A construção social da cidadania em uma sociedade intercultural: o ensino da cultura e da história africana e afro-brasileira em sala de aula
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A construção social da cidadania em uma sociedade intercultural - Diogo da Silva Roiz
(2018).
CAPÍTULO 1
Da leveza da adolescência ao peso de ser adulto:
personalidade, profissão, religião e cidadania entre alunos do ensino médio de uma escola pública no interior do estado de São Paulo
¹
Introdução
No momento tenho em vista fazer uma faculdade de direito, mas qual profissão quero seguir eu ainda não sei. Quem faz direito tem um leque de opções: advocacia, promotoria, desembargadoria, oficial de justiça, até juiz… é difícil saber ao certo o que quero.
Outras faculdades que faria são psicologia e relações públicas. Pode ser que daqui a um mês tenha mudado de ideia, mas a vida não é assim.
Gosto de falar, até demais, sou muito crítica e acho que promotoria seria uma bela profissão (isto é, se eu não conseguir fazer o mestrado e o doutorado em direito).
2b24.
A definição de um campo profissional começa a ser o foco das escolhas e das expectativas de qualquer adolescente ao chegar ao ensino médio. A família passa a investir para o jovem desenvolver esse tipo de iniciativa e fazer uma escolha profissional, a escola, por sua vez, constitui um dos locais fundamentais para essa preparação, e a sociedade e o mercado de trabalho assim o exigem.
O problema é que nem sempre o ensino fundamental prepara a criança para chegar à adolescência, tampouco algumas famílias participam do processo ou, ainda, nem sequer o ensino médio fornece subsídios para o jovem agregar elementos que convirjam para suas vocações e expectativas, assegurando-lhe caminhos para escolher uma profissão ou pelo menos pensar possibilidades para se firmar em uma.
As opções que uma aluna do ensino médio indicou nos possibilitam refletir sobre alguns desses pontos:
•ainda que mantenha um campo aberto de opções, o adolescente já tem certa convicção do que quer fazer profissionalmente, isto é, usar com lucidez seu senso crítico
para dirimir sua ação pela lei (direito), pelo aconselhamento (psicologia), ou pela representação social (relações públicas);
•o momento em que se encontra é transitório, como transitórias podem muito bem ser suas opções elencadas;
•o mais importante nesse momento é planejar, não escolher.
Mas como os adolescentes avaliam esse momento de transição entre a juventude e a entrada no mundo dos adultos? Como o ensino médio prepara esses alunos? Como as disciplinas de história, de ensino religioso e de filosofia podem contribuir com esse processo? De que maneira esses campos disciplinares poderiam desenvolver um trabalho interdisciplinar produtivo a respeito das relações de trabalho no mercado nacional e internacional e da escolha do exercício de uma profissão? Essas foram algumas das questões que nortearam as reflexões que procuraremos fazer ao longo deste capítulo.
Por isso mesmo o objetivo central aqui foi descrever a experiência com um trabalho interdisciplinar entre as disciplinas de história, ensino religioso e filosofia, desenvolvida em 2004 na Escola Estadual Agnes Rondon Ribeiro
(atualmente municipalizada), localizada na cidade de Santa Fé do Sul, no interior do estado de São Paulo, no que tange à preparação de alunos no fim do ensino fundamental II (oitava série, atual nono ano) e no ensino médio (primeiro e segundo anos) para o exercício da cidadania, a escolha profissional e a reflexão do mundo em que vivem.
1. O Brasil em tempos de mudança
Em 2004 foi lançado o Projeto Brasil 3 Tempos (2007, 2015 e 2022), então considerando: definir objetivos estratégicos nacionais de longo prazo que possam levar à construção de um pacto entre a sociedade e o Estado brasileiro acerca de valores, caminhos e soluções para a conquista desses objetivos
, além de almejar criar condições para a institucionalização da gestão estratégica dos objetivos nacionais de longo prazo
(PROJETO Brasil 3 Tempos, 2004, p. 5). De forma sintética, esperava-se que o Brasil chegasse a 2007 com o estabelecimento de um pacto entre a sociedade civil e o Estado; em 2015, que o país cumprisse as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o novo milênio; e, em 2022, que fosse possível chegar aos 200 anos de independência do país em um contexto de máximo bem-estar social e desenvolvimento econômico possíveis
(PROJETO Brasil 3 Tempos, 2004, p. 10).
