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A Lenda De Arquitaurus
A Lenda De Arquitaurus
A Lenda De Arquitaurus
E-book340 páginas3 horas

A Lenda De Arquitaurus

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Sobre este e-book

A história se inicia com um homem atormentado por sua identidade adotiva e sua inquietude interior em buscar respostas. Após um sonho muito estranho, ele toma uma decisão definitiva em sua vida: ir à procura de sua origem e de seus ancestrais, arriscando tudo o que herdou e conquistou. Essa atitude moverá o destino de muitas pessoas. Mas quase fraqueja em sua resolução, pois estava noivo da filha do governante de Arquitaurus, uma bela moça de nome Cercira. Seu maior amigo, um romano de nome Sabázio, aventureiro por excelência, resolve seguir os seus passos, embora considerasse tudo aquilo uma grande loucura. Também, para Sabázio, o mais importante era viver a intensidade da vida, uma vida mais longa ou mais breve não queria dizer muita coisa. Dokimazo é um velho viajante de estrada que aparece de repente e se junta à aventura do sonhador. Não se sabe de onde ele veio, se é um sábio, um tolo ou um palhaço. Contudo, muito será revelado durante a jornada para o destino de um único homem. A desconsolada Cercira, depois de algumas tribulações em Arquitaurus e a iminência de uma guerra, é enviada pelo pai, com mais três amigas, para um país misterioso chamado de Niebla Norvento, pérola do mundo. Lá, descobre coisas que jamais sonhara. “Seu mundo veio abaixo como uma torre que cai sob cerco inimigo, mas desse ponto pelo menos, enxergava a vida com a lucidez da verdade. Teve a consciência que a pior crueldade fora o que fizera consigo mesma, rendendo-se aos dissabores da desilusão amorosa. Aprendera que as lições da vida são muito mais difíceis quando enfrentadas com a tolice. Aprendera ainda, que o amor necessita da companhia da própria alma, um amor desorientado é um amor ruim. É a flecha de chumbo do deus criança, um deus que nunca cresce, mas obriga suas vítimas a se tornarem adultas.”(Europa: Terra de Destinos)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de set. de 2016
A Lenda De Arquitaurus

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    A Lenda De Arquitaurus - Carlos Costa França

    I

    A Hora

    A vista nos deliciava como em nenhum outro

    lugar das terras latinas ou bárbaras. Nessas vastidões

    que pareciam intermináveis aos olhos de qualquer

    mortal, florestas se erguiam como extensões

    beatificadas pelos deuses eternos, enquanto as

    montanhas jaziam como testemunhas dos poderes de

    eras antigas da Terra. Ali nos extensos vales, os rios

    deslizavam prateados pelos recantos mais verdes para

    depois se desnudarem solenes nas aprazíveis campinas

    até o oceano. Em alguns trechos, os rios corriam

    imponentes e caudalosos, sendo uma benção para os

    povos que habitavam próximos as suas margens. Mas

    nada se destacava tanto quanto a vasta península, que

    parecia avançar com voracidade em sua sede para o

    grande e belo mar, e em sua vocação incessante de

    conquista.

    Nessa região do mundo, puríssimos ventos

    sopravam contra os arvoredos e os arbustos das

    encostas rochosas, dotando a vegetação de certo

    movimento e graciosidade. Em sua jornada habitual, os

    ventos, ao passarem por terras mais baixas, extraíam o

    perfume das flores silvestres, espalhando os aromas

    florais por todo o principado conhecido naquele tempo

    como Arquitaurus. Foi assim que os ares benfazejos

    chegaram a mais alta janela de uma velha fortificação e

    a fustigaram até abri-la. Neste caso, como se obra de

    uma vontade poderosa. Não foi surpresa que dessa ação

    do vento, o sol, em seu avançar imperturbável, flechasse

    a abertura da modesta janela, dissolvendo as últimas

    sombras perpetradas pela noite.

    O homem ali acordou de um sonho estranho e

    agoniado, como se imensas distâncias tivessem sido

    percorridas por velozes cavalos alados. Desertos,

    pântanos, florestas, abismos e mares surgiram e

    sumiram em imagens prodigiosas. Céus e terras se

    separaram e se aproximaram sem que fossem maiores

    ou menores suas distâncias. Trombetas soaram do alto

    das montanhas, abalando os moradores do mundo.

