Lendas do Poente 2
De X. F. Moix
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Sobre este e-book
Os caminhos antigos revelam seus mistérios... Cordilheira dos Pirineus, século XVII. Um camponês morre em estranhas circunstâncias. Suspeitando da natureza sobrenatural e maligna do acontecido, padre Isidro é enviado para investigar o incidente. Mas, há segredos mais antigos e perigosos ocultos no coração de certas montanhas malditas, lembrados pelos últimos sobreviventes de um tempo em que a neblina era capaz de encobrir verdades muito desencorajadoras... Agora esse véu se rompeu liberando a ameaça. Se ninguém a detiver se instalará o caos. Chegará à noite em que as fábulas, que alimentaram a imaginação dos pequenos, se tornarão realidade para aterrorizar os homens mais incrédulos... Quem será capaz de manter a sanidade quando os firmes pilares que sustentam a realidade desmoronarem? Magia, bruxaria e antigos segredos farão estremecer a ortodoxia do cristianismo. Uma aventura que nos levará para o mais profundo dos Pirineus, em uma terra fronteiriça, onde o impossível parece mais real do que a sensatez de muitos desejaria. Você será um daqueles que a desafiará, para perseguir seus mais incômodos e arcaicos mistérios? Cada árvore, colina, lago e caverna pertencem a dois mundos; um deles nós ignoramos. Seus proscritos moradores têm alimentado as fantasias do folclore popular... até agora. Em frente os caminhos antigos que nos conduzem para eles estão traçados e os esperam.
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Lendas do Poente 2 - X. F. Moix
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UM FUTURO INCERTO
Eles já estavam presentes no mundo, antes que os homens pisassem estas terras. Quem são eles, que continuam escondidos enquanto nós marchamos em seu lugar, com nosso desafiante e ofensivo atrevimento? Por que não se revelam? Limitam-se a investigar no mais profundo da nossa mente, revelando nossos maiores temores, conseguindo assim que percamos a sanidade? Seus ataques serão tão sutis, para que ninguém suspeite da sua autoria? A quem culparíamos, ao diabo? Só os conformistas de mentes estagnadas, acreditam que Deus nos protegeria diante da sua ira.
Por que alguém dedicaria sua vida para decifrar tais enigmas, para encontrar a menor prova que seja da sua existência? Quando iniciei a busca, a obsessão por revelar a verdade fortaleceu minha perseverança. Sendo capaz de enfrentar todo tipo de adversidades.
Ainda hoje acho que escuto sussurros nos bosques; inclusive em meu próprio lar. Rumores que pressagiam a chegada de uma tormenta...
Agora, em meus últimos anos de vida, penso no caminho percorrido. Cheguei finalmente a uma meta clara? Encontrei o que buscava? E o mais importante: poderemos evitar o terrível destino que nos aguarda, resultado de uma sentença que ninguém conhece?
Todos os esforços para conscientizar meus semelhantes, fracassaram. Cedo ou tarde, alguém lembrará as minhas advertências. Eles estão ai fora, mais próximo do que acreditamos, nos observando e esperando. Meu maior medo é desconhecer quanto tempo nos resta, antes que eles rompam o silêncio.
Espero estar morto, quando esse dia chegar.
(Reflexões do Dr. Llull)
O GRANDE VALE DO PIRINEO
Várias trutas, carpas e cações nadavam pelas águas do rio Segre; que fluía por extensos prados onde numerosas vacas pastavam; enquanto os melros da água e as garças se alimentavam nas margens do seu canal. As temperaturas no vale eram muito rigorosas no inverno e cálidas no verão. Das suas terras férteis cresciam carvalhos, abetos, aveleiras, zimbros... Estas condições favoreciam a presença de uma grande variedade de fauna; como cervos, camurças, corças, javalis, lobos e linces. Com tal riqueza natural, a presença de ervas medicinal acrescentava valor ao lugar. Esse recanto especial se chamava Cerdanha, uma terra fronteiriça que permanecia em disputa há muito tempo.
