Aprender a escolher: Ensinamentos de pai para filho
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Aprender a escolher - Anderson Marçal
Pará
Introdução
Em tempos nos quais nos deparamos com uma verdadeira carência de pai, ao escrever este livro, não tenho, de forma nenhuma, a pretensão de ensinar aos homens do nosso tempo como serem pais de seus filhos, mas, sim, um alerta, um pedido e uma direção para cada um destes em relação à importância que a figura paterna tem na vida de cada um de nós.
Falar de pai para mim, que sou padre (e padre também é pai), não chega a ser uma exigência, ou uma consequência de uma escolha equivocada, ou um trauma, ou qualquer coisa que eu queira esquecer. Mas falar de pai para mim significa falar de uma figura das mais importantes que tive na vida, pois foi o meu pai, José Ribamar, que me ensinou quem eu deveria ser. E ser também significa escolher. É claro que aqui não falo do ser humano na sua essência antropológica, seja ela filosófica ou teológica. Mas quando falo de ser, falo do agir que segue o ser, ou seja, quem eu escolho ser, e como consequência, como eu escolho agir diante das mais variadas situações e circunstâncias da vida.
Mas, primeiramente, preciso falar da pessoa com quem eu aprendi a escolher, antes mesmo de falar do que eu aprendi. Meu pai, José Ribamar, ou Ribamar, ou ainda, apenas Riba, nascido em 28 de maio de 1939, na cidade de Pacajús, no estado no Ceará, era o segundo filho de uma família de 8 irmãos, sendo que a primeira filha veio a falecer ainda bebê. Seus pais eram Joaquim e Ana, meus avós – qualquer semelhança com os nomes dos avós de Jesus é, para mim, uma grande responsabilidade na vocação como sacerdote.
Ribamar era um homem trabalhador, justo, honesto, responsável, bom, que não guardava rancor em seu coração e trazia uma marca reconhecida por todos que o conheceram: sua simpatia e seu sorriso constante. Onde estava, fazia amizade. E onde estivesse mesmo, seja no ônibus, seja num ponto de táxi, seja caminhando pelas ruas, falava com todos e não excluía ninguém.
Infectado por uma superbactéria, veio a falecer aos 76 anos, no dia 4 de dezembro de 2015, deixando um legado de vida invejável a muitos, seja para minha família doméstica (eu, minha irmã e minha mãe), seja para os de fora, que, ao saberem da notícia do seu falecimento, traziam em seu rosto a frustração de não mais vê-lo andando pelas ruas do bairro em que morava, fazendo e sendo prova visível do bem, provando que é possível ser gentil e bom num mundo frenético e desajustado, como é o tempo em que vivemos.
É claro que eu poderia dizer ainda muito mais do meu pai, mas falarei, ao longo deste livro, das experiências vividas, das que gostaria de ter vivido, e principalmente da importância na minha vida de ter tido um pai de verdade.
Vou falar de coisas que vivi? Sim. Mas não tenho a pretensão de fazer uma autobiografia. Minha intenção é que o caro leitor possa fazer uma leitura da própria vida, das próprias escolhas, dos próprios aprendizados e, principalmente, da urgência nos nossos tempos de termos verdadeiros pais, que sejam referências, que sejam líderes, que sejam indicadores de caminho. Pais que possam nos colocar limites, que digam não, quando necessário, que digam sim, sem segundas intenções. Que sejam pessoas nas quais possamos confiar e que tragam para nós a firmeza, a segurança, a ordem, a ética, a moral. Que sejam homens de verdade, varões, e que possam nos passar o verdadeiro Amor do Pai.
Nossos tempos serão lembrados como tempos da crise do homem por vários motivos, e o principal deles é a inversão de papéis na família – resultado de uma história marcada pela luta de classes entre homens e mulheres que trouxe como consequência não a autonomia da mulher na sociedade, mas, como já falado acima, a inversão de papéis. Aqui não digo de forma preconceituosa ou demagoga, mas histórica: é preciso reconhecer que, a partir da saída da mulher da própria casa, para trabalhar, como resultado de uma enxurrada de desafios postos sobre ela, o homem se perdeu na sua posição como esposo e pai. E isso, claro, trouxe consequências devastadoras para os filhos. Nas páginas que seguirão, trago algumas experiências vividas: que tive que aprender forçadamente, para não ir ou, às vezes, sair do fundo do poço, e também aquelas que aprendi a escolher com meu pai.
