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O arcanjo: A saga da vingança
O arcanjo: A saga da vingança
O arcanjo: A saga da vingança
E-book333 páginas4 horas

O arcanjo: A saga da vingança

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Sobre este e-book

Pesadelos assombram o jovem Ivan, um pacato domador de cavalos que ao encontrar Natasha; uma bela jornalista; se vê envolto numa vingança se confrontando com seu real destino: proteger a jovem e impedir que assassinos a matem novamente. Partem numa jornada mortal pelo mundo e revivem suas vidas passadas, para pôr fim ao ciclo mortal que os persegue. Com a morte refletindo no aço de sua espada, Ivan, encontra o arcanjo em si, mas pode perder muito mais do poderia pensar.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento1 de mai. de 2019
ISBN9788554549251
O arcanjo: A saga da vingança

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    Pré-visualização do livro

    O arcanjo - Bruno Provazi

    fim".

    PRÓLOGO

    A chuva gela caia do céu escuro, refletindo os relâmpagos, e vindo tocar o solo gelado daquela região. Estava frio e o vento do outono fazia com que as folhas secas e amareladas fossem levadas por aquelas ruínas seculares.

    Mas nenhuma destas sensações perturbava o coração latente e sangrando daquele homem ajoelhado sobre o solo molhado, que mergulhava suas mãos vermelhas com sangue, na terra e cobria repetidamente o que se mostrava ser uma cova em meio àquele local. A chuva ao lhe banhar as mãos, fazia o sangue gotejar, como se esvaísse de si mesmo. Como o homem gostaria que assim fosse e não do ser que era enterrado por suas próprias mãos!

    Por fim, alçou uma pedra com as forças que lhe restavam e a repousou sobre a terra fofa e molhada pela incessante chuva. Um derradeiro movimento que lhe arrancou os últimos traços de coragem dentro do peito, pois a dor assumiu depois disso. Uma dor de perda. Uma dor que não poderia ser curada. Uma cicatriz que nunca desapareceria.

    Se pudesse voltar no tempo e mudar tudo. Mas como faria para impedir as influências de forças seculares da vingança e do ódio, que nasceram há séculos atrás, num tempo onde outras vidas respiravam, num tempo nunca perdido e esquecido?

    Cerrou seus olhos lacrimosos e pôde sentir no ar, na chuva, no coração e na mente, o tempo voltar para onde tudo começou...

    PARTE 1

    VINGANÇA

    CAPÍTULO 1

    Decorria-se o ano de 1417 e o outono chegava ao fim na Europa. Já se via os picos dos Alpes com neve e o vento gelado percorria todo o vale do Ducado da Áustria, no Sacro Império Romano-Germânico. As folhas amareladas das árvores se desprendiam de seus galhos e eram levadas pelo vento constante. O amanhecer do outono, naquela região, já era tardio e uma névoa branca cobria florestas, campos cultivados, margens do lagos azuis e colinas.

    Por entre a ofusques da névoa, sobre uma colina, um vulto surgia, se revelando ser um homem, montado em seu cavalo. Lentamente, cortava aquela manhã fria, sem pressa aparente. Afinal, fazia uma longa viagem, que se iniciara no castelo Hohenzollern, na Baviera, dias atrás e naquela noite anterior, não dormira bem, em acomodações improvisadas pelo caminho. As hospedarias estavam cheias de viajantes e de certa forma, gostou de se deitar ao ar livre, ao redor de uma fogueira, e observar o céu limpo daquela região, com estrelas vibrando. Acabou despertando com o relinchar de seu cavalo negro indicando que o fogo se extinguira. Seguiu viagem antes de o sol nascer, ainda com as estrelas sobre sua cabeça.

    Durante o vencer das planícies e colinas, viu o céu de negro, se transformar e em um tom azul escuro, se transformar para laranja e logo se abrir num tom azul mais vivo, mesmo que encoberto pela névoa que dominava a manhã. Pôde sentir o calor do sol a cada minuto que passava. Não que sentisse falta do sol, pois, descendia das altas regiões da Baviera e aquele clima era demasiadamente familiar para ele.