Salvador Roca buscava desesperadamente uma cura. Nenhum dos tônicos milagrosos que lhe venderam, conseguira aliviar seu padecimento. Novamente a tosse contundente voltou a atacar. Ele se deteve uns instantes e inspirou com dificuldade. Desde criança, trabalhava nas minas de carvão, cobre e prata. Inalar por toda uma vida esse pó daninho provocou uma enfermidade. O vigor que possuía antigamente era uma longínqua e dolorosa recordação na mente do ancião exausto.
Ceretano de nascimento caracterizava-se por levar uma vida humilde, e não desejava que ninguém tentasse enriquecê-lo ou dar-lhe conforto. Era da opinião de que qualquer presente, favor ou êxito supérfluo, propiciaria maus augúrios. Os triunfos deviam ser alcançados pela perseverança e pelo esforço. Mas esta atitude não o ajudou ao longo da sua incorruptível vida. Nunca conseguiu adaptar-se as normas de uma sociedade que viva alheia aos problemas daqueles, que como ele, trabalhavam debaixo da terra.
Novamente voltou a sofrer outro ataque; seus pulmões se colapsaram, causando tosse e catarro. Estranhas luzes piscando, de pequenas dimensões, apareceram ao redor. Seu fulgor era inaudito.
Temendo perder a pouca sanidade que conservava não êxitou em fugir. Mas uma dor intensa na cavidade torácica o impediu. Caiu no chão. Desesperado e mal respirando, rezou por sua alma, enquanto esperava seu fatídico final.
Os sussurros faziam sentido, à medida que se aproximavam. Faziam-lhe perguntas. Pensou ter escutado um oferecimento. Mas o mineiro nunca aceitaria ajuda daqueles pequenos insetos luminosos
charlatães, enviados pelo demônio. Quando Salvador estava preparado para morrer, o vozerio emudeceu.
Na distância vislumbrou uma sombra que se acercava. Estendeu o braço, esperando receber uma ajuda que durante mais de cinquenta anos havia rechaçado. Nesse dia não perambulou sozinho por aqueles planaltos desertos. Uma velha vestida com um vestido rasgado e esfarrapado, o seguia.
EM BUSCA DE AJUDA
A noite tornou-se estranhamente sombria. Uma tênue e solitária luz se afastou da aldeia de Bellver, movendo-se apressadamente por um caminho de ferradura. Pertencia a lâmpada de uma carroça puxado por uma mula jovem. A ânsia com que seu condutor a pressionava, revelava que o motivo daquela travessia era imperioso. Transportava um carregamento suspeito coberto por telas, que impediam de visualizar sua verdadeira natureza. O homem duvidava de poder levar a bom termino a sua missão. Sua solitária figura, naquelas horas tardias, provocou a sua interceptação por um grupo de bandidos. Decepcionados após a inspeção permitiram que retomasse sua viagem.
À medida que avançava a noite, as trevas pareciam ser mais envolventes. O homem começava a ver coisas estranhas pelo canto dos olhos, quando afastava a vista das margens do caminho.
Pouco depois, se deparou com um grupo de soldados que vigiavam um ponto estratégico do caminho. Suas ordens eram evitar qualquer incursão de espiões franceses. O obrigaram a deter-se procederam ao registro de seus pertences. Ao descobrir aquilo que ele transportava, ficaram alarmados e lhe ordenaram que se afastasse dali a toda pressa.
─ Leve esta imundície para longe, mais além das nossas fronteiras! Talvez assim evitemos futuras ocupações de nossos inimigos!
Não estava claro para onde se dirigia a carroça, pois tanto espanhóis quanto franceses reclamavam aquelas terras para seus respectivos monarcas.
Na aldeia de Llívia, sob os tetos de ardósia e casas de pedra, havia um edifício que todo mundo conhecia perfeitamente. A maioria, em algum momento