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Atualização em Avaliação e Tratamento das Emoções -vol 2: As emoções e seu processamento normal e patológico
Atualização em Avaliação e Tratamento das Emoções -vol 2: As emoções e seu processamento normal e patológico
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E-book374 páginas10 horas

Atualização em Avaliação e Tratamento das Emoções -vol 2: As emoções e seu processamento normal e patológico

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Sobre este e-book

O campo das emoções vem sendo cada vez mais enfatizado na atualidade em diversos contextos, tais como o educacional, empresarial, clínico, entre outros. Essa ênfase é atribuída já que as emoções estão relacionados a diferentes aspectos tais como bom desempenho acadêmico, melhores relações no trabalho e, especialmente, ao sucesso nas relações humanas. Nesse contexto e refletindo nessa importãncia é que apresentamos este segundo volume da obra Atualização em avaliação e tratamento das emoções visando fornecer ao leitor informações recentes com vistas ao aprimoramento de aspectos que permeiam tais atribuições, tanto no sentido mais teórico quanto nos processos de avaliação e intervenção. Assim, objetiva-se melhores práticas e melhores atendimentos à população em geral no que diz respeito ao cuidado emocional.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de mar. de 2020
ISBN9786586163056
Atualização em Avaliação e Tratamento das Emoções -vol 2: As emoções e seu processamento normal e patológico

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    Atualização em Avaliação e Tratamento das Emoções -vol 2 - Fabiano Koich Miguel

    1

    Panorama atual do estudo das emoções

    Fabiano Koich Miguel

    Daniel Bartholomeu

    José Maria Montiel

    Breve histórico

    Como ocorre com a maioria dos processos básicos de psicologia, emoção é um conceito que extrapola a ciência, sendo conhecido e citado naturalmente no senso comum, mas cuja definição encontra certa problemática. Da mesma forma que definir o que é e como funciona a consciência, a atenção ou a memória, a tarefa de definir o que é e como funcionam as emoções não é fácil ou consensual. Até mesmo a própria etimologia da palavra não é certa, embora o mais provável seja que descenda do latim movere (movimentar) e do francês émouvoir (mover, afetar).

    Desde que existem registros humanos também existem relatos sobre estados emocionais (PICKREN, 2014). Historicamente, uma das primeiras pessoas a buscar uma formulação sobre esse fenômeno psicológico foi o grego Hipócrates (1868) que, organizando e influenciando ideias de outros pensadores da época, propôs que a alteração na quantidade de certos fluidos corporais (sangue, fleuma, bile negra e bile amarela) estaria associada a alterações do humor. Um indivíduo saudável, portanto, teria suas emoções em níveis medianos. Essa proposta não era exclusividade da filosofia ocidental. A medicina oriental também falava sobre como as emoções podiam influenciar o qi, o princípio que forma todas as coisas, e causar doenças em partes do corpo (HOIZEY; HOIZEY, 1993).

    Descartes (1989) apresentou a proposta de pequenas partículas em movimento pelo corpo, chamadas espíritos animais, que agitavam a glândula pineal e esta então se comunicava com a mente ou alma imaterial. As emoções seriam reflexos de percepções da alma assim como o raciocínio, contudo teriam um aspecto mais confuso e vago, perturbando o adequado uso da razão. Esta é uma noção que ainda atualmente é possível ser encontrada: quando uma pessoa se emociona demais, costuma-se dizer seja mais racional, atribuindo um valor negativo à emotividade.

    No início da Psicologia como uma ciência distinta, Wundt (1897) já atribuía às emoções especial dedicação em sua obra. O autor propôs três grandes polos do funcionamento emocional: prazer-desprazer, excitação-depressão e tensão-relaxamento. Seus escritos, porém, tinham um caráter mais descritivo, registrando as alterações fisiológicas como pulsação e respiração, e delineando suas formas e intensidades. Foi com James (1890) que a Psicologia encontrou um primeiro modelo teórico explicativo das emoções.

