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I love New York
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E-book292 páginas4 horas

I love New York

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Sobre este e-book

Alice cresceu apaixonada por Nova York. Mas sempre que tentava ir à Big Apple acontecia algo para atrapalhar seus planos. Quando um vídeo na internet fez com que ela virasse a piada de sua cidade e também do país, largou tudo e finalmente foi para Manhattan passar um tempo e tentar ser "esquecida por todos". Estudando numa universidade americana, com novos amigos, um lindo namorado e um apartamento de cair o queixo, Alice pensou que tinha deixado o passado um tanto comprometedor para trás. Só que não foi bem assim que aconteceu. Ela não era mais anônima nem mesmo na nova
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de ago. de 2019
ISBN9788542801880
I love New York

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    I love New York - Teca Machado

    mal-entendidos.

    Capítulo 1

    Quando a gente é criança, o mundo é um lugar grande e desconhecido. Mas, mesmo assim, acha que ele se resume aos lugares em que você vive. No meu caso, eu sabia que tinha muito espaço por aí. Meu pai já havia me mostrado o globo terrestre e apontado que a minha cidade, Cuiabá, em Mato Grosso, era apenas um pontinho naquela coisa redonda com mais azul do que marrom e verde que representava o mundo. Ainda assim, para mim a vida era onde eu morava, a cidade dos meus avós no interior de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, uma ou outra praia do Nordeste e a Disney. Claro, toda menina que se preze e seja criada como uma princesa ama a Disney desde o útero da mãe. Que bobinha! Nesse momento, eu mal sabia que ela existia.

    Logo depois de completar cinco anos de idade, meus pais viajaram para os Estados Unidos e passaram 45 dias por lá. Claro, fiquei triste porque eles não levaram a mim e a minha irmã, mas a promessa de dezenas de presentes e de passar as férias na casa dos meus avós não me pareceu nada mau. Depois de terem visitado cerca de oito cidades nos mais variados estados americanos, voltaram com sete malas – três delas de presentes, muitos deles da Disney. Ok, estavam perdoados.

    Meu pai sempre foi um amante da fotografia, desde jovem. Acredito que a minha paixão pelo assunto veio da influência dele. Por isso, uma das bolsas estava lotada com rolos de filmes fotográficos. Hoje isso mal existe. Mas em 1993 eles ainda estavam presentes. Foram 33 rolos, cada um com 36 fotos. Para os padrões de hoje, quando você bate a foto distraidamente sem se preocupar com a quantidade, isso talvez não seja muito em uma viagem tão longa; mas, naquela época, foi um número absurdo de fotografias. E, mesmo assim, eu vi todas, uma por uma.

    Vi fotos de Miami, Los Angeles, São Francisco, Orlando e outras. As da Disney me deixaram louca! Como meus pais tiveram a coragem de ir a um lugar tão mágico e cheio de princesas e não me levar? Quando achei que nada poderia superar a beleza dos parques temáticos, vi aquelas fotos. As que me marcaram pelo resto da vida e moldaram parte da minha personalidade e dos meus desejos. E eis que surgiu diante dos meus olhos a Estátua da Liberdade, o Central Park, a Quinta Avenida e suas lojas de luxo, a Times Square, os teatros da Broadway, o touro de Wall Street, o World Trade Center. Enfim, lá estava ela: Nova York. Tão linda, tão urbana, tão moderna, tão descolada. Mesmo com cinco anos, sabia que aquele lugar era cheio de emoção, pessoas loucas e muita cultura. Um dia eu ia conhecer aquela cidade! Um dia eu ia morar naquela cidade!

    A partir daquele momento, o que era encantamento virou paixão (para não dizer obsessão). Meus filmes preferidos eram ambientados em Nova York e também aqueles inspirados em musicais da Broadway. Assisti a todos os episódios do seriado Gossip Girl quando era adolescente e, quando cresci um pouco mais (e meus pais deixaram), viciei-me em Sex and the City. Mas nenhum deles era melhor do que Friends.

    Meu sonho era sair dançando pela Big Apple cantando os famosos versos eternizados por Frank Sinatra:

    New York, New York

    I want to wake up in a city

    That never sleeps

    And find I’m ‘A’ number one,

    Top of the list

    King of the hill, ‘A’ number one…

    Se iam me achar louca fazendo isso? Pouco me importava. A diversidade cultural é tão grande em Nova York que os seus habitantes nem reparam em pessoas um pouco fora do comum. Afinal, aquela cidade parecia fora do comum.

