 1900.
Na imaginação dos meninos do porão nada superava o Cinema Paradiso e o amplo panorama da movimentação das crianças da Rua Monsenhor Coutinho e arredores, a oferecer um retrato vivo da cidade na época. Registra dois episódios trágicos, a explosão da caldeira da lavanderia do Hospital da Santa Casa de Misericórdia e o desabamento da arquibancada do Parque Amazonense, único estádio de futebol à época. Foram acontecimentos que dominaram as notícias e a vida na cidade, tão estrondosos que chegaram a repercutir entre os meninos do porão da casa 380. Aconteceram mortes.
Para não se falar apenas no fornecimento de energia elétrica, incerto também era o serviço telefônico. Não era fácil conseguir um sinal para chamada. Mas as crianças inventavam tudo. O Zeca era o arteiro da turma e Públio o mais observador. Realizavam imaginosos objetos de artesanato infantil como os aparelhos de projeção de cinema e as linhas telefônicas. Montavam peças de teatro. E eram muitos os medos, mas uns medos que não influíam na ousadia da imaginação daquelas crianças.
Mas não podia faltar a presença de uma personagem essencial numa narração de tal natureza, senão, também, não seria a história de uma família amazonense. É assim mesmo. Na Amazônia a mãe está em primeiro lugar. A figura da mãe, carinhosamente chamada de Vó Helena, surge em um dos capítulos do livro, como se fosse a luz do sol brilhando nas janelas do porão. É um dos capítulos mais saborosos do livro, traços de vida de uma senhora mulher de luta, sim, uma senhora mulher, que, em seus gestos mais exaltados de defesa do direito e da justiça, jamais perdeu o senso do humor com que envolvia os seus atos.
Ao aproximar-se do encerramento do livro o leitor terá ocasião de ler poemas de Zeca e Públio. A perda do pai, herói cultuado no pedestal do nicho afetivo do porão, trouxe as lágrimas que lhes propiciaram reflexões sobre os mistérios da morte. Nem isso, entretanto, prejudica de sombras a memória lançada neste livro de leitura fácil, escorreita e divertida, que, sem dúvida o converterá, ainda, num documento expressivo ao estudo da vida e das relações humanas da sociedade de Manaus no período.
Assim eu os saúdo, Zeca e Públio.
*Elson Farias é poeta e prosador, membro da Academia Amazonense de Letras, da qual já foi seu presidente. É autor de Barro Verde, Memórias, O Comandante e da série Zezé na Floresta.
UMA PALAVRA AMIGA
João Bosco Bezerra de Araújo*
E
tudo começou num porão. Ah, os porões!
Antigamente os porões eram frequentes. Hoje são raros e, quando os há, geralmente inusuais, reduzidos a depósitos de pertences inúteis, esquecidos no tempo. E já que o Tempo não para, como cantou Cazuza, porões tornaram-se anacrônicos, obsoletos e mortos.
Eu mesmo tive um porão na minha vida. Bem diferente daquele do número 380 da Monsenhor Coutinho. O meu era vetusto, sério, oprimido pelo seu conteúdo pesado, autoritário, sempre a exigir silêncio e respeito. Afinal, era uma Biblioteca.
Faltavam-lhe as fantasias que só as crianças sabem criar nas suas alegorias, nos seus fantasmas, nas suas brincadeiras, nos poderosos investimentos dos seus sentimentos e das suas emoções. Tudo aquilo que, até por uma questão de respeito, não pode ser exercido às vistas de Platão, de Santo Tomás, de Marx, de Kant, de Freud.
Assim sendo, o porão do Cyrino e do Públio, tal como apresentado nas páginas das suas memórias, e recuando aos tempos de então, inevitavelmente vem a se tornar para o leitor, pelo menos para este, em objeto de nostalgia, quiçá até de inveja.
Pelo seu conteúdo, que se derrama num contexto de narrativa e de depoimento, ora incidente sobre o mundo real, físico, mas, sobretudo humano e social, ora sobre a riqueza inesgotável da subjetividade infantil vivida e gravada indelevelmente, este é, sem dúvida, um livro de História. E como a História é um produto que se enraíza, brota e frutifica exclusivamente no Homem, em consequência, é também um livro de Humanidades.
