Pescaria noturna
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Sobre este e-book
Neste livro, nove analistas junguianos mostram em seus artigos, a visão de Jung e de alguns de seus seguidores sobre o psiquismo. Mitos, imagens arquetípicas e a expressão da criatividade humana vem enriquecer nossa noção do que é ser Homem. Ser humano é ser perfeito em possibilidades, mas ainda atrapalhado na realidade. Caminhando para a totalidade, meta utópica e sempre à frente, o processo que Jung denomina individuação ou tornar-se si mesmo demanda o confronto com o lado sombrio da personalidade, e para que a sombra seja ampliadora há que se conectar ao potencial criativo.
Os capítulos contidos nesta obra percorrerão o caminho da sombra e da criatividade, dos sonhos e da arte, da poesia, das expressões na prática clínica (desenho, música), bem como o tema da sombra na família, a adolescência, as perdas, o medo e a mitologia. Pescaria Noturna convida-nos a refletir sobre as várias possibilidades criativas de elaborar nosso lado sombrio e nos tornarmos mais conscientes e caminhando no processo contínuo da individuação.
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Pescaria noturna - Gloria Lofi
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSI
Dedicamos este livro a todos que nos estimulam e nos desafiam no enfrentamento da sombra com coragem e criatividade.
Agradecimentos
Aos autores desta obra coletiva, obrigada pela parceria e pelas contribuições neste projeto.
Aos nossos mestres, familiares e amigos pela inspiração, pelo apoio e incentivo.
Aos leitores interessados, agradecemos a oportunidade de compartilhar essas ideias.
PREFÁCIO
Pescar à noite não é para qualquer um. A pouca iluminação solicita atitudes, equipamentos e procedimentos específicos. É preciso preparar o pesqueiro, seja ele um barco ou um barranco, deixando-o o mais confortável possível para ali se passar várias horas, valendo-se de cores escuras que não reflitam nenhuma luz, dispondo os equipamentos de maneira a se poder pegá-los com precisão quando for o momento, organizando jogos de varas, linhas e anzóis, nas dimensões e materiais adequados. Levar tudo o que é necessário; mas apenas o necessário! Cuidar da segurança do local. Melhor não ir sozinho. Evitar proximidade ao píer ou locais onde a linha possa se enroscar e romper. Proteger-se contra insetos. Um refletor a gás é necessário e ele deve permanecer fixo num único local, com uma luz constante. Se for preciso se movimentar, utilizar uma lanterna, mas cuidando de não lançar luz sobre a água, o que assustaria os peixes. Pelas mesmas razões, não se deve fazer ruídos ou barulhos.
As iscas devem estar já preparadas e à mão. Precisam ser bem ajustadas; o chumbinho deve ter peso proporcional a elas e poder correr solto na linha mestra. Há à venda no mercado diversos tipos de dispositivos que avisam quando o peixe morde a isca: sonoros ou luminosos, de efeito mecânico, por bateria ou por efeito químico.
Requer-se uma atenção acurada ao arremessar a linha, com sensibilidade ao peso e ao movimento, mesmo sem ser possível, em meio à escuridão, uma visão global do contexto. Depois de fisgado o peixe, é ainda necessário um bom cuidado com a regulagem das fricções e do freio.
A disposição é de muito cuidado com detalhes e também de uma boa capacidade de permanência num estado com qualidades de atenção, espera, contemplação, tolerância à escuridão e abertura ao imprevisível. Lembra a atitude do fotógrafo da natureza que, após um grande e muito preciso preparo técnico, para fazer o seu trabalho põe-se pacientemente a aguardar o momento certo, na perspectiva do tempo regido por kairós.
Segundo aqueles que se dedicam à pescaria noturna, a emoção é garantida. Os peixes nesse período estão mais descansados e tranquilos, imunes à agitação que se dá durante o dia. Muitos deles só aparecem à noite, e é uma experiência única fazer todo o manuseio, o iscamento e o encastoamento na escuridão, confiando que em breve se terá a visão de um peixe recém-fisgado, iluminado, emergindo da água para ser colhido.
