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Memórias de um contabilista
Memórias de um contabilista
Memórias de um contabilista
E-book542 páginas7 horas

Memórias de um contabilista

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Sobre este e-book

Este livro foi escrito como um desabafo, para suportar dezenove anos de trabalho sem férias. Muitos desabafam através de conversas, eu me desabafo escrevendo. Desabafar com conversas, o vento leva, mas escrevendo ficam registrados acontecimentos. Me pus a escrever à partir de abril de 1983, quando comprei uma máquina de datilografar Facit. À partir daí , escrevia toda à noite, fatos relevantes que aconteciam durante o dia. Às vezes os acontecimentos eram tão emocionantes que me pegava escrevendo no ambiente de trabalho, porque se deixasse para depois a inspiração desapareceria. Só parei de escrever este livro no dia 08/11/90, quando desci a escada do escritório pela última vez, sem me despedir de ninguém e nunca mais voltei . Alguns dias depois recebi a visita de um dos proprietários da empresa com a esposa trazendo-me um cartão prateado que deveriam me entregar numa festa de despedida, a qual não compareci, com os seguintes dizeres: " Para o senhor Oswaldo Tognetta. O grupo Metralha sente-se honrado pelo trabalho que o senhor lhe dedicou. Somos conscientes de que foram anos de profundos resultados que enriqueceram ambas as partes. Parabéns e obrigado. Americana, dezembro de 1990. A Diretoria"
Xavier, personagem deste livro, foi responsável por cerca de 60% das fofocas circulantes no ambiente. Conforme ele ficava sabendo de alguma novidade, corria até a minha sala a fim de contar-me. Firma pequena ou média não pode ficar sem o contador por mais que três dias, por isso, não podemos tirar férias, ao passo que firma grande, sempre tem um sub contador, que pode substituí-lo. O serviço destinado ao contador de uma firma pequena ou média, na sua ausência será engavetado, tendo que resolvê-los no retorno ao trabalho. Cheguei a ser convidado por um dos donos da empresa para uma pescaria de uma semana no Pantanal com tudo pago. Não teve como aceitar, era impossível. Meu filho Lauro que era funcionário na ocasião disse: " Mas como, foi o dono da empresa que o convidou e você não vai?" Respondi-lhe que não, pois uma firma pequena não tem como ficar sem o contador.
Tinha sempre que escrever na hora da raiva, pois se deixasse para depois não escreveria mais. Às vezes, os patrões me flagravam escrevendo, mas pensavam que fazia parte do meu trabalho.
Quero aproveitar a oportunidade para agradecer aos Irmãos Metralha, pela colhida que a mim dispensaram naquele final da década de 70 admitindo-me em sua firma por vinte anos, onde formamos uma família com altos e baixos, alegrias e tristezas, como acontecem em todas as famílias.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento1 de jun. de 2019
ISBN9788530006556
Memórias de um contabilista

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    Memórias de um contabilista - Oswaldo Tognetta

    Copyright © Viseu

    Copyright © Oswaldo Togneta

    Todos os direitos reservados.

    Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da Editora Viseu, na pessoa de seu editor (Lei nº 9.610, de 19.2.98).

    editor: Thiago Domingues

    revisão: Larissa Andrioli Guedes

    projeto gráfico: Cachalote

    diagramação: Rodrigo Rodrigues

    capa: Tiago Shima

    e-ISBN 978-85-300-0655-6

    Todos os direitos reservados, no Brasil, por

    Editora Viseu Ltda.

    falecom@eviseu.com

    www.eviseu.com

    Agradecimentos

    Este livro está nascendo graças ao empenho de minha família, em especial de minha filha Lúcia Helena e de meu genro José Francisco Gennari.

    Quero agradecer também Alaerte Menuzzo que acreditou nos meus livros e abriu as portas para que eu também acreditasse.

    Vou apresentar para vocês os irmãos Metralha: PRIMO, BARROS, ASSIS, MASTROIANI, DIRCEU, SEXTO e MAUREN O`SULLIVAN.

    Barros - também conhecido como Burro Xucro.

    Mastroiani - Burro Manso.

    Dirceu - esse era caçador de problemas. Caçava problemas e os jogava em minha mesa para resolvê-los. Sofria da Síndrome do Politicamente Correto no que se referia a GANHAR DINHEIRO. Era obcecado por dinheiro.

    Sexto - era folgazão. Comprava uma casa e um apartamento por ano, sem, contudo, trabalhar. Dizia que trabalhava - qualquer garoto no lugar dele daria conta do recado.

    Mauren O´Sullivan - não era sócia da indústria porque era mulher. Se fosse homem, seria sócia. Antigamente as famílias de italianos só deixavam bens maiores para filhos homens. As mulheres se casariam e receberiam a herança do marido.

    Para inaugurar o que expus, o veículo Opala veio com placa FG-7157, pois o Dirceu mandou fazer documentação toda nova, mas quis a placa FG-0098.

    - Onde se viu um veículo para executivo com a placa nº 7157? - perguntou o Dirceu.

    Ah... quem apelidou o Barros de Burro Xucro e o Mastroiani de Burro Manso foi o próprio Dirceu.

    ***

    O Assis subiu até a minha sala e perguntou em voz alta, como ele sempre faz, devido ao seu costume em conversar alto na tecelagem em virtude dos barulhos dos teares.

    - Oswaldo, o que é isso aqui?

    E me mostrou um aviso de débito de seguro da Finasa.

