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Papai Jessé
Papai Jessé
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E-book367 páginas5 horas

Papai Jessé

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Sobre este e-book

Após alguns anos, sofrendo o ambiente agitado da cidade de São Paulo, a família de Geraldo de Jesus Ferreira se martirizava, arrependida por ter vendido seu terreno na zona rural e, por ter se mudado para aquela cidade grande. Reunidos na casa de Geraldo, reclamavam por tantas despesas, por tantos sofrimentos e pela pobreza em que passaram a viver. Após sofrer uma grande tragédia, o filho de Geraldo, Jesse, busca desesperado uma vaga em um movimento de reforma agrária, a fim de conseguir sua inclusão num assentamento e obter o seu tão sonhado pedacinho de terra, onde pudesse viver no ambiente que ele tanto queria. A partir daí, Jessé com seu filho, Neguinho, ainda criança nos ombros, se aventuraram na estrada, fugindo da perseguição de sua irmã desalmada, Arminda, e buscando chegar a tempo no local da marcha. Nessa caminhada, pai e criança compartilham com muitos outros uma série de aventuras perigosas, em que por muitas vezes tiveram suas vidas expostas a grandes perigos, para conquistar sua terra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de jan. de 2017
Papai Jessé

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    Papai Jessé - Cláudio Liva

    capa.jpg

    Papai Jessé

    Cláudio Liva

    Capa: Dijansen Carlos Aureliano, Ulisses José Gomes Quirino

    Editoração: Ulisses José Gomes Quirino

    Revisão: Vivian Alamo

    Sumário

    Saudade da vida rural

    Jessé não aceita proposta da irmã

    Desespero para esconder o filho

    Arminda contrata detetive

    Suspeita de sequestro

    Preparativos para a marcha de ocupação

    Fazendeiros alarmados

    Marcha e ocupação

    Família frontão em conflito

    Eleição no sindicado rural

    O dia a dia no acampamento

    Grande atrito no sindicato

    Fazendeiro age por conta própria

    Amâncio alvo de represália

    Professora Marta em apuros

    O grande impasse de Jessé

    Grandes conquistas dos sem-terra

    Forte crise no sindicato

    Crimes misteriosos

    O casamento de Jessé e Marta

    Todas as obras de Cláudio Liva estão disponíveis em sua página no Clube de Autores. Acesse: https://goo.gl/eVRVX2

    https://www.clubedeautores.com.br/

    Dedico à minha família:Minha esposa: Osmari Ramos Quirino.Meus filhos:Pedro Carlos Ramos Quirino Carlos Gustavo Ramos Quirino Sílvio dos Santos Ramos Pedroso.

    Saudade da vida rural

    Há vários anos que a família de Geraldo e Lucinda se mudara para a capital do estado. Oriundos de um pequeno município no estado de São Paulo, passaram a lutar bravamente, tentando se adaptar ao ambiente da cidade grande.

    A razão dessa mudança fora o enfraquecimento da renda familiar da pequena chácara que possuíam. Já não era suficiente para o sustento da família. Viram-se forçados a buscar trabalho em outras propriedades para se manterem. Devido a isso e mais a insistência da filha Arminda já residente na capital, o casal de velhos resolveu vender tudo o que tinha e se mudar para perto da filha.

    Passaram-se vários anos disso; agora estão chorando e reclamando arrependidos do que fizeram.

    Jessé o filho do casal também veio, arrumou uma vaga na cooperativa de reciclagem e ganhava a vida catando papel. Seus pais viviam da aposentadoria de ambos. Muito pouco. Não estavam em pior situação, porque aplicaram o valor da venda da chácara, adquirindo uma diminuta choupana em meio lote onde atualmente moram. Senão a situação estaria muito pior.

    — Eu falei! Lembro bem que falei. Não venda, pai! Lá a vida é muito pior. Só ilusão — falou Jessé.

    — É, mas a Arminda falava, falava e falava que era tudo melhor. Água na torneira, luz elétrica, armazém na frente da casa; posto de saúde e hospital com facilidade... Entramos nessa fria. Agora não adianta chorar. Só nos resta resignar — respondeu Geraldo.

