Maria, mãe da humanidade: Fr. Bruno Varriano
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Sobre este e-book
Frei Bruno Varriano apresenta, neste livro, Maria de Nazaré na sua humanidade e realidade concreta, que viveu como todas as mulheres hebreias, sendo filha, mãe, esposa e, por fim, viúva, cultivando e custodiando no seu coração o "Deus" que a criou. Custodiou nela o divino, mantendo- se humana.
O livro é um convite para darmos continuidade a esses ensinamentos em nossas idas e refletirmos a imagem de Cristo e o perfume do Seu Evangelho.
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Maria, mãe da humanidade - Fr. Bruno Varriano
Maria!
Prefácio
Maria, Mãe da Humanidade, mas também Maria, Mãe de humanidade. Fr. Bruno Varriano escolheu este título aberto, pois ele apresenta Maria como mulher que, na sua cotidiana humanidade, nos mostra um modelo de humanidade universal, válido a todos e para todos os tempos. Não porque ela fez grandes coisas, mas porque permitiu que o Altíssimo fizesse nela grandes coisas, dentro da sua vida ordinária, de todos os dias. É interessante, porém, que o livro não apresenta uma humanidade genérica e nem mesmo uma mulher qualquer. Maria é a Mãe de Jesus, do Messias, do Salvador, de Deus que se fez homem para que o homem seja mais humano
(F. Hadjadj). Quando falamos de Maria neste contexto, falamos então que também Jesus, na sua humanidade, se torna próximo da nossa realidade humana. A relação com Maria nos leva ao encontro Daquele que é o centro e fim de tudo: Cristo Jesus.
Existe um detalhe na tradição hebraica sobre a criação do homem. No criar o homem, Deus tinha criado por primeiro o céu e a terra e, depois, todos os elementos celestes e terrestres em maneira equilibrada. De um lado, todos os elementos celestes, como o firmamento, o sol, a lua e todos os elementos que estão no céu. Do outro lado a fauna, a flora e tudo aquilo que forma a vida terrestre. No sexto dia (Deus) veio para criar o homem e disse: ‘Se o criarei me servindo dos elementos celestes, ele se tornará superior a toda a criação terrestre, porém a criação é única e assim não existirá a paz no mundo’. Farei assim, disse Deus Criador: ‘Vou criá-lo me servindo dos dois elementos, celeste e terrestre, para que tenha paz no mundo’
. De fato, está escrito: O Senhor Deus plasmou o homem com o pó do solo
(Gn 2, 7), então ele pegou do elemento terrestre e soprou nas narinas do homem o hálito de vida (cf. Gn 2, 7) e estes são os elementos celestes (Bereshit Rabbah 12, 8). Nesta belíssima passagem, a tradição hebraica, dos quais o presente livro é muito rico, nos diz que o
homem" é o lugar onde o céu e a terra se encontram.
E diz também que a paz no mundo depende do equilíbrio do homem. Se o homem em si mesmo faz prevalecer o seu ser terrestre, se desfazendo dos elementos celestes e espirituais, não teremos a paz no mundo. E se faz prevalecer os elementos celestiais e espirituais a despesa daqueles terrestres, também não teremos a paz. Fr. Bruno, neste livro, simples e claro, nos mostra como esta Mulher Maria de Nazaré, teve vivo no seu coração e na sua vida este importante equilíbrio. Fala-nos desta mulher completamente humana, que viveu como todas as mulheres hebreias do tempo terrestre
, como todos nós: filha, mãe, esposa e, por fim, viúva, que na sua cotidianidade cultivou e custodiou no seu coração o Deus
que a criou. No seu coração e no seu seio virginal. Custodiou nela o divino, mantendo-se humana. É exatamente isso que o autor do livro nos leva a compreender nas páginas desta obra.
A Encarnação, que é o coração da fé cristã, se compreende somente olhando Maria. Somos chamados a fazer dela a nossa história e, assim, a Escola de Nazaré
nos continuará a transmitir através das páginas do Evangelho a verdadeira Escola de humanidade
. Estou certo que Fr. Bruno Varriano, vivendo já há tantos anos no Lugar Santo que guarda o sim
de Maria, foi inspirado a escrever no mistério que, pouco a pouco, se encarnou em seu coração e deixa claro a razão porque através dos seus livros, ele consegue falar ao coração de tantos homens e mulheres, cristãos, hebreus e mulçumanos. Sustento com prazer a leitura deste livro e recomendo a publicação, o quanto possível, em outras línguas.