    - É seguro de vida, Assis! Você está pagando seguro de vida?

    - Eu, não! Nem sei o que é isso!

    - Aqui diz que você está segurado desde primeiro de julho!

    - Eu não... Só se foi a minha mulher que fez... mas como ela não falou nada comigo?

    - Ô Assis... não quero por caraminhola na sua cabeça, não, mas tome cuidado para ela não te jogá do apartamento para baixo! - A risada foi só minha. Ele não riu.

    ***

    Uma vez um cara entrou no escritório imitando um passarinho.

    - Tome cuidado de não fazer isso na seção de expedição que o Sexto lhe passa fogo. Sexto tem obsessão por caça.

    ***

    Santo é o encarregado da seção pessoal. Falei para ele que meu despertador desperta com um volume tão alto, mas tão alto, que até acorda os cachorros dos vizinhos, que começam a latir, uivar e vaiar.

    Dirceu foi viajar para os Estados Unidos da América. Quando ele voltou, eu nem perguntei para ele Como é... tudo bom?.

    Seria até uma hipocrisia eu fazer essa pergunta. Volta dos Estados Unidos com a família, agora vai pescar no Pantanal, só faltava eu perguntar se está bem.

    Ele está mal. Quem está bem sou eu: quatorze anos atrás de uma escrivaninha sem férias para acampar no Broa.

    ***

    Hoje ouvi histórias de extração de ouro em Serra Pelada e outros garimpos do Pará e Amazônia em geral. Ouvi a grandiosidade do plano de ação do Dirceu e seus sócios de garimpos no que concerne à extração de ouro e me senti como uma formiguinha. Os negos só falam em milhões de cruzeiros. Se tudo der certo, o Dirceu disse que vai construir uma mansão portentosa com os lucros dos próximos meses. Vão comprar aviões. Disse que construirão uma draga sui-gêneris capaz de extrair quilos de ouro do Rio Tapajós. Lá, moleques andam com sacolas cheias de dinheiro – resultado de vendas de ouro à Caixa Econômica Federal. O avião da Caixa Econômica Federal chega três vezes por semana cheio de sacos de dinheiro que dá para encher duas kombis só com notas de cinco mil (as notas mais valiosas da época).

    Eu comecei a fazer contabilidade do entra-e-sai de dinheiro, capital de giro em prol do projeto extração de ouro na bacia Amazônica. Eles têm até um escritório pequeno em Itaituba-PA. O Dirceu está entusiasmadíssimo, só que o que dá lá de febre amarela, febre palustre, maleita, malária, não está escrito em gibi nenhum. Até os macacos lá têm essas doenças. O Dirceu disse que viu macaco selvagem nos galhos das árvores com treme-treme. Onça também tem.

    Um avião em pane pousou no rio Tapajós. Pousar no rio é menos desastroso que pousar na floresta, evidentemente, e até que o avião afunde, dá tempo para se sair a nado.

    Num dos casos, o piloto saiu a nado e, quando ele chegou à margem, a onça o comeu. Encontraram com o cara sem vísceras.

    O Dirceu me chamou em sua sala e disse-me:

    - Aconteceu um negócio que aumentou até a minha bronquite nessa viagem que fizemos ao médio Tapajós no Pará. Fiquei conhecendo um rapaz novo, 21 anos, filho de uma família tradicional aqui do interior paulista. Esse moço foi lá também com o mesmo propósito nosso, ou seja: encontrar ouro. O pai dele nos disse: O menino vai lá, ele quer conhecer a região, quer ver como aquilo funciona. Rapaz forte, gordinho, moreno, rosto saudável. Ontem o Fumo me telefonou dizendo que o rapaz morreu. Em três dias deu um troço nele e ele morreu. O pior é que a família dele disse que vai abrir inquérito; pior ainda é que, quando o Fumo viu que o garoto não estava nada bom, foi até o piloto e pediu para este levá-lo de avião até um hospital mais próximo. O piloto não quis levantar voo porque o tempo estava ruim, estava nublado com prenúncio de tempestade. Se não levarmos esse rapaz num hospital, ele vai morrer; se levantarmos voo vamos morrer todo mundo, é muitíssimo arriscado sairmos com esse tempo. Bem, pra encurtar a conversa, teve um que propôs levá-lo de caminhonete, mas a cidade com hospital mais próxima ficava a uns 100 ou 200 km, estrada de terra, esburacada, muita lama, o rapaz já estava morto. Teve um cara lá que disse que isso vai dar uma complicação dos diabos. É capaz de sair até morte. Aqui já houve morte por muito menos que isso e estou ficando preocupado. Se formos lá corremos o risco de pegarmos uma dessas. Deve ser febre amarela. Essa quando dá mata mesmo. A malária ainda tem cura, mas a febre amarela não tem, não. Se não formos, não poderemos fiscalizar a extração do ouro.

    Eu fiquei só ouvindo.

    ***

    Deeme é filho do Barros. Ele chegou até mim e disse:

    - O que o senhor acha da vasectomia?

    - Sei lá! Por quê, você pretende se submeter a isso?

    - Vou fazer hoje lá com o Dr. Gelmini. O que o senhor acha?

    - Sei lá! Nunca pensei nisso! Outro dia você disse que ia conversar com o José Feltrin sobre isso – e então, você conversou?

    O José Feltrin havia sido operado disso.

    - Conversei. Ele disse que é uma boa! Disse que é um sossego – pequena pausa. – O pior é a semana que vem.

