O amigo de infância de Jesus
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Pré-visualização do livro
O amigo de infância de Jesus - Antônio Michielin
© 2012 Antônio Michielin
Concepção da Capa: Gilberto Czarneski (gilartworks)
Baseada na fotografia Desert Friends
cedida por Boris Michalicek
Capa: Humberto Nunes
Editoração: Lizandra Caon
Arte final: Cristiano Marques
Revisão de composição: Eugênio Gervásio Wenzel
Revisão Ortográfica e gramatical: Carolina Machado
Editor: Rafael Martins Trombetta
M57a
Michelin, Antônio, 1955-
O amigo de infância de Jesus / Antônio Michelin. - Porto Alegre, RS : Buqui, 2012.
200p. : 15X21 cm
ISBN 978-85-65390-26-2
1. Romance brasileira. I. Título.
12-6363 CDD: 869.93
CDU: 821.134.3(81)-3
04.09.12 13.09.12 038741
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
www.buqui.com.br
Não lho proibais, porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo em seguida falar mal de mim.
Marcos 9:39
Prezado Leitor
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Ao dileto amigo e filho de outras eras Fernando L. U. M. dos Santos e aos preciosos companheiros da Espiritualidade, leais e puros no anonimato das vidas pregressas, como premissa maior de que, se as lembranças do passado estão momentaneamente veladas – fazendo-se latentes somente ao subconsciente do espírito –, as certezas do coração não nos têm como defraudar a razão.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
OS EXILADOS DE BELÉM
GRAVES PROBLEMAS
A LUZ DO MUNDO
REGRESSO À PALESTINA
A PRISÃO DE SHERAGA
O DISCÍPULO DE PHÍLON
O LEGIONÁRIO DE TABGHA
O INVEJOSO CLÍNICO DA GALILEIA
A CEIA EM JERICÓ
CILADA NOS BASTIDORES
NAS MASMORRAS DE JERUSALÉM
VERTIGINOSA DERROCADA
REENCONTRO DE ALMAS AFINS
INTRODUÇÃO
O homem não foi feito para ver a luz, mas para ver apenas as coisas iluminadas pela luz.
Goethe
Em todos os séculos banhado pela imorredoura cintilação do Cristianismo, nas anunciações, durante e após Seu advento, vemos a eterna mensagem de amor exemplificada pelo impoluto espírito do Messias como um legado à humanidade indistintamente; e a sementeira brilhante como o receituário seguro de perene ascensão ao pusilânime que tomba e desfalece.
Ainda assim, longe está o destinatário de compreender-lhe a grandeza do Verbo.
Na fragilidade e carência de um ser humano indolente, que se esfalfa no repetir e repisar uma série de idênticos deslizes no dobrar dos milênios, o direcionamento que determina os rumos de nossa própria elevação tem sido obnubilado por fatores menores, mas plenamente consoantes com os mesquinhos objetivos do agora, promovendo cismas sequentes a confundir e escarnecer aquilo que nos veio sublime; de tão simples compreensão.
E justamente a fatuidade de inoportunas digressões é que acaba por prestar um vital desserviço à causa evangelizadora; em especial a de desviar o foco da mensagem da Boa-Nova, para supostos quão intrigantes
detalhes, tais quais os da vida privada – ainda que de grande interesse – de Jesus como homem encarnado que se fez, na maioria das vezes aviltando inúmeros fatores que se ignoram por completo.
Desse modo, mesmo cientes de nossa insignificância didática perante a insólita expressão espiritual do Mestre, e da absoluta desnecessidade de alterar conceitos descritivos da Sua personalidade ímpar – eis que a portentosa obra O imuniza contra falsas especulações –, irmanamo-nos àqueles que de modo algum compactuam com a construção d’um Salvador revestido das mais primitivas e materializadas sensações humanas, facilmente encontráveis no homo sapiens de nossa era.
Fica, sim, patente ao decorrer desta despretensiosa narrativa justamente o oposto daquilo que tem sido apresentado à mídia nas bizarras elucubrações travestidas de um diáfano manto de reais possibilidades; vasculhadas até em obra-prima de genial plasticidade...
Até porque, se na Índia do período contemporâneo encontramos inúmeros exemplos de gurus sublimando completamente impressões carnais ante o êxtase do espírito, como duvidar dessa real verossimilhança?
Como acatar ingenuamente a ousadia dos que insistem desdizer, em hipotéticas conjecturas, as singulares qualidades morais do Supremo Avatar que reencarnou na Judeia?