Jerusalém, 17 de novembro de 2017.
Dom Pierbattista Pizzaballa, OFM.
Arcebispo Adm. Apostólico do Patriarcado Latino de Jerusalém
introdução
Para um filho que ama a própria mãe e procura descrever a sua beleza, não necessita de muitas palavras. No entanto, desde quando cheguei a Nazaré, para ser o guardião da casa de Nossa Senhora e reitor da magnífica basílica dedicada ao santo mistério da Encarnação, muitos amigos, peregrinos e confrades me pedem para escrever sobre a Virgem Maria e, assim, contribuir na reflexão daquele sim
que mudou a sorte da humanidade. Depois de uma breve resistência, dou início a esta obra na tentativa de compreender aquela mulher humana e santa, que não desprezou mas abraçou a sua historia e realidade, e viveu a cotidianidade daquele que era o pequeno povoado de Nazaré, nunca mencionado nas Escrituras. Gostaria, então, de apresentar Maria de Nazaré na sua humanidade e realidade concreta procurando colocá-la no seu contexto autêntico, aquele da Galileia do primeiro século.
Nada de extraordinário ou impressionante, mas aquilo que eu amo chamar simplesmente de vida ordinária
, que não quer dizer insignificante
, ao contrário, ela vive na experiência humana o evento de trazer no seu seio virginal o Verbo que se fez carne
: et Verbum hic caro factus est, e este hic (aqui) tem a sua morada concreta naquela criatura humana. Com a Encarnação, foram derrubadas as barreiras e Ele se torna o Emanuel
, Deus conosco e, assim, na vida ordinária de Maria de Nazaré, se realiza a promessa da arca santa
em nosso meio (cf. 1Rs, Samuel 5, 1-7). Realmente, tiradas as barreiras, contemplamos o retrato realístico de Maria no seu contexto religioso, político e social, tornando-se tão próxima da nossa condição humana. Partindo dos textos evangélicos, tendo como pano de fundo as origens hebraicas de Maria e com aquilo que a arqueologia nos confirma quanto ao contexto físico e social deste santo lugar onde ela viveu, cresceu e fez crescer o Filho de Deus, vamos buscar reconstruir a sua existência humana, impermeada do divino
, que a exaltou com a sua maternidade divina.
Escrevendo aqui (hic), do lugar onde o Verbo
se fez Carne, local da Kenosis
(abaixamento), de Deus, reconhecendo o meu limite, pedi o auxílio de Fr. Frédéric Manns OFM, docente emérito de Sagrada Escritura do Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, já decano da mesma faculdade e de fama internacional entre os melhores conhecedores das fontes hebraicas do Novo Testamento. A ele o meu agradecimento pelo encorajamento, proximidade fraterna nas indicações, correções e supervisão no conteúdo bíblico, fontes hebraicas e arqueológicas.
Este opúsculo, que me permito de chamar de livro
, se articula em oito capítulos. Uma das características de todos os capítulos do livro é uma oração conclusiva, com a qual o irmão e irmã, companheiros neste itinerário de conhecimento da humanidade de Maria e da sua maternidade universal, é convidado(a) a rezar e deixar-se conduzir pelo Espírito Santo, para que, através do nosso sim
, como aquele da Virgem Maria, o mistério da Encarnação possa continuar em nossas vidas e o Evangelho posso propagar-se em todos os confins da Terra.
O primeiro capítulo é o reconhecimento das origens hebraicas e do contexto histórico de Maria de Nazaré, seguido dos capítulos que colocam Maria na sua humanidade concreta de sentimentos, fatos e situações que a fazem modelo de humanidade e santidade, porém não destacada de nossa realidade. Assim, estes capítulos aproximam Maria a cada um de nós, homens e mulheres necessitados de Deus, do Seu olhar, da Sua salvação. A sua humanidade materna se torna, um percurso, como afirma os Padres da Igreja, de modo especial Santo Irineu. Por isso, a maternidade de Maria é um caminho: Nazaré, Caná de Galileia, Calvário, para se tornar a mãe de toda humanidade, na maternidade universal.
O quinto capítulo apresenta Maria como discípula de Seu Filho, aquela que se assemelha à nossa condição. E se nos parece impossível imitá-la em sua maternidade divina e santidade imaculada, torna-se acessível seguir o seu exemplo de peregrina e discípula do Bom Mestre de Nazaré. No sexto capítulo, Maria, mesmo na sua condição de viúva, não deixou de seguir o Seu Filho no mistério do sacrifício pascal e de salvação. No calvário, Jesus compartilha com seus discípulos o dom de sua mãe. E ela continua presente no Pentecostes da Igreja, qual mãe do Ressuscitado, unida aos apóstolos na Igreja e com a Igreja de Jerusalém, na espera confiante do Espírito prometido pelo Crucificado depois da ascensão ao Pai.