    - Pior por quê?

    - Vou ter que ir ao hospital descascar!

    - Descascar?!

    - É... chacoalhar uma! – risadinhas.

    - Ah, entendi, mas pra você que é jovem não há problema algum, leve uma revista pornográfica junto – ou, se não, peça para a enfermeira ajudá-lo! – risadas.

    ***

    Do Vale é filho do Primo. Do Vale acaba de me dizer que o Dirceu foi fazer compras ontem em São Paulo para sua loja. Lotou o Ppala até a boca de mercadoria. Numa das estacionadas que ele fez em São Paulo, quando voltou encontrou o carro vazio, apesar de tê-lo fechado com chave. Prejuízo total das compras.

    Stack era funcionário lá do escritório. Ele veio até mim e disse:

    - Seu Oswaldo, eu vou ao correio, bancos e cartório.

    Ele ia com o carro da firma.

    - Você pode fazer um favor pra mim?

    - Claro. Qual é?

    - Vá até o Ervadoce e entregue este envelope. Aproveite para ver a draga flutuante que eles estão construindo para extrair ouro do leito do rio Tapajós lá no Pará. Você vai conhecer o senhor Fumo. O homem é um gênio. O projeto da draga é dele. O homem fez o inventário do Adhemar de Barros quando este morreu. Ele faz parar avião no ar. Outro dia ele freou um avião no ar que até saiu poeira – risadas.

    - É verdade. A companhia de aviação deu até uma permanente para ele viajar para onde ele quisesse no planeta até o fim da vida dele.

    Ervadoce era sócio dos doze homens exploradores de ouro no rio Tapajós.

    Fumo era o apelido do idealizador, planejador, engenheiro e construtor da draga que seria a revolução na extração de ouro de leitos de rios. Esse homem era uma enciclopédia ambulante. Era magro e alto. Fumava quase três maços de cigarros por dia.

    ***

    O que tinha de picaretas, estelionatários e safados que nos visitavam lá nos irmãos metralha não era brincadeira. O Sexto caía fácil nos contos dos vigários. Há pouco tempo, passaram a perna nele, muito embora eu não tivesse culpa, uma vez que o Sexto não me consultou. Aqueles estelionatários ficam atravessados na minha garganta. Hoje os caras tornaram a telefonar para o Sexto querendo mais dinheiro ou tentando novo golpe. Ele me consultou e me pôs a par da situação. Eu peguei o telefone da mão dele e soltei os cachorros em cima dos estelionatários. Não parei de falar um minuto. Falei sem dar brecha de um segundo, para não dar tempo de eles entrarem na minha conversa. Eles também falavam sem parar. Parecia briga de cachorros loucos. Quando eu desliguei, sem ninguém entender ninguém, meu coração estava quase saindo pela minha boca. Eram negos oferecendo proteção contra fiscais e, para isso, teríamos que pagar uma mensalidade.

    ***

    Eu tive uma nova experiência hoje. Quando nós falamos Faça economia aqui, faça economia ali, porque as coisas não estão fáceis, estamos limitando nosso poder de ação. Nós nos encolhemos com medo de gastar. Eu vi isso pelo senhor Fumo. Tudo que ele faz é grande. O sonho dele é grande. O projeto dele é grande. As despesas dele são grandes. A conta dele de telefone de um mês deu Cz$117.045,10, ou seja: mais de dois salários mínimos. 67 interurbanos para capitais, cidades grandes e litoral. Esse Fumo é o criador daquele projeto fantástico para extração de ouro do leito do rio Tapajós lá no Pará. Hoje esse projeto já está em mais de cem milhões de cruzeiros, mais de 1.750 salários mínimos.

    ***

    Fui levar uns papeis para o Dirceu assinar. Ele não estava na sala e fiquei surpreso ao ver sobre sua escrivaninha um livro do Dale Carnegie, Como evitar preocupações e começar a viver. Dentro do livro tinha um bilhete que escrevi para uma das moças do escritório, a Cidinha, recomendando a leitura desse livro. No bilhete estava escrito:

    Assim como nosso corpo precisa de alimento, nosso espírito precisa de palavras, que é o seu alimento. Nada melhor que esse livro para tal. Leia somente as partes que grifei para sua leitura não se tornar enfadonha.

    Nisso, chega o Dirceu.

    - Eu estava lendo sobre o Rockefeller – disse o Dirceu ao me ver lendo o bilhete.

    Pensei comigo: E você poderia ler outra coisa?. Essa do Rockefeller eu nunca li, ou melhor: só li a primeira vez para eu saber do que se tratava, não me interessei mais por essa leitura porque fala sobre a conquista capitalista do Rockefeller. Eu me interesso pela conquista da paz de espírito. O Dirceu se interessa pela conquista do dinheiro. Foi a única coisa que ele leu no livro.

    ***

    O Dirceu estava contando mais algumas passagens dos homens do ouro. Ele disse que o Baqueta deu de presente para sua filha uma bicicleta. Ela caiu e esfolou-se toda e não quis mais saber da bicicleta. O Baqueta pôs a bicicleta no avião e levou lá no garimpo que fica numa floresta próximo ao rio Tapajós. Quando ele chegou lá com o avião, as prostitutas que vivem lá e que faturam alto, se acercaram do avião como sempre fazem quando chega um. Uma delas viu a bicicleta e disse:

    - Você quer vender essa bicicleta, cara!?