    James se opôs ao conhecimento de senso comum, ou seja, a noção de que as emoções surgem para expor um estado afetivo interno. Ao contrário, sua proposta foi que as emoções seriam simples reações fisiológicas e que essas alterações viscerais causariam uma impressão no sistema nervoso, e essa impressão seria aquilo que comumente se chama de sentimento. Assim, segundo o autor, uma pessoa não ficaria com raiva e então agrediria alguém, mas agrediria alguém e a movimentação corporal seria interpretada como sendo o sentimento raiva.

    Esse modelo, tão pouco intuitivo, foi criticado desde seu início, mas adquiriu notoriedade e importância por ter sido apoiado pelos primeiros behavioristas, uma vez que atribuía a origem dos comportamentos a um evento externo e observável e não a um construto interno (SKINNER, 2003). Contudo, com o passar do tempo, um número muito grande de evidências foi se acumulando, e a proposta se mostrou pouco eficaz para explicar a complexidade das emoções. Embora alguns estudos tenham mostrado que a postura pode resultar em um sentimento, isso se processa de maneira muito devagar, não sendo suficiente para explicar o estado emocional (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; MIGUEL, 2015).

    Teorias atuais

    Como foi mencionado, ainda não existe um consenso definidor do fenômeno emoção, mas é possível encontrar convergências na literatura. A maior parte dos autores atuais considera que as emoções são um fenômeno momentâneo de alterações fisiológicas e psicológicas, aparecendo como resposta a eventos de importância pessoal e tendendo a criar uma situação que facilite a adaptação social (ATKINSON et al., 2002; EKMAN, 2003; GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006; NIEDENTHAL; KRAUTH-GRUBER; RIC, 2006; PLUTCHIK, 2002; ROBINSON, 2008; SCHERER, 2005; STRONGMAN, 2003). Nesse sentido, emoção se diferencia de sentimento, que representaria apenas o estado subjetivo, e também de humor, que seria um estado emocional mais brando e duradouro. Já o termo afeto aparece na literatura como sinônimo tanto de sentimento quanto de emoção.

    Com a revolução cognitiva iniciada por volta da década de 1960 e os avanços da neuropsicologia, inevitavelmente conceitos antes vistos como fazendo parte da caixa preta do cérebro voltaram a ser experimentalmente investigados e foram incorporados à conceituação de emoção. Dessa maneira, os modelos atuais não mais desconsideram as impressões subjetivas como eliciadoras de uma emoção, mas as incluem como componente relevante. O estado emocional, portanto, não seria um fenômeno simples, mas sim um processo complexo, que inclui alteração corporal, sentimentos internos, avaliações e cognições sobre o que está acontecendo, e tendência de ação. Por exemplo, ao encontrar uma pessoa de elevada importância e valor positivo, um indivíduo pode ter o corpo mais relaxado e corado, sentir-se bem e alegre, se aproximar e abraçar, e engajar-se numa conversa. Simples sensações – como temperatura, cheiro e movimento, entre outras – não abarcam todos esses componentes da emoção.

    Atualmente, três grandes grupos teóricos costumam ser identificados na literatura de emoções: as teorias psicoevolucionistas, as cognitivistas e as sociais. O primeiro grupo originou-se dos trabalhos de Darwin (2000), que analisou a evolução da expressão emocional em diversas espécies, incluindo a humana. Segundo essas teorias, não só as características físicas, mas também os processos cognitivos, teriam evoluído ao longo do tempo, tendo as emoções também se adaptado às necessidades do organismo e à funcionalidade na preservação das espécies. Isso teria acompanhado o aumento do volume do cérebro humano no curso da evolução, que possibilitou novas funções cognitivas e também uma forma mais adaptada de se relacionar com o mundo à volta. Por exemplo, sentir e expressar medo teria tido a função de alertar para algum estímulo ameaçador presente, preparando para a fuga. Já a expressão de tristeza sinalizaria necessidade de cuidados e conciliação. Emoções sociais, como o amor, que teria a função de aumentar o laço social e o cuidado com os outros membros do grupo, seriam características dos mamíferos (IZARD, 2009; LEDOUX, 1996; PLUTCHIK, 2002; SHARIFF; TRACY, 2011). O foco das teorias psicoevolucionistas, portanto, está na função que cada estado emocional tem.