    Sonhou que coisas misteriosas devoravam a essência

    primordial do mundo, e mais assustador ainda, do seu

    próprio mundo. Vislumbrou vidas de pessoas sendo

    perdidas frente a promessas de homens insensatos e

    impuros. Guerras sem triunfos perseguidas por

    aventureiros de nações estranhas e povos sem memória,

    vazio e esterilidade transformando a face da Terra.

    Combateu numa praia deserta um inimigo invisível e

    íntimo a sua carne. Viu seu túmulo aberto, e sem

    qualquer cerimônia foi-lhe apresentado cenas que

    assustariam o mais sábio dos homens. Por lá

    descansava um leão com três cabeças e asas

    exuberantes saindo de seus flancos. O animal o fitava

    com a severidade própria do transcorrer tempo. Depois,

    uma linda mulher aparecia montada num corcel negro

    de estirpe superior, ataviado com insígnias sublimes.

    Ela usava na cabeça, prendendo as mechas douradas do

    seu cabelo, uma tiara do deus sol. Ao desmontar,

    mostrou-lhe de uma só vez o nascer e o pôr do sol, então

    as nuvens desceram sobre ele como um manto real e

    várias cachoeiras surgiram de repente em seu entorno

    como se para consagrá-lo a um destino incomum. Por

    último, uma voz ao longe sussurrava respeitosamente:

    Pã está morrendo, mas o sol nascerá hoje ao meio dia.

    Compreendeu, assim que abriu os olhos, que eram

    realidades só possíveis em sonhos, embora uma

    sensação insana dominava sua disposição, que o fazia

    não ter certeza de coisa alguma.

    Quando se pôs sentado na cama, ainda respirava

    de modo ofegante e o coração disparado galopava como

    um potro selvagem. A primeira reação foi olhar para a

    palma de sua mão esquerda. Viu que sua misteriosa

    tatuagem estava com a cor mais viva e extremamente

    brilhante. Então duvidou, "ou apenas, ela me parece

    mais viva hoje?"

    Entretanto, algo foi despertado em seu íntimo.

    Talvez a jornada maior e decisiva de sua vida deveria

    começar. Há muito tempo, vinha acreditando que tudo

    isso não passasse de uma tolice, mas agora, de repente,

    uma

    torrente

    de

    sentimentos

    o

    assaltava

    impiedosamente a partir de um sonho louco. Os sonhos,

    diziam todos os sacerdotes, eram mensagens dos

    deuses. O que fazer, ou para onde ir?, questionou para

    si mesmo enquanto vestia uma túnica negra. A única

    resposta que lhe veio ao espírito apontava na direção

    das terras ermas, nos domínios de Gorjala, o terrível,

    bem distante do coração da Gália. Pois de lá tinha as

    únicas pistas de sua origem e de seu nascimento. "É

    preciso partir, apenas partir... tenho que descobrir isso

    de uma vez."

    "Sim, de fato, era o que eu deveria fazer de

    imediato, sem esperar qualquer sinal ou um mestre em

    sabedoria e em vidência que, por acaso, depois de se

    perder pelos arredores dos densos bosques, viesse

    aparecer

    nestes

    domínios,"

    refletia

    o

    rapaz,

    desesperançado com o mundo.

    Como ele podia esquecer, estava noivo e

    comprometido com a filha do senhor de Arquitaurus. O

    casamento já estava em andamento, faltando apenas a

    data do cerimonial. E, claro, o senhor daqueles domínios

    não consentiria, nem de longe, numa desfeita

    vergonhosa ou desonrosa para a filha. "Como fui me

    meter nisso?", estava aturdido, gemendo sob o peso do

    compromisso. Não se lembrando mais que a linda

    Cercira lhe despertou os mais profundos sentimentos e

    aveludou o último ano com dedicação e ternura.

    Estava doente ou enfeitiçado, era isso! Qual

    deus do Olimpo estava possuindo a sua alma naquele

    instante? Nada mais poderia explicar a sua situação

    embaraçosa, e nada, absolutamente nada, era mais

    temerário na vida de um mortal do que a possessão

    divina. Olhou pela janela, agora escancarada, e divisou

    o austero palácio do futuro sogro. Suas colunas dóricas,

    quase ameaçadoras, inibiram os pensamentos mais

    ousados, tanto que quase houve uma quietude interior.

    Depois de algum tempo, percebeu que o sol

    avançava sem descanso e ele ainda permanecia

    encafifado com aquelas idéias estranhas de partir para

    os reinos sanguinários de Gorjala. Precisava sair, e foi

    isso que fez.