    — Droga! — continuou Jessé. — Por que não me esforcei ao falar, e não reagi pra valer? Por que não briguei com a Arminda para segurar o negócio? Agora é tarde. Puxa! Tínhamos vacas de leite, só três, mas tínhamos; água na fonte pertinho. Carregada em tarros, mas água boa, muito boa. Frango sobrando no terreiro. Só prendê-lo e cozinhá-lo. A luz era com lampião de querosene, mas era suficiente para nós. Agora, nesta joça, pagamos tudo, até para respirar, não tem dinheiro que chegue.

    — Ganhamos muito pouco — sentenciou Geraldo.

    — Pouco mesmo! Veja só, pai. Neste mês, já compramos fiado, comprometendo o dinheiro que vamos ganhar no mês que vem. Como viver assim? Eu, minha mulher e o Neguinho, não temos alegria para nada. O coitadinho viverá as mesmas penúrias que vivo hoje, ou pior. Como sonhar com vida melhor?

    — Você é moço, Jessé, tem a vida inteira para frente. Deve procurar um jeito de melhorar de vida.

    — Melhorar que jeito, pai? Bem! — Tossiu. — É... Tenho esperança ainda. Dei meu nome para uma relação do MRA; estou disposto a qualquer coisa para voltar a trabalhar na lavoura. Quero demais! Vão ocupar uma fazenda abandonada no sul do estado; topei. Se houver vaga, vou mesmo. Ah, vou. Quero demais.

    Ouviram o choro do menino. Estava chegando. Antes que Jessé se levantasse da cadeira, apareceu Cristina, sua esposa, puxando a criança pelo braço.

    — Aí seu pai, fale com ele.

    — Pai! A mãe não quis comprar sorvete para mim.

    Jessé abraçou o filho e cobriu-o de beijos, ao mesmo tempo em que o consolou.

    — Deixe comigo, filho, amanhã vou comprar um sorvete muito gostoso para você. Não tenho dinheiro agora.

    — Não! — gritou o menino. — Quero agora.

    Novos beijos e mais carícias no filho enquanto enxugava suas lágrimas. Nesse momento, ouviu-se a voz de Cristina chamando o filho para almoçar. Neguinho saltou se desvencilhando dos braços do pai e correu para a cozinha; esquecendo momentaneamente o sorvete.

    — Isso que me dói o coração; o coitadinho chorando de vontade de chupar um sorvete, mas não tenho dinheiro nenhum no bolso. Que merda de vida mesmo — falou Jessé, dando um soco no ar, ao mesmo tempo em que saltou da cadeira e se encaminhou em direção à rua. Nisso, ouviu a voz de Cristina.

    — Jessé!

    — O quê?

    — A creche do Nego mandou aviso nos convidando para estarmos lá amanhã às oito horas, para participarmos de uma reunião muito importante.

    — Vamos lá. Certeza que vão nos pedir alguma coisa. Nunca param de pedir, pedir e pedir. No sítio, não tinha nada disso.

    Voltou-se em direção à rua e saiu. Apanhou o carrinho, enfiou-se em meio ao trânsito e seguiu para o trabalho, resmungando indignado, muito contrariado com a vida na cidade.

    Agora mais essa creche para me torrar a paciência pensou. De repente, olhou para o céu e falou para si mesmo:

    — Graças ao bom Deus, conseguimos essa creche para o Neguinho. Quantos procuram e não encontram vagas? Foi o que permitiu que eu e a Cristina continuemos trabalhando.

    Uma tarde entregou a segunda coleta de reciclado na cooperativa e saiu levando o carrinho em direção à rua, passou junto do porteiro, momento em que o ouviu dizer para algumas pessoas ao seu lado:

    — Mas o que esses bandidos ganham atacando a creche?

    Aquelas palavras gelaram-no, parou estático a poucos metros e voltou-se para o porteiro que continuou falando. Será que ele está brincando comigo? Nunca fez isso antes pensou. Largou o carrinho onde estava e foi para junto das pessoas que conversavam. Ao se aproximar, descobriu que falavam ao mesmo tempo em que assistiam o que passava na televisão. Quase desmaiou ao ouvir o anuncio de que cinco bandidos entraram na creche Santa Bárbara para roubar, mas, com a chegada da polícia, tomaram a diretora, algumas atendentes e várias crianças como refém. O impasse já durava mais de três horas. Jessé sentiu um estremecimento no corpo, sua visão ficou repentinamente embaçada. Apoiou-se na parede e respirou fundo. Reagiu rápido, abandonou o carrinho ali mesmo e disparou a correr em direção à creche.

