O Plural do Diverso - Conversas Sobre a Dignidade Humana
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O Plural do Diverso - Conversas Sobre a Dignidade Humana - José Ricardo Menacho
Aos meus mentores e amigos paranaenses,
Rubens Bordinhão, Lígia Ziggiotti,
Alfredo Borges, Judá Lobo e
Gustavo Bussmann, que, continuamente,
inspiram-me na construção de um olhar plural
para a diversidade.
O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão.
(Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
Sumário
Prefácio
Apresentação
1. Pequeno Eleitor: o despertar para uma consciência política e cidadã
2. Combatendo a revelia cultural
3. Ser mulher é ser humano?
4. Por uma educação transformadora: construindo um manifesto
5. Tolerância já é uma intolerância
6. Preservação e progresso: o que precisamos mesmo é de justiça social!
7. Os dez mandamentos da esposa: empoderando ainda mais os já empoderados
8. Entre bandeiras, faixas e jingles: o que precisamos mesmo é de formação política
9. Para além de seres humanos somos seres de amor
10. Reflexões para o dia seguinte
11. Eu amo o Nordeste, eu amo o Brasil: um manifesto contra a hipocrisia
12. E se a Branca de Neve não tivesse encontrado seu príncipe encantado?
13. Sobre a tal da subordinação subjetiva: inconvenientes mascarados na relação de emprego
14. Meias palavras sobre a felicidade
15. Sobre a tal da redução da maioridade penal
16. Ontem, hoje e sempre é dia de consciência!
17. Direito, justiça e sociedade: vamos participar desse debate?
18. Para além de um Ensino Jurídico conceitual
19. Fazendo as pazes com o Direito do Trabalho
20. Para além dos contos de fadas na política: no rumo das mudanças
21. Nós e as desigualdades sociais: passos para a desconstrução de nós mesmos
22. A redução da maioridade penal: um olhar para além da vingança
23. O progresso que não deveríamos desejar: a terceirização está à espreita
24. Se brigar pela materialização de nossos direitos, combatendo recuos ou supressões, for crime, então que sejamos todos presos!
25. O ato de escrever: considerações sobre o outro que está dentro de nós
26. O passado: um amigo de longas datas
27. Por uma quase séria Teoria das Mudanças
28. E se a Bela Adormecida só estivesse tirando uma soneca
29. O ensino do Direito do Trabalho: breves considerações de um sonhador
30. Rumo às experiências em dignidade
Posfácio
Prefácio.
O plural do diverso
NA MANHÃ DE TODOS OS DIAS, durante meses, ao abrir os jornais, lá estava ele: suas opiniões, com o frescor da juventude e a rebeldia peculiar da idade, vinham se somar à análise madura e engajada nas questões humanas pertinentes aos direitos e à justiça. A crônica, gênero afeito ao jornal e à novidade, ao efêmero e ao detalhe, apresentando-se quase sempre como uma prosa ligeira, cúmplice dos acontecimentos do cotidiano, ganhava em sua pena o saber das largas palavras com um tom quase sempre dramático, com aquela desmedida que dá às coisas a graça do em vão, sem deixá-las no limbo.
Como um espectro de temas, os textos, indecisos entre uma forma e uma ideia, coloriam de alegria algumas páginas e deixavam o leitor com aquele gosto de saudade que fica na boca de quem sabe que encontrou um momento, um flash de criatividade e de inovação. Entre gestos e palavras – ou gestos de palavras – cresciam reflexões e posturas sinceras entre as notícias áridas e sem destreza que povoam as nossas melhores mídias.
Foi então que aquele emaranhado de textos embaraçados em verdades temporárias se tornaria um todo coerente, pulsando no melhor de suas forças, sobre temas tão diversos quanto inusitados. A graça do estilo salva até mesmo as ideias mortas, mas no caso de José Ricardo a pergunta parecia não coincidir nunca com aquela de Carlos Drummond, e agora, José?, embora nela investisse muito de sua força.
Ao meio-dia todos esperavam para tratar disso, comentar, fazer citações, criar ideias, apropriar-se de ideias, ter alguma ideia para chamar de sua e considerar que quem não pode produzir ideias deve conseguir ao menos reproduzir ideias. Assim, cultivando como a terra cada trecho de labor, o autor foi entrando nas casas e sentando-se à mesa com muitas famílias, participando da discussão de assuntos diversos – e controversos – como o feminismo, a maioridade penal ou a burocracia do Estado Moderno.