    Saiu à procura de Sabázio, seu bom e velho

    amigo romano, um antigo centurião que ficara rico com

    o comércio e era um renomado um farrista até em

    terras bárbaras, pelo que se contava. Preparou a

    montaria e partiu sem desperdiçar mais tempo com

    miudezas da vida doméstica, que incluía aí um

    desjejum. Seu fiel criado, Enginardo, ainda insistiu em

    que ingerisse um pão molhado num saboroso vinho

    novo. Embora o mesmo, de forma ciosa, e conhecendo

    como o conhecia, intuísse que seu patrão estava num

    daqueles momentos de destempero que apenas s

    senhores costumavam ter.

    Logo chegou à residência do amigo, um edifício de

    dois andares como se via em Roma e em algumas

    colônias do império. Exibia um pátio externo amplo e

    decorado com caminhos pavimentados entre jardins

    exuberantes. Destacava-se, nesse edifício, sua belíssima

    fachada, onde havia murais com pinturas de touros em

    cenas pouco comuns. Também se via, na entrada

    principal, uma arcada na qual o mesmo animal aparecia

    esculpido de forma magistral. A casa Tauri, como era

    conhecida pelos habitantes do principado, sempre fora

    motivo de muitos falatórios que se misturavam a relatos

    históricos e a lendas originadas em outras terras.

    Antiga casa dos governantes que Roma designava. Para

    alguns, estava imantada com um encanto poderoso. Não

    eram poucos os relatos de cura atribuída a uma fonte

    no centro do pátio. No entanto, nos dias correntes de

    nossa narrativa, sua especialidade, se assim pudermos

    ser fiéis aos falatórios, eram os escândalos. Estes,

    apreciados tanto pelo mais pobre camponês, escravo ou

    artesão, como pelas nobres damas em seus salões

    requintados. De tal sorte, que quando o oposto chegava

    aos ouvidos das pessoas, elas não faziam questão de

    esconderem certa frustração.

    A casa estava fechada e tudo em volta muito

    quieto, isto numa hora em que o sol já avançara mais do

    que o suficiente para um dia de trabalho. Apenas três

    criados cuidavam e circulavam pela propriedade,

    mantendo por aquela hora alguma atividade junto aos

    animais domésticos. Perceberam a pressa do visitante

    no trote do cavalo em que vinha e no passo cumprido

    que manteve após ter desmontado. O reconheceram

    desde antes como o mais estimado amigo do patrão.

    Fizeram uma deferência e informaram que o senhor

    dormia e não queria ser perturbado, mas nem de longe

    tentaram demovê-lo de sua intenção, a partir dali, fosse

    ela qual fosse. Nos assuntos dos senhores era sempre

    melhor não se intrometer.

    O visitante nada disse, e sem dar satisfação à

    criadagem, apenas seguiu para um dos lados da casa.

    — Sabázio! — gritou com toda voz que possuía

    para uma janela superior, contígua a porta que se abria

    numa sacada.

    Repetiu com mais vigor. E mais uma vez o

    chamou, até que o amigo apareceu com a disposição dos

    indivíduos que são arrancados precocemente do sono.

    Trajava um longo manto branco com desenhos,

    lembrando os ramalhetes e cachos de uvas; já na

    cabeça, trazia uma espécie de gorro escuro.

    — Suba! — disse ele, acenando com uma das

    mãos e esfregando os olhos com a outra.

    A parte de baixo daquele edifício era um imenso

    salão onde havia uma mesa retangular somente, com

    dois touros esculpidos em cada ponta. O chão, por uma

    influência oriental, era todo em madeira polida de um

    tom carmesim, contrastando com as escadas de

    mármore. Elas subiam em forma da letra s,

    localizando-se nos extremos desse salão. Era costume

    por lá, subir por uma e descer pela outra. Escolheu a

    que apontava para o norte, talvez tal atitude lhe

    inspirasse algo, afinal queria dar um norte para sua

    vida.

    Quando chegou ao andar de cima, Sabázio o

    chamou para a cozinha. Queria comer seu desjejum

    predileto, uma suculenta vitela, ainda que não fosse

    seu costume prepará-la. Retirou parte do sal que cobria

    um bom pedaço da iguaria, e passou a assá-la num fogo

    brando.

    — Onde estão todos? — indagou o visitante com

    alguma surpresa.