    — O Neguinho não! — gritou.

    Correu como um alucinado, não via nada em volta; estava fixo em seu objetivo; chegar à creche. Com a garganta seca e muito ofegante foi se aproximando. Deus do céu proteja o Neguinho pediu. Pouco se lembrava de Deus, mas agora não parava de repetir o pedido. Nisso virou a esquina e viu uma verdadeira multidão em frente o prédio da creche. Buscou se aproximar o máximo possível, foi empurrando os curiosos, até que chegou próximo e deparou-se com uma corda e vários policiais na frente, impedindo que passassem além daquele limite. Porém ele não se deteve, só pensava no Neguinho correndo perigo. Abaixou-se e passou como uma bala por baixo da corda. Tão logo endireitou-se topou com um policial que lhe segurou o braço e em tom ríspido obrigou-o retornar por baixo da corda.

    — O meu filho está lá dentro!

    — Estamos cuidando de todos que estão no interior do prédio. Fique quieto aí! — respondeu o militar.

    — Aaaai! — gritou Jessé de olhos arregalados, vendo aparecer, na janela do andar de cima, um bandido segurando um revólver apontado para a cabeça da diretora da creche, ao mesmo tempo em que a puxava pelos cabelos.

    — Queremos a imprensa escrita e falada aqui com urgência! — gritou o bandido. — E queremos também a presença de nosso advogado, dos representantes de direitos humanos, e ainda dois carros para fugirmos. E para mostrar nossa boa vontade, estamos libertando as atendentes. Se não nos atenderem dentro de uma hora, matamos a diretora e as cinco crianças — falou e, em seguida, puxou a diretora de lado, deixando à mostra um facínora apontando sua arma para um menino com o rosto banhado em lágrimas, e, ao lado dele, outro menino e mais três meninas; todos chorando muito assustados.

    Jessé quase desmaiou, sentiu um choque gelado tomar conta de todo seu corpo ao constatar que a arma apontava para a cabeça de seu filho.

    Alguns minutos depois, a polícia anunciou aos bandidos que um representante da imprensa acabara de chegar e queria falar com eles. Não houve nenhuma resposta, só silêncio. A seguir ouviu-se o aviso pelo alto falante de que os dois carros pedidos já estavam prontos na frente do prédio.

    — Onde está o nosso advogado e os representantes de direitos humanos? — berrou o líder da quadrilha.

    — O advogado já está chegando, e o pessoal dos direitos humanos também estão vindo — respondeu pelo alto falante o capitão negociador.

    Isso pareceu irritar o líder dos bandidos, que passou a gritar palavrões e todo tipo de maldições, momento em que se ouviu um disparo vindo do interior do prédio. A multidão ali fora ficou extremamente aflita; pois quase todos eram familiares dos reféns. Passaram-se os minutos e ninguém ficou sabendo se o tiro feriu alguém ou fora disparado à guisa de intimidação. Absoluto silêncio.

    Passados mais alguns minutos, ouviu-se novamente a voz do chefe da quadrilha:

    — Não falarei com o representante da imprensa enquanto os demais itens do meu pedido não forem atendidos.

    Os policiais permaneceram cercando o local; alguns deles previamente escalados foram se aproximando pelos fundos, com o intuito de, ao menor descuido dos delinquentes, invadir o local.

    Um policial conseguiu mediante uma escada de madeira entrar pela janela de uma das salas e um segundo subindo atrás já estava bem próximo de alcançá-la; quando foram descobertos e travou-se um tiroteio, fazendo com que o pessoal à frente do prédio, se jogassem no chão ou buscassem abrigo na rua próxima. Depois de cessados os tiros, cautelosamente as pessoas foram se aproximando novamente da casa. Só então puderam ver o segundo policial no chão ferido junto da parede. Nisso abriu-se outra janela da sala invadida, e sob o olhar de todos, o corpo do primeiro policial foi violentamente arremessado para fora.