Na História, a Memória é uma ferramenta que não se pode dispensar, mas que também longe está de ser o seu único fundamento. Se não, outros animais, que não o Homem, também seriam construtores de História. Afinal, não é proverbial, por exemplo, a memória do elefante, que, assim mesmo, nunca se fez historiador?
Enquanto os animais inumanos vivem absolutamente colados e presos a um programa genético e a um mundo duramente real e regido sempre pelo Presente e pelo Atual, o que os lança à ação para saciar a fome ou ao impulso de procriar, por exemplo, para, em seguida, apaziguá-los até a próxima apetição, o homem enriquece seus apetites com a subjetividade e vive numa realidade percebida, sentida, valorizada e interpretada pelo pensamento. Assim o fizeram o Cyrino e o Públio em suas existências, depois transplantadas para o seu livro.
É um livro de História, que não trata do Júlio César, do Napoleão, do Getúlio, do Churchill, mas que nos traz, com emoção e sutil sensibilidade, o Cyrino Pai, a Helena, a D. Elisa, todo um enorme clã, memorizado prodigiosamente e tal como foi vivido, com muito sentimento, dentro de um contexto familiar, sempre através das lentes personalíssimas, até idiossincráticas, dos seus autores.
Como conheci pessoalmente quase todos os personagens e alguns dos acontecimentos, pude captar e reviver a originalíssima cultura do clã, sobretudo na linhagem dos Bessa, que me foram mais acessíveis e próximos.
Parabéns José Cyrino Júnior, parabéns Públio Caio. Parabéns e obrigado pela generosidade de nos terem aberto as portas do seu mundo e de terem passado um legado extremamente educativo às gerações de hoje e, sobretudo do amanhã.
*João Bosco Bezerra de Araújo é psicólogo e filósofo, formado pela PUC/RJ e professor aposentado pela Universidade Federal do Amazonas. Editorialista e cronista por 22 anos no Jornal A Crítica e Diretor Executivo do Jornal Em Tempo por 8 anos.
No baú velho do inconsciente
mexendo papéis antigos
achei um mapa de sonhos.
Pedi emprestado ao tempo
as minhas mãos de menino,
sentei num chão de memórias
cruzei as pernas cansadas
abri a caixa de armar
falei de novo com o tempo
pedi as pedras esparsas
juntei o quebra-cabeça
bati o pó e a saudade
e comecei a jogar.
(...)
Vou fechar meu baú velho.
Carregue as caixas de armar.
- Leve as ruas, leve os dados,
leve as pontes, leve as bolas,
leve as torres dos castelos,
leve tudo, tempo, leve.
Só quero que você deixe,
impressas aqui neste mapa
de sonhos e de lembranças
as mãos gastas do menino
que já estão ficando longe
sujas de ocasos de infância
sujas de você também.
Mas não me cobre este juro,
você sabe muito bem
que eu já não sei mais chorar.
Trechos do poema Baú Velho, de Farias de Carvalho.
PALAVRAS DOS AUTORES
Ser uma pessoa é ter uma história para contar.
Izak Dinesen¹
A
vida é feita de fatos, agradáveis e desagradáveis, bons e maus. Todo mundo em algum momento da vida teve grandes alegrias e passou por situações difíceis, seja dificuldade financeira, de saúde, de relacionamento afetivo, ou de qualquer outra natureza.
E independentemente de nossas vontades essas vivências fazem as nossas histórias, cada qual ao seu estilo, com suas sortes e mazelas – são as histórias de nossas vidas, vidas recheadas de nossas histórias.
Histórias que podem ser registradas, contadas oralmente, ou esquecidas pelos seus atores, como na maioria das vezes. Porém, mesmo não contadas ou não registradas, elas não se desvencilham do ser
que fomos, elas são como nossas sombras, ainda que mudemos de posição ou lugar estarão sempre conosco. São silhuetas de nossas experiências.
Uma história de vida, ainda que não seja tornada pública, fica com seu registro indelével, cravado para sempre em algum cantinho do mundo das pessoas, que pode a qualquer momento vir a ser lembrada, com ou sem a nossa vontade, como acontecem com biografias post mortem.
