Carmila: J Sheridaan Le Fanu
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Carmila - L P Baçan Tradutor
J. SHERIDAN LE FANU
Leanu.jpgJoseph Thomas Sheridan Le Fanu (1814-187373) foi jornalista e escritor irlandês e sua memória é venerada como a do precursor das histórias de fantasmas que fixou o gênero de terror gótico, com sua novela mais famosa, Carmila, escrita em 1872. Segundo se afirma, influenciou Bram Stoker no clássico Drácula.
J. Sheridan Le Fanu, como é mais conhecido, nasceu em 28 de agosto de 1814. Seu pai, Philip Thomas Le Fanu, foi um clérigo. Emma Lucretia Dobbin Le Fanu era o nome de sua mãe. O contato com as superstições e tradições irlandesas influenciou o futuro escritor. Com elas conviveu desde a mais tenra idade.
Graduou-se em Direito em 1839, mas se dedicou à carreira de jornalista. Em 1838 escreveu sua primeira história de terror, publicada na Revista da Universidade de Dublin. Em 1844, casou com Susanna Le Fanu Bennett e teve quatro filhos. Em 1851, mudou-se para uma casa na Merrion Square, em Dublin, onde viveu até o fim da vida. Com a morte de sua esposa em 1858, recolheu-se em sua residência naqueles que foram seus anos mais produtivos como escritor. Morreu em 7 de Fevereiro de 1873 em sua casa e foi enterrado no Cemitério Mount Jerome, em Dublin, Irlanda.
COMENTÁRIO
Não há como negar o mérito de Le Fanu ao criar um gênero totalmente novo e dar a ele importância e discípulos que, ao longo dos séculos, só cresceram. Se influenciou ou não Bram Stoker, tão ou mais famoso que ele nesse gênero literário, é questão de somenos importância, porque nada ou ninguém vai lhe tirar o mérito de ter criado o gênero vampiresco. O gótico ganhou expressão na literatura e o terror foi um tema que cativou autores do mundo todo, cujos exemplos nem precisam ser citados aos aficionados.
A novela Carmila, editada e reeditada dezenas de vezes ao longo dos anos, adaptada para o cinema, comentada e criticada, foi um marco, sem dúvidas. Como texto literário, analisando seu conteúdo, tem suas falhas, mas nada que lhe tire o mérito, pois nos faz supor e buscar explicações e conclusões que nos desafiam e nos confundem. Isso a mantém viva, porque não se esgota em si mesma.
No entanto, de autor para autor, ele bem que poderia ter melhor explicado a natureza, presença e destino dos coadjuvantes de suas cenas de caçadas. A dama de veludo negro, o cocheiro, os batedores, a carruagem e todos os outros acompanhantes que se fizeram presentes em suas aparições, mas ausentes quando a descobriram e... Seria antecipar o texto. Leiam e entenderão.
Outro aspecto, o da verossimilhança, que poderia facilmente ser superada pela sagacidade do autor, não fica explicada e é difícil de ser aceita em termos convencionais e atuais. Ele próprio, na personagem que narra, confessa a incapacidade de explicar, o que foi muito inteligente e estratégico. Como Carmila entrava e saia do túmulo sem danificar o cimento ou arranhar o reboco? Se estava em seu corpo físico, matéria, não há como explicar matéria – entenda-se aqui carne, sangue, ossos e roupas – contrariando as leis da física, ocupando os mesmos lugares no espaço, ainda que transitoriamente. Um fantasma, um ectoplasma, uma sombra ou um espírito poderiam passar através de uma barreira sólida, se isso fosse posto a nós, meros leitores. Mas não um corpo físico, em plena vida.
Outro aspecto dessa verossimilhança cobrada – por mim, apenas, até agora – é o do por que Carmila não despertou ou reagiu quando foi descoberta no túmulo, sendo que em todas as outras ocasiões em que foi ameaçada e atacada, livrou-se de golpes de espada simplesmente se teletransportando de um lugar ao outro com uma velocidade que deixou atônito quem testemunhou a cena? Isso, por outro lado, poderia esclarecer o motivo de Carmila se levantar tarde, ou seja, a necessidade desse sono letárgico onde se tornava extremamente frágil.
Foi passiva demais no final do texto. Poderia se tornar um mito forte e supostamente indestrutível como Bram Stoker fez seu Drácula, lutando pela sobrevivência até o final. De qualquer forma, Le Fanu iniciou o mito e, como iniciante, fez maravilhosamente bem seu papel. Os autores que se seguiram, escrevendo sobre vampiros, foram apurando a lenda e detalhando o mito.