    — Malditos! Vocês vão pagar muito caro pelo que fizeram. Mandem já uma ambulância aqui para levar um colega ao hospital! — gritou o líder.

    Esse enfrentamento deixou a situação extremamente perigosa. Os pais e parentes na rua ficaram muito apreensivos. De fato, o bandido chefe surgiu novamente na janela berrando enfurecido, ao mesmo tempo em que também apareceram duas crianças carregadas por outro bandido. Elas choravam desesperadas. O líder apontou-lhes seu revólver, momento que ocorreu um novo disparo no interior do prédio. A multidão aflita chorava desesperada, segurando um na mão do outro, orando e suplicando a Deus a proteção das crianças. Não se ouviu mais nenhum disparo, nem se ficou sabendo por que foi feito.

    Alguns minutos depois, repentinamente foi arremessada lá de cima algo que parecia uma criança. A multidão gritou horrorizada. Contudo, a voz do capitão esclareceu tratar-se de uma boneca.

    Cerca de meia hora depois, explodiu a ira dos bandidos pela demora do atendimento aos dois itens que faltavam. Surgiram na porta de entrada do prédio, todos apontando suas armas e levando a diretora e as cinco crianças; todas amarradas. Eram ao todo cinco meliantes. Apesar de todo esforço do capitão negociador, caminharam unidos em direção aos dois carros estacionados a poucos metros adiante de onde estavam. Ante a ameaça, a multidão correu descontrolada para longe dali.

    — Ninguém tente nos oferecer resistência! — ameaçou o líder.

    Caminharam cautelosamente arrastando os reféns, sempre com suas armas apontadas para elas.

    Quando se aproximaram dos veículos, ouviu-se um berro agudo:

    — Naaaaaõ ! Meu filho não!

    Todos se voltaram para o lado do grito e não acreditaram no que viram. Cristina, a mãe do Neguinho, aparecera de repente e, ao ver seu filho chorando com um revólver apontado para sua cabeça, descontrolou-se e correu em direção a ele gritando.

    — Não! Meu filho não! Não, na... — Não conseguiu terminar a frase, o bandido que o segurava virou seu revólver e disparou duas vezes acertando em cheio a pobre coitada que caiu no chão, sem ao menos tocar em seu filho.

    Ao ver sua esposa ser atingida, Jessé berrou desesperado:

    — Cristina! Cristina!

    Mas foi impedido de correr até ela, porque os policiais reagiram atirando em direção aos bandidos, apesar dos gritos do capitão para que parassem.

    Seus gritos foram em vão, os tiros prosseguiram. O líder recebeu um tiro no braço e reagiu disparando em direção aos policiais; momento em que a diretora tentou fugir de perto dele. Ele voltou-se rápido e disparou duas vezes na pobre coitada, que caiu morta no chão. Em seguida, auxiliado pelo seu companheiro, arrastaram as crianças para o interior de um dos carros e partiram loucamente sumindo das vistas dos que ali estavam; deixando os pais e parentes dos sequestrados numa aflição sem limites.

    Os outros três bandidos continuaram atirando em direção aos policiais e, ao ouvir a sirene de novas viaturas da polícia chegando, decidiram fugir dali. Voltaram-se em direção a creche e tentaram saltar por cima do muro. Dois deles conseguiram êxito, o terceiro foi atingido e morreu ali mesmo.

    Vendo que não havia nenhum bandido mais por perto, Jessé levantou-se do chão e saiu correndo desesperado na direção tomada pelo carro do líder. Não pensava em mais nada, a não ser na vida do Neguinho. Correu como nunca havia feito antes e, quando dobrou à direita na primeira esquina, viu o veículo colidido em uma árvore e cercado pela polícia. O susto foi muito grande, seu coração disparou de aflição ao mesmo tempo em que corria e gritava.

    — Não, Neguinho! Naaaão!

    Nesse momento, pareceu reviver novamente; sua alegria foi imensa ao ver surgir seu filho pela porta aberta do carro acidentado. Ganhou muito mais força em correr na direção da criança. Ao vê-lo, o menino também correu em seu encontro, chorando; agora de alegria. O abraço que deu e recebeu do filho que acabara de nascer de novo teve, para ele, o puro sabor de um abraço do céu.