    Por circunstâncias da vida, passei o resto de minha infância e adolescência sem conhecê-la. Às vezes era por causa da situação financeira e a alta do dólar; depois, porque nas férias eu tinha que visitar meus avós; em outra situação, era uma viagem em família pelo Nordeste.

    Na segunda quinzena de setembro de 2001, quando eu tinha treze anos, a minha família estava com passagem marcada para Nova York. Eu fazia milhões de planos e sonhava com aquela preciosa semana que passaríamos no meu País das Maravilhas. Preciso contar que o ataque às Torres Gêmeas e a confusão em que os Estados Unidos ficaram depois disso estragaram os nossos planos, cancelando as nossas férias? Pois é, chorei por uma semana. Ao invés de Nova York, fomos passar uns dias em São Paulo. Grande troca.

    Até que, para comemorar os trinta anos de casados, meus pais resolveram fazer uma terceira lua de mel em Nova York. A segunda foi em 1993 e a primeira, quando casaram. Iam apenas os dois. Eu queria muito ir, mas não para ficar de vela e estragar a viagem romântica do casal. Até aí tudo bem. O problema foi que, de repente, cerca de um mês antes da viagem, minha irmã e seu marido resolveram que seria divertido irem também. Viagem só com casais e eu, solteira, não fui convidada. Já estava ficando com raiva. Então, a sogra da minha irmã, que é divorciada, anunciou que iria com eles para ajudar a cuidar da Bianca, minha sobrinha. Epa! Espera aí, todo mundo ia, menos eu? Até minha sobrinha de dois anos. E eu ia ficar? De jeito nenhum!

    Com medo de ser deixada de lado, fui falar com meu pai – calmamente e elogiando, porque precisava convencê-lo a me levar junto.

    – Pai! Como você está bonito hoje. Cortou o cabelo? Ah, já sei! Emagreceu, né? Acho que você perdeu uns três quilos. – Sou bem sutil quando quero.

    – Alice, minha filha, nem precisa puxar saco. O que você quer? Aliás, quanto você quer? – Realmente, meu pai me conhece muito bem.

    – Ah, papaizinho lindo, eu não quero dinheiro. Acabei de receber meu salário. – Eu, recém-formada em Jornalismo, já estava trabalhando em uma revista de Cuiabá. – Eu só queria fazer uma pergunta...

    – Posso tentar adivinhar? – ele disse, já segurando um sorriso e levantando apenas uma sobrancelha.

    – E você acha que me conhece tão bem assim?

    – Tenho certeza que te conheço muito bem há 24 anos. Fora que nós dois somos muito parecidos, então eu consigo imaginar o que você veio me falar. Você quer saber se vou te convidar para ir com a gente para Nova York. Acertei?

    – É... Afinal, eu sou parte da família também, né? – Comecei a falar muito rápido, nervosa, com a possibilidade de ser deixada para trás. – Por que só eu não posso ir? Afinal, não é uma viagem só sua e da mamãe. Perdeu todo o romantismo a partir do momento em que a Bel disse que ia com o Felipe e com a Bianca (minha irmã, meu cunhado e minha sobrinha). Além disso, a sogra dela vai. Acabou todo o encanto! Posso ir? Por favor, posso?

    – Alice, eu sabia que você ia acabar me perguntando isso. Me perdoe, eu sei o quanto você quer conhecer Nova York, mas não vai ter como você ir. Todo mundo já comprou as passagens, e agora ou elas estão muito caras ou estão esgotadas. Sinto muito, vai ter que ficar para outra oportunidade.

    – Ah... Tudo bem, então. – Eu já estava com os olhos cheios de lágrimas. Eu sei, 24 anos, formada, jornalista, chorando por causa de algo bobo assim, mas não consegui segurar o choro. – Bom, eu tenho que ir ali no... Ah, bem ali fazer uma coisa e já volto, pai. – Eu precisava sair dali para chorar em paz. Traidores!

    – Filha, antes disso, você me faz um favor?

    Fiquei com vontade de gritar um não bem alto. Afinal, ele me excluiu e não quis me levar à viagem dos meus sonhos. Mas tentei ser uma boa pessoa e respondi:

    – Faço. O quê?

    – Vá até a porta pegar a correspondência que chegou?

