O Men
De Darci Men
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O Men - Darci Men
Cap. II – A festa de 13 de maio
Voltando ao seu
Zé, naquela madrugada, ele retornava de uma festa de 13 de maio que foi promovida pelo seu vizinho Dito, um grande amigo, compadre e parceiro de velhas lutas.
As festas do seu
Dito, segundo ele mesmo, eram para cumprir uma promessa feita à São Benedito, que foi o santo que inspirou o seu próprio nome e da qual era devoto.
No entanto, ele próprio dizia que ali, em suas festas, também se comemorava outros eventos.
(Na verdade, aqui no Brasil, o dia 13 de maio tornou-se um dia de eventos múltiplos, como a própria abolição dos escravos com a promulgação da Lei Áurea, a aparição de Nossa Senhora de Fátima em Portugal e, é claro, a própria festa do Santo. São Benedito, também é conhecido como o Mouro, provavelmente por ser um dos poucos santos negros da igreja católica e é tido como protetor dos escravos e dos pobres. Aqui no Brasil, também se comemora o seu dia em 5 de outubro. Mas essa é outra história).
Voltando as festas do seu
Dito, elas eram muito concorridas e apreciadas na região, não tanto por seu caráter festivo e religioso, mas, sobretudo, pela simplicidade em seu roteiro.
A festa em si, como um todo, tinha uma sequência de eventos inalterada, ano após ano:
A abertura acontecia religiosamente às 14 horas, quando se fazia uma reza
.
Depois disso, toda a parte da tarde era destinada para a comilança (doces e afins).
Já no início da noite, mais precisamente às 18:00 horas, na chamada hora da Ave Maria
, começava o terço
, que era uma pequena missa rezada no maior cômodo da casa e onde se erguia um altar improvisado.
À noite, após o terço, era a parte mais esperada e festiva, pois acontecia o animado arrasta-pé
, um típico baile a moda sertaneja, animado por um sanfoneiro
, um violeiro e, às vezes, um pandeirista.
Finalmente vinha o fechamento da festa, que acontecia exatamente à meia-noite, ocasião em que se fazia outra reza
.
As tais rezas
merecem uma explicação melhor, uma vez que ilustram bem o caráter folclórico daquele evento.
Pois então, a reza
de abertura, na verdade, não era bem uma reza, mas uma espécie de hino dedicado à Nossa Senhora de Fátima, chamada popularmente de Cova da Iria (esse hino
chegou a ser gravado por alguns cantores populares).
Um dos trechos era mais ou menos assim:
A treze de maio;
Na cova da Iria;
No céu aparece;
A virgem Maria.
Ave, ave, ave Maria;
Ave, ave, ave Maria...
A exemplo da abertura, o fechamento, que acontecia religiosamente à meia-noite, também se cantava uma espécie de hino.
Também neste caso, não era bem um hino, mas uma espécie de música folclórica, conhecida como Congada do 13 de maio.
Essa música, segundo consta, era de autoria de Teddy Vieira e gravada pela dupla sertaneja Moreno e Moreninho, além de outros intérpretes.
Um dos trechos, era mais ou menos assim:
Treze de maio, é um dia muito bonito...
A festa vai terminando;
Pra voltar no outro ano, ai, ai...
Cap. III – A esperta Mita e o terrível acidente
Voltando ao seu
Zé, como já dissemos, ele e os seus acompanhantes, voltavam justamente da festa do seu Dito e todos estavam cansados naquele veículo, mas ninguém conseguia dormir, pois a chuva era muito forte, com constantes raios e trovões, sem contar que o pobre jipe roncava
, gritava
e sacolejava o tempo inteiro e, não raro, atolava aqui e ali.
Isto é, ninguém dormia, exceto a Mita, a filha do seu Zé de 19 anos, uma inteligente e bela garota, que conseguia a proeza de dormir nas mais inusitadas situações.
A Mita, como era chamada por todos naquela região, é aquele tipo de pessoa que está sempre de bem com a vida e pronta pra o que der e vier
.
Primogênita da família, desde pequena foi o braço direito
, tanto do pai, como da mãe e, ultimamente, além de ajuda-los, ainda sobrava tempo para dar aulas na escola rural da região, que foi instalada em uma humilde construção de madeira na beira de uma estrada vicinal, ao lado de uma venda
de secos e molhados
e próxima da fazenda do seu pai.