Podemos olhar criticamente o texto hoje, quase duzentos anos depois, encontrar um e outro detalhe passível de comentário, mas não podemos diminuir o brilho daquele que, pela primeira vez, tirou tudo isso das lendas e tradições orais e o pôs no papel de forma romanceada. Maravilhoso ofício que desempenhou com excelência, pois praticou o que todo escritor busca: a originalidade.
Sem falar no atrevimento de, em plena era vitoriana, dar um toque fantástico e sutil de lesbianismo ao seu texto.
Atrevido e original, atributos de um grande escritor!
PRÓLOGO
Através de um documento anexado à narrativa que se segue, o doutor Hesselius escreveu uma nota bastante elaborada, que fez acompanhar com uma referência ao seu Ensaio sobre o estranho assunto que será narrado.
Esse misterioso assunto é tratado por ele, nesse ensaio, com sua habitual perspicácia e sabedoria e com notável retidão e condensação. Constitui um volume único da série de documentos coletados por esse homem extraordinário.
Como publico o caso neste livro apenas para o interesse dos leigos, devo preservar a mulher inteligente que o relatou e, após a devida consideração, decidi, portanto, abster-me de apresentar qualquer resumo do raciocínio erudito do Doutor ou extrato de suas declarações sobre um assunto que ele descreve como envolvendo, não improvavelmente, um dos mais profundos arcanos de nossa dupla existência e seus intermediários.
Eu estava ansioso, ao ler essas anotações, para reabrir a correspondência iniciada pelo Doutor Hesselius tantos anos antes com uma pessoa tão inteligente e cuidadosa como sua informante parece ter sido. Para o meu pesar, no entanto, descobri que ela havia morrido nesse intervalo.
Ela, provavelmente, teria acrescentado muito pouco à narrativa que se segue com, até onde posso dizer, tanta consciência e particularidades.
I - Um Susto Inicial
Na Estíria, nós, pessoas da nobreza sem recursos, habitamos um castelo ou schloss. Uma pequena renda, nessa parte do mundo, vale muito. Um pouco ao ano faz maravilhas. Nossa escassez controlada era responsável pelas pessoas da casa. Meu pai é o Inglês e eu ostento um nome inglês, embora nunca tenha visto a Inglaterra. Mas aqui, neste lugar solitário e primitivo, onde tudo é tão maravilhosamente barato, eu realmente não vejo como mais dinheiro iria, de alguma forma, acrescentar algo ao nosso conforto ou mesmo aos nossos luxos.
Meu pai fora do Serviço Austríaco e, reformado, com uma pensão e com seu patrimônio, comprou esta residência feudal e o pequeno terreno em que se encontra por uma pechincha.
Nada pode ser mais pitoresco ou solitário. Fica numa ligeira elevação em uma floresta. A estrada, muito antiga e estreita, passa em frente de uma ponte levadiça, jamais erguida em meu tempo, e seu fosso tem um poleiro e muitos cisnes. Flutuando sobre a superfície da água, flotilhas de lírios brancos.
Dominando tudo isso, o schloss mostra sua fachada com muitas janelas, suas torres e sua capela gótica.
A floresta abre-se em uma pitoresca e irregular clareira e muito antes do portão, à direita, uma íngreme ponte gótica acompanha a estrada que serpenteia ao longo de um riacho que mergulha em profundas sombras através do bosque.
Eu disse que este é um lugar muito solitário. Julgue se digo a verdade. Olhando da porta da sala de entrada, a floresta em que nosso castelo se localiza estende-se quinze milhas para a direita e doze para a esquerda. A aldeia habitada mais próxima dista cerca de sete de suas milhas inglesas à esquerda. O schloss tradicional mais próximo é o do velho General Spielsdorf, cerca de vinte milhas de distância para a direita.
Eu disse a aldeia habitada
mais próxima porque há, a apenas três milhas a oeste, ou seja, na direção do castelo do General Spielsdorf, uma aldeia arruinada, com sua pitoresca e minúscula igreja, agora sem teto, em cujo corredor estão os túmulos desfeitos da orgulhosa família Karnsteins, agora extinta, que uma vez possuiu igualmente o desolado chateau que, na espessura da floresta, contempla do alto as silenciosas ruínas da cidade.
A respeito da causa da deserção do inesquecível e melancólico local, existe uma lenda que vou narrar a você em outra ocasião.
Devo dizer-lhe agora como é muito pequeno o grupo que constitui os habitantes do nosso castelo. Não incluo servos, dependentes ou aqueles que ocupam cômodos nos edifícios anexos ao schloss. Ouça e admire! Meu pai, que é o mais gentil homem sobre a face da terra,