Asfalto
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Sobre este e-book
Há, na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, uma vidente. Dolores dirige motocicleta entregando encomendas pela cidade. Naquele dia de calor, ela e sua irmã precisam decidir onde a mãe vai morar. Elisa C., famosa escritora, reclusa, será entrevistada por um jornalista admirador. Será que ela aparecerá? Érica, filha de japoneses tradicionais, vai se casar. Ela ganha um quimono lindo do pai. Um GPS fala mais do que deve e cria situações inusitadas. Marisa precisa dar conta da agenda complicada em um dia nada comum. Um advogado é ouvido em uma investigação policial sobre o homicídio de seu vizinho. Em um baile, um garoto usa um smoking emprestado e dança valsa. Um gerente de banco voyeur espia informações bancárias de sua vizinha. No restaurante, um casal comemora aniversário de casamento: ela está de dieta.
Em Asfalto, mínimos acontecimentos mudam caminhos óbvios, criando situações inesperadas. Ou quase isso. Suspense e rotina fundem-se no livro de Paula Bajer Fernandes.
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Asfalto - Paula Bajer Fernandes
autora
A vidente
Estive só uma vez com a vidente. E nunca mais.
Foi assim: a avenida Brigadeiro Luiz Antonio é uma linha reta comprida que, de repente, sobe, orgulhosa, até a avenida Paulista. No ano-novo, há uma corrida ali. Nunca correrei a São Silvestre. Esse é meu pensamento quando entro na Brigadeiro. Tenho o hábito de pensar na São Silvestre, no ano-novo, na avenida quente. E o calor da avenida Brigadeiro Luiz Antonio.
Sempre que me aproximava da avenida Paulista, olhava para a direita e via uma placa pendurada em um poste: Seu amor está afastado? Trago na palma da sua mão
.
Um dia, anotei o telefone na agenda do meu celular. Escrevi, nos contatos: cartomante. É porque me lembrei de um conto.
Chegando em casa, à noite, reli o conto de Machado de Assis. Fazia tempo eu tinha lido e até me surpreendi: o conto é muito curto e, mesmo assim, li umas três vezes para entender. Não sei se eu estava distraída ou se o conto é um pouco difícil, mesmo, porque tudo o que é fácil é difícil e tudo o que é difícil é fácil. Fiquei me perguntando se a cartomante não teria contado a Vilela que Rita e Camilo tinham um romance. Quem escrevia as cartas anônimas? A cartomante sabia que Vilela mataria Rita e Camilo? E pensei na raiva de Vilela ao saber do romance da mulher. Rita nunca deveria ter procurado aquela cartomante. Camilo nunca deveria ter procurado a cartomante. Rita e Camilo jamais deveriam ter se encontrado. O relacionamento deles parecia tão superficial. Um adultério só vale a pena se o amor traído valer a pena. E o amor de Rita e Camilo não era nada intenso, era um amor quase leviano. Será que os personagens de Machado sentiam calor?
Resolvi brincar um pouco com meu destino e, no dia seguinte, liguei para o telefone da placa. Uma senhora com voz gasta atendeu e eu perguntei se ela teria um horário livre. O assunto era amoroso? Sim. Menti. Eu estava sozinha fazia um ano, já, e não gostava de ninguém. Meu coração estava livre, eu não tinha a menor vontade de me apaixonar. Talvez, inconscientemente, eu quisesse me apaixonar, mas não era o que eu achava que queria. Muitas vezes a gente quer coisas e não sabe, talvez fosse esse meu caso.
Marcamos para o dia seguinte, na hora do almoço. O encontro seria na própria Brigadeiro, em uma portinha bem na frente da placa. Era só subir a escada e bater na porta.
Passei a manhã nervosa. O que contaria à minha cartomante? Nada. Ela leria minha mão. Ou leria as cartas de um baralho amassado? Nem isso eu sabia sobre a vidente. Pagaria R$ 80,00. Era o preço de meu destino.
Na hora marcada, sem ter almoçado, fui a pé até a placa e entrei por uma passagem apertada. Subi as escadas sujas, cheguei diante da porta de madeira gasta e bati. Logo apareceu uma senhora de cabelos brancos e longos, lábios finos e murchos. Vestia uma saia indiana roxa que deixava os tornozelos à mostra. Usava sapatilhas pretas muito simples. Ela sorriu um pouco e vi dentes de quem fumava. Um cheiro de incenso saiu para o corredor. Tive vontade de me