    Aquele homem era um viajante adaptado à jornada solitária e sua carga era pouca. O suficiente para um homem sobreviver sem luxos. Um pouco de pão, queijo, carne de uma caça. E adaptado também aos perigos de uma jornada solitária por aquelas terras. Trazia consigo sua cota de malha prateada, sua besta presa ao cavalo e sua espada Hohenzollern envolta por tecido sobre sua bagagem.

    Ouviu o som de um riacho logo abaixo da colina. Sabia que já estava perto de seu destino. Conhecia aquelas águas claras. Seu cavalo relinchou. Estava com sede decerto.

    — Eu também meu amigo! — dissera para seu companheiro equino de viagem.

    Saltou de sua montaria e se inclinou na margem do riacho para mergulhar as mãos na água gelada. Lavou o rosto para se despertar do sono e cansaço de fim de viagem. Nada melhor para acordar que um choque daqueles. Ao seu lado, sua montaria também mergulhara o focinho na água e bebera água. Relinchou em seguida.

    O homem tinha alta estatura, cabelos claros e traços nórdicos. Vestia roupas pretas com detalhes brancos, na cor do brasão de sua família e se cobria com uma capa igualmente escura. Baseado pelas suas posses; mesmo que poucas; podia-se constatar que vinha de família nobre, pois ter espada e cota de malha, não era para simples camponeses.

    Ao se inclinar para beber um pouco de mais de água, viu o reflexo de seu cordão, o qual oscilou preso em seu pescoço. Aquele objeto era um elo com um passado que tentava deixar para trás, de uma vida que o tempo, assim como aquela neblina matinal, se tornava sem nitidez. Mas ao mesmo tempo, não conseguia abandonar por completo. Eram lembranças necessárias para sua sobrevivência, que alimentava sua dor e ao mesmo tempo o motivava a continuar. Era algo que fazia parte de si.

    — Beba um pouco mais de água meu amigo. Estamos chegando e vai ter feno à vontade para se divertir. — dissera acariciando a crina de seu cavalo, que retribuiu com mais um relinchar.

    Havia um ar tranquilo naquela manhã. Uma tranquilidade ao menos aparente.

    Não muito distante dali, uma estreita escada, que descia para o subterrâneo, conduzia a um corredor sombriamente iluminado por raras tochas, que suspensas na parede de pedras brutas formavam uma trilha de luz. Seguindo aquele rastro encontravam-se os aposentos de um homem incomum, de um filósofo, que dedicava sua vida aos estudos espirituais, mas que possuía em suas ideias, contraste com as doutrinas da Igreja Católica. Naquele ano, a Igreja Católica concluía; A Grande Cisma do Ocidente; onde o Papado foi dividido em três sedes.

    A perseguição religiosa era forte no Império e liderado pelo então Rei dos Romanos, Sigismundo de Luxemburgo, condenava a todos que tivessem inclinações protestantes, que fossem compartilhadores das ideias de Jan Huss, os chamados Hussitas, ou que simplesmente fossem liberais. Muitas dessas mentes liberais fugiram deixando o Império ou se esconderam, acolhidos por nobres famílias, como fizeram os Habsburgos, senhores daquelas terras, que consideravam aquele homem, um conselheiro, mas que entendiam que muitos da corte, incompreendiam-no e por isso, vivia sob as sombras. Seu nome era Zenon.

    À luz de velas e de um único vitral existente, ele se concentrava sentado à mesa na leitura de um de seus livros proibidos aos demais, devido às tendências religiosas que seguia. Mergulhava a pena num recipiente com tinta e fazia algumas anotações.

    Porém de súbito, um tremor no corpo o fez abandonar a pena. Seus olhos se fecharam consecutivamente as mãos pressionaram a nuca. Uma dor profunda abateu-se sobre ele. O rugido de sofrimento fora inevitável. Caiu violentamente ao chão úmido, enquanto um vento com odor de sangue atacara o ambiente e levara consigo o calor das velas e tochas antes em chamas vibrantes:

    — Mestre! — exclamara a angustiada Helena Lenard, a discípula de Zenon, adentrando-se pela porta.

    De imediato correu em seu socorro. Compartilhavam a mesma tensão no olhar. Nenhuma palavra fora necessária ser dita. Ambos sentiram no bater acelerado de seus corações que algo terrível recaíra sobre aquele Ducado, sobre aquela casa dos Habsburgos.

