Políticas de ação afirmativa na educação brasileira: Estudo de caso do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da Bahia
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Políticas de ação afirmativa na educação brasileira - Penildon Silva Filho
Penildon Silva Filho
Políticas de Ação Afirmativa na Educação Brasileira
Estudo de Caso do Programa de Reserva de Vagas para Ingresso na Universidade Federal da Bahia
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Coordenação Editorial: Kátia Ayache
Revisão: Elisa Santoro
Capa: Marcio Arantes Santana de Carvalho
Diagramação: Marcio Arantes Santana de Carvalho
Edição em Versão Impressa: 2014
Edição em Versão Digital: 2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)
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Sumário
Folha de Rosto
Créditos da Obra
Dedicatória
Agradecimentos
1. Introdução
1.1 Uma tipologia da discriminação
1.2 As ações afirmativas e a evolução dos Direitos Humanos
1.3 As dimensões de direitos e as ações afirmativas
1.4 A experiência estadunidense
1.5 Exemplos de ações afirmativas no mundo
1.6 A experiência brasileira
2. A pesquisa sobre as ações afirmativas na Educação brasileira e o estudo de caso da UFBA
3. A Educação brasileira e as ações afirmativas
3.1 A Educação, as ações afirmativas e o mito da democracia racial no Brasil
3.2 O paradigma da diferença em Boaventura de Souza Santos
3.3 Discriminação e políticas afirmativas
3.4 O ingresso nas universidades
3.5 A invisibilidade do negro na sociedade: o caso da mídia e das carreiras de prestígio social
3.6 A contribuição do debate sobre as cotas para a mudança cultural na sociedade
3.7 A visão reprodutivista da escola
3.8 Diferenciação, autorreferência, reconhecimento e as cotas no Brasil
4. Capital Social: ethos e mentalidade de uma comunidade
4.1 O Capital Social e a contemporaneidade
4.2 O Capital Social, a participação cívica e o jeitinho brasileiro
4.3 A sociedade em pirâmide
4.4 Os Direitos Humanos e o Capital Social
4.5 O associativismo no Brasil de hoje e a relação entre Capital Social e Direitos Humanos
4.6 O Capital Social e a reserva de vagas nas universidades
5. O Estudo de caso na UFBA
6. O caminho das cotas na UFBA
7. As entrevistas com os cotistas
8. Apuração dos questionários: a opinião na UFBA e a disputa no espaço público sobre as ações afirmativas
Conclusões: a disputa por hegemonia cultural
Referências
Apêndice
Anexo
Paco Editorial
Lista de Quadros e Figuras
Tabela 1
Tabela 2. Statistics
Tabela 3. Cor
Tabela 4. Cotas
Tabela 5. Escola
Tabela 6. P.1.0
Tabela 7. Cotas* P.1.0 Crosstabulation
Imagem 1
Imagem 2
Imagem 3
Dedicatória
Ao professor Edivaldo Machado Boaventura, que educa muito pelas suas aulas e livros, mas educa muito mais pelo seu exemplo.
Agradecimentos
Meus pais foram e continuam sendo grandes estimuladores, aconselhadores ao longo da vida, das atividades acadêmicas e de trabalho. Não seria possível fazer um doutorado sem suas orientações e indicações.
Durante os anos de doutorado que resultou na tese origem deste livro, muitas foram as contribuições que recebi de professores, alunos, colegas de trabalho, gestores públicos, amigos. Não poderia deixar de registrar a ajuda de todos os professores da UFBA, da Faculdade de Educação e das outras faculdades, nessa caminhada.
As professoras Dora Leal Rosa, Celma Borges, Kátia Freitas; professores Roberto Paulo C. de Araújo, Robert E. Verhine, Carlos Pedrosa Júnior; todos eles foram fundamentais na orientação acadêmica e na vida. O professor Naomar de Almeida Filho nos ajudou muito nos debates sobre ações afirmativas e relatos sobre a experiência pioneira que a UFBA implementou.
Quero agradecer também à Tatiana Mendes Senna, minha querida escudeira e protetora durante esses anos no trabalho e na vida. Agradecer à Maria Cristina pela ajuda, inspiração e companheirismo nessa fase. Sem a companhia dela essa tese também não seria possível
1. Introdução
As políticas de ação afirmativa na Educação Superior no Brasil tornaram-se pauta de reivindicação de movimentos sociais, propostas de políticas públicas de Estado, no âmbito federal, âmbito estadual e nas universidades, e temas de debates muito intensos na sociedade brasileira, com uma ênfase maior nos últimos anos. Essas políticas de ação afirmativa se apresentam como políticas públicas adotadas pelos governos, leis propostas nos legislativos, decisões judiciais, iniciativas de entidades da sociedade civil ou empresas, todas essas com o objetivo de combater a discriminação historicamente construída contra determinados grupos sociais, minoritários ou majoritários na sociedade.