Enquanto ela dormia recostada no ombro da mãe, onde dividia o banco de passageiros, o valente bernardão
, por sua vez, seguia com galhardia
o seu caminho.
Depois de atravessar perigosamente uma ponte de madeira, que estava parcialmente inundada pelo rio, ele patinou bastante, mas conseguiu superar uma subida íngreme e escorregadia.
Foi justamente na parte alta daquele terreno, bem à sua frente, que caiu um enorme raio.
O estrondo foi tão grande, que o jipe pareceu levitar no ar, como se uma enorme mão o levantasse.
A claridade então, foi tão intensa, que todos ficaram momentaneamente cegos.
A imensa árvore na beira da estrada que absorveu o impacto, simplesmente rachou ao meio e metade dela foi ao chão, liberando labaredas aqui e ali.
A sua enorme galhada
caiu paralelamente à estrada, rolando sobre si mesma e ficando parte pendurada em um barranco e a outra parte interrompendo parcialmente a rodovia.
O seu
Zé parou o veículo meio atordoado, olhou para um lado, depois outro, comentando:
- Deus todo poderoso, esse foi dos grandes! Todos estão bem?
Sim, todos estavam bem, mas, entorpecidos por tamanho acontecimento, ninguém falou nada, exceto a Mita que, gesticulando bastante e apontado para o local onde o raio caiu, gritou um tanto assustada:
- Tem alguém lá! Eu vi!
O seu
Zé virou para ela, com um sorrisinho estranho, comentando:
- Tá maluca, menina? Você sonhou, isso sim!
- Eu vi, tenho certeza! – insistiu ela.
- Você estava dormindo, como pode ter visto algo? – Insistiu o Velho.
- Além disso, - continuou - eu estava dirigindo e olhando diretamente para a estrada e não vi nada.
Ela continuou insistindo:
- Temos de ir verificar pai, eu tenho certeza, acho que o raio caiu bem em cima dele.
- Em cima de quem? Do que é que você está falando? – Retrucou o Velho.
- Pare com isso menina, - insistiu ele - não tem ninguém lá! Além disso, dizem que a chance de alguém ser atingido por um raio é de um em um milhão.
- Então o que eu vi e o tal de um
, - respondeu ela - porque o raio caiu bem na cacunda
dele!
- Você deve ter sonhado! - Repetiu o pai – Vamos embora. Como pode ter alguém lá? Ainda mais nesse fim de mundo
e com um tempo desse?
- Além disso, - continuou ele - é perigoso ir até lá.
- Veja como a outra parte daquela árvore ainda está queimando... Sem contar que pode cair outro raio?
- O raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar! – Respondeu ela.
E antes que o pai falasse mais alguma coisa, ela já estava fora do veículo, sob aquela chuva intensa, escorregando aqui e ali e indo em direção do local do acidente.
- Essa menina... – Reclamou o pai,
- Não se pode dizer não pra ela!
E dirigindo-se à sua esposa no lado dos passageiros, solicitou:
- Rosa, pegue para mim o farolete que está no porta-luvas. Vou ter de ir lá com ela, ou vai acabar se machucando.
Seu
Zé nem tinha descido do veículo ainda, quando percebeu ela gesticulando em frente à luz do jipe e apontado para um lado da estrada.
- O que foi? Você se machucou? – Perguntou o pai, seguindo desesperadamente em sua direção.
- Depressa pai, eu achei, ele está ali! – Respondeu ela, apontando para uma moita de arbustos.
Assim que chegou ao local o seu
Zé não acreditava no que estava vendo e precisou verificar mais de uma vez para ter certeza do que via.
- Deus do céu! – Exclamou ele, examinando mais uma vez aquele homem caído e com a roupa parcialmente queimada.
- E não é que ele existe mesmo! Se eu não estivesse vendo, não acreditaria!
- Ele está vivo? - Perguntou a Mita.
- Sim! – Respondeu o pai.
- Não sei como, mas, apesar de todo queimado e desacordado, ainda está vivo, pois o seu coração continua batendo.
- Diacho! - Praguejou o velho, sem saber bem o que fazer e apontando o farolete para o corpo e o rosto chamuscado
daquele indivíduo.
