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O Baloeiro
O Baloeiro
O Baloeiro
E-book394 páginas2 horas

O Baloeiro

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Sobre este e-book

Wildner é um jovem metalúrgico do ABC paulista, que adora soltar balões e sair com sua turma. Acontecimentos inesperados o colocam frente a frente com personagens únicos como a imigrante Mercedes e o mendigo Natan. Figuras como o ex-mineiro Patiño Lanza e o empresário chinês Wang Shong também contribuem com a trama. Aos poucos o livro mostra uma história contada agora, narrada por seus personagens. Estaríamos prontos para ouvi-los?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de abr. de 2013
O Baloeiro

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    Pré-visualização do livro

    O Baloeiro - Aparecido Galindo

    Aparecido José Galindo

    O baloeiro

    1

    O baloeiro

    Ao caminhar, herança libertária do homem nômade.

    2

    Aparecido José Galindo

    I

    praia! Sonho de todos em qualquer feriado.

    Não que desejemos fugir da cidade, não é

    A bem isso, a praia é maravilhosa! Quando

    falo praia, entenda-se como tal, uma faixa

    de areia grossa, mergulhada em montanhas que abraçam o mar no

    litoral sul ou no litoral norte. Talvez sejam aqueles morros se

    banhando na água salgada do atlântico que tanto nos seduza. Desço

    para a praia com Fábio, colega de trampo, amigo de longas datas e de

    grandes noitadas. Trombamos também muitas coisas difíceis neste

    mundo. Subindo a favela da vila São Pedro a toda e qualquer hora.

    Jogando futebol nas quadras abandonadas da cidade. Mas assim é a

    vida, aqui estamos, indo para o litoral, para passarmos mais um

    feriadão em Praia Grande. É dia de finados, muitos ainda visitam seus

    mortos, rezam missas e vão ao culto... Nós vamos à praia. Aonde as

    mina dão mole pra qualquer moleque que tenha uma boa conversa e

    um carro da hora.

    - Caramba Wildner, hoje ta foda para descer a serra!

    3

    O baloeiro

    - Eu falei para você Fábio que o melhor era descer pela Imigrantes,

    mas você preferiu a Anchieta.

    - Dá tudo no mesmo cara. Olha, faz três horas que saímos de casa. Em

    um dia normal gastaríamos no máximo uma hora e olhe lá.

    - Foda né! Mas vai de boa, logo, logo a gente chega.

    - Uma coisa é certa, a praia num vai fugir.

    - A praia pode até não fugir, mas o feriado sim. Você chamou as

    minas do RH?

    - Claro véi. Você acha que viríamos para a praia por quê? Para tomar

    cerveja? Ta tudo no esquema, a Dani ta no papo, e se você quiser catar

    a Natália, vai fundo, a mina é facinha, facinha.

    - Catar mina de trampo é osso, depois complica...

    - Complica o quê? É só dar uns beijos e já era. Agora se você for com

    história de romance, aí fudeu, dá merda mesmo.

    O Fábio fala como se fosse o cara mais catador de mulher do

    mundo. Nem parece que foi ele quem ficou uns dois anos correndo

    atrás de uma mina que trabalhava na inspeção.

    - É mais você num pode falar muito não. Lembra da Jerly?

    - Aquilo é passado.

    4

    Aparecido José Galindo

    Eu sabia que ia falar isso. A Jerly é uma mina que saiu com metade

    dos malucos da fábrica. Branquinha, cabelo pintado de amarelo,

    cochas grandes e os peitos pequenos. Fez a alegria de muita gente na

    inspeção. Chegava na firma de salto, calça jeans colada e blusa com

    os dois primeiros botões abertos. Tinha um rosto meio oval, as

    sobrancelhas finas. O Fábio saiu com ela uma vez e já ficou

    apaixonado. Mas essas minas cheias de fogo não se contentam só com

    um homem, não demorou muito, saiu fora. Ele ainda passou um

    tempão correndo atrás. Nem vou mais tocar no assunto, fica nervoso.

    O carro chega a um enorme viaduto. Carros sobem, nenhum desce.