A proposta de reserva de vagas para afrodescendentes ou estudantes de escolas públicas nas universidades integrou a pauta da Reforma Universitária nos anos de 2004 e 2005, e as ações afirmativas constaram no Programa de Reestruturação das Instituições Federais de Educação Superior (REUNI) e projetos de lei aprovados no Congresso Federal, e essa proposição de reserva de vagas é a proposta mais clara e difundida de ações afirmativas para a Educação Superior no Brasil, embora não se constitua na única, pois há também projetos para a permanência nas instituições, preparação para o ingresso (pré-vestibulares populares) e acompanhamento dos egressos.
A proposta de reserva de vagas se coloca no debate nacional depois de, por muito tempo, essa mesma proposta não ter permeado de maneira mais forte as discussões na comunidade universitária e debates sobre políticas para o Estado brasileiro. Muito recentemente é que a reserva de vagas, ou cotas, se tornou política do Governo Federal e nos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; também foi encaminhada ao Congresso Nacional em forma de Projeto de Lei, que foi aprovado em 7 de agosto de 2012 e já implementada pelo Ministério da Educação nas instituições federais de Educação Superior.
Antes da aprovação da lei federal, que encontrou resistências parlamentares e da mídia muito intensas, as cotas já eram uma realidade passível de observação e análise em algumas instituições universitárias, como na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Todas essas ações têm o objetivo de combater a discriminação, sempre escamoteada por um mito da democracia racial
no Brasil, mas resultante de séculos de escravidão, políticas assimilacionistas, segregadoras e excludentes da cidadania plena e da igualdade substantiva.
Este livro analisa uma experiência bem sucedida de ações afirmativas na Educação Superior, na Universidade Federal da Bahia, implementada em 2004, e que serviu de parâmetro para a lei federal que foi defendida pelo atual governo federal, que estabelece uma reserva de vagas para estudantes de escolas públicas, e dentro desse contingente garante uma representação étnica-racial
igual à composição da população do local onde a instituição de Ensino Superior se encontra. E a definição de pertencimento de cada candidato a determinada cor de pele é feita pelos próprios candidatos ao vestibular, não havendo nenhuma intervenção da instituição sobre essa escolha, nem comissão da universidade que avalie a cor de pele de cada um. O critério é a assunção
de cada um que presta o vestibular, além, é claro, da escola de origem.
O livro é uma adaptação da tese de doutorado com o mesmo tema, defendida em 2008. Consideramos importante a sua publicação porque, apesar de ser uma política pública instituída em diversas instituições federais e estaduais, e contar com uma lei federal que foi amplamente debatida e aprovada no Congresso, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 25 de abril de 2012, o debate sobre as cotas e as ações afirmativas ainda enfrenta muita desinformação e um ataque sistemático de quem considera que essas medidas não contribuem para a superação das desigualdades sociais e raciais no Brasil. Desmistificar o mito da democracia racial
ainda é uma tarefa inconclusa no Brasil, que está em uma fase de consolidação e promoção de direitos inédita em nossa história, mas ainda é um país muito desigual, com privilégios muito arraigados e preconceitos que impedem um diálogo mais transparente.
1.1 Uma tipologia da discriminação
Segundo Gomes (2001, p. 19), há uma tipologia da discriminação. A discriminação racial ou de gênero seria, citando a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial:
qualquer distinção, exclusão, restrição, ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de Direitos Humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro canto da vida pública. (Art 1º)
No mesmo sentido, a discriminação de gênero é definida na Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher:
Toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou em qualquer outro campo. (Art. 1º)
A partir dessa definição de discriminação racial e discriminação de gênero, podemos identificar diferentes tipos de formas de discriminar. A forma mais visível de prática discriminatória é a discriminação intencional ou tratamento discriminatório, em que as pessoas são explicitamente discriminadas, na escolha para postos de emprego, na definição salarial discriminatória dos empregados de uma mesma empresa, na ascensão hierárquica nas corporações, no tratamento desigual dispensado pela polícia aos negros ou aos brancos, e no acesso a locais públicos, por exemplo. Mesmo com todas essas situações de discriminação flagrante, o Direito prevê que qualquer ação contra essa prática discriminatória deve ser ancorada e sustentada em provas visíveis no inquérito ou nos tribunais, e também, como há toda uma cultura estabelecida e uma história de discriminação, patrimonialismo e opressão no Brasil, muitas das práticas discriminatórias não são percebidas por amplas parcelas da sociedade, ou são vistas de forma naturalizada.
Mas por outro lado há as discriminações legítimas, que são aquelas em que determinados grupos de pessoas são impedidos de executar tarefas ou ter acesso a postos que os prejudicariam em tese. Também nessa categoria de discriminação legítima há as ações afirmativas ou a discriminação positiva,
um tratamento preferencial a um grupo historicamente discriminado, impedindo que o princípio da igualdade formal, expresso em leis que não levam em consideração os fatores de natureza cultural e histórica, funcione na prática como mecanismo perpetuador da desigualdade.
A lei deve estabelecer mecanismos que se contraponham à herança histórica que reproduz a desigualdade e o status quo.
As ações afirmativas, que têm esse caráter reparatório e consubstanciador de uma verdadeira igualdade
, a igualdade substantiva, não necessariamente são materializadas apenas em leis, no ordenamento jurídico. As ações afirmativas podem ser implementadas pelo Estado ou pela sociedade civil. No Estado, o Poder Executivo pode