    - Não. Eu não a trouxe para vendê-la. Eu a trouxe para dar volta com ela pelo aeroporto.

    - Quer 400 paus por ela?

    - Quero... negócio fechado!

    Cz$400.000,00 dá para comprar três bicicletas novas em folha.

    Ela deu o valor combinado. O Baqueta lhe entregou a bicicleta, aí a fulana disse para quem quisesse ouvir:

    - Quem quiser dar volta, tem que me pagar 10 paus - em dois dias quero recuperar esse dinheiro.

    - Dar volta onde? – perguntou o Dirceu. Única área aberta que tem lá é o aeroporto, o resto é tudo mato fechado.

    Ele disse também que as dragas lá são montadas com transporte através de helicóptero. Tem draga que está extraindo cerca de 10 quilos de ouro por dia. Disse que, se for assim, depois que a draga deles estiver pronta e no rio Tapajós, num só dia eles vão pagar todo o custo do projeto.

    Hoje, o que está complicando lá é a ociosidade dos garimpeiros em virtude de que eles não podem trabalhar devido as enchentes dos rios. Entre os garimpeiros, tem aqueles que não podem garimpar e o seu dinheiro está acabando e eles vão se desesperando. Mortes, saem quatro ou cinco por dia. Policiamento não tem. A cidadezinha está uma baderna. Centenas ou milhares de garimpeiros nos bares, nas ruas, gastando. Ele contou também que um dos doze sócios foi pra lá, levou dois revolveres com calibres diferentes e andava com os dois revolveres na cintura. Ele fez amizade com um caboclo garimpeiro antes de voltar para cá e deu uma caixa de munição para o caboclo. Quando se despediram o caboclo lhe disse:

    - Fulano, leve isto aqui para sua esposa!

    Era um frasco contendo 100 gramas de ouro e que vale cerca de Cz$180.000,00, ou seja: cerca de dez vezes o valor da caixa de munição que ele deu para o caboclo.

    ***

    Eu falei para o Dirceu que calculei o meu imposto de renda. Deu 270.761,00, já fiz o DARF e vou pagar e pronto. Não fui atrás de adulterar ou fraudar. Depois me senti ridículo porque eu li no seu pensamento o que ele havia pensado naquela hora: Por isso que tu és pobre!

    Lembrei-me daquela frase de Rui Barbosa, em que temos vergonha de sermos honestos.

    O salário mínimo nessa época era de Cz$57.120,00, portanto o meu imposto de renda naquela declaração deu quatro salários mínimos e 7 décimos (4,7). Não era um valor astronômico, mas eu já havia pago mensalmente na fonte também.

    ***

    No dia dois de maio de 1984 ficou pronta a draga revolucionária no que concerne a extração de ouro de leito de rio. Ela ficou pronta e foi desmontada para ser transportada. Ela vai ser utilizada para extração de ouro do leito do rio Tapajós no Pará. Será uma espécie de draga mãe, com outras embarcações que a seguirão, tais como: um barco petroleiro, barcos menores e rádio (pelo qual os homens se comunicam com aviões, com a cidade, com o acampamento).

    ***

    Um mergulhador, desses que mergulham com escafandros e ficam em leitos de rios auríferos aspirando cascalhos e mandando para a superfície através de máquinas à cata de ouro, disse para o Dirceu que a hora que essa draga começar a operar no rio Tapajós, o Dirceu será o homem mais rico da cidade de Americana em dois meses.

    Dirceu contou isso para mim e esfregava as mãos na maior felicidade.

    ***

    Eu fiquei várias semanas atendendo a um fiscal da Receita. Sofri barbaridade. Só eu podia atendê-lo porque os outros funcionários não tinham a menor condição. No dia primeiro de maio, quando todos estavam comendo e bebendo, eu estava sozinho na firma, desarquivando documentos do arquivo geral para o fiscal. Depois que ele terminou a fiscalização, restou eu fazer uma avaliação no comportamento do fiscal. Uma incrível vontade de multar. Um conceito ou preconceito tremendo de que em tudo o que estava escriturado ou contabilizado havia má fé, dolo, falcatrua, fraude, maquinação contra o fisco. Parecia até uma psicose ou obsessão. Um conceito de que todos os contribuintes são ladrões e sonegadores de impostos. Tudo o que eu fazia ou deixava de fazer, ele achava que eu estava escondendo algo. Não entendia nada de contabilidade. Eu acho que no ambiente deles comentam tanto sobre as falcatruas das empresas que eles chegam à conclusão de que nenhuma empresa presta. É igual a marido traído depois que ele toma conhecimento da traição: nenhuma mulher mais presta; ou quem só vê violências e passa a achar que não se pode mais andar nas ruas sem ser violentado. Vira uma psicose, uma obsessão.

    ***

    ATÉ VOCÊ, NIZIÃO?

    Você era um dos poucos vendedores dos irmãos metralha que não ia embora sem se despedir de mim e agora você se foi e nem sequer me disse adeus – e um adeus para sempre ainda. Foi-se embora sem mais nem menos. Era um dos poucos vendedores que vinham até minha mesa pelo menos dizer algumas palavras.

    - Como estão as coisas? E as vendas, como estão?