    E esta mesma sensação também, de uma forma diferente, fora pressentida pelo homem, que se preparava para partir, com sua montaria, na margem do riacho. Como se algo estivesse errado. Talvez tenha sido a revoada emergencial dos pássaros, talvez a agitação de seu cavalo, ou o som longínquo, de aço se chocando contra aço.

    Buscou avistar o que ocorria na direção da qual o som provinha, mas a névoa impossibilitava qualquer identificação. Mais murmúrios que logo se transformaram e gritos de ordem ganharam aquele vale. Cavalos relinchando e mais aço se chocando contra aço.

    O homem alçou-se sobre sua montaria. Algo estava errado.

    Não tardara e o som, melhor construído, revelara entre as árvores, o surgimento de uma carruagem cortando veloz a estrada. Seguida por cavaleiros armados à cavalo, A névoa dificultava a visão, mas o amarelo do brasão Habsburgo pode ser reconhecido. A carruagem cortou a pequena estrada abaixo e desapareceu.

    — Está voltando para o castelo! — sussurrara para si mesmo o homem, disparando naquela direção.

    Ao romper de uma nuvem da névoa, viu alguns cavalos, com homens armados, passarem também em alta velocidade. Era uma perseguição. Uma perseguição que somente seria cessada com a morte do alvo. Quem seria o alvo? Esta pergunta o fez não querer saber a resposta.

    Forçou seu cavalo a descer a encosta da colina e mergulhou sob as árvores, junto ao rastro dos perseguidores. Não eram homens de guardas formais, eram mercenários. Não havia brasões ou insígnias. Mas tinham armas tão similares aos da guarda formal que tentava defender a carruagem.

    O cavalgar da montaria do homem viajante, foi detectado pelos caçadores que logo o viram em seu encalço. Dois deles deram meia volta e os outros dois continuaram perseguindo a carruagem em fuga. Sacaram suas espadas e rumaram ao confronto do viajante.

    Este por sua vez, buscou a espada na cintura, mas não estava com ela. Buscou a besta, porém, estava desarmada. Iriam se confrontar a qualquer momento. Levou então a mão à sua bota e de sacando uma faca, atirou contra um dos caçadores, que ferido no pescoço, caiu, sendo atropelado pelo próprio cavalo. Quanto ao outro, ergueu a espada para o golpe que seria fatal, afinal, o viajante também não usava sua cota de malha.

    E o golpe foi desferido.

    O viajante, mesmo com a besta desarmada, usou-a como escudo, salvando sua vida e dando o tempo necessário para que sua montaria se erguesse sobre as patas traseiras e golpeasse o caçador, que inconsciente também ganhara o chão como fim de curso.

    Mas ainda restavam dois deles e se distanciaram.

    Mas o viajante sabia para onde iam e conhecia aquelas terras muito bem.

    Sem vacilar, saiu da estrada e subiu o aclive em meio aos caules das árvores. Iria cortar um caminho que poderia ser crucial. Esperava que realmente fosse. Voltou então a ouvir o som da perseguição. Estava mais ao alto e pôde ver a estrada abaixo. Seria o ponto ideal.

    Com o cavalo ainda em movimento, saltou de sua montaria e correndo para próximo de rocha, armou sua besta, deixando outras flechas próximas. A carruagem passou e logo depois os dois mercenários surgiram. O viajante respirou e atirou. A flecha viajou por meio da neblina e um dos caçadores tombou.

    Só haveria mais uma chance e rearmar uma besta era lento e penoso. Exigia muito esforço. Mas ele era preparado e fizera aquilo muitas vezes.

    O caçador se distanciava, mas não o suficiente para não ser alvejado pela segunda flecha, que se cravou em suas costas, fazendo-o cambalear e cair na beira da estrada, sem vida.

    O viajante abaixou a besta vendo a carruagem seguir desenfreadamente para o Castelo dos Habsburgo, perto de onde estava. Podia vê-lo de sobre a elevação em que estava, por entre as árvores e a névoa que nos campo defronte à ele já se dissipava.

    Retomou sua montaria e partiu na direção daquela construção com pedras opacas, torres fortificadas e arquitetura que misturava o estilo suíço, do antigo Castelo dos Habsburgos em Aargau, na Suíça, com as construções da Áustria. Bandeiras com o brasão Habsburgo se distribuíam pela muralha.