    – Claro.

    Quando cheguei à caixa de correio, retirei os envelopes. Não esperava algo para mim (nunca tem mesmo. Sou da geração do e-mail, não das cartas). Mas, entre propagandas, contas e algumas revistas, tinha um envelope cor-de-rosa com o meu nome e a letra do meu pai endereçado à maior amante de Nova York que conheço. Só podia ser eu. Ali mesmo eu abri.

    Dentro havia um bilhete:

    Alice,

    Te peguei! Aposto que eu te assustei com o papo que a gente acabou de ter (eu tinha certeza que você ia me perguntar se podia viajar com a gente).

    Sei que você se formou há dois meses, mas seu presente de formatura veio só agora.

    Pode preparar sua voz e decorar a letra de New York, do Frank Sinatra, para cantar pelas ruas da ‘Big Apple’.

    Sua boba, nunca te deixaríamos para trás! É claro que você vem com a gente para Nova York. Aqui está a sua passagem.

    Te amamos,

    Papai e Mamãe

    Chorei. De emoção, não de tristeza. Tinha os pais mais lindos do Universo. Comecei a gritar, a pular e a ficar enlouquecida.

    – Ai, meu Deus! Eu vou para Nova Yoooooooooooooooork!

    Acho que todo mundo num raio de cinco quilômetros escutou.

    Olhei para a porta de casa e vi meus pais sorrindo de orelha a orelha. Saí correndo para abraçá-los, beijá-los e pular junto com eles.

    – Obrigada! Obrigada! Obrigada! Eu não acredito. Vou realizar um sonho.

    – Filha, a gente não teria coragem de ir e não te levar, sabendo que isso é uma das coisas que você mais quer na vida – disse a minha mãe.

    Preciso dizer que eu fiquei insuportável nos dias que seguiram essa surpresa e a viagem? Não sabia falar de outro assunto que não fosse a viagem e sobre Nova York. Acho que meus amigos não me aguentavam mais. Só continuavam a conversar comigo porque sabiam que eu traria presentes e porque sempre fui fascinada pela Big Apple.

    Fiz roteiros do que queria fazer, do que queria conhecer, do que queria comprar. Minha família nem precisou se preocupar, eu já tinha resolvido tudo.

    Enfim, depois de anos sonhando com isso e longas semanas de preparação, o grande dia chegou. Pegamos um avião de Cuiabá para São Paulo, onde faríamos conexão para a minha linda e amada Nova York. A viagem transcorreu sem problemas (tirando o fato de que a minha sobrinha resolveu decorar a minha blusa com todo o conteúdo que tinha comido no almoço servido no avião).

    Apesar de nos Estados Unidos ainda ser verão, o tempo estava nublado e só consegui ver a cidade do alto quando o avião já voava bem baixo. Ao ver Manhattan, em toda a sua majestade, logo abaixo de mim, tive uma pequena taquicardia. Parece exagero, eu sei, mas foi o que eu senti.

    Descemos no JFK, aquele aeroporto lindo e gigante. Mesmo não tendo indo para os Estados Unidos antes, nunca havia visto tantas pessoas de nacionalidades diferentes em um só local. Um ano antes fui para Miami, na Flórida, e lá só tinha latinos e brasileiros. Os únicos momentos em que escutei gente falando em inglês foram no meu cursinho de 40 dias numa escola para brasileiros. Mas no aeroporto de Nova York vi árabes, japoneses, suecos, australianos, britânicos e gente de países que eu nem sabia onde ficavam ou não soube reconhecer a língua.

    Passamos pela imigração sem problemas e nos dirigimos ao hotel, que ficava na Rua 45, entre a Quinta e a Sexta avenida. A cada quilômetro que passávamos rumo ao nosso destino, eu ficava mais maravilhada. Era aquilo tudo o que eu tinha imaginado! Os táxis guiando loucamente com motoristas árabes ou indianos, ônibus escolares amarelos como os dos filmes, ruas arborizadas, mas extremamente urbanas ao mesmo tempo. Passamos em um dos lados do Central Park e vi pessoas fazendo cooper, adolescentes com uniformes escolares deitados na grama ou jogando futebol e executivos de terno falando desesperadamente ao celular, tudo isso acontecendo ao mesmo tempo. Tinha menos de uma hora que eu havia chegado à cidade e já estava perdidamente apaixonada pelo lugar.