    Aí nós batíamos um papo informal, uma descontração, uma catarse. Depois do papo, nós nos sentíamos até aliviados. Depois ele se despedia com aquelas mãos gordas de dedos curtos. Ele era um homem de mais ou menos 1,68 de altura, forte, atarracado, 57 anos, pele rosada, óculos fundo de garrafa, muito educado, tinha a lisura de um padre para conversar. Nizião se foi – aliás, eu nunca o chamei assim. Esse apelido inventei agora, espontaneamente. Escapou da minha boca. Provavelmente se nós fossemos amigos de pescaria ou de carteados, eu o apelidaria assim. Seu nome era: Enízio Rosan, vendedor em Mato Grosso do Sul que residia em Presidente Prudente.

    Até breve, Nizião. Até breve mesmo, porque mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou é como a vigília da noite (Salmos 90:4).

    ***

    A draga amarela que fora construída no pátio da firma Ervadoce já está flutuando no rio Tapajós no Pará. O barco menor também. Vão subir o rio em virtude de não poderem ser transportados por rodovias, visto estas estarem intransitáveis devido à chuva. Vão tentar levar a draga flutuando o mais rápido possível; pelo rio Tapajós estar baixando a olho visto, poderá haver problemas nos desníveis do rio. Tem muita chuva deixando a estrada intransitável, mas pouca chuva na cabeceira do rio, motivo pelo qual as águas estão baixando.

    ***

    O Deeme Metralha estava contando sobre a cirurgia de vasectomia a que fora submetido. Ele disse que, uma ou duas semanas depois da cirurgia, ele teve que ir ao laboratório do hospital descascar uma (se masturbar), a fim de fazer exame de laboratório para ver se tinha espermatozoides. Como ele não conseguia o orgasmo, ele saiu sorrateiramente e foi até a sua casa pedir a colaboração da jovem esposa. Pegou o produto, saiu correndo e levou ao laboratório. A enfermeira viu que ele veio de fora, todo esbaforido, e perguntou-lhe:

    - De onde você veio?

    - De casa!

    - Não pode – disse ela, nervosa. – Falei que você deveria ter feito isso aqui!

    - Só se você me ajudar, porque, do contrário, não consigo.

    Disse que a enfermeira chacoalhou a cabeça e pegou o produto assim mesmo.

    - Eu tenho um amigo que aconteceu a mesma coisa – disse o Deeme. – Ele teve que descascar uma no banheiro, na hora que ele estava conseguindo, alguém metia o pé na porta. Pronto. Tinha que começar tudo de novo. Saiu de lá com o Obdúlio Varella todo inflamado! – risadas.

    ***

    A draga estava subindo o rio Tapajós e deu em uma cachoeira. Tiveram que desmontar a draga, transportar peça por peça através dos matos até uma estrada próxima, onde foram postas em um caminhão para continuar o transporte por terra. Embora a rodovia estivesse esburacada e com lamaçal, era única alternativa de.

    ***

    Fui pegar um carimbo no porta-carimbos que estava sobre a mesa do Catatau, que estava ausente. Quando eu peguei, o porta-carimbos caiu no chão, esparramando todos os demais carimbos.

    Estranhei. Que história é essa? Pegar apenas um carimbo e o porta-carimbos cair?

    Nisso vi o Lauro todo apressado e desenxabido catando os carimbos do chão.

    - O culpado fui eu, disse-me ele. Preparei uma armadilha para o Catatau, mas, infelizmente, o senhor chegou antes.

    ***

    Tive uma cólica renal brava, que durou 14 dias e 19 horas. Sofri muito. Fui internado. Médicos e enfermeiros cometeram barbeiragem comigo, tenho tudo relatado em dezenas de páginas. Não vou transcrevê-las aqui por serem muito tristes e seriam enfadonhas para o leitor. Diante desse meu sofrimento, o Primo Metralha convidou-me para ir pescar no pantanal Matogrossense com eles: Primo, Sexto e Mastroiani. Eu o agradeci, mas não aceitei. O Lauro perguntou-me:

    - Por que o senhor não aceitou?

    - Boa pergunta. Deixa me ver por que não aceitei. É fácil: não estou programado para isso. Nunca incuti isso na minha cabeça como coisa possível, logo, eu aprendi a viver sem isso, então, estou despreparado tanto psicológica como fisicamente. Os irmãos Metralha têm essa pescaria permanentemente na cabeça. Faz parte de suas vidas, além do mais, agora que vou começar a por as escritas em dia, porque até hoje dediquei-me ao encerramento do balanço e inventários 1983, às declarações de imposto de renda pessoas físicas e jurídicas. Agora estou pondo o carro em movimento para dedicar-me com afinco ao ano de 1984.

    ***

    Hoje desci à sala do Dirceu a fim de pegar assinatura em um cheque e mandar uma Ordem de Pagamento para Itaituba no Pará.

    - Você quer ver essas fotos do rio Tapajós? – perguntou-me o Dirceu.

    Comecei a ver as fotos. Draga no rio, acampamento, caminhão-tanque abastecendo os barcos transportadores de óleo etc.

    - Colosso de rio, hein? Tem leito aqui para ser explorado que não acaba mais, quase não se dá para ver as margens do outro lado!

    - Você acredita que não tiraram nenhuma grama de ouro ainda?

    - Não?!

    - Não. Não que não tenha ouro no leito do rio, é que a draga não funcionou a contento ainda, ou quebra uma coisa, ou quebra outra. Tem mergulhadores vizinhos de nossa draga que tiram sete, oito gramas de ouro por dia por pessoa. Eu já fiz as contas, cada mergulhador ganha cerca de um milhão e oitocentos mil mensais e outro tanto fica para o patrão dele. O pior de tudo isso é que, com a draga quebrada, os garimpeiros ficam ociosos e ficam extremamente aborrecidos, depressivos, com saudade de casa, muito calor e os mosquitos quase os deixam loucos.