    Adentrou-se em instantes pelo portão do castelo, que recebia informalmente o mesmo nome do original da família: Castelo de Açor ou Falcão. Tamanha era a movimentação gerada pela passagem da carruagem minutos antes, que os guardas de prontidão, nem perceberam sua presença.

    Estacionada defronte à uma das entradas do castelo, se encontrava o respectivo transporte. O acúmulo e a conversação dos guardas ao redor da mesma despertaram ainda mais a apreensão no homem recém-chegado. Abriu caminho com sua valente montaria e no mesmo momento, sem ação, visualizou as poças de sangue que provenientes da carruagem, vinha-se formar no solo. Sob os olhos da multidão, saltou para o interior do castelo, sumindo por entre a escuridão do corredor.

    Gritos de dor e desespero rebatiam-se pelas paredes e praticamente duplicavam o tom emergencial. Mal podia o tal homem conter o ritmo de seu coração. Mal conseguia controlar a ânsia em chegar à origem daquilo que lhe afligia a alma.

    Alguns criados passaram por ele em contrário sentido, com toalhas encharcadas de sangue. Estava perto. Os gritos masculinos se firmavam mais próximos. Logo que entrou por uma porta observou a cena desesperada que se desencadeava. Debruçado sobre um corpo estendido na cama do aposento real, um homem, brevemente reconhecido como sendo Werner Von Hoffmanstal, casado com Anna Hoffmanstal, uma das herdeiras do Ducado austríaco. E o corpo, do qual emanava o líquido vital, era o da própria Anna. Werner tentava de todas as formas estancar a fuga da vida que habitava aquele corpo, até que a chegada de alguns médicos o afastou de forma ríspida.

    Somente depois de passado esses fatos, a percepção do homem que acabara de chegar, notara a presença de Aila de Habsburgo, envolta por seus cachos negros como a noite mais escura que caíam sobre seu semblante delicado, mas forte. Irmã de Anna, não se continha em pranto. Não fosse a presença de sua amiga; a Condessa D’arc; certamente não suportaria.

    — Mikael! — suspirou a doce duquesa, avistando, por entre a visão inundada pelas lágrimas, o homem imóvel na porta.

    Correu até ele e com força o abraçou. Mikael pôde sentir a dor dela se transpor para si, como uma doença contagiosa. O quê poderia fazer? O quê poderia dizer para amenizar o sofrimento de Aila? Poucas vezes em sua vida, a falta de ação o dominara como naquele momento. Apenas lhe coube escutar o desabafo de sua protegida, já que era o Capitão de sua Guarda.

    — Minha irmã... Como pôde acontecer isso com ela? Deus todo poderoso, por que Ele não a protegeu? — a voz lhe falhava em meio à dor — Meu querido Mikael, que bom que retornaste! Que bom que voltou para cá!

    — Acalme-se Aila. — repetia ele contendo seu próprio sofrimento em vê-la tão frágil. Sempre firme, ela agora se abandonava nos seus braços.

    — Se ao menos meu marido estivesse aqui! O que devo fazer? — sussurrara ela.

    Mikael de absolutamente nada tomara conhecimento sobre o acontecido com Anna Hoffmanstal enquanto no recinto. Queria apenas aplacar o sofrimento daquela linda jovem que lhe devotava confiança cega.

    ***

    Por longas horas as cenas de descontrole emocional se repetiram. Os dias passaram e o sentimento emanado pelos gritos de Werner, ainda viviam pelo castelo, em cada corredor, no próprio ar que respiravam. A rotina após a emboscada sofrida por Anna na floresta fora completamente transformada. O medo e falsos comentários se estenderam por todo o local, romperam a barreira das muralhas alvas e atingiram todas as vilas na proximidade.

    As badaladas dos sinos da igreja do castelo iniciaram a missa realizada como uma súplica para a continuidade da vida de Anna, a qual resistia a graves ferimentos. Segundo os médicos, estava mergulhada na morte e agarrada ao suspiro da vida.

    De joelhos, em reza sagrada, a jovem Aila, sempre seguida por sua amiga íntima a Condessa, se entregava às palavras em latim do padre, com devoção tal, que se Deus as visse, atenderia seus pedidos. A presença de alguns nobres mais próximos reforçava os anseios de todos os presentes.