    As teorias cognitivistas, no entanto, focam na avaliação do evento. Segundo seus teóricos, com a apresentação de um estímulo iniciam-se cognições no indivíduo, das quais ele pode ter consciência ou não, que avaliam a situação com base na sua história de vida (BARGH; FERGUSON, 2000; CLORE et al, 2005; NIEDENTHAL et al., 2006; PRINZ, 2007). Por exemplo, durante uma conversa em uma empresa, um indivíduo pode receber um comentário criticando sua produção. Se o indivíduo tiver um histórico frequente de reprovações e humilhação, poderá entender essa situação como mais uma vez reforçando a ideia de que ele é incompetente e então irá sentir tristeza. No entanto, se ele entender que a produção era adequada para os objetivos, pode avaliar o comentário como injusto e então sentirá raiva. Ainda, pode avaliar a pessoa que fez tal comentário como alguém de baixa produtividade e invejosa, sentindo então desprezo ou aversão. Por fim, ele pode avaliar o sujeito como uma pessoa debochada, tendo feito uma piada sarcástica que no fundo tem o propósito de elogiar, e então sentirá alegria.

    Levando em consideração que as emoções aparecem como reações aos acontecimentos importantes que ocorrem em volta do indivíduo, o componente cognitivo nesse processo implica também a antecipação das consequências. Isso teria o objetivo de reduzir a probabilidade de que ocorra algo indesejável ou de aumentar as possibilidades de um acontecimento desejável. Dessa forma, as capacidades cognitivas também seriam utilizadas para avaliar algo que venha a ocorrer após as reações emocionais (NIEDENTHAL et al., 2006; PLUTCHIK, 2002).

    Já as teorias sociais focam no valor social que as expressões emocionais têm. Seus teóricos propõem que as emoções são construções culturais e têm o papel de regular as interações sociais (GERGEN, 1985; RATNER, 2000; STETS; TURNER, 2008). Existe, nesse caso, certa integração com as teorias cognitivistas no sentido de que ocorre uma interpretação e atribuição de valor por parte do sujeito à situação que passa. Contudo, há muito maior ênfase no estudo da influência cultural. Por exemplo, embora a emoção alegria apareça quando o indivíduo entende que recebeu algo valorizado, a intensidade e o contexto em que essa emoção é expressa (ou é aceitável que seja expressa) variam de cultura para cultura. No Brasil se cumprimenta efusivamente uma pessoa querida, enquanto no Japão a interação é mais comedida.

    Apesar desses diferentes vieses, alguns autores buscaram propor modelos integrativos, compreendendo as abordagens como possuidoras de um foco, mas não sendo excludentes entre si (MIGUEL, 2015; PLUTCHIK, 2002). A Figura 1.1 a seguir representa um desses modelos.

    Figura 1.1. Modelo integrativo do processamento emocional, reproduzido com autorização do periódico Psico-USF, no qual foi originalmente publicado (MIGUEL, 2015).