Rebaixá-lo então ao grau da maioria que por ora se arrasta neste penoso fim de era, a fruir as ainda que nobres, mas rudimentares sensações da matéria, seria a vã tentativa de deslustrar a categoria espiritual de sua fulgurosa estirpe, já de domínio pleno da essência sobre a matéria. E com despudor procurar empanar – por certo – o brilho daquele que se doou total e conscientemente à causa maior do Criador; na exemplificação pessoal de Sua mensagem através d’uma sacrificante imersão nessa atmosfera orbital viciosa.
Cada um tem seu livre-arbítrio e é independente para interpretar as grandes Verdades como queira ou como possa, no entanto, em tudo há sempre uma lógica que não foge aos fatos, sob pena de cair-se em descrédito como tola afirmação.
As inúmeras religiões e todas as respeitáveis filosofias, que desde o raiar da civilização se fazem presentes a nortear a humanidade nas noites dos milênios sem fim, sempre foram – todas elas – alicerces seguros, úteis e válidos aos distintos patamares por que tem estagiado a criatura humana em sua eterna jornada rumo à perfeição. Mesmo as mais inocentes, de uma simbologia beirando a infantilidade, têm o seu valor educativo reconhecido na formação do homem.
Privilegiar uma única forma de pensar, em detrimento às demais possibilidades de raciocínio e aprendizado moral, seria o mesmo que indagar ao educando qual dos anos acadêmicos é o ideal, o mais correto? Sendo certo que todos eles têm o seu valor específico na construção da personalidade e na formação do ser integral.
Assim, se o Sublime Galileu não pode nem deve ser confundido como a encarnação do Criador do universo¹, nesse minúsculo orbe que vaga pelo infinito atrelado ao insignificante sistema de um único sol, seria igualmente temerário atribuir-lhe um comportamento próximo ao vulgo. Ainda que travestido de um organismo material perecível, o Seu espírito de tão grande envergadura jamais se dobraria ante o domínio do corpo sobre a essência extrafísica.
Destarte, a saga de um quiçá hipotético (?) amigo de Jesus aos tempos do cristianismo nascente, muito mais que um simples exercício de retórica e de linguagem poética, acaba por se tornar valiosa oportunidade de rever os conceitos básicos da doutrina de amor e mansidão em sua pura lavra de origem, legada pelo mais portentoso marco de luz que singrou esses mesmos ares que ora respiramos.
O nosso Irmão e Mestre Maior:
Jesus de Nazaré...
São Paulo, dezembro de 2006
1 Ele próprio afirmou isso quando recusou ser adjetivado de bom. Mateus 19:17.
Cada ação realizada emite uma vibração que é sentida ao longo de todas as infinitas ramificações, interferindo de uma forma ou de outra na vida dos seres ligados direta e indiretamente a esta teia que é nossa vida.
Daniel Ruffini
OS EXILADOS DE BELÉM
O acaso é, talvez, o pseudônimo que Deus usa, quando não quer assinar suas obras.
Théophile Gautier
O sol escaldante amainara já no horizonte por entre os montes ardentes fazendo-se pressentir a fria brisa da noite vinda do mar que avançava costa adentro, denotando o início da estação mais fria do ano, naquele aprazível recanto situado à margem direita do delta do Nilo...
Em meio à azáfama dos criados, envolvidos no fastidioso labor de separar, contar e juntar os rebanhos, o venturoso proprietário daquele imenso território, o abastado possuidor de incontáveis riquezas, ultimava já seus preparativos para seu breve retorno à cosmopolita cidade de Alexandria, estando já uma embarcação à sua espera e de seus familiares, quando avistou ao longe uma pequena nuvem de poeira a demonstrar a aproximação de visitantes oriundos do estrangeiro pelas veredas do grande deserto...
Sheraga suspirou fundo, enxugando o suor da larga testa, recordando-se de que também assim o fizera um dia, naquela mais que temerária jornada das distantes plagas, por caminhos tortuosos e repletos de perigo – de sua pátria natal, a Judeia, até ali, onde hoje se estabelecera –, exilado que fora, de Jerusalém, nas frequentes perseguições políticas daqueles tempos de lutas inglórias, chacina e dor.
Chamando sua esposa Bathsheba, a entreter o pequenino Ephrem – o garboso primogênito de sua casa –, dispôs-se na entrada de sua tenda magistral e fabulosamente adornada observando atentamente aqueles que – de mansinho –, avançavam pouco a pouco na velocidade da tração animal e a pé, chegando ofegantes e cansados dos arriscados caminhos do deserto.
A silhueta agora os denunciava...