Até os Santos, canonizados e anônimos, tiveram história; todos teremos sempre alguma coisa para nos orgulhar e outras para nos penitenciar.
Portanto, a vida é uma história que precisa ser contada, mesmo as que nos trazem dores, porque como disse a escritora dinamarquesa epigrafada, todos os sofrimentos podem ser suportados se os convertermos numa história.
Contar as próprias histórias é uma forma de se conhecer melhor, às vezes até de fazer uma catarse, de purgar algum fantasma, de ressignificar experiências mal compreendidas e de resgatar memórias culturais e afetivas. É compartilhar existência, é revelar L’ Élixir de Longue Vie, não nos termos balzaquianos
, mas no estilo salomônico voltado para a sabedoria.
Contar as próprias histórias é lembrar, permanentemente, que as asas que crescem com a idade e nos permitem voar para outras plagas, não eliminam as raízes que nos encravam na terra da qual brotamos.
Contar histórias é oferecer, sobretudo aos mais novos, ao mesmo tempo um espelho retrovisor e um para-brisas limpo e transparente, para que a vida não se perca no caminho da modernidade e não negue nem apague o passado.
Contar histórias é, finalmente, uma forma de encorajar outras pessoas a se espelharem nesses contos, para que possam também espalhar ao vento os seus feitos, ou quem sabe, contribuir para mudar o rumo da sua história.
Mas é também uma necessidade intrínseca ao ser humano, que o faz desde os primórdios. A Bíblia Sagrada só foi possível ser escrita porque os antepassados memorizavam e contavam os feitos, os milagres, os sofrimentos e a libertação dos povos.
Nas tribos, em volta das fogueiras, os mais velhos contavam histórias às gerações mais novas, para transmitir os saberes do seu povo. Nas cidades era comum encontrar rodas de conversas nas calçadas e nas pracinhas.
Hoje não há mais fogueiras, nem calçadas. A vida moderna apagou as chamas dessa alegria e deu as calçadas e as pracinhas aos carros e ao comércio ambulante. Mas as histórias resistem, só mudaram de endereço, para as escolas, os clubes e as reuniões de amigos e de família.
As histórias contadas neste livro são reais. De igual modo, todos os personagens são reais e nominados, exceto em uma crônica onde o nome da criança é ficto, uma vez que a história vivida e narrada poderia causar-lhe constrangimento.
Todas elas foram vividas durante parte da nossa infância, que vai aproximadamente até os quinze anos para o José Cyrino (nesta obra tratado por Zeca, seu apelido de infância,) e dez para o Públio Caio, período em que moramos na Rua Monsenhor Coutinho, no centro de Manaus.
Nascemos na Casa 380 dessa Rua, localizada no quarteirão entre a Rua Ferreira Pena e a Avenida Epaminondas. Zeca em 1954 e Públio em 1959. Apesar dessa diferença de idade significar muito quando se é criança, não impediu que tivéssemos uma infância juntos. E muito feliz.
Para essa atmosfera de felicidade colaboraram os familiares, nossos pais, irmãs, tios e primos. Mas, sem dúvida, o imaginário infantil que carregamos n’alma até hoje só foi possível ser construído com a participação dos colegas de infância, os vizinhos da nossa rua, que tinham idades próximas às nossas e que por isso são personagens de nossas crônicas. Eles nos ajudaram a experimentar a felicidade. Juntos, exercemos aquilo que é direito de toda criança e o alicerce de uma vida adulta: direito de ter infância.
Fomos do imaginário ao real; das brincadeiras fantasiosas às concretas, pois naqueles anos (década de 60), os brinquedos de fábrica eram raros (e caros), por isso nós construíamos os nossos próprios brinquedos com os instrumentos de que dispúnhamos: a imaginação e a fantasia, a alegria, a fraternidade e os restos de madeira, vidros, plásticos e outros resíduos domésticos que encontrávamos.
Filho Temporão
Apesar de somente agora trazermos a público as histórias de nossa infância, este livro já estava pronto há aproximadamente trinta anos; faltava só escrevê-lo, mas não tínhamos dado conta disso.