    Trajado como Capitão da Guarda que era, Mikael observava aquela cena. Mesmo o seu coração calejado, acostumado às perdas, não suportava estar impotente diante do sofrimento de sua duquesa Aila. Talvez estivesse sendo pecador em seus pensamentos, entretanto, agradecia por não ser Aila que se encontrasse naquela carruagem. Se o temor cruel; que lhe percorria o peito, mesclava-se ao sangue e dominava-lhe a alma, de quem quer que tenha atentado contra Anna; viesse com intenções mortíferas para com sua protegida, ao menos estaria ali para guardar-lhe a vida com sua própria e com a lâmina de sua espada.

    Ainda em introspecção, adiantou-se até o parapeito daquela varanda. Como de costume mantinha a mão apoiada sobre o cabo de sua arma. Fitou adiante numa pessoa que se aproximava com rapidez. A face do andante se iluminara ao passar por um forte facho de luz, bem como o aço de alguns detalhes em seus trajes. Tratava-se de Dominick Mclier; amigo pessoal de Mikael Hohenzollern e um dos melhores espadachins de toda o mundo cristão. Numa de suas viagens à Irlanda, Mikael se encantara com tal habilidade. Sobretudo com a lealdade apresentada pelo irlandês e o trouxera para servir e proteger Aila. Seus cabelos negros compactuavam com a expressão firme de seu olhar.

    — Nossos melhores guardas estão procurando com afinco cada taberna, casa ou recanto dessas terras meu amigo. — comunicara Dominick num fraterno cumprimento.

    — Rastrearei, eu juro, esses malditos!

    O irlandês tocou-lhe o ombro:

    — O bom Deus nos guiará à justiça. Acredite!

    — Se não o fizer, farei eu meu amigo. — murmurara o Hohenzollern sem mais delongas. Lançou o olhar para o vazio e retornou. — Acredita numa conspiração?

    Uma curta pausa se seguiu, e enfim o silêncio fora quebrado com a resposta:

    — Senão como explicar que os emboscadores tinham o conhecimento do trajeto e horário que a comitiva iria seguir naquele dia, sendo que apenas os oficiais da guarda pessoal de Anna o possuíam?

    — Temos um traidor entre nós...

    Nesse exato instante, novas badaladas indicaram as derradeiras palavras do padre encerrando a missa. Emudecidos, ambos acompanharam as nobres fazerem o sinal da cruz e se retirarem passo após passo do salão sagrado. Apesar da habitual vivacidade extravasada pela Condessa, a tristeza já lhe compunha os traços do rosto. Os olhos do Capitão da guarda se encontraram com os de Aila, até sua chegada e respectivo gesto de carinho envolvendo as mãos alheias:

    — Condessa! — gentilmente inclinou-se Mikael, cumprimentando a acompanhante de Aila.

    O ânimo faltara a nobre, que num simples movimento com a cabeça, retribuíra o cumprimento e retirara-se. Com o intuito de checar novas notícias, Dominick fora o próximo a abandonar o local.

    Lado a lado, Mikael e Aila caminharam pelo piso reluzente de mármore, tão lentamente, como se o tempo não mais existisse:

    — Um mensageiro já partiu para Viena, requisitando o retorno de seu marido Hector. Estará aqui tão logo receba o chamado.

    Ela suspirou, levando ao ar um tom de fadiga, mesclado com emergencialidade.

    — Confesso que não sei o que dizer sobre tudo isso Aila. — prosseguiu Mikael trazendo na voz apreensão. — Somente que a justiça será feita.

    Desceram alguns lances de escada e penetraram jardim adentro. Até as flores perderam parte da vida:

    — Se estivesse em meu poder controlar o tempo, eu juro que se não conseguisse salvar minha irmã, eu trocaria de lugar com ela. Minha vida não bastaria para provar o quanto eu a quero bem. — com o olhar ébano perdido no espaço disse a Duquesa.

    Num ímpeto que talvez nem o próprio Mikael percebera, o mesmo a repreendera:

    — Não repita isso Aila! Sua irmã não merecia o ocorrido, porém nem você o merece. É a futura governante desse povo, é a esperança de muitos. Você tem força para superar essa dor que a consome. Sempre vi isto em você e não há de ser agora que deixará essa força morrer.

    Durante alguns breves segundos, Aila pareceu perder-se no tempo contemplando as palavras de Mikael bem como a energia emotiva com que foram proferidas. A suavidade de Aila de fato se mostrava a sua qualidade mais marcante:

    — Sua nobreza me inspira Mikael.