Depois, voltando para a Mita, perguntou, como quem pergunta a si mesmo:
- O que vou fazer agora? quem será ele? O que fazia em um lugar como esse?
- Como vou saber pai? – Respondeu ela, abrindo os braços.
- Eu nunca o vi antes. Deve ser alguém perdido ou que pretendia visitar alguém da região, sei lá!
O velho pensou um pouco, olhou novamente para a filha e ordenou:
- Vá lá no jipe chamar o seu irmão e mais alguém pra ajudar, temos de socorrer o pobre coitado.
Enquanto levava o homem para o jipe, ele confirmou sua decisão de levar o homem para a fazenda, ao invés da cidade.
Ele ponderou, acertadamente, que o socorro exigia urgência e a fazenda estava pertinho. Além disso, para ir à cidade, era bem mais longe e ele teria de atravessar novamente aquela ponte inundada, com o risco de ampliar os seus problemas.
O jipe, que já estava lotado, ficou pior ainda, sem contar o cheiro de queimado que exalava do corpo do homem, as roupas molhadas e sujas de barro e o triste incômodo de levar alguém naquelas condições.
Durante o curto trajeto, todos faziam perguntas e a maioria delas ficava sem resposta: quem seria ele? Como teria sobrevivido? Quanto tempo mais ia aguentar? O que fazia naquele local?
O seu
Zé, depois de um bom tempo calado e pensativo, quebrou o silencio, comentando:
- Uma coisa eu não entendo: - disse ele pensativo - como a Mita, que estava dormindo, viu o homem e eu, que estava com o olho pregado
na estrada, não?
Ninguém respondeu e parecia que aquela pergunta também ficaria sem resposta, até que a própria Mita, esperta como sempre, disse com ar zombeteiro:
- Eu sei! – Disse ela com orgulho.
- Então diga logo, – reclamou o pai - está esperando o quê? O toque das cornetas?
Todos ficaram em silêncio esperando a resposta, até que ela explicou:
- Ora pai, tudo é muito simples e se resume no instinto humano! Nestas horas, quem está com o olho aberto, fecha, e quem está com ele fechado...
Seu
Zé pensou um pouco, olhou para ela de relance, com jeito incrédulo e, sem outra resposta mais convincente, comentou:
- Hum... Vou fingir que acredito!
Dona Rosa, que até então estava calada e pensativa, comentou:
- Instinto humano, inspiração divina ou puro acaso, não importa, uma coisa não podemos negar: você salvou a vida do sujeito.
Assim que chegaram à fazenda foi exatamente ela que tomou as rédeas
do caso.
Dona Rosa era conhecida na redondeza por fazer curas e tratar as pessoas com remédios caseiros, além de ser uma espécie de enfermeira improvisada, aplicando injeção em um, tratando a ferida de outro e coisas do gênero.
Sem perder tempo, ela foi distribuindo ordens:
- Vocês dois, levem ele para o chuveiro, tirem toda a roupa dele.
- Toda... Entenderam? Esqueçam questões de pudor, pois preciso saber exatamente até onde vai as queimaduras.
- Depois abram totalmente a torneira e molhem ele inteirinho, quanto mais água melhor.
- Você ali, vá até o celeiro e traga a maior quantidade de bananas que puder, procure escolher as maiores.
- E você, pegue o farolete e vá até a horta e apanhe uma boa quantidade de alface, com as folhas bem verdes e grandes.
- Quanto a você, Mita, pegue no mínimo dois lençóis bem limpos e desinfete-os com o ferro de passar roupas, o mais quente que puder.
A Mita aproveitou a deixa
, chamou a mãe para um canto e confidenciou:
- Mãe, a senhora prestou atenção no homem? Ele é bem bonitão!
- Sossega seus pelos menina! – Repreendeu a mãe.
- O coitado está quase morto e nem sabemos quem é...
Mita deu uma risadinha e foi cumprir sua tarefa.
Naquela época, as casas da zona rural não tinham luz elétrica, nem tampouco geradores, fogão a gás ou coisas do gênero.
Então ela teve de usar o velho ferro com brasas do fogão à lenha, mas, não foi um grande problema, pois esses fogões permaneciam mais ou menos acessos, além disso, o trabalho no chuveiro demorou bem mais do que se previa.
Acontece que o homem tinha queimaduras leves em várias partes