    Chegamos ao hotel, nos instalamos e logo saímos para explorar Nova York. Ao sairmos, se andássemos 50 metros para a direita, estávamos em plena Quinta avenida. Se andássemos 150 metros para a esquerda, estávamos no coração pulsante de Nova York, mais conhecido como Times Square. Eu já imaginava que ela era linda, mas não tinha noção do quanto. Já estava anoitecendo e as luzes destacavam-se ainda mais contra o céu negro da noite. Diversos cartazes anunciavam peças da Broadway, como O Rei Leão, Wicked, Chigado e Billy Eliott. A loja Forever 21 tinha um grande painel com 10 metros de altura que transmitia, em tempo real, imagens das pessoas na calçada. O famoso Naked Cowboy tocava violão apenas de cueca. Um cartaz estava grudado em alguns postes informando que na terça-feira seguinte haveria a gravação de Gossip Girl naquela região e uma parte da Times Square estaria fechada para o público. Um flash mob com pessoas dançando A Little Less Conversation, do Elvis Presley, acontecia perto da escadaria onde se compram ingressos para os teatros. E muitas outras coisas aconteciam ao mesmo tempo. Enfim, se eu pudesse, morava ali mesmo.

    Logo que descemos do avião, percebi que meu pai estava um pouco quieto, o que não era normal. Geralmente em viagens temos que pedir que ande devagar, já que ele quer conhecer tudo em pouco tempo. E temos que falar para dormir um pouco mais, pois ele é do tipo que sai do hotel às sete da manhã e volta só meia-noite, depois de um dia intenso de turismo. Mas isso não estava acontecendo. Ele andava devagar, queria dormir cedo e falava pouco. Na verdade, achei que meu pai mostrava com uma coloração um pouco esverdeada.

    Comentei com minha irmã, que concordou que ele parecia estranho, abatido. Fomos conversar com minha mãe, que partilhava da mesma preocupação. Quando perguntamos ao meu pai o que estava acontecendo, ele, teimoso como uma mula, disse que não era nada, só jet lag. Foi a maior mentira que ouvi na vida. Primeiro, o fuso horário de Nova York era apenas uma hora de diferença do de Cuiabá. Segundo, ele está acostumado a viajar para Cingapura, Havaí e Tailândia a trabalho, o que dava uma diferença de fuso de cerca de dez horas, e nunca reclamara.

    Enquanto minha irmã e eu debatíamos o assunto, preocupadas de verdade com o meu pai, fomos distraídas por uma gritaria de mulheres e meninas. Olhamos para o lado e vimos o gostoso Gerard Butler tentando passar entre a multidão para assistir a um musical na Broadway. Eu já disse que amo essa cidade? Acabamos esquecendo o caso, pegamos as máquinas fotográficas e saímos correndo atrás dele, para horror do meu cunhado.

    Como estávamos muito cansados da viagem (e o meu pai verde), resolvemos que jantaríamos por ali mesmo e depois voltaríamos cedo ao hotel para descansar. No dia seguinte, o turismo começaria de verdade.

    No meio da noite, minha mãe bateu desesperadamente na porta do meu quarto, berrando e acordando quase o hotel todo. Abri a porta com a cara toda amassada, tentando me situar (quando acordo no meio da madrugada, em um lugar que não é a minha casa, fico desesperada achando que alguém me sequestrou ou que fui abduzida por alienígenas no melhor estilo Alien – O Oitavo Passageiro). Minha mãe já seguia apressada pelo corredor, batendo na porta do quarto da minha irmã e do meu cunhado, gritando que meu pai estava morrendo. Eu sabia que aquela cor verde não era natural!

    Fomos, os seis, inclusive minha sobrinha, para o quarto e encontramos meu pai suando frio, falando que a gente não precisava se preocupar porque ele estava se sentindo bem, o que era uma mentira descarada. Fui de camisola (ainda bem que nesse dia escolhi uma bem bonitinha, com uma ovelhinha desenhada e a inscrição Sleep tight and don’t let the bedbugs bite) correndo para a recepção, gritando que a gente precisava de uma ambulância urgente porque o meu pai estava morrendo. Esqueci que estava em outro país e falei tudo em português. O gerente me olhava como se eu fosse louca e perguntou em inglês:

    – Me desculpe, mas você está acordada mesmo ou isso é uma crise de sonambulismo?