    ***

    - O senhor viu a placa do Santana? – perguntou-me o Lauro.

    - Não!

    - 0707

    - É o Dirceu que tem mania dessas coisas. Tudo que ele faz, ele exige o máximo, até nas coisas irrisórias. O Bastião Polido uma vez brigou com o despachante porque este lhe deu a placa 0213 e ele queria 0123 por serem algarismos seguidos. É isso que eu chamo de conceito de valores. Quero dizer: o sujeito se escraviza por ninharias. Ficam presos a conceitos absurdos.

    ***

    - Aqui está o caixa do André – disse o Dirceu, entregando-me 3 folhas do livro-caixa escriturado em Itaituba no Pará sobre a entrada e saída de dinheiro num pequeno escritório improvisado. Entregou-me também um aviso de depósito feito pelo sócio Saulo Santa-flor e também um talão de notas fiscais. – O Fumo chega hoje. Ontem ele me telefonou de Itaituba e disse que não tiraram uma grama de ouro ainda. Ouro, tem – os nossos vizinhos lá estão matando o boi, mas a máquina de nossa draga não funciona. Não há meios de funcionar! – palavras do Dirceu.

    ***

    O que vou escrever agora, vou registrar conforme vou lembrando do relato feito pelo Dirceu que foi até minha sala hoje e contou-me. Não vou preocupar-me com erros de gramática, nem concordância que é para não perder o fio da meada. Trata-se de uma viagem que os garimpeiros Santos e Afonso, ambos aqui de Hortolândia, fizeram lá no rio Tapajós. Garimpeiros dos doze homens do ouro. O Santos disse para o Dirceu que uma noite eles cismaram de ir pescar no rio Tapajós. Entraram na barca menor, aquela que fizeram com o intuito de transportar óleo do ponto de abastecimento até a draga exploradora. Foram pescar. Estavam no rio, tudo escuro, mata fechada lado a lado, eis que eles viram uma lanterna numa das margens do rio. Eles se esconderam dentro do barco. A lanterna clareava ora o barco, ora o rio, ora os arbustos e eles quietos no fundo do barco.

    - Mas que diabo pode ser aquilo? – cochichou o Afonso. – Ali não pode ter gente, a mata é fechada, só tem garra-garra, arranha gato, nem coelho entra aí.

    - Sei lá! – retrucou Santos. – Será que não são salteadores pensando que estamos com ouro no barco?

    Ficaram imóveis algum tempo, em seguida a lâmpada se embrenhou no mato.

    Aí eles retornaram ao acampamento na surdina. No dia seguinte eles comentaram isso com os garimpeiros mais antigos do lugar.

    - Faroletes na beira do rio?

    - Não eram faroletes, não; eram cobras!

    - Cobras?

    - É... cobras!

    - Cobras com faroletes?

    - Os olhos delas é que brilham assim, para facilitar a procura pelas suas caças.

    OUTRA

    Uma tardezinha o Afonso estava sentado no acampamento sozinho enquanto os outros tinham ido pescar. O sol já tinha se posto, ouvia-se o barulho na mata de aves cantando e o bater de asas; eis que ele escuta um barulho de alguém que vem recuando os arbustos com as mãos por entre a mata. Ele pensou que fosse algum dos garimpeiros. De repente, ele viu um animal parecido com homem, muito peludo e com mais de dois metros de altura. Passou a cerca de uns três ou quatro metros dele e se perdeu na mata. Quando os colegas voltaram, ele contou o caso. Os colegas racharam o cano de tanto rir.

    - Vá ser mentiroso lá adiante!

    Na manhã seguinte, eles contaram esse caso para os garimpeiros mais experientes, mais velhos, afim de gozarem o garimpeiro Afonso e os garimpeiros mais antigos disseram:

    - Não é mentira dele não! Muitos já viram esse monstro. Fulano viu, beltrano viu, cicrano viu.

    Nisso chegou o Baqueta, que é um dos doze homens do ouro, e confirmou que há muito ele ouve essa história.

    ***

    Eu estava em casa. O telefone tocou, Marga atendeu.

    -Alô. Está... um momentinho – e falou comigo. – Tu... pra você!

    - Pra mim? Não é possível. Ninguém telefona pra mim. Você está brincando?!

    Peguei o telefone.

    - Alô!

    - É o senhor Oswaldo?

    - Sim!

    - Aqui é o Stack!

    - Estou reconhecendo a sua voz. O que há?

    - Estou aqui na casa do Primo Metralha. O Renan morreu!

    - O quê? Mas que brincadeira é essa?

    Pus as minhas catracas para funcionarem. Eu sabia que ele não estava brincando. Stack nunca brincou comigo e não iria brincar com uma coisa dessa. Renan era filho do Primo, moço inteligente, sendo preparado para ser um dos líderes da firma num futuro próximo, fazendo estágio numa das maiores tecelagens de Santa Catarina, estava aprontando as malas para fazer estágio na Alemanha, já estava nos últimos estágios do estudo de inglês.

    - Como foi isso?

    - Ele estava jogando bola lá na chácara do Dirceu, chegando a marcar um gol. Pararam o jogo e sentaram-se para descansar na beira da piscina. O Renan começou a sentir-se mal e ter falta de ar. Levaram-no para o hospital e lá ele morreu.