    De acordo com esse modelo, a origem da emoção estaria em um evento específico, que pode ser tanto externo (por exemplo, uma conversa, ganhar um presente, etc.) quanto interno (por exemplo, uma lembrança, uma dor de cabeça, etc.). O evento em si não seria componente da emoção, mas sim as reações que se seguiriam. Diante da situação, cognições ocorreriam. Embora em alguns casos essas cognições sejam conscientes ao sujeito, não devem ser entendidas como um raciocínio semelhante a realizar uma conta ou se localizar espacialmente. Trata-se de um processamento mental automático que visa atribuir um valor para a situação (a conversa é com uma pessoa agradável e o tema é valorizado; o presente era inesperado; a lembrança é de uma pessoa amada que conheceu em uma viagem; a dor de cabeça persistente pode ser um tumor no cérebro). Concordando com as teorias cognitivistas e sociais, a interpretação da situação seria altamente dependente do histórico de experiências anteriores e atuais do indivíduo. Caso a situação não tenha valor para o sujeito, nenhuma alteração ocorre; contudo, tendo valor, ocorre uma ou mais das respostas dentro do quadro pontilhado.

    A impressão subjetiva incluiria o sentimento. Quando se coloca essa impressão em palavras, comumente é por meio de frases como estou feliz ou estou me sentindo triste. Contudo, não apenas o sentimento estaria nesse componente, mas também as tendências de ação que, enquanto tendências, não são prontamente observáveis. mas podem ser relatadas por meio de frases como que vontade de dar um soco naquela pessoa.

    O comportamento expresso seria o componente físico observável, incluindo tanto as alterações corporais (por exemplo, expressão facial, alteração da voz ou da postura) quanto as ações resultantes e que envolveriam interação mais direta com a situação (por exemplo, deslocar-se para outro lugar, dialogar com outras pessoas, bater no volante do carro, etc.). Já as alterações fisiológicas diriam respeito ao sistema nervoso autônomo (por exemplo, dilatação das pupilas, alteração do batimento cardíaco, sudorese, etc.).

    É importante notar que o grupo de respostas não necessariamente é dependente entre si, pois seu surgimento dependerá da interpretação do contexto. Ao escutar um comentário negativo, o sujeito pode interpretar aquilo como uma ofensa e entender que a situação permite uma reação espontânea, ficando com a pele vermelha, a respiração e o batimento acelerados (alterações fisiológicas), cerrando as sobrancelhas e os punhos e aumentando a voz (comportamento expresso) e sentindo-se injustiçado e ofendido e se preparando para uma discussão agressiva (impressão subjetiva de raiva). Contudo, quem está produzindo o comentário pode ser o chefe do sujeito e este entender que não pode agredi-lo. Nesse caso, poderia haver as mesmas alterações fisiológicas, porém acompanhadas de uma voz calma, pausada e um sorriso (comportamento expresso), ainda se sentindo ofendido, mas buscando uma resolução que não prejudicasse a boa convivência. Portanto, as respostas poderiam ser opostas (sorrir, mas estar sentindo raiva).

    Além disso, nem todas as respostas precisam ocorrer simultaneamente. Por exemplo, quando se cumprimenta alguém dizendo bom dia, pode haver o comportamento expresso de sorriso, mas o indivíduo não estar se sentindo alegre nem tendo reações fisiológicas típicas da alegria. Nesse caso, o sorriso teria a função de regular ou fortalecer a interação social, pois é valorizado culturalmente.

    Logicamente, o estado emocional não termina nas respostas. O próprio sujeito percebe suas reações externas e internas, assim como as consequências que elas tiveram no meio. Há então nova interpretação da situação e o possível surgimento de outros estados emocionais, até que se retorne ao equilíbrio.

    A Figura 1.1 também apresenta uma seta pontilhada que sai do evento e não passa pela interpretação, indo direto para as respostas. Ela representa uma situação rara e ainda não claramente compreendida no estudo das emoções. Há evidências de um circuito neuronal subcortical evolutivamente antigo, responsável por reações de medo sem o filtro da cognição, sendo que a interpretação ocorreria apenas após o ato (LEDOUX, 1996). Tal seria o caso, por exemplo, quando se percebe algo próximo se movendo e então se recolhe o braço em susto, para só depois entender que não se tratava de um objeto ameaçador, mas de uma simples folhinha ou sombra projetada.