Para a efetivação do projeto em sua plenitude, esperava-se que a nação e o Estado amadurecessem uma dimensão institucional (na qual fosse possível estabelecer o fortalecimento da democracia, a ampliação da cidadania e o respeito aos direitos humanos); uma dimensão econômica (dando margem a um crescimento sustentável com estabilidade macroeconômica, geração de emprego e renda, ampliação do mercado de trabalho e melhoria da infraestrutura, produtividade e conquistas de novos mercados internacionais); uma dimensão sociocultural (em que seja possível a diminuição das desigualdades, fortalecimento das identidades brasileiras, respeito à diversidade étnica, aos credos religiosos e às culturas regionais); uma dimensão territorial (associada à diminuição das disparidades regionais, à segurança do indivíduo e a seus bens e de suas instituições); uma dimensão do conhecimento (com educação de qualidade, universalização do acesso às informações, ampliação da capacidade de geração de conhecimento científico, tecnológico e de inovação e a interação entre os saberes populares e o científico); uma dimensão ambiental (com a preservação do meio ambiente e a ampliação da proteção dos ecossistemas brasileiros, o uso sustentável dos recursos da biodiversidade, das fontes energéticas e minerais, assim como dos recursos hídricos); e uma dimensão global (com a defesa do multilateralismo, maior participação nos processos decisórios mundiais e inserção internacional dinâmica) (PROJETO Brasil 3 Tempos, 2004, p. 16-25).
O projeto começou a ser executado em um momento no qual o governo de Luiz Inácio Lula da Silva iniciava seu segundo mandato (2006-2009), que, nas palavras de André Singer, favoreceu a aceleração do crescimento econômico com a diminuição da desigualdade, sobretudo mediante a integração do subproletariado à condição proletária via emprego formal
(SINGER, 2012, p. 16). Para esse autor, o lulismo partiu de grau tão elevado de miséria e desigualdade, em país cujo mercado interno potencial é expressivo, que as mudanças estruturais introduzidas, embora tênues em face das expectativas radicais, tiveram efeito poderoso, especialmente quando vistas da perspectiva dos que foram beneficiados por elas
(SINGER, 2012, p. 21). Em relação a tal questão, Marcos Nobre aponta que o governo Lula procurou combinar uma tática de produzir ‘credibilidade perante os mercados’ com uma pretensão de mudar o gerenciamento do sistema político herdado do período anterior
(NOBRE, 2013, p. 101), e ao qual procurava se distinguir veementemente.
É nesse contexto específico que devemos inquirir a formação de jovens alunos e alunas no fim do ensino fundamental II e no ensino médio, e sob quais condições passavam a projetar suas expectativas profissionais no mercado de trabalho brasileiro do início do século XXI.
2. A lei no papel
Ao mesmo tempo em que ocorriam mudanças no país, convergindo com o aumento das expectativas da população perante um mercado de trabalho nacional em expansão, também começavam a ser promulgadas leis que visavam mudar as perspectivas diante do passado, do presente e do futuro da nação brasileira, assim como na forma pela qual certas etnias eram tratadas historicamente no país. A Lei n. 10.639/2003, que tornava obrigatório o ensino da cultura e da história africana e afro-brasileira, almejava fortalecer o respeito à diferença, o aumento dos direitos humanos e a ampliação da cidadania, especialmente em relação aos grupos marginalizados (índios e afrodescendentes)².
Com a aprovação dessa lei, mais um passo importante foi dado em direção ao oferecimento de um ensino de história renovado, no qual fosse incluído o ensino da cultura e da história africana e afro-brasileira. Tal medida dava continuidade aos projetos do governo federal de valorização dos diversos grupos étnicos e culturais do país, incentivando um melhor conhecimento de nossa cultura e história, que fora então iniciada com a aprovação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para as escolas indígenas, em 2002³, contribuindo diretamente no oferecimento de um ensino fundamental específico àquelas etnias. Evidentemente, a participação e a ação dos movimentos sociais foram decisivas para que o governo federal procurasse aprovar leis e implementar políticas públicas voltadas para essas camadas sociais (RISÉRIO, 2012).
No entanto, se por um lado foram dados passos importantes no intuito de adequar o ensino oferecido nas escolas públicas de ensino fundamental e médio à nossa realidade
de país mestiço – tal como já havia sido apontado por muitos autores, como Darcy Ribeiro (1997) em seu livro O povo brasileiro –, diverso na cultura e variado etnicamente, de outro, o governo federal não estava alcançando a mesma eficiência para melhorar as condições de oferecimento do ensino nas escolas, valorizando e capacitando adequadamente os professores para estarem aptos a executar tais metas e mudanças pedagógicas na apresentação desses conteúdos, além de serem ainda escassos estudos e pesquisas que viabilizassem aos professores das redes públicas de ensino a capacitação e o conhecimento necessários para ministrarem suas disciplinas, adequando-se as medidas legais e as oferecendo com as inovações necessárias (ROIZ; SANTOS,