    O menino continuou chorando, traumatizado por tudo que tinha passado. Ele também chorou, chorou de alegria, muita alegria porque tinha em seu braço seu filhinho sem nenhum arranhão.

    Andou pela rua agarrado à criança, pouco se importando para que lado ia e no que pisava.

    — O homem disse que ia me matar, pai.

    — Acabou tudo, filho. O homem mau está preso e amarrado. Não vou deixar você sozinho nunca mais, filho, nunca mais.

    E continuou andando e carregando o Neguinho apertando-o contra o peito e lhe acariciando a cabeça.

    — Onde está a mamãe, pai?

    — A mamãe foi tomar injeção.

    — O homem mau machucou ela?

    — Machucou só um pouquinho, ela foi tomar injeção, vai ficar boa logo. Amanhã, ela volta para abraçar você.

    — Não quero que a mamãe morra, pai.

    — Não vai morrer, vai ficar boa. Agora vamos para casa, você precisa descansar.

    Jessé seguiu andando com o menino nos braços. De longe, notou grande quantidade de gente em frente sua casa. Já mais perto viu seu pai e dona Lucinda vindo-lhes ao encontro.

    — Como está o menino? — perguntou, nervosa, dona Lucinda.

    — Agora está bem. Graças a Deus, saiu sem nenhum arranhão — respondeu Jessé.

    — E a Cristina? — continuou ela.

    — Está no hospital. O médico disse que vai ficar boa. Depois vou lá.

    — Vem com a vovó, Neguinho — convidou Dona Lucinda, estendendo-lhe os braços.

    O menino agarrou-se mais ainda nos braços do pai.

    — Depois a senhora carrega ele. O coitadinho está muito nervoso. Desde que se livrou, não para de soluçar.

    — Leve ele para dentro que vou fazer um chazinho para curar esse soluço — disse a avó.

    Jessé deu alguns passos e foi barrado pelas pessoas que os aguardavam na entrada da casa; vizinhos em sua maioria e ansiosos em ver como estava a criança.

    — Neguinho, olhe para nós, olhe. Queremos te ver, criança — falou uma das mulheres ali presente.

    Mas de nada adiantou. Ele permaneceu agarrado aos ombros do pai.

    À tarde, Jessé deixou o menino dormindo em casa e foi para o hospital ver como estava Cristina. Encontrou-a na UTI, dormindo, mas a enfermeira informou-lhe que estava em coma.

    — Ela tem chance?

    — Pergunte ao médico — respondeu ela já se encaminhando para a enfermaria.

    Jessé ficou estático, olhando para a porta por onde a enfermeira desaparecera; voltou-se em seguida para a esposa e ali ficou contemplando-a com o aparelho na boca, movendo o tórax conforme respirava.

    — O estado dela é grave. Peça a Deus por ela.

    O rapaz virou-se para ver de onde vinha a voz e deparou-se com uma senhora de cabelos brancos deitada em outra cama ao lado.

    — Pedir a Deus? Então ...

    — Para ele, nada é impossível — reforçou a senhora.

    Permaneceu ali junto a esposa contemplando-a enquanto seus olhos se encheram de lágrimas. Depois, virou-se lentamente girando o boné nas mãos, olhou em direção à saída e seguiu para lá. Ao passar pela portaria, perguntou novamente sobre a esposa.

    — Permanece em coma, seu estado é grave.

    Aquelas palavras o tocaram profundamente. Abaixou a cabeça e encaminhou-se para a rua.

    Em casa, Neguinho não parava de perguntar pela mãe.

    — Ela vai voltar logo — repetia Jessé.

    Passados mais cinco dias, o hospital comunicou a Jessé a morte de Cristina. Retirou-se de perto do filho, abaixou a cabeça e chorou desconsolado. Apesar de saber que ela não estava bem, permanecia cheio de esperança, mas agora o mundo parecia desabar sobre ele.

    — Morreu? — perguntou seu pai, aproximando-se.

    Jessé assentiu com a cabeça.