    O modelo apresentado, logicamente, constitui uma forma simplificada e genérica de compreensão da ativação emocional. Os detalhes intrínsecos ao processamento cognitivo e as respostas são complexos e extrapolam o campo exclusivo das emoções, englobando raciocínio, motivação, psicologia social, entre outros. Não obstante, ele fornece um parâmetro ao psicólogo para o estudo das interações humanas por meio da informação de que a interpretação do evento é dependente da história de vida do sujeito.

    Por exemplo, um sujeito pode se sentir bem aceito dentro de um grupo de pessoas que compartilham o mesmo grupo musical que ele, gerando então o sentimento nomeado de amor. O sujeito teria então uma tendência a expressar carinho, podendo ser por meio de elogios, presentes, demonstrações físicas, etc. O resultado seria a manutenção dos laços afetivos naquele grupo. Importa esclarecer aqui que o mesmo grupo pode ser avaliado por outra pessoa como não sendo atraente, com gosto musical repulsivo. Nesse caso, esse outro sujeito sentiria aversão e desprezo por aquele mesmo objeto que é visto com amor por outra pessoa. Quais foram os eventos de vida que levaram esses sujeitos a apresentarem tal interpretação do mundo? O simples estudo do momento da ativação emocional pouco informa sobre esses detalhes do histórico pessoal, mas é possível afirmar que um sujeito que expressa amor por certo objeto interpreta-o como receptivo e acolhedor.

    Com base nisso, diversos autores propuseram quais interpretações tipicamente produzem um estado emocional. A Tabela 1.1 a seguir apresenta uma compilação de diversos pesquisadores na área (EKMAN; CORDARO, 2011; NIEDENTHAL: KRAUTH-GRUBER; RIC, 2006; PLUTCHIK, 2002; ROBINSON, 2008; THALMANN, 2013).

    Tabela 1.1 Emoções básicas

    O formato apresentado na Tabela 1.1 costuma ser chamado de emoções básicas, por apresentar os estados emocionais como diferenciados. Não há um consenso em relação a quantas emoções básicas existem e quais são elas, embora a maioria dos modelos inclua as apresentadas de uma maneira ou outra. Plutchik (2002), por exemplo, considera a existência de apenas oito: alegria, aceitação, medo, surpresa, tristeza, aversão, raiva e curiosidade. Em sua proposta, todas as outras emoções seriam resultantes da mistura de duas ou mais emoções básicas. Dessa forma, vergonha seria uma mistura de tristeza e aversão; respeito, de aceitação e medo; decepção, de surpresa e tristeza; e assim por diante.

    É comum também o agrupamento das emoções básicas em positivas e negativas, dependendo de suas qualidades de produção e crescimento ou de destruição e estagnação. Assim, entre as positivas estariam alegria, amor, curiosidade e interesse, enquanto entre as negativas estariam aversão, medo, raiva e tristeza (EKMAN, 2003; FREDRICKSON, 1998; IZARD, 2009; PLUTCHIK, 2002; ROBINSON, 2008). Um alerta deve ser feito quanto à utilização dessa terminologia, pois pode-se criar a impressão de que emoções positivas são boas e desejáveis, enquanto vivenciar emoções negativas seria ruim e indesejável. Coerente com a noção de que as emoções têm uma função adaptativa, não haveria estados mais ou menos recomendados. Por exemplo, a tristeza pode fazer um indivíduo se afastar por um tempo para refletir sobre uma situação difícil, pensando no que fez e na experiência que passou; raiva pode levar uma pessoa a expor situações de injustiça e prejuízo. Portanto, problemas de adaptação poderiam surgir quando as emoções não permitem a resolução do problema ou o ajustamento nas relações, independentemente de serem positivas ou negativas.

