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Preto Suave
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E-book71 páginas1 hora

Preto Suave

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Sobre este e-book

O estilo cinematográfico "noir" vai perdendo seus pesados "clichês" para uma trama envolvente na cidade de São Paulo. Personagens pós-modernos ganham ritmos em cenas de procuras amorosas, crimes, conspirações empresariais e políticas, o que está por trás das manchetes dos jornais.
A narração intercalada, desenvolvida por duas das personagens, mostra as faces da metrópole, criativa,
ingênua, conspiratória, criminosa. É o momento atual inovador da procura da democracia, desafiada nesta nova literatura, que se conforma na realidade horizontal e líquida, sem padrões autoritários, finalmente, o que somos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de jul. de 2016
ISBN9788586261893
Preto Suave

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    Preto Suave - Ricardo Mello

    Ela entrou suave pela porta da agência na Praça da Sé, preferiu a cadeira de vime à poltrona com mesa e revistas, não acendeu cigarro nem baixou o rosto, seu olhar parecia tudo ver sem olhar para lugar algum, não soube eu abordá-la numa atitude impulsiva, respirei fundo, tomei uma água e um café com hortelã na cozinha, sorri como se encerrasse algum trabalho e também suavemente pude falar. Em absoluta espontaneidade ela espalhou o olhar pelo meu corpo, que, num esforço, pôde segui-la à sala privativa com escrivaninha, ainda lutando contra a tensão corporal perguntei se estava confortável.

    Nas relações sociais chamavam-na Malu, decorrente do nome Maria Luiza, que eu escolhi pretendendo deixar natural a distância respeitosa profissional. Não sabia como terminar a introdução que se fazia longa, ela se adiantou.

    – Como poderia dizer? Meu marido morreu nos meus braços, ele levou tiros, estávamos na enfermaria pós-cirurgia, ele quis me abraçar para morrer. Ela não conseguiu pronunciar mais nenhuma palavra tal o tremor em seu queixo choroso, ofereci-lhe lenço para os olhos, outro para o nariz, quando me apercebi, também secava os olhos, trouxe uma chávena completa, voltei do banheiro e ela também se recompunha.

    – Como eu dizia, ele levou tiros e não aguentou, era policial, trabalhava no distrito da cidade. – Sua narração foi novamente interrompida e ela, retornando à total espontaneidade, permaneceu encarando-me como se olhasse para a parede. Esqueci de prestar atenção na próxima pergunta importante e, para que não mostrasse o tolo, alterei o olhar para um final gole do chá.

    – Eu não sei se posso trabalhar neste caso, um policial! Morto a tiros! O meu escritório! Não sou criminalista, apenas levanto provas para processos civis, fotografando e fazendo relatórios, eu posso te indicar um escritório maior, mais equipado.

    – Não, não quero nada muito profissional, não quero honorário financiado por banco, precisa ser alguém como você, que possa se envolver.

    Eu já estava envolvido, ela tinha os cabelos curtos, pretos e encaracolados, num rosto pouco arredondado, marcado por lábios longos e pouco estofados, desenhados de maneira mágica, a construir uma estética superior do desenho nativo, vivo, expressivo nas palavras, tristes no momento, a tornar-me pasmado à perigosa paralisação submissa.

    – Afinal, você quer que eu descubra quem matou seu marido?

    – Exatamente. Enxugou as últimas lágrimas com lenço de papel que guardou em sua bolsa.

    Malu voltou só a seu apartamento tendo me deixado um adiantamento de cinco mil reais. Um automóvel grande e pesado saiu pela porta da garagem lateral pouco após ela ter se trancado para a refeição da noite, soou o interfone da portaria, um rapaz chamado André queria lhe falar:

    – Desculpe, eu espero que você compreenda. – Ela se voltou, bocejando, preparando-se para tomar banho. – Quem pediu para buscá-la foi o próprio Tomasino. O pedido do gerente da noite fê-la se apressar, o carro estacionou ao lado da boate, não estava muito cheia àquela hora mas, como sempre, um acontecimento, o show não era somente de transformistas e seus musicais humorados, agora de músicos, bailarinas, stands up. Eclético ao ponto de interessar a classe empresarial ávida por divertimento e sexo. No escritório da gerência estavam, além de Tomasino, Beto, Cláudio, Pedro e eu, o André.

    Tomasino a recebeu com extrema sensibilidade, conduziu-a com as duas mãos a sentar-se numa estreita poltrona de madeira, com o resto do pessoal se virando para mirá-la e sentir a profunda dor da perda do marido, libertada do peito arfado de uma garota hétero. Finalmente, todos se quedaram para ouvi-la:

    – Eu não tenho nenhuma ideia de quem possa, ou o que deve ter ocorrido, mas sei que devo continuar. – Cláudio, o mais velho do grupo, interrompeu para explicar:

    – Você deve isso a ele pelo amor que sentia, para encontrar uma forma de continuar vivendo, você sofre de duas dores, a morte e a perda do amor. – Cláudio conseguiu sensibilizar os ouvintes gays, principalmente a mim, que aprecio a tristeza, que ergui os olhos para melhor admirar a beleza triste estampada no rosto dela.

    – Eu fico muito agradecida. Não sei o que vocês podem fazer, acabei de contratar um detetive particular. – Malu pretendia tudo revelar, mas foi interrompida, como todos, pela respiração pesada de Tomasino, que também estirou o corpo para melhor ser compreendido:

    – Não há problema, nos mantenha informados, na verdade achamos sim que podemos ajudá-la, não somente pelo fato de ser mulher apaixonada por um homem, mas também por estarmos ligados de alguma maneira, afinal a polícia vive nos perturbando, nos espoliando, forçando-nos a atitudes indecentes, preconceituosas, nada mais que a nosso direito.

    Noutra tarde ela voltou ao meu escritório empurrando apenas uma das portas com mola, tais como as usadas nos saloons das cidades do velho oeste, somente que com moldura em madeira preta e corpo de vidro fosco onde se lia o meu nome,

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