Ele nasceu nos encontros de família, que aliás, ainda hoje são frequentes. Nessas reuniões para comemorar aniversários ou apenas pelo prazer de estarmos juntos, invariavelmente havia o momento das recordações de infância. Era a hora de contar nossas histórias engraçadas que vivemos juntos, especialmente no porão da nossa casa, que além de ser uma fábrica de fantasias, foi palco de maravilhosas brincadeiras que aqui são narradas.
Quando havia amigos, invariavelmente nossas irmãs nos convocavam para contar essas histórias, transformando a reunião em um stand up inusitado, onde éramos ao mesmo tempo, narrador e protagonistas das histórias, como nesta obra. As mais divertidas eram aquelas em que no final o Zeca se dava mal e levava uma sova do papai.
E como as histórias tinham seus contextos, com eles vinham lembranças de lugares, pessoas e eventos da época, como os cinemas antigos (Ypiranga, Eden, Guarany Ideal, Polytheama), as catraias de São Raimundo, lojas tradicionais como a 4400, depois LOBRÁS, Drogaria Rosas, 22 Paulista; o Festival Folclórico do General Osório (hoje campo de futebol do Colégio Militar); famílias vizinhas na nossa infância, como os Limongi, os Covas e o pai do nosso cientista Djalma Batista, Gualter Batista, além das maravilhosas recordações de nossos pais, parentes e os amigos de infância.
Essas reuniões eram partilhas de memórias muito prazerosas, todos se divertiam, era como se estivéssemos em volta de uma fogueira, ou sentados nas cadeiras de embalo de nossas calçadas.
E sempre ao final desses encontros vinha a fraterna cobrança das irmãs e dos amigos: vocês têm que escrever isso!
E assim seguia a vida… encontros de família, alguns com amigos, narração de histórias da infância, algumas repetidas, outras novas… até que no ano de 1987 o Públio apareceu com uma agenda cheia de anotações de aulas do Curso de Direito (ele não usava caderno na faculdade), misturadas com seus compromissos junto ao então Juizado de Menores, onde trabalhava à época.
Chamou o Zeca e mostrou: no meio dessas anotações havia registros de algumas histórias da nossa infância, daquelas que contávamos nos encontros de família e amigos. Foi um convite a esta aventura literária que agora se realiza. Estava lançada a matriz do livro, em de 1987.
No ano seguinte, em razão de sua assunção ao cargo de Promotor de Justiça (MP-AM), o Públio foi morar em Tabatinga/AM, município que faz fronteira com a Colômbia, o que inevitavelmente dificultou o trabalho conjunto. Ainda assim, o Zeca digitou aqueles primeiros registros das nossas histórias e os imprimiu na antiga impressora matricial, como uma simulação para ser trabalhada conjuntamente na perspectiva da edição de um livro.
Em 1989 o Públio foi removido para a cidade de Manacapuru/AM, o que tornaria mais fácil a retomada do projeto, pois se trata de área da região metropolitana de Manaus. Mas no mesmo ano nossa mãe faleceu reprogramando nossos projetos, aliás, nossas vidas. E aí a ideia esfriou… a vida continuou e muita coisa aconteceu para os dois irmãos; alguns filhos foram se casando, uns deixando a cidade, até o País; netos nascendo, mudança de residência etc. E os textos que o Zeca imprimiu desapareceram nas tantas mudanças da vida, inclusive de residências.
Nesse intervalo de tempo o Zeca lançou dois livros de poesia, reacendendo assim, a chama da publicação. Foi aí que o Públio voltou à carga e o convidou para retomar o projeto. E mesmo antes de ter a resposta, o Públio foi (re) escrevendo parte daquelas histórias da sua agenda de 1987, com outras nuances, pois havia dado como perdidas as anotações da velha agenda.
Mas foi surpreendido pelo Zeca que num certo dia apareceu com a sua velha agenda em mãos, com trinta anos de rascunho e alfarrábios. A partir daí começamos a escrever as nossas memórias de infância em partilha, a quatro mãos. Além de reescrever as que já estavam registradas na agenda, fomos escrevendo outras que a lembrança nos trazia, até chegarmos ao corpo deste livro.
Concluídas as crônicas e os demais textos, organizados os capítulos, convidamos duas pessoas para participarem do livro, apresentando suas visões da obra.