    — Não sei o que será de mim e do Neguinho — respondeu entre soluços.

    — Vamos te ajudar, meu filho — falou dona Lucinda. — Nada vai faltar nem para você nem para o Neguinho.

    — Não conte nada para ele. Está doente de medo depois de tudo o que passou. Quando estiver melhor, conto.

    Depois do enterro de Cristina, voltaram para casa completamente arrasados. A lamentação era geral, desde a entrada dos bandidos na creche até a morte da moça. Críticas ardiam contra o governo, contra a polícia pela violência que crescia a cada momento no país.

    Na noite do dia seguinte, sua irmã Arminda veio visitar seus pais. Em seguida, foi até os fundos falar com seu irmão Jessé. Depois de consolá-lo e recomendar psicólogo para o menino, colocou-se à disposição para ajudá-lo a cuidar do Neguinho.

    — Como vai fazer agora, com a morte de Cristina?

    — Arminda, fique quieta — cortou Jessé, olhando para o filho dormindo no sofá. — Ele não sabe sobre a mãe, está muito doente devido o que passou. Depois, conto para ele.

    — Você está errado, meu irmão. Ele vai saber a verdade uma hora ou outra. É preferível saber de você do que descobrir pela boca de outra pessoa.

    — Deixe comigo, quando chegar a hora conto a ele.

    — Bem, você é o pai, a responsabilidade é sua.

    Balançou a cabeça contrafeita e saiu dali. Era uma mulher experiente; muito ouvida pelo resto da família. Funcionária pública estadual. Seu marido Ariosto possuía uma quitanda no bairro onde moravam. Não tinham filhos.

    De volta para a sala da casa do pai, Arminda extravasou o que vinha sentindo.

    — O Jessé está maluco querendo esconder do filho que a mãe morreu.

    — Já falei para ele — respondeu Geraldo.

    — Além do mais, ele não pode ficar com a criança. Tem que trabalhar. E quem vai levar o menino à creche? Quem vai buscá-lo? Quem vai cuidar da sua educação no lugar da mãe? O que está pensando? Deixar o filho amarrado em casa enquanto coleta lixo por aí?

    — De fato. Mas vamos aconselhá-lo com jeito, com calma. O coitado passou por momentos difíceis, na creche aquele dia, assistindo tudo o que os bandidos fizeram de maldade para o filho e para a Cristina. A gente tem que entender isso.

    — Claro! Entendo, pai, mas o que ele não pode fazer é deixar a criança fechada em casa. Tem que frequentar a creche e a escola. Nem o senhor nem a mãe tem saúde para cuidar dele, é o caso em que eu posso me dispor a fazer.

    — Eu sou o pai e sei muito bem o que devo fazer. Você está se intrometendo no que não foi chamada — respondeu Jessé, surgindo na sala.

    — Estou querendo o melhor para o seu filho Jessé, será que não vê isso?

    — O melhor para o Neguinho sou eu, seu pai.

    — E como vai trabalhar e ao mesmo tempo cuidar dele?

    — Vou dar um jeito. E não quero falar mais sobre isso, chega!

    Voltou-se irritado e saiu da casa, retornando para perto do filho.

    Arminda se despediu dos pais e foi se embora, muito contrariada.

    ***

    Jessé não aceita proposta da irmã

    Jessé levantou cedo aquele dia, foi até a rua e lá ficou algum tempo pensativo; precisava descobrir o que fazer de sua vida e para onde levar o filho. Não podia continuar ali, tinha que se esconder do persistente e insuportável agastamento da irmã que teimava a todo custo em cuidar do seu filho. Quando essa bisca põe alguma coisa na cabeça não há força que a faça demovê-la. Droga! Longe do Neguinho não fico nunca pensou.

    Nisso chegou o carteiro e jogou um envelope em direção a casa do seu pai. Imediatamente Jessé caminhou até o local e apanhou a carta.

    — Que bom, MRA! Tomara que seja o que estou esperando — resmungou ele, abrindo o envelope.

    Após alguns segundos, vibrou os braços no ar hilariante.

    — Tomara que seja o que estou pensando, tomara mesmo.