Polêmico, em muitos momentos insiste para que não nos deixemos plasmar uma ideia de verdade, prefere antes admitir o difuso e o disperso em busca de alguma outra possibilidade que não a das certezas acabadas. Se há uma coisa difícil, mesmo para as pessoas de espírito, é dizer o que pensa, ser sincero com os outros e consigo mesmo numa época em que se condecora a civilidade e a cordialidade. Nesses textos, percebemos determinado empenho do escritor: não trair ninguém, mas não trair sobretudo a si mesmo. O respeito por si mesmo e a coragem de dizer verdades ao poder, de expressar o que pensa, é uma discreta filigrana desta escrita valiosa.
Encarcerada nas ruas, por decisão e vontade, a prática da opinião pública é questionada nas suas fontes legitimadoras, os meios de comunicação massificadores e uniformizadores. A proposta dos textos é de troca, de conversa, de experiência, de reflexão. Tomar partido, não do lado certo, mas do lado justo, o faz reivindicar, invocar os heróis que tiravam dos ricos para dar aos pobres, mas agora questionando um mundo que produz ricos e pobres.
Seria uma lição para todos, numa sociedade que insiste em nos dizer que os velhos têm experiência, mas não têm o que ensinar; sem esquecer que às vezes as crianças têm lições incomparáveis, abstratas e refinadas ao último grau, comunicando a estabilidade justa dos adultos e colocando em relevo uma visão da criança e do jovem sobre a ordem social, em que vigiar e punir não resolvem os problemas.
Disse certa vez Antonio Candido que a crônica dá conta da vida ao rés do chão e, embora ele tratasse mais da crônica literária, esse atributo caberia muito bem às crônicas, como essas de José Ricardo, que não foram feitas para serem literárias. Entretanto, não sendo literárias, flertam com a ficção e almejam, pelo uso que faz da linguagem, a uma superação do debate puro e simples.
O motivo extrapola o rés do chão e toca, de leve, mas com veemência, numa vontade de justiça, com alguns arroubos que parecem nascer mais do exercício da linguagem que de um encontro fatal com a realidade. É nesse momento que essas crônicas se aproximam das fábulas e ganham um estatuto quase literário. Ao concluir o texto, há sempre um chamado, uma reflexão, um convite, uma provocação, como uma espécie subvertida da moral da história das fábulas.
Falando de perto da vida que pulsa, da sociedade enleada num cipoal de leis e normas, o autor nos propõe uma nova responsabilidade, qual seja, a de observarmos que aquilo que olhamos todos os dias pode permanecer invisível, que é preciso destacar o detalhe no escopo geral da vida para percebermos que há ali algo extraordinário acontecendo. Estas crônicas nos dão muitos presentes, mas sobretudo esse despretensioso cisco de vida que cai no olho das pessoas de espírito.
São para pessoas assim. Estas crônicas. Este livro.
Vera Lúcia da Rocha Maquêa,
professora da Universidade do Estado de Mato Grosso e
pós-doutora em Literatura pela Université Sorbonne-Nouvelle – Paris 3
Apresentação.
PROPOSITADAMENTE, do título ao último parágrafo, a dignidade humana é fio condutor de todas as trinta crônicas que compõem esta obra. Direta ou indiretamente, para além das fronteiras do jurídico, buscamos extrair do cotidiano a essência de cada uma das discussões propostas.
A dignidade humana não é assunto a ser tratado exclusivamente no divã, entre quatro paredes, é tema que precisa ganhar as ruas, as escolas, as repartições públicas e privadas, enfim, os mais diversos espaços de convivência e realizações humanas.
Como raio de luz que desponta no horizonte a nos guiar, partimos da premissa de que a dignidade humana não é categoria que se destina a grupos específicos, a modos de vida eleitos ou a predestinados. Ao contrário, sem pretensões conclusivas, demonstramos que suas manifestações perfazem a existência humana em todas as suas possibilidades, impossibilidades, construções, desconstruções, arranjos, rearranjos, caminhos e descaminhos. Não possui, portanto, um conteúdo definido, mas aberto, sua compreensão se sustenta não no singular, mas no plural, não é de poucos, mas de muitos, não é apenas dos que podem, mas dos que não podem.
Com a finalidade de elucidar o plural do diverso da dignidade humana, pinçamos fatos de nossas práticas e curiosas observações na cidade de Cáceres, em Mato Grosso, situada na fronteira Brasil-Bolívia, bem como de nossas vivências e experiências no trato com os conteúdos programáticos