Não eram mais que duas pessoas, talvez três, já que nos braços de quem se assentava ao singelo jumentinho, parecia trazer colada ao seio uma criancinha de colo como quem resguardava joia de raro esplendor. Pode então confirmar a origem hebraica comum entre eles, o que já suspeitara, ao que de pronto e em voz alta ordenou aos fâmulos que imediatamente providenciassem a refeição a todos, a ser servida ali mesmo na varanda de sua tenda.
Foi quando, entre lágrimas e júbilos pôs-se de joelhos com os braços abertos a entoar o hino de boas-vindas, idêntico ao que, há pouco mais de vinte anos, escutara em sua recepção, através de antigos compatriotas seus:
Ha lachmá aniá
Di achalu avhataná be’ar’a de’Mitzraim
Col dichpin ietei veiechol
Col ditzrich ietei veifsach
Ha’shatá hachá
Le’shaná haba’á be’ar’a de’Israel
Ha’shatá avdei
Le’shaná haba’á bnei chorin.¹
O forasteiro, descerrando seu capuz, também embargado pela grande emoção, deixou à mostra o rosto crestado pelo sol do deserto, envolvendo o anfitrião num longo abraço e agradecendo efusivamente ao Alto a atitude fraterna de seu beneficiário, sem nem mesmo ter se dado ao trabalho de se apresentar solicitando a hospitalidade.
Identificou-se como Yossef, proclamando-se oriundo da terra onde nascera:
Belém de Judá...
Apeando do fatigado animal, a jovem mãe, amparada pelas mulheres presentes, deitou o filho dileto em preciosa almofada carmesim bordada a ouro que lhe foi apresentada, retirada de um conjunto de outras estendidas no interior da tenda; e abaixando o lenço que a protegia do sol e da incômoda poeira da longa jornada, deixou antever a simpatia de sua magnífica expressão e de seu rosto perfeito, agradecendo sorridente a todos, que não cansavam de admirar sua nobre e singular postura, extremamente cativante: dentes tais quais pérolas de brilho invulgar, olhos de um azul profundo quão sereno e cabelos à moda galileia divididos ao meio, levemente encaracolados, d’um loiro dourado como um manto sublime de luz aureolando aquela face de traços deslumbrantes!
De todo o seu ser emanava diáfana paz e tal júbilo contagiante, que fora como se a deusa Ísis – daquele lendário país de faraós e com quem se assemelhava no talhe e beleza – se fizesse ali presente; naquela tenda ricamente adornada, a poucas horas da mítica cidade dos Ptolomeus.
Assentaram-se sem desgrudar os olhos de sua efígie serena...
Contava talvez não mais do que dezoito primaveras, mas era de uma presença marcante, que não podia de forma alguma ser ignorada.
Deu-se a conhecer como Miriam e seu filho como Emanuel, eis que desde a saída de Belém – em pleno deserto –, preocupados ante a busca dos asseclas de Herodes d’um menino que porventura já soubessem chamar-se Jesus, foram instruídos a recordarem-se do profeta Isaías², deliberando, de comum acordo, esconder a verdadeira identidade do infante, assim o nomeando para todo e qualquer desconhecido, temerosos dos espiões do poderoso rei, presentes até em terras distantes.
Após refrescarem-se convenientemente, e as libações de costume, o banquete passou a desfilar aos olhos de todos – os da tenda e os recém-chegados –, que se alimentaram frugalmente como a demonstrar as parcas necessidades a que estavam habituados, e até no intuito de não abusar dos severos costumes, que mesclavam o cerimonial junto das exigências nutricionais.
Graças foram rendidas ao Alto num misto de júbilo, de união e de concórdia...
Oriundos de uma época de poucos prazeres e enorme escassez, não deixavam de lado toda uma tradição de hospitalidade e confraternização, responsável direta pelo desenvolvimento da civilização judaica como das mais célebres em promover a força da coletividade, ainda que subjugada pelo tacão impiedoso do fanatismo religioso, da intolerância racial e do dominador romano.
Provaram, pois os convivas com parcimônia de todas as porções que lhes eram oferecidas no respeito à cultura a que se atinham: trigo, azeitonas, tâmaras, uva, figo, romã, cidra, nozes, amêndoas, alfarrobas e peras; cada qual contendo um simbólico e específico significado, inspirados nos esforços de elevação e retidão; do caráter e da fé.
Saciados os imperativos do corpo, o diálogo animado não se fez por esperar, indagando o anfitrião da profissão de seu convidado e da razão de tão perigosa jornada...
Numa quase que imperceptível troca de olhares entre o