Aqui vale uma palavra também sobre minha mãe, pois como diz o ditado popular: por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher
. Minha mãe foi e é esta grande mulher, que soube, antes de tudo, ocupar seu próprio lugar como esposa e mãe, levando sempre o seu marido, meu pai, a ocupar o seu lugar na educação dos filhos, na economia da casa, na administração das tensões e dos desafios. Posso dizer, com muita alegria e muito louvor a Deus, que cada um pode nos mostrar (a mim e à minha irmã) que a vida será dura para quem é mole e que sempre vale a pena viver. Na complementaridade da vida como esposos e na fidelidade um ao outro, fortalecidos pelo Sacramento do Matrimônio vivenciado por 43 anos, puderam provar que o até que a morte nos separe
é possível somente quando cada um dos cônjuges ocupa seu próprio lugar, promovendo o outro e permitindo que o diálogo seja sempre a melhor opção na hora das decisões em família e sobre a família.
Para temperar e esquentar nossa conversa, caríssimo leitor, não trarei dogmas religiosos, mas valores. Não trarei conceitos, mas vida vivida. Tentarei não trazer teorias nem receitas, mas testemunhos e provocações a uma resposta, a um exame de consciência. Não é uma leitura para filhos, nem para pais, mas para cada um que quer rever sua própria história já escrita, e, principalmente, aquela que ainda será escrita.
Aprender a escolher: ensinamentos de pai para filho quer ser, antes de tudo, uma ponte de relacionamento entre pais e filhos, um diálogo entre gerações diferentes, a narração de uma história real que possa inspirar histórias a serem construídas.
Escolher confiar
De bicicleta no Horto Florestal e nadando na Represa da Cantareira
Falar de confiança na vida do meu pai é mais do que falar em uma atitude, mas em uma virtude. Sua maneira de confiar sempre foi um marco na sua vida, principalmente porque esta confiança o tornava uma pessoa paciente e livre, que sempre dava uma nova chance e não o deixava guardar rancor em seu coração.
Para ele, confiar não era apenas esperar que alguém pudesse fazer ou não determinada coisa, mas era estar aberto ao processo que o outro vivia, mesmo que, por inúmeras vezes, sua confiança fosse traída. Este era o seu diferencial: confiar não era esperar que o outro pudesse fazer aquilo que ele queria ou esperava. Confiar era colocar sua vida nas mãos de alguém sobre aquele determinado assunto ou determinada circunstância.
Mas isso não é perigoso demais? Colocar a própria vida nas mãos dos outros não requer certa dose de insensibilidade, insanidade, ou até mesmo de anestesia? Isso não o fazia até muitas vezes bobo ou inocente demais? Como confiar até esse ponto?
Lembro-me de que até eu ficava indignado ao ver essa maneira de confiar do meu pai, pois ele não apenas confiava em pessoas conhecidas ou próximas, mas também em pessoas desconhecidas e até mesmo que não inspiravam nenhum tipo de confiança.
É claro que muitas vezes existiam as traições, as decepções e as desilusões. E isso é extremamente normal quando tratamos com pessoas humanas. Mas nessas horas, qual era a postura do meu pai? Vida que segue, nova oportunidade dada, caso precisasse. Poderia até no início ficar bravo, ou até mesmo irado, mas aquilo era por pouquíssimo tempo, pois logo depois tudo continuava tranquilo e a superação acontecia de maneira normal. Podemos dizer, num termo técnico, que a sublimação acontecia.
Isso o levava a viver melhor, de maneira mais leve, e a vida se tornava mais bela, pois aquilo que poderia azedá-lo não era capaz de fazê-lo, pois a capacidade de confiar novamente o fazia capaz de sair quase que ileso das decepções da vida, que posso dizer que não foram poucas, pois pessoas assim são mais abusadas na sua confiança, mas vivem melhor, seja fisicamente, seja psicologicamente.
Essa confiança, é claro, também vinha de Deus. Mesmo sem ser um homem de muita oração religiosa, sua oração e sua confiança em Deus se transmitiam em atos, em atitudes de perdoar, de dar mais uma chance, de não condenar. Isso, depois dos meus anos de atendimento em confessionários como padre, fez-me pensar na maneira que Deus nos trata. Ele é Misericórdia para nós, pois confia em nós muito mais do que confiamos Nele, e por isso sabe que, ao nos dar mais uma chance, podemos nos tornar cada vez melhores.
Dentre tantos momentos em que aprendi a confiar no meu pai, destaco dois, sobre os quais até hoje eu reflito. O primeiro foi quando ele me ensinou a andar de bicicleta; e o segundo, quando ele me ensinou a nadar. Quando eu tinha, mais ou