    — Os serviçais da casa? — inquiriu Sabázio,

    espreguiçando-se todo nesse momento e

    encarando o visitante com expressão de dúvida.

    —Sim, claro — confirmou o amigo.

    — Dispensei a maioria, queria sossego. Mas vejo

    que não previ tudo — considerou, sorrindo e bocejando

    muito.

    — Oh! É quase meio dia, Sabázio, não me venha

    com essa agora! — bradou com descontração e

    intimidade, maneiras que só são vistas entre velhos e

    ternos amigos.

    — Como queira — sorriu e olhou mais

    detidamente o camarada — mas o que lhe importuna?

    Diga de uma vez, pois está com a cara péssima — e fez

    uma expressão exagerada.

    — Uma coisa terrível! — respondeu de modo

    alarmado o visitante, enquanto passava uma jarra com

    óleo de oliva para Sabázio. Suas mãos pareciam tremer.

    — O quê? — preocupou-se Sabázio, que tinha as

    sobrancelhas arqueadas agora, diante da declaração do

    outro.

    — Um sonho que tive hoje, a tatuagem... Não sei

    o que dizer, meu amigo.

    Após relaxar as feições, com voz sonolenta e cara

    de enfado, considerou o anfitrião: — bem, isso não me

    parece novidade e não merece maiores preocupações ou

    considerações, meus bom amigo. Acredito que nós dois

    precisamos é de mais sono, isto sim!

    — Vou me casar em breve! Isto não lhe diz nada?

    — disparou finalmente, em tom confuso.

    Com essa revelação tudo mudou.

    — Agora sim, concordo, é um fato muito

    preocupante, meu caro amigo — as feições de Sabázio

    eram de um horror solene.

    — Então, reconhece?

    — Ora! Sempre lhe disse, alertando-o para

    tal desventura. Não é possível que tenha esquecido de

    tudo quanto o prevenir — agastou-se fervorosamente,

    mas sem uma irritação verdadeira.

    — É mesmo, devo reconhecer — ponderou o

    visitante que lembrou dos vários avisos, muito mais que

    insistentes. — O que devo fazer agora? — tornou ele,

    fitando o amigo com expectativa.

    — O dia está muito bonito — disse, botando a

    cabeça do lado de fora por uma das janelas, observando

    o céu quase sem nuvens — vamos por nossos trajes de

    caça e sair — falou em tom mais sério do que se poderia

    se presumir inicialmente.

    — Não zombe de mim! — ressentiu-se o outro.

    — Zombando! Você se comprometeu com a filha

    do homem mais poderoso e perigoso dessa parte do

    mundo, até o rei de Castelle Real o teme, sendo que

    mesmo o senado romano o respeita e o prestigia. E acha

    que estou zombando. Preciso pensar numa saída, se é

    que existe alguma — passou a mão pela testa, puxando

    os cabelos para trás e os soltando a seguir. — Não vai

    ser fácil!

    Depois deu um tapa surdo no peito e disse:

    — Olha, dada a nossa velha amizade e o

    conhecendo como o conheço, o que mais me preocupa é

    por quais caminhos você chegou a essa resolução.

    — Desculpa-me, Sabázio, é o desespero.

    — Está se vendo. Claro que não o culpo

    inteiramente por ter se comprometido nesse noivado,

    seria até uma insanidade tal afirmação, pois não existe

    moça mais bela, formosa e rica do que Cercira. E isso

    lhe traria riquezas e poder que dificilmente alcançaria

    numa vida. Sem falar que poderia um dia alcançar a

    corte de Castelle. Pensando bem! Não é tão ruim assim

    — tinha os olhos fixos e mirados para cima, como se

    aprofundando nas próprias reflexões.

    — Você sabe que não é isso que está em jogo. E

    muito me admira essa sua conclusão, você mesmo não

    se alistou, apesar de ter o dote necessário e mesmo certo

    grau de parentesco com o alcaide — replicou o visitante.

    — Sim, somos primos distantes, mas nesse caso

    não quer dizer muito.

    — Não importa, por que não quis concorrer à mão

    de Cercira? — questionou.

    — Eu! Por convicção religiosa, é claro —

    empertigou-se. — Entretanto, todo o restante dos

    homens do principado de Arquitaurus se alistaria de

    bom grado se tivessem as condições. Sem mencionar os

    pretendentes dos países estrangeiros que marcaram

    forte presença.

    — Por convicção religiosa, você disse? Religiosa!