Esta coletânea de textos, Pescaria Noturna: elaborando criativamente o lado sombrio da psique, organizada por duas analistas junguianas, convida-nos duplamente a essa disposição psíquica: permanecer na escuridão ou no lusco-fusco, a consciência relaxada e num estado de grande abertura às associações e manifestações do inconsciente, mantendo-se também uma atenção alerta, que permita o contato e o despertar de reflexões oriundas tanto de estudos teóricos quanto de práticas profissionais. A pescaria é profícua, e elas convidaram companheiros igualmente gabaritados para compartilharem suas habilidades de pesca e alguns peixes já recolhidos. A obra, em textos fluentes e de leitura prazerosa e instigante, acaba por retratar uma diversidade significativa, que por sua vez tem um grande potencial para ensinar, mobilizar questionamentos e estimular novas ideias e iniciativas de intervenção psicológica. O convite é duplo, ao sugerir uma disposição de leitura e ao tratar do tema da pescaria de aspectos sombrios da personalidade.
A sombra, conceito-chave na psicologia junguiana, garante a vida psíquica ao abrigar os complexos, as percepções subliminares à consciência, os conteúdos recalcados e reprimidos, além de tudo o que estiver em condição nascente, germinal, ainda não passível de reconhecimento pelo ego. Ela é como um depósito do desprezado, mas também é sobretudo uma preciosa matéria bruta, indispensável a qualquer criação.
Ao se formar o campo da consciência, forma-se simultaneamente a sombra pessoal e eles serão companheiros inseparáveis durante toda a vida, numa relação que se promete dinâmica e passível de grandes transformações. O ego inicialmente pouco coeso nem se dá conta da existência de sua contraparte, embora eles se alternem espontaneamente nas manifestações e no controle do cotidiano.
Aos poucos a consciência se organiza mais e mais, torna-se centralizada e um grande apoio para a identidade, e passa a se contrapor ao que não conhece ou é incompatível com sua disposição predominante. Nessa configuração, habilita-se para aprimorar o exercício das diferentes funções da consciência, e exercer maior controle da ação e de escolhas diante de parâmetros sociais e pessoais. Tudo isso leva a uma oposição entre ego e sombra, que é decisiva para a ampliação e melhor estruturação da consciência. Muitos aspectos da sombra são então projetados inconscientemente em outras pessoas, protegendo-se assim o ego de um confronto íntimo com eles, para o qual não estaria ainda preparado.
Mas é também intrínseco ao ego intuir e poder constatar que não é o senhor absoluto em sua própria casa e que facetas dos outros que o tocam afetivamente também estão nele. Situações vividas e interações significativas, assim como novos insights, vão solapando sua ilusão de controle e estimulando-o a experimentar descentramentos ao abrir espaço para outros conteúdos e maneiras de estar no mundo.
Por trás dessa nova postura, há, oriundo do próprio Self, um grande impulso para a individuação, que também sustentará a experiência de inúmeras tentativas e erros, assim como de difíceis momentos de desorientação. Mesmo com tal apoio, não se trata de um empreendimento fácil. Nosso contexto sociocultural não costuma favorecê-lo, limitando-se em grande medida a oferecer padrões coletivos e estereotipados de valores e comportamentos.
Nesse momento, a psicoterapia, ou a análise junguiana, é preciosa, pois, tal qual uma aventura de pescaria noturna, permite nutrir o ego com os peixes, os símbolos emergentes das profundezas no lusco-fusco ou na escuridão, que terão grande chance de vir a ser assimilados, ampliando-se o campo de consciência e caminhando-se no percurso da individuação, se os instrumentos, os cuidados, as interações e a disposição consciente forem adequadas. Considerações a respeito da relação terapêutica, dos cuidados com parâmetros do contrato, de apoios teóricos, de aspectos da transferência e da resistência equiparam-se ao preparo necessário para o grande empreendimento em que, de maneira análoga à pescaria noturna, consiste um processo analítico.