    Todos parados. Gosto da serra do mar. Tem, sei lá, um sabor de

    infância. Desde que eu era pequeno, a nossa família descia para passar

    o final de ano na praia. Era eu, o pai e a mãe. Parece ser uma coisa

    boba, mas marca pra caramba. Nossa casa na Vila São Pedro ainda

    não tava pronta, morávamos em um quartinho, enquanto íamos

    construindo o resto. Estudava em uma escola municipal. Era pequena,

    tinha um pátio aonde brincávamos cercados por inspetores de caras

    muito feias. Os fundos eram meio abandonados e dava para fugir com

    facilidade. As paredes viviam cheias de mensagens como: Não corra,

    não pule, não grite não bata no amiguinho. As tias da cozinha eram

    muito legais, nos defendiam nas brigas e nos davam as bolachas que

    iam apodrecer na dispensa. Não me lembro da diretora, nem sei se

    existia, mas era sempre invocada como a pior das pragas, por nossa

    professora. Naquela época eu via meus pais muito pouco, pois desde a

    creche, eles trabalhavam demais. Minha mãe era vendedora de roupas,

    numa antiga loja que ficava na Marechal Deodoro, meu pai

    5

    O baloeiro

    metalúrgico. Ir ao centro de São Bernardo, só para comprar alguma

    coisa. Cinema, esses bagui assim, quase nunca. Só depois que eu

    cresci aí passei a andar mais por aqueles lados. Ainda hoje nossa casa

    é no morro. Vivemos segurando o barranco com os olhos para ele não

    cair. Mas é um casarão. Têm dois andares, oito cômodos. O pai

    contínua na firma. A mãe mudou de emprego. Trabalha para o

    governo.

    - Olha lá Wildner, as luzes de Santos.

    - Mó da hora né!

    - O apartamento de meu pai ta vazio, só vai ficar nós dois e as minas,

    você acha que vai dar certo?

    - Vai ser uma zoeira daquelas.

    - Com certeza. Elas vêm de carro, vamos nos encontrar a noite, no

    quiosque 13, no calçadão.

    - Beleza.

    - Você ainda ta naquelas pegadas de balão?

    - Claro meu! Adoro balões.

    O trânsito melhora. Estamos chegando a Cubatão. Sinto um cheiro

    insuportável. Deve ser o mangue. A serra acaba. Entramos à direita,

    sentido Santos. A orla está pontilhada de luzes. Elas começam na

    praia e sobem até os morros.

    6

    Aparecido José Galindo

    - Quando vai ser a próxima soltura.

    - Você vai?

    - To pensando.

    - Tem que ser ponta firme, vai ou não?

    - Vou!

    - Vai ser o mês que vem em São Paulo. Será muito louco.

    - Você desenhou esse balão também?

    - Sim, é o quinto balão que eu desenho. Ficou irado cara. É um

    modelo Pião, seis metros, bandeira linda e com uma fogueteira maior

    que todas as outras que fizemos.

    - Deve ser mó grana para fazer um bagui desses?

    - Verdade, sai caro.

    - E quem paga?

    - A galera se junta, cada um dá um pouco.

    - Da hora, vou lá sim. O Júlio vai também?

    - Vai sim, claro. Ele não perde nenhuma.

    - Em São Paulo é complicado. É melhor andar por lá preparado.

    7

    O baloeiro

    - Verdade. Mas os caras tão com a gente. Num rola nada não.

    - Eu é que num colo num lugar daqueles sem uma arma.

    - Se quiser levar, fica de boa, mas não precisa.

    - Certo.

    Fábio confia muito nas armas. Eu acredito que o que importa

    mesmo é ser bem relacionado nas quebradas. Solto balões há anos e

    nunca rolou nada de ruim. E olha que eu causo! Quando um balão

    sobe é como ganhar um campeonato. Aí vem a parte mais legal:

    Correr atrás dos restos do balão. Às vezes a gente passa a noite toda

    cercando, correndo atrás, para pegar o balão caindo. Subir em telhado,

    pular muro é comigo mesmo. Qualquer coisa que salvamos, vale mais

    que um troféu. Às vezes não dá para salvar nada. A gente chega tarde,

    já tem queimado tudo. Outra equipe já tem recolhido... Bom já passou

    Santos e São Vicente, agora ta pertinho é só entrar, tomar aquele

    banho e ir ver as minas na praia, pois essa noite vai ser longa.

