Safada
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Safada - Nalini Narayan
coração.
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Leozinho, o garoto de programa
Diogo estava bastante interessado no meu trabalho. Estudava história e pretendia escrever a tese Nalini Narayan e a construção de um ícone
, que marcaria a minha entrada pela porta da frente na universidade e não mais estaria relegada à margem da cultura e da alta literatura
. Marcamos uma entrevista num hostel discreto que contava com um barzinho descontraído. Eu cheguei bem cedo, estava mega ansiosa para dar essa entrevista. Preparei o meu melhor. Ultramaquiada, com cílios postiços e tudo. Tava uma caricatura, mas não quis nem saber, o importante era apresentar uma imagem irreal, icônica, nada normal.
Bebi uma cerveja gelada pra me acalmar. No ambiente, imagens de cangaceiros em tons de sépia... Mas nada que criasse um clima nostálgico. As cores do bar lembravam as tonalidades fortes dos quadros de Tarsila do Amaral. Parecia um bar bem brasileiro, meio sertanejo.
Um cara simpático de oclinhos de Lampião puxou papo comigo e me fez um drink especial com gengibre. Achei meio forte, mas curti. Não costumo beber e muito menos misturar fermentados com destilados. Pelo visual do cara, parecia gerente ou dono do local.
***
Quando finalmente o estudante chegou, eu já estava para lá de Marrakesh num bate-papo gostoso com o bonitão de óculos. O rapaz anotava todas as minhas reações, parecia querer testemunhar uma noite verdadeira ao meu lado. Chamávamos a atenção de todos que chegavam ao bar. Logo um casal se aproximou de nós e dali há pouco já estávamos conversando na maior intimidade: eu, o casal, o universitário e o gerente.
É sempre assim que se desenrola uma noite espontânea e livre em São Paulo. Não é tanto um mérito meu. Claro que eu aproveitei para aumentar a minha fama de safada. Exagerei na minha atuação de palhaço triste. Dava risadas artificialmente altas para constranger quem nas outras mesas demonstrasse senso crítico em relação ao nosso flerte coletivo.
***
Ao adentrar a obra de Narayan, o leitor comum imagina que vai satisfazer seus desejos masturbatórios onanistas. O leitor mais perspicaz pode imaginar que vai se iluminar sobre o
Complexo de Electra, nos termos de Freud, da sexualidade infantil feminina pelas referências shakespearianas e a morte do pai no começo da obra. (...) com clareza por vezes constrangedora, a autora explicita desejos não femininos ou masculinos, mas em todos muito próprios, uma androginia adolescente que permanece sua marca, evitando a generalização do corpo da mulher (...) aponta afinal suas armas para uma questão maior do que a sexualidade e sim para a falta de qualidade de vida inteligente no planeta. Enquanto para Freud a sexualidade feminina encontra-se em um
continente obscuro, para Narayan os desejos femininos são apresentados com absurda clareza e a problematização da sexualidade masculina passa a ser a grande questão. Seria o homem moderno médio impotente por padrão?
(CÃO, Diogo. in Nalini Narayan, a construção de um ícone, página 69)
***
Eu usava um perfume masculino para impressionar o estudante. Ele tinha um quê de filhote da tropicália, cabelos compridos, desgrenhados, mas muito bem tratados; entusiasta de Freud, colares de semente. Isso tudo era muito charmoso. Ainda mais lendo em voz alta o trecho da tese.
Todos na mesa pareciam querer transar uns com os outros. O casal era o centro da conversa. O marido era dealer, um traficante do jet set; ela, alta executiva de uma multinacional. Usavam quetamina ou special k, um anestésico para cavalo, com frequência. Convidaram-nos para continuar a noite no apartamento que mantinham nos