O esmero em reconhecer e acolher elementos recém-chegados da sombra, ou em áreas ainda bastante obscurecidas, também nos lembra a atitude necessária ao pescador. Nada de movimentos bruscos, de interpretações precipitadas, de excesso de iluminação — seriam todos fatais: o peixe, a vivência simbólica, voltaria à escuridão das águas, do inconsciente. Uma atitude contemplativa, paciente e de espera atenta harmoniza-se melhor com o trabalho de elaboração simbólica. E também uma prontidão para, assim que a isca for mordida, reter a vara com força e presteza, ou seja, permanecer com o símbolo, não o deixar escapar ou ser relegado a um mero sinal.
E, mais do que nutrir, trata-se de um exercício de pescaria compartilhada, em que se pode então aprender a pescar. Os trabalhos de intervenção psicológica pautados na psicologia junguiana, seja em âmbito individual ou grupal, como esta obra ilustra, tendem a resultar em tal aprendizado, possibilitando aos participantes uma atenção mais alargada e cuidadosa ao que pode se manifestar.
Alguns dos textos que se seguem têm elevado teor didático, fornecendo orientações sobre as medidas e providências necessárias, tais quais os dispositivos de iluminação e som à venda para pescadores noturnos.
E tal pescaria nos escuros territórios da sombra acaba por ser condição imprescindível à criatividade, pois dela advirá a matéria-prima a ser trabalhada e ganhar expressão na vida dos pescadores, que somos todos nós. O próprio exercício dos cuidados explicitados ajuda a nutrir o ego de uma atitude humilde e colaborativa para com o que vier a emergir, oriundo muitas vezes de uma dimensão que ultrapassa a pessoal, mas que, por outro lado, a convoca a deixar ali seu toque, seu traço, sua marca e assim, além de assimilá-lo a seus conteúdos, oferecê-lo trabalhado aos outros a seu redor.
Para arrematar este prefácio, apelo a Pablo Neruda, que em seu poema Se cada dia cai
enfatiza a atitude adequada para se encontrar a criatividade na escuridão da sombra:
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
(Últimos Poemas)
Boa leitura!
Profª. Drª. Laura Villares de Freitas
Membro-analista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e da International Association for Analytical Psychology. Professora-doutora no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, onde também orienta mestrados e doutorados.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
CRIATIVIDADE: UMA HISTÓRIA DE TESOUROS, CAVERNAS E DRAGÕES
Mário Batista Catelli
CAPÍTULO 2
SONHOS, ARTE E REALIZAÇAO DE SOMBRAS
Marfiza R. Reis
CAPÍTULO 3
SOMBRA, MORADA DE LUZ
Gloria Lotfi
CAPÍTULO 4
USO TERAPÊUTICO DA MÚSICA E DO DESENHO NO RESGATE DO EQUILÍBRIO PSÍQUICO
Suely Engelhard
CAPÍTULO 5
ADOLESCÊNCIA E A CONTEMPORANEIDADE
Luciana Claro Cunha
CAPÍTULO 6
ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DE CONFLITOS NA PSICOTERAPIA DE FAMÍLIA NA ABORDAGEM JUNGUIANA:CAMINHOS CRIATIVOS
Ligia Maria Bonini
CAPÍTULO 7
PERDER PARA GANHAR ALMA — Uma Arte
Yedda Raynsford Macdonald
CAPÍTULO 8
MEDO — PARALISAR OU TRANSCENDER
Luciana Bagatella
CAPÍTULO 9
ASPECTOS SOMBRIOS E CRIATIVOS DOS FILHOS DE ZEUS
Elza Maria Lopes
SOBRE OS AUTORES
Capítulo 1
CRIATIVIDADE: UMA HISTÓRIA DE TESOUROS,
CAVERNAS E DRAGÕES
Mário Batista Catelli
Cada um de nós é um poço de contradições em movimento, selecionadas ao longo de muitos milhares de anos. Um mergulho dentro do nosso maquinário biológico revela processos físicos cujos detalhes penetram no âmago das leis da Química, das partículas e subpartículas atômicas feitas de puro movimento ondulatório, inconcebível mesmo para a mais fértil imaginação humana. A partir dessa base, são construídas unidades arquitetônicas cada vez mais elaboradas: átomos, moléculas, células, órgãos, sistemas, organismos, psiques, individualidades, grupos (o mesmo indivíduo faz parte de múltiplos grupos), sociedade, humanidade, em que tudo interage com a luz, o ar, as águas, terras, rochas, o planeta, ao longo das estações, no percurso sempre repetido ao redor de uma estrela de quinta grandeza entre bilhões de outras, num braço de nossa galáxia espiral, em meio a incontáveis galáxias semeadas pelo cosmos. Não há qualquer parte desse imenso tecido que se encontre totalmente separada do restante e que possa formar uma unidade isolada em termos absolutos.