Queremos agradecer a generosidade das duas personalidades, João Bosco Bezerra de Araújo e Elson Farias que aceitaram fazer a leitura da obra e expressar suas visões sobre ela.
Ambos reúnem os requisitos e as qualidades para o cumprimento da atribuição. Além de experiência com a produção de gênero de crônicas, também possuem um aporte acadêmico e literário capaz de mostrar aos leitores o que seus olhos viram nas entrelinhas desses comportamentos infantis da década de 60.
Bosco, como o chamamos na intimidade, é psicólogo, formado pela PUC/RJ, com vasta experiência especialmente nas áreas Clínica, Educacional e Organizacional. Também formado em Filosofia pela mesma PUC, reúne vasta experiência na atividade do magistério, desde professor da então Escola de Serviço Social e da Escola de Enfermagem até da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, que foi incorporada Universidade do Amazonas, hoje UFAM.
E na produção literária, possui larga experiência, em especial como cronista. Em seus longos 30 anos de jornalismo (22 no Jornal A Crítica onde foi editorialista e 08 no Amazonas Em Tempo, onde foi Diretor Executivo), Bosco publicou mais de 500 artigos sobre os temas variados da vida cotidiana, com reflexões filosóficas e sociais.
Elson Farias é escritor reconhecido nacionalmente. Um dos poetas mais produtivos na atualidade. Um dos criadores do Clube da Madrugada, ao lado de outros grandes poetas amazonenses, é membro da Academia Amazonense de Letras, da qual já foi seu presidente, e possui um currículo enorme e variado, com inclusão até de música feita com seus poemas. O rol de obras é enorme. Entre poesias, Ensaios, Prosa de Ficção, Antologias, indo até o estilo Infanto-Juvenil, com destaque para As Aventuras do Zezé na Floresta, contam-se cerca de setenta obras.
Nossos agradecimentos ao Professor João Bosco Araújo e ao poeta e escritor Elson Farias, pela generosidade em aceitar participar desta aventura literária de iniciantes no gênero.
A estrutura do livro
Este livro é uma reunião de histórias reais vividas por dois irmãos e seus vizinhos durante a maior parte da infância, na década de 60, até o início dos anos 70. Histórias divertidas – algumas perigosas, resultantes da imaginação infantil e das peripécias próprias da infância.
Além do divertimento o leitor encontrará informações que possibilitam entender como as crianças daquela época construíam a sua infância: que brincadeiras inventavam, como e por que faziam seus próprios brinquedos, como usavam as ruas e outros logradouros públicos de Manaus como palco dessas brincadeiras etc.
Encontrará também algumas informações referentes aos valores morais daquela época e sua influência na construção da infância (relação hierárquica entre pais e filhos, de companheirismo entre as crianças, valoração econômica, relação de respeito entre os vizinhos etc.). Mas essa não é a intenção da obra, não escrevemos este livro para fazer análises sociológicas, nem para provocar saudosismos, apenas para matar saudades de uma infância feliz.
O livro se divide em três capítulos. O primeiro, que se chama Atmosfera Infantil, contextualiza o leitor no ambiente físico onde ocorreram as vivências infantis. São textos descritivos de nossa família Bessa Cyrino, nuclear e estendida, incluindo nossos tios e primos; de nossa Rua Monsenhor Coutinho, sua localização física, de nossos vizinhos, também estendendo às adjacências onde circulávamos com os colegas de rua. E, finalmente, de nossa casa da infância, a CASA 380 e seu PORÃO.
No segundo capítulo estão as histórias onde contamos algumas de nossas experiências infantis, aquelas histórias que necessitam ser contadas. Travessuras de crianças, algumas pouco críveis, mas todas, de fato, verdadeiras, embora sejam aqui apresentadas com os adornos literários necessários, afinal todo escritor tem que ficcionar para que sua história verdadeira não pareça mentira, como faz o poeta de Fernando Pessoa, que finge sentir a dor que deveras sente.
As histórias aqui contadas aconteceram na década de 1960, até o início dos anos setenta. Nesses dez anos, embora todos os personagens destas crônicas tenham convivido conosco, nem todos conviveram entre si. Muitos chegaram e se foram em tempos