    Em seguida, abriu a carta novamente e tornou a ler:

    Junte-se a nós ingressando no movimento pela reforma agrária. Participem de nossa luta pela reforma agrária. Façam como muitos já fizeram e agora estão morando, trabalhando e criando seus filhos nas terras que conquistaram. Venham até nosso escritório e saibam mais sobre nossa luta. Participem conosco das comemorações da semana do MRA.

    Ouviu ruídos atrás de si e voltou-se deparando-se com seu filho chegando.

    — O que o senhor está fazendo, papai?

    — Já sei para onde vou hoje, filho. Tenho muita confiança que vou encontrar um novo caminho para nós.

    — O que o senhor está falando, pai?

    — Nada, nada, filho... depois te conto.

    Sentiu-se mais alegre, tomou o carrinho, pôs o Neguinho em cima e foram para o trabalho.

    À tarde, depois de levar várias cargas de reciclagem para a cooperativa, retornaram para a casa. Pediu silêncio para o filho e encaminhou-se pelo estreito corredor em direção à sua casa. Queria fugir de comentários e recados certamente deixados por sua irmã à sua mãe.

    — Jessé.

    Ele voltou-se contrariado.

    — O que, pai?

    — A Arminda deixou comigo um recado para você.

    — Essa casca de gente continua me torrando! Não sei até que ponto aguentarei.

    — Não falei nada para ela, senão tinha que aguentar uma discussão.

    Jessé apanhou o papel das mãos de seu pai, pediu de onde estava, a benção de sua mãe, que não se movera do sofá e seguiu para os fundos. Acendeu a lâmpada do seu quartinho e leu o bilhete. Não tinha nada de novo. Somente se oferecia para ajudá-lo conseguir um emprego melhor, enquanto isso o Cristianinho ficaria com ela.

    — Quer tomar o meu filho, isso sim.

    — O que, pai?

    — Nada, filho, nada. Vou esquentar a janta. Depois, iremos até o escritório do MRA. Nossa vida vai mudar, vai sim, tenho certeza.

    Pouco tempo depois, chegaram no escritório do MRA. O local estava cheio de gente.

    — Devem estar procurando o mesmo que eu.

    — O que o senhor falou, pai?

    — Nada. Estou pensando.

    Logo foi se entrosando com outros e ficou sabendo que acertara em sua dedução; eram todos de origem rural, não aguentavam mais a dura vida na cidade grande. Conheceu ali um moço chamado Beto, que lhe contou estar inscrito para uma ocupação no norte do estado de São Paulo, mas acabara de saber que não tinha mais vaga.

    Nessa hora, surgiu um senhor no fundo da sala sorridente e chamou-lhe a atenção.

    — Meu nome é Alberto e, juntamente com outros três companheiros, membros da frente de luta, assumimos a difícil missão de transmitir-lhes toda a matéria que projetamos para esta semana. Vocês foram convidados para conhecer a nossa casa, conhecer a importância de nossa luta e, quem sabe, tornarem-se participantes do nosso movimento, ingressando em nossas fileiras e inseridos em nossa logística conseguirem realizar seus sonhos: um pedacinho de terra, onde possam morar, produzir e criar seus filhos. É ou não é?

    — Éééééé! — gritaram todos

    — Ótimo! Muito bem! Antes de iniciarmos, gostaria de conhecer cada um dos senhores. Você — Apontou para Jessé. —, como é seu nome?

    — Jessé de Jesus Ferreira.

    — De onde veio e o que fazia?

    — Vim do município de Toledim, morava no sítio de meu pai. Quero voltar para a zona rural, não aguento mais de tanta saudade de lá.

    — O menino é seu?

    — Meu filho.

    — Você! — apontou o Beto.

    Assim, Alberto inquiriu a cada um dos que ali estavam, buscando mostrar a semelhança da origem e do sonho de todos.

    — Muito bem! — prosseguiu Alberto. — Vamos recapitular um pouco da história da ocupação, posse e propriedade de terras em nosso país. É importante para entendermos o por quê da diferença fundiária entre o que vemos nos países que possuem boa política agrária e o que vemos aqui. Temos mais de quinhentos anos, mas, na questão fundiária, muito pouco saímos da fase de colonização. Vejam vocês, quem foram

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