No sétimo capítulo, a nossa reflexão acolhe a humanidade de Maria na sua profecia: Todas as gerações me chamarão bem-aventurada
(Lc 1, 48). Uma maternidade que se estende a toda humanidade. Aqui, iremos apresentar Maria no diálogo inter-religioso como expressão de nossa abertura aos nossos irmãos maiores hebreus, e os irmãos mais novos, os muçulmanos, assim como os amava chamar São João Paulo II, ao nos recordar que somos todos filhos de Abraão. E da universalidade da maternidade de Maria, iremos adentrar na maternidade de Maria para a Igreja, para os discípulos de seu Filho, para os quais ela é o sustento e intercessora.
Enfim, a obra se conclui no oitavo capítulo, com a apresentação da humanidade de Maria na vida dos discípulos e de sua Igreja, privilegiando, mesmo que brevemente, o exemplo de quatro mulheres: Santa Clara de Assis, Santa Teresa de Calcutá, Madre Cecília do Coração de Maria e Madre Maria Bernadete de Jesus, que viveram a vida de Jesus, o seu Evangelho na Igreja, no modelo de Maria, na sua humanidade e maternidade por todos os seus filhos. Estes exemplos são em analogia à narração de São João (cf. Jo 19, 25), no trecho das quatro mulheres que permaneceram junto à cruz de Cristo, memória das quatro mães de Israel no Antigo testamento.
Estes exemplos, bem como todo o livro, são um convite para darmos continuidade a esses ensinamentos em nossas vidas e refletirmos a imagem de Cristo e o perfume do Seu Evangelho. Deste modo, iremos a Ele com Maria, que continuamente nos recorda o que disse nas Bodas de Caná: Fazei tudo o que Ele vos disser
(Jo 2, 5).
Nazaré (Israel), 12 de Outubro 2017.
Jubileu dos 300 anos de Aparecida.
800 anos da presença franciscana na Terra Santa
Fr. Bruno Varriano, OFM.
Maria, mulher hebreia de Nazaré
Neste primeiro capítulo, me permito chamar Maria de mulher hebreia de Nazaré
, partindo da sua história humana no contexto de Israel. Sem a conjuntura histórica, o conhecimento de Maria se torna desconceituado. Maria, querida por Deus, foi inserida em Israel e na Igreja. Para os hebreus era mãe de um conhecido homem; para a Igreja é o lírio imaculado a qual oferece a devoção e da qual colhe o perfume para servir as necessidades da humanidade por todas as gerações. Para entender Maria como instrumento empenhado do povo de Deus e como excelência nas mãos de Deus, necessitamos pensar Maria em sua realidade humana, com suas dificuldades, e como membro do povo eleito e cooperadora da luta para levar até os confins da terra a luz do Altíssimo.
Todas as manhãs, quando se levantava, como todas as filhas de Israel, Maria começava o seu dia bendizendo Deus com a barakha
: Bendito sejais Tu, Senhor, que me criastes segundo a vossa vontade
. Os homens, como sabemos, rezavam orações diferentes. Nas orações elevadas a Deus, Maria aceitava plenamente a sua condição de mulher e, em todas as manhãs a sua memória feminina se transportava às primeiras páginas da Bíblia, ao hino de Deus Criador, que deu dignidade tanto ao homem quanto à mulher, criados no sexto dia: os fizeste pouco menos de um deus, de glória e honra os coroastes
(Sl 8, 6).
Como todas as mulheres judias, Maria tinha o direito ao tempo disponível durante o dia para ir à sinagoga e escutar a Palavra de Deus. Neste primeiro século, as sinagogas eram de forma retangular com salas comuns. O rótulo da Lei tinha um lugar de honra dentro do armário, uso comum até nos dias de hoje nas sinagogas de Israel. O mesmo rótulo servia de livro de leitura para os jovens durante a jornada, porque os pequenos povoados não tinham condições econômicas para adquirir outros livros.
Na simples sinagoga de Nazaré, Maria podia se nutrir das Sagradas Escrituras. Antes mesmo de ser lugar de oração, a sinagoga era um lugar para se aprofundar no conhecimento da Palavra de Deus. Maria ouvia todos os dias o Shemà Israel (Escuta Israel
) e