    — repetiu o visitante, ainda espantado com o que

    ouvira. Sem ter dado mais atenção a nada.

    — Sim, evidente! Não posso subir à mansão dos

    casados sendo um devoto de Baco, o renascido deus do

    êxtase. E minha fama não é nada boa nos corredores

    palacianos, e claro, muito além deles também, na

    metade das casas das melhores famílias de nosso povo

    — passou a mão no cabelo e parou de repente, como se

    estivesse ainda elaborando melhor aquele pensamento.

    — Bem, para ser honesto, posso acrescentar que em

    muitas outras casas o valor dado a mim é o mesmo.

    Contudo, compensando a tudo isso, em lugares menos

    prestigiosos ou de má reputação, eu ganhei certa

    notoriedade. Mas sabe de uma coisa... é inútil qualquer

    explicação aqui, você mesmo é meu melhor amigo, e não

    posso desejar outro melhor, e sabe muito de tudo isso.

    — Achei que tinha perdido sua consciência há

    muito tempo, Sabázio!

    — Pois bem espertinho, está aí nossa diferença e

    semelhança. Eu a perdi um dia, é fato, mas você nunca

    a teve — retrucou ele.

    O visitante o mirou perturbado por alguns

    instantes.

    — Incrível, sou forçado a lhe dar alguma razão —

    disse finalmente com uma expressão de espanto solene.

    — Não tenha dúvida disso! — considerou Sabázio

    com visível satisfação.

    — O principal é que não quero fazer Cercira

    infeliz — prosseguiu o visitante, refeito um pouco da

    fala anterior.

    — É uma preocupação verdadeira da sua parte,

    eu sei! Inclusive, pedirei mais por você em minhas

    preces semanais e nos meus ritos mensais a Baco, fique

    certo! — e fez um gesto engraçado com as mãos que não

    foi percebido pelo companheiro. — Mas me responda

    agora, como não magoar Cercira se você quer deixá-la.

    Tenho certeza de uma coisa, meu caro: você é uma

    escolha para ela em qualquer condição.

    O visitante nada falou, pensando nas palavras do

    amigo. E Sabázio prosseguiu de um jeito quase

    profético.

    — Pelo que me lembro, você foi a única exceção

    naquela lista de pretendentes, pois possuía metade do

    dote exigido. Isto só aconteceu certamente por

    influência dela, com toda a certeza. É do conhecimento

    de todos que o pai é muito sensível aos seus apelos.

    Dizem que até a deusa Atenas, em sua relação filial com

    Zeus, inveja Cercira pela influência que esta exerce

    sobre o pai.

    — O que diz é correto e assombroso.

    — Muito. Por isso, se quer de fato a felicidade

    dela, não tem saída, pode tratar de marcar o casório.

    — Mas eu tenho que me ausentar de

    Arquitaurus.

    — Somente se essa ausência for indefinida, aí

    sim, necessitará findar o compromisso de noivado. Em

    qualquer outro caso, não haverá nenhuma necessidade

    — interveio com a suficiência das pessoas que tem um

    olhar isento.

    O visitante o mirou, uma vez mais, com surpresa

    e consternação.

    — Meu caro amigo, se não o conhecesse bem,

    diria que está fazendo de tudo para que me case.

    — Eu, impossível! — exclamou com veemência —

    tento apenas entendê-lo nesse mar de tormentas que

    levam os navios da razão a se despedaçarem contra os

    rochedos da insanidade. Ou você imagina que tudo na

    vida pode se resolver com um estalar de dedos?

    Sabázio sentou-se à mesa e convidou o outro a

    fazer o mesmo. Enquanto um mastigava o alimento com

    prazer e sem pressa, o segundo pensava na confusão

    que estava sua vida, que era uma mescla tanto de

    tribulações reais como imaginárias.

    — Bem! — exclamou Sabázio ao visitante,

    parecendo mais acordado e disposto do que antes. Ali

    cortou um pedaço de vitela e colocou numa cratera

    funda, oferecendo ao amigo também pão, leite e mel. —

    O que pensou primeiro em fazer a respeito? —

    questionou entre uma bocada e outra.

    — Estou pensando em ir até lá e falar com o

    alcaide.

    — Se tiver coragem, é uma opção mais honrosa —

    de repente, fez uma expressão estranha e ansiosa. —

    Espere um pouco! Por que realmente não quer se casar?

    A qual ausência se refere? — questionou como se

    despertado por uma possibilidade que só naquele

    instante passou a enxergar mais

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