    - Minha Nossa Senhora!!

    Isso foi num domingo. Na segunda feira, fui até ao escritório. Tudo fechado, fábrica parada, FM desligado, silêncio. Foi a primeira grande tragédia no meu tempo de trabalho na firma dos irmãos Metralha, ou seja, em treze anos, dez meses e quinze dias. Ninguém conversando, apenas cochichos. No velório, dona Flora conversa o tempo todo com o filho morto. Sempre que ela estava presente, conversava, beijava, chamava de meu amor, meu querido, enfim, não queria aceitar a realidade. Enchia de gente em volta dela e do esquife. Quando ela era retirada e amparada pelos familiares, quando ela se afastava, o povo se dispersava. Por que todo mundo queria estar próximo dela em suas lamentações e lamúrias? Por que quando ela saía todos se dispersavam?

    O Nelson, irmão do falecido, estava pescando no Pantanal Mato Grossense. Um taxi aéreo foi buscá-lo. Ele só ficou sabendo do acontecido quando o taxi aéreo o trouxe de volta, ou seja: só ficou sabendo aqui. Para ele viajar, disseram-lhe que o motivo da viagem era o fato dele ter sido aprovado num teste que ele fez em São Paulo e que deveria começar o trabalho hoje. Ele chegou exatamente na hora da saída do féretro, deu tempo de ele ver o irmão morto por uma questão de segundos. Renan Metralha tinha acabado de completar 20 anos. A causa da morte dele foi o rompimento de uma veia na cabeça. Seu rosto ficou inchado e roxo.

    Se lá para onde o Renan foi não tem mais alegria, pode estar certo que não há aborrecimento também. Lá não tem mais tios que o induza a viajar para o exterior, fazer estágios, morar em repúblicas. Ele se tornou um instrumento nas mãos dos tios ambiciosos que planejavam conquistas para a indústria e o escolhido tinha sido ele por ser mais inteligente, obediente e nunca reclamar de nada.

    Dona Flora foi internada afim de receber um tratamento médico em virtude de uma grande depressão que sofrera com a perda do filho. Esta é, sem dúvida nenhuma, a pior desgraça que pode acontecer; contudo, a maioria das mães não se conscientizam de que os filhos não lhes pertencem. Eles pertencem a Deus, eles pertencem à vida. Nem quando o feto está no ventre da mãe este lhe pertence, haja visto que até o tipo de sangue é diferente, porque é outra criatura. A mãe apenas empresta seu corpo para que o filho seja gerado, mas não lhe pertence. Assim sendo, eu compreendi melhor as palavras de Kahlil Gibran: Teus filhos não são teus filhos, são filhos da vida, desejosos de si mesmo, não vêm de ti, senão através de ti e, ainda que estejam contigo, não te pertencem.

    E para uma mãe entender isso?

    Quando li aquelas palavras do Kahlil Gibran, Lena, minha filha, escutou e disse:

    - Primeiro: esse tal de Kahlil Gibran é homem e não pode julgar uma mulher. Ele teria que ser mulher para julgar o que uma mulher sente. Segundo: provavelmente ele foi um solteirão frustrado e nunca teve filho, porque, quando uma mãe perde um filho, 90% do seu corpo é arrancado com entranhas e tudo e não adianta nenhum homem dizer o contrário.

    Os olhos dela estavam cheios de lágrimas.

    ***

    Hoje eu estava conversando com dois garimpeiros lá de Itaituba, Pará.

    - O Zé Firmino chora todos os dias! – disse um deles.

    Zé Firmino também é um garimpeiro que está lá, mas ele é daqui de Hortolândia.

    - Chora todos os dias? Por quê? – perguntei.

    - Ele quer vir embora!

    - Ele quer vir embora para nunca mais voltar lá?

    - Deus o livre. Ele detesta aquilo lá. Ele não quer mais ficar lá, por dinheiro nenhum!

    - Afinal de contas, aquela draga funciona ou não funciona? – perguntei.

    - Funciona. O que ela tira de areia do leito do rio daria para encher um caminhão a cada 40 minutos.

    - Ué... mas com toda essa areia extraída não existe ouro algum?

    - Não existe. Areia, cascalho sai aos montes, mas ouro... nem pra remédio.

    Dirceu saiu às pressas quinta feira à noite afim de sair bem cedo na manhã seguinte para uma pescaria no pantanal Mato Grossense. Antes de sair ele me disse:

    - Oswaldo. Amanhã cedo, peça 500 mil para cada sócio da Sociedade Mineradora para suprir o saldo bancário. Hoje pedi para a telefonista telefonar para todos os sócios pedindo os 500 mil de cada.

    De repente:

    - Seu Oswaldo, a mulher do senhor Fidalgo quer falar com o senhor na linha A.

    - Alô.

    - É o senhor Oswaldo?

    - Sim!

    - Senhor Oswaldo. Foi o senhor Dirceu que pediu para o senhor telefonar-nos?

    - O senhor Dirceu pediu que eu ligasse para todos os sócios, mas não citou nomes. Se eu não deveria ter-lhe ligado, peço-lhe desculpa.