    Para além da definição do processo e das emoções básicas, alguns autores também propuseram que a vivência frequente de certas experiências emocionais, especialmente durante a infância, resultaria em traços de personalidade relativamente estáveis na vida adulta (IZARD, 2009; PLUTCHIK, 1997; ROBINSON, 2008). Existe na literatura uma distinção entre emoções que duram um curto prazo e emoções que duram mais tempo. Por exemplo, a raiva pode descrever uma situação transitória associada a um acidente (como alguém batendo no carro) ou também descrever uma pessoa que se mostra o tempo todo irritada e incomodada. No primeiro caso, a palavra raiva se refere a um estado breve, enquanto no segundo se refere a uma característica de longo prazo, que normalmente se considera como um traço de personalidade. A distinção exata entre estado e o traço emocional, contudo, não é precisa e por vezes utilizada alternadamente, dependendo do contexto em que estiver inserido. Em geral, traços de personalidade são considerados como padrões estáveis de comportamento que se manifestam em uma variedade de situações.

    Nesse sentido, as características de personalidade seriam derivadas de estados emocionais fundamentais, de maneira que, quando certas emoções se tornam constantes ao longo de um período de tempo, elas passam a ser percebidas como características permanentes e particulares de um indivíduo. Por exemplo, expressões contínuas de medo levariam à classificação de uma pessoa como tímida, e sua forma acentuada e disfuncional seria diagnosticada como personalidade do tipo dependente ou evitativa. Tais definições retomam a proposta de que as crenças ou percepções de mundo de uma pessoa podem estar relacionadas com suas emoções. Assim, podem-se relacionar as crenças das pessoas às emoções – por exemplo, piedade, vingança, gratidão, inveja, ciúmes, entre outras (IZARD, 2009; PLUTCHIK, 2000; ROBINSON, 2008).

    É possível encontrar, portanto, uma origem emocional na maioria dos problemas de adaptação presentes em atendimentos de psicoterapia e no cotidiano das pessoas. Como frequentemente os quadros clínicos envolvem não apenas estados emocionais individuais, mas também as interpretações que os sujeitos fazem da realidade e o impacto que seu comportamento tem no meio social, torna-se claro o propósito de se abordar emoções como um fenômeno complexo e não apenas reações fisiológicas (MIGUEL, 2013; 2015).

    Considerações finais

    Levando-se em consideração o que foi apresentado neste capítulo, é possível perceber que o estudo das emoções humanas é complexo e ainda há demanda de estudos que busquem definições mais específicas e conceituais para esse complexo fenômeno. Contudo, pode-se compreender que as emoções têm papel fundamental no processo de comunicação e de ação, isto é, além de revelar interpretações sobre os eventos vivenciados, o ato emocional demonstra sinais de intenções para ações futuras, tendo como propósito influenciar as relações interpessoais, especialmente para interação com aspectos ambientais (GREENBERG, 2001; PLUTCHIK, 2000).

    Estudos apontam que especificidades devem ser abordadas e hipotetiza-se que estados emocionais específicos tenderão a ser o foco dos estudos, em vez da elaboração de leis que expliquem todas as emoções. Alguns avanços nesse sentido já podem ser encontrados, como a proposta de modelos mais abrangentes e simplificados do funcionamento emocional, que possam ser genéricos o suficiente para serem adaptados para as diversas teorias psicológicas (MIGUEL, 2015; PLUTCHIK, 2000). Além disso, existem propostas de modelos mais focados no funcionamento específico (por exemplo, na alegria, raiva ou tristeza), nos diversos tipos de situações eliciadoras e suas interpretações, assim como nas numerosas possibilidades de cognições e respostas (por exemplo, FREDRICKSON, 1998; ROBINSON, 2008; KLAUS et al., 2013). Nos capítulos deste livro serão apresentadas algumas dessas vertentes, com diferentes olhares teóricos sobre fenômenos psicológicos relacionados às emoções.

    Referências

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    Teoria da intersubjetividade

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