Voltemos ao indivíduo, esse microcosmos dentro do macrocosmos. Quase tudo o que o compõe movimenta-se com autonomia dentro das próprias leis, oferece o resultado do próprio trabalho a seus destinatários e recebe um suprimento de energia junto a ordens simples, como acelerar e desacelerar, aproximar-se e afastar-se. Esse trabalho só adquire sentido níveis acima dele próprio, quando conjugado ao trabalho de outras unidades.
Uma das funções presentes no todo que forma o indivíduo — chamada consciência — consiste em representar esquematicamente a realidade, no que ela parece possuir de mais relevante. Dentro da consciência, há outra função, especializada em olhar com pequena defasagem de tempo para o que ela própria faz e para o que lhe acontece, incumbida de identificar preferências, reconhecer a si mesma e a tudo o que a sustenta como sendo uma unidade. Demos-lhe um nome: ego.
O ego se comporta ora como um administrador, ora como um verdadeiro equilibrista, tendo exclusividade num pequeno número de operações a que chamamos de escolhas. Na verdade, ele só assina embaixo da alternativa mais bem defendida por seus assessores.
Como se trata de uma unidade de alto nível, o ego navega sobre um mar de diferentes apelos, advindos de dentro da realidade individual a que pertence, provenientes da convivência com os semelhantes, marcados pelas exigências da natureza e pela imposição de restrições a seu espaço decisório. Há demandas que se repetem: é preciso respirar, comer, dormir, movimentar-se, cumprir horários, desempenhar tarefas rotineiras; e há desafios com ingredientes novos: resolver problemas, surpreender alguém, investir energias num relacionamento, expressar um estado de espírito.
O ego é um dos mais recentes frutos da criatividade da vida. Desde que a vida surgiu, tem-se mostrado pródiga em produzir mudanças. Em meio à diversidade criativa, as alterações, em sua maior parte, resultavam inócuas, ou mesmo prejudiciais à vida, ao passo que certas variações aleatórias a favoreciam e eram, por isso, dotadas de maior capacidade de permanência e replicação. É como se a natureza fosse, ao mesmo tempo, livre para experimentar e rigorosamente crítica para selecionar suas produções. Talvez este seja o grande modelo para entendermos a criatividade.
Provavelmente a técnica do brainstorming, ou tempestade cerebral, para solução de problemas não foi desenvolvida a partir do modelo da seleção natural, porém guarda com ele algumas interessantes analogias: a criação surge sem julgamento e a seleção somente é realizada depois. No entanto, o brainstorming tende a girar em torno dos referenciais da consciência e a originar algo novo como simples variação do que já é conhecido.
Apesar de não elucidar mais profundamente os processos que promovem a criatividade, a velha seleção darwiniana e a mais recente técnica do brainstorming oferecem uma pista valiosa: o efeito inibidor da crítica prematura. Costuma-se afirmar que a criança é naturalmente criativa, mas perde sua originalidade quando aprende a se enquadrar no mundo das exigências adultas, processo que coincide com a diferenciação do ego, a construção de múltiplas personas e a formação da sombra, preenchendo tendências primordiais — arquétipos — com o material da experiência. Tais conceitos serão mais esclarecidos ao longo deste capítulo.
A criança sente-se validada ao receber aprovação ou admiração dos que a cercam, família e grupo social, nas ocasiões em que se coaduna com os valores, as crenças e as opiniões de seu ambiente. Quando não se molda ao que a sociedade aprova, também não consegue se validar, pois ainda não existe uma autorreferência suficientemente forte e o poder de validação se concentra no pai, na mãe, no professor, naqueles que sabem. Para sentir-se aceita, precisa adotar as referências — de certo e errado, bonito e feio, aprovável ou reprovável, bem e mal — que vêm de fora; precisa eliminar o que a sociedade eliminaria,