    ***

    A lembrança do Illamy ainda faz tremer os meus olhos. Vez por

    outra recordo sua branca silhueta nas frias manhãs de El Alto.

    Velando sobre meu povo, eu o admirava da Av. João Paulo II.

    8

    Aparecido José Galindo

    Mantendo-se fiel as nossas crenças mais antigas, ele continua

    enviando as chuvas para a fartura das colheitas e saúde para nossa

    gente. Nossa pequena casa, ainda deve ter a mesma aparência.

    Sentindo minha falta, no final da tarde, mamãe lembra de mim

    voltando do trabalho, trazendo bolachas e pães comprados na padaria

    da esquina. Meu irmão caçula brinca com os amigos, agora sem os

    meus cuidados. Mas as ruas ainda devem ser perigosas, com toda

    sorte de carros, motos e bicicletas. Cada momento vivido aqui pesa

    em minhas costas, pela forma como trabalho. Os olhos já não têm a

    mesma energia para perceber o que vem distante. E os dedos já se

    mostram sem a agilidade de antes. Tio Patiño vive aqui há muitos

    anos, e sabe o que faz, devemos confiar nele. Afinal a vida em El Alto

    não é nenhum paraíso. Contávamos apenas com a proteção do Illamy.

    No centro comercial onde trabalhava em Tupac Katari, a vida passava

    sem pressa. Um dia conseguia vender bem. No outro não vendia nada.

    Passávamos os dias conversando na feira. Aqui é diferente. Difícil

    parar e conversar com as pessoas que passam horas a fio do nosso

    lado. Pouco, quase nada conheço de São Paulo. Na verdade sai

    algumas vezes da oficina. Sei que o nome deste bairro é Brás, apenas

    por que ouço tio Patiño comentar com os meus primos.

    - Mercedes!

    - Sim, tio.

    - O que pensas tanto? Temos dez mil peças para entregar esse mês!

    9

    O baloeiro

    O seu nariz parece mais torto. Tenho uma vaga lembrança de

    quando ele foi quebrado. Eu era muito pequena. Acho que foi durante

    um Tinku.

    - Tio, preciso sair.

    Peço sem maiores pretensões. Ele não permite que a gente saia da

    oficina, assim sem mais nem menos.

    - Essa semana não vai dar. Estamos atrasados com a encomenda.

    - Mas você me disse que quando eu quisesse sair era só pedir.

    - O que você quer? Diga que eu vou lá e compro.

    - Constanza saiu à semana passada, por que não posso sair?

    - Por quê? Por que Constanza está aqui há cinco anos. Você pensa que

    isso aqui é El Alto?

    - Não, claro que não.

    - Tenha paciência. Chegará o dia de você conhecer a cidade.

    - Está bem

    - Mas para que as coisas deem certo você precisa se dedicar mais.

    Veja essas calças, muitas serão descartadas. Isso é matéria-prima

    desperdiçada, dinheiro jogado fora. Além do mais, você ainda me

    deve bastante, praticamente toda a comida e o aluguel do mês

    passado.

    - É que a minha máquina está com defeito.

    - Por que não me falou antes. Vou pedir para o Pedro fazer os reparos.