    Seus olhares novamente se fixaram:

    — Farei o que for preciso para impedir que o medo lhe aflija Aila... Tua vida está segura. Eu prometo! — frisara forte o Capitão — Peço-lhe que não se ausente do castelo, até o perigo estar eliminado.

    Pela primeira vez em dias a duquesa sorriu:

    — Ao menos Deus foi justo ao enviá-lo a mim!

    ***

    A tarde, tipicamente do outono, chegava ao seu fim. O céu avermelhado do crepúsculo e o tom amarelado da copa das árvores da floresta ao redor do castelo tornavam mais bela ainda a visão dos Alpes de sobre uma das torres. O vento frio e cortante tocava a face de Mikael, que debruçado sobre o parapeito de pedra, admirava lentamente a luz perder sua intensidade. Porém, a beleza da natureza era o que menos o atraía. Seus pensamentos tentavam de todas as formas preverem um possível atentado. Acreditava que como os falcões; veria melhor quanto mais elevado estivesse.

    Foi quando uma voz rouca e há muito não ouvida, chegou-lhe aos ouvidos. Voltou-se então e constatou suas suspeitas. Tendo seu manto vibrando ao vento, Zenon se aproximou. Mikael não podia evitar o desconforto que o tal mestre lhe causava. Sentia como se os olhos dele pudessem ver-lhe os mais profundos sentimentos da alma:

    — Tenho muito a lhe falar, Capitão!

    A recíproca do Hohenzollern não fora a mesma:

    — Não tenho tempo para escutar seus devaneios Zenon.

    — De fato, tempo é o que menos temos agora.

    Mikael reagiu incompreensivo e o mestre prosseguiu com toda sabedoria que seus estudos e dons lhe propiciavam:

    — Sei que duvidas de meus dons e de minhas doutrinas. Sei que não compartilha delas e não posso querer que as adote como suas. Você é livre. Entretanto Capitão, em nome da duquesa que tanto estimas, ouça o que lhe digo: há uma sombra pairando sobre essas terras. Há forças perigosas que sinto, e que me trazem medo. Medo esse que nunca senti com tanta intensidade Capitão.

    A face de Mikael se compenetrara de forma tão viril, que suas expressões eram contornos compostos por rochas:

    — O que quer me dizer?

    — Nem eu mesmo o sei completamente Capitão. Apenas precinto essas forças... Sei o quanto estimas Aila, por isso é a pessoa indicada para protegê-la.

    — Aila compartilha de suas ideias; acredita em tuas palavras; eu não. Então por que eu deveria...

    Zenon deu alguns passos à frente e o fitou com maior penetrabilidade:

    — Tantas são as perguntas sobre o destino meu Capitão que nem o mais sábio dos sábios possui as respostas. Por isso, aquiete seu peito Capitão, enterre suas mágoas passadas e acreditai em mim!

    Por um longo período, Mikael teve essas palavras reverberando em sua mente. De fato Zenon parecia poder ler o livro da sua alma. Pisando firme, sem dizer uma só palavra, o Capitão abandonara o mestre sozinho naquela torre a banhar-se com o frio da noite que caía.

    ***

    O som de uma cantoria descoordenada, regada a muita cerveja e vinho, tomava conta da taberna, no interior das muralhas do Castelo, afastada da ala onde os aposentos dos nobres se localizavam. Os guardas, que estavam em seu período livre, bebiam canecas de cerveja e brindavam com tamanha energia que muitos as quebravam. O resultado? Mais gargalhadas.

    A taberna lembrava um celeiro, sem luxo, com suas paredes de madeiras das árvores da região, porém com antigas espadas dos companheiros mortos outrora e um pequeno palco, onde um músico tocava, com seu alaúde, canções que eram pedidas pelo seu público.

    De posse de uma garrafa de vinho fabricado na Baviera, Mikael, desprendia seu olhar para o vazio, navegando na imensidão de suas recordações, de seus receios e preocupações. Debruçava-se sobre a janela quando uma mão bruta tocou-lhe o ombro: era seu grande amigo de tantas aventuras, Dominick.

    — O que faz aqui caro amigo Mikael? — de imediato interrogara. — Não é admirador

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