    - Sabe o que é, senhor Oswaldo? Acontece que não temos nem mais um tostão a darmos para essa porcaria de empresa. Essa empresa já nos sugou até o último centavo. Só se vendermos os nossos filhos, seu Oswaldo, porque é a única coisa que nos resta. Essa porcaria de empresa, logo no início, disse que apenas 7 milhões seria suficientes para o projeto. Nós já demos quatro vezes esse valor e os senhores continuam pedindo mais dinheiro. O meu marido está de cama, seu Oswaldo. Ele teve uma crise cardíaca por causa dessa porcaria de empresa, todas as semanas aquelas promessas de que vão encontrar ouro, mas até agora nada. Nós gastamos todas as nossas economias nesse projeto acreditando nos senhores. Hoje ele vai submeter-se a eletrocardiogramas, a cateterismo, a um check-up cardíaco e estou intranquila imaginando o resultado desse exame – e agora vem o senhor pedindo mais dinheiro? O que me importa é a saúde do meu marido, seu Oswaldo. Eu não quero mais ouvir o nome dessa porcaria de empresa, seu Oswaldo. A origem da doença dele foi o fracasso dessa empresa, porque antes ele nunca sofreu nada, depois começou a preocupar-se com tanto dinheiro saindo e sem retorno que começou a dormir mal, a ficar nervoso. Até a mulher do André veio buscar dinheiro aqui em casa a semana passada. O senhor já viu uma coisa dessa? O senhor Dirceu pensa que nós achamos dinheiro na rua, seu Oswaldo? Diga para o senhor Dirceu que ele enfie essa empresa goela abaixo. O que me importa é a saúde de meu marido e não essa porcaria de empresa que deveria estar rendendo algo para seus investidores e não sugando insaciavelmente por um tempo absurdo.

    ***

    Um dia desses, perguntei para um dos garimpeiros se a vida lá no garimpo é muito dura, trabalhando sob um sol de 43 graus e muitos mosquitos.

    - Não, se desse ouro, a gente ficaria lá a vida toda. Agora, sem ouro, não dá. Mas a dureza não me assusta, é como diz aquele velho ditado já conhecido de todos: a vida é dura para quem é mole.

    Imediatamente eu saquei que uma simples frase pode fazer um homem suportar grandes sacrifícios. É como diz Albert Einstein em seu livro Como vejo o mundo: o homem sem a palavra seria uma nulidade.

    ***

    O governo baixou uma portaria, de número 945 de 21/08/84, extinguindo os centavos de nossa moeda. Foram eliminados os centavos também das calculadoras e máquinas de somar para facilitar as operações de valores. Muito bem... um industrial que trabalha à fração para os irmãos Metralha extinguiu as frações de metros de tecidos também – ora, uma vez que na máquina de somar dele não havia mais a vírgula dos centavos, ele eliminou nas frações dos metros nos romaneios. O cara é industrial, nunca estudou bosta nenhuma e é rico, sendo que um cara estuda, queima a pestana, faz faculdade para ganhar três ou quatro salários mínimos. Ao invés dele registrar 10m e 20 no romaneio, ele só registrava 10 metros, uma vez que a máquina de somar não tinha mais a vírgula. As frações de metros ele somava à parte para acrescentar no fim.

    Eu também já cometi muitas gafes que tenho até vergonha de registrar aqui, mas também eu não poderia desprezar este fato, uma vez que estou passando para vocês fatos curiosos e engraçados. As minhas gafes, os outros que escrevam se quiserem.

    ***

    Por isso que eu não ficaria rico nunca: mesmo que eu nascesse umas três vezes, ainda assim, eu não teria chance de ficar rico. O Dirceu chegou na minha mesa e:

    - Oswaldo. Faça um balancete novo da Sociedade Mineradora. Faça uma relação nova de contas a pagar. Hoje à noite vai haver uma reunião dos sócios e estou prevendo o maior dos arranca-rabos. Eu não quero nem pensar nas discussões que haverá hoje!

    - Já sei – disse-lhe eu só para não deixar a conversa em branco. – Uns vão querer continuar, outros vão querem encerrar a atividade.

    - Não, não! Ninguém vai querer desistir, quem já gastou 30 milhões, não custa gastar mais uns 10 para fazer uma nova tentativa.

    Foi aí que pensei: "Se eu participasse dessa sociedade, já teria desistido há muito. Pelo amor de Deus! É só dinheiro que sai, e não entra um tostão!

    ***

    Tem comes e bebes lá nos Irmãos Metralhas, festa, muitas risadas e faz apenas 54 dias que o jovem Renan morreu tragicamente.

    ***

    O Dirceu acaba de me dizer que o que tem de americanense investindo e viajando para Serra Pelada não é brincadeira. Aqui em Americana não tem um industrial que não tenha investido lá.

    - Tem gente vendendo até a própria casa em que reside para aplicar lá. Tem gente enriquecendo, tem gente dando cabeçadas, tem gente lucrando, tem gente tendo prejuízo, tem de tudo. É uma loucura! – disse- ele.

    Eu voltei a me sentir pequenino diante da conversa do Dirceu. Por isso que evito conversar com essa gente. Eles nos deixam menores do que somos.

    ***

    Dirceu acreditava que, quando a draga começasse a operar no rio Tapajós, cada caçamba que a draga trouxesse à tona traria ouro puro. Se tivesse alguns grãozinhos de areia no meio do ouro puro, ele ficaria louco da vida. Hoje ele viu que não é bem assim. Se tudo correr bem, a cada caminhão de cascalho extraído vai dar para extrair cerca de uma colher de ouro, se tudo correr bem. Essa é a lei da probabilidade.

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