    Já totalmente impaciente, gritei que estava muito bem acordada e traduzi para o inglês tudo o que eu tinha dito antes.

    Quando a gente vê em filmes americanos a polícia e a ambulância chegando ao local da confusão em menos de cinco minutos e acha que é exagero, está completamente enganada. Realmente é desse jeito nos Estados Unidos. (Bom, quando o trânsito da caótica Nova York deixa, o que foi o caso, já que eram umas três horas da manhã.)

    Graças ao seguro-saúde-viagem, fomos direto ao Lenox Hill Hospital, um dos mais sofisticados e caros da cidade, localizado no Upper East Side (lembro-me de ler nos livros da Gossip Girl que a mãe da Blair Waldorf teve neném lá. Que emoção!).

    Ficamos na sala de espera cerca de quatro horas antes de saber tudo o que estava acontecendo. Já amanhecia quando um médico veio nos avisar que podíamos ir à enfermaria ver meu pai. O médico não queria deixar que entrássemos todos no quarto, mas insistimos muito, falando alto e rápido em português, e ele acabou cedendo.

    Estávamos espremidos no quarto que meu pai dividia com um coreano que tossia tanto que tive medo de pegar tuberculose. Apesar de meu inglês ser muito bom, quase fluente, eu tinha dificuldade de entender o que o Dr. Simmons falava, pois usava muitos termos técnicos. Mas acabei entendendo o veredicto: meu pai estava com pedra na vesícula. Teoricamente, não era muito grave, mas precisava operar e teria que ser naquele momento. Meu pai disse em seu inglês perfeito:

    – Ah! Só uma pedrinha de nada? Sempre tenho algumas no rim e ainda estou vivo. Vamos fazer o seguinte. Me dá um remédio só para passar a dor, eu termino de curtir as férias e opero no Brasil. Pode ser?

    – Bom – respondeu o Dr. Simmons –, podemos fazer isso, mas com uma condição: de que o senhor assine os papéis dizendo que não responsabiliza o hospital se morrer a qualquer momento depois que deixar o estabelecimento. Porque, senhor Polleto, é isso o que vai acontecer.

    – Morrer? – eu gritei. – Mas não é só uma pedrinha de nada?

    – Temos dois cenários possíveis – explicou o médico. – Ou a pedra, que está em movimento, vai para o seu pâncreas, o que o mataria em questão de minutos, ou a infecção que a pedra começou vai se alastrar na corrente sanguínea, levando a uma infecção generalizada. O resultado disso o senhor sabe qual é, certo?

    Meu pai, sempre muito engraçado, não perdeu o humor nem quando estava praticamente em seu leito de morte e disse:

    – E aí? Vai me operar na sala de emergência junto com o George Clooney, de ER?

    Apesar do risco de morte, a operação de retirada de pedra na vesícula era muito simples. Durou menos de dez minutos. Dr. Simmons falou que nunca viu uma vesícula tão podre na sua vida e meu pai disse que ama tanto Nova York que até deixou um pedacinho seu na cidade para que ela não tenha saudade dele.

    Graças ao seguro de viagens, a internação e a operação foram cobertas e não tivemos que pagar nada, mas meu pai precisaria fazer mais exames e de cuidados médicos pós-operatórios que o cartão não cobria. Segundo os cálculos dos médicos, a despesa médica ficaria em torno de 20 mil dólares, mais o período de internação necessário.

    Embora minha família tenha uma boa condição financeira, não havia motivo para gastar tudo isso nos Estados Unidos se tínhamos plano de saúde no Brasil que cobria tudo. Resultado: após a alta médica, meu pai voltaria ao Brasil. E como somos uma família muito unida, fomos juntos e voltamos juntos – para minha tristeza, é claro. Óbvio que fiquei superfeliz que meu pai estivesse se recuperando, só que é impossível não ficar triste de ir embora de Nova York depois de menos de horas na cidade. Ok, pensamento bastante egoísta, já que meu pai precisava de apoio. Mas eu queria taaanto ficar em Nova York... Nem deu tempo de cantar New York, New York pelas ruas! Sabia que deveria ter feito isso na Times Square assim que cheguei.

    Enfim, quase chorei quando vi o aeroporto de novo, mas dessa vez de frustração. Reprimi as lágrimas, engoli os soluços e entrei no avião. Brasil, voltei!

    Meu pai ficou péssimo de

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