    10

    Aparecido José Galindo

    Tio Patiño não mudou muito. Quando saiu de El Alto, era um ex-

    mineiro que vendia roupa. Fez de tudo para que meu pai viesse com

    ele. As oficinas que ele tem, foram erguidas com essa vontade

    inabalável de trabalhar, dia a dia, cada vez mais. Homem de muita

    força, apesar de ter os braços curtos. É capaz de erguer um fardo de

    cem quilos sozinho. Pele morena, praticamente sem pelos sobre o

    corpo. Mantém o cabelo sempre bem penteado, repartido um pouco

    acima da orelha. Nunca casou, nem tem filhos. Quando está feliz,

    cantarola as velhas canções mineiras. O dedo indicador e maior de

    todos da mão direita, tem uma mancha escura, devido ao cigarro que

    vive ali, e praticamente nunca se apaga. Quando está nervoso,

    esbraveja e xinga em espanhol. Nunca fala palavrões em Aimará ou

    em Português. Parece que gosta de soltá-los na língua dos antigos

    colonizadores. Trouxe o meu primo Pedro Lanza para o Brasil. Este se

    tornou seu braço direito, aquele que o ajuda em tudo. Adora futebol.

    Quando é uma data especial, costuma beber, conversar com os amigos

    e contar aventuras, muitas delas duvidosas.

    - Mercedes, pensei melhor, quer ir comigo no final de semana em

    Santo Amaro?

    - Sim.

    - É que tenho que visitar a oficina de lá, e achei que seria uma boa

    oportunidade de você conhecer um pouco a cidade.

    - Santo Amaro é bonito?

    - Você irá gostar.

    11

    O baloeiro

    - Iremos de ônibus ou de trem?

    - De ônibus.

    - Que bom.

    Ele costuma mudar de opinião com frequência. Acho que nestes

    momentos lembra-se de onde veio e quem realmente é. No fundo se

    preocupa com a gente. Por isso não permite que saiamos sozinhos.

    Ouvi dizer que a cidade é muito violenta. Eu queria sair mais, pois o

    trabalho aqui é muito pesado. Os lucros são muito poucos, por isso tio

    Patiño não consegue fazer tudo o que ele gostaria. Não existe

    ventilador ou ar condicionado. O teto é de zinco, o que faz a

    temperatura subir muito nos dias quentes. Ele disse que o mês que

    vem irá instalar um chuveiro. Por enquanto, tomamos banho com a

    água fria que desce por um cano. Falta uma porta também, mas a

    cortina que ele colocou a semana passada está ajudando muito. Acho

    que o galpão é pequeno para toda essa gente, quarenta pessoas, mas a

    esperança é que ele possa alugar um maior. O espaço entre uma

    máquina e outra é o suficiente para colocarmos nosso colchonete e

    dormirmos. Algumas pessoas viram a noite trabalhando. Costumo ter

    muitas dores de cabeça, acho que pelo barulho das máquinas, sempre

    batendo sem parar. Certa vez feri um dedo, mas tio Patiño fez um

    curativo e um dia depois eu estava de volta à produção. Esse mês

    cumprirei minha meta e pagarei a minha divida em dia. Quem sabe

    não sobra algum dinheiro para comprar uma roupa, um calçado. Todas

    as semanas, tio Patiño fala com a minha mãe, segundo ele, está tudo

    12

    Aparecido José Galindo

    bem na Bolívia. Ela continua trabalhando na feira. Meu pai andou

    doente, acho que deve ser da mineração. Vive em Potosi, dificilmente

    visita a família em El Alto.

    - Constanza!

    - O que é?

    - Ajude-me a trocar essa agulha.

    - Assim você me atrasa demais. Precisa aprender a fazer as coisas

    sozinha.

    - Sabe o que teremos de comida hoje?

    - Creio que seja arroz, feijão e ovo!

    - Acha que consigo terminar essas peças antes da refeição?

    - Pode ficar tranquila, não iremos jantar antes das oito horas.

    - Ótimo.

    - Eu preferia comer agora. Mas estamos atrasadas, devemos aproveitar

    cada minuto. Aqui está, a agulha em seu lugar correto.

    - Num instante você concertou. Viu! Obrigado pela ajuda.

    - De nada.

    13

    O baloeiro

    ***

    Cigarro de mierda. Não acende esta porcaria! Os da Bolívia são bem

    melhores. Mas viver longe do nosso país tem lá o seu preço. Foi o

    convite de um amigo para viver em El Alto que mudou minha vida.

    Às vezes olho minha